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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Memórias intelectuais? Já está em tempo, ao que parece - Paulo Roberto de Almeida

 No início deste ano ainda pandêmico de 2022 eu transcrevi neste blog (já nem me lembrava mais) um texto que escrevi em 2009, do qual tampouco me lembrava. Trata-se uma espécie de prefácio ou apresentação a futuras memórias intelectuais que ainda não comecei a escrever, a despeito de dois ou três relatos, falando dos livros que permearam minha vida, no longo percurso da infância e juventude, até a idade adulta e mais além.

Em todo caso, transcrevo novamente esse texto, como forma de não só recordar-me dessa "obrigação pessoal", mas também de incitar-me, definitivamente a empreender seriamente o esforço de resumir uma vida toda ela dedicada à leitura, aos estudos, à reflexão e escrita variada, com publicações representando menos de 10% do que escrevi ao longo das últimas décadas. 

Um leitor (anônimo) escreveu nesta postagem, de que só vim a tomar conhecimento agora, em 17/06/2022:

Anônimo deixou um novo comentário na sua postagem " Memórias Intelectuais: Uma biografia das ideias que permearam a minha vida - Paulo Roberto de Almeida":

"Parabéns pelo trabalho. As ideias são como carvão que movimentam a locomotiva do mundo.
Sempre novas vão surgindo a dispor das antigas." 


Pois bem, vamos nos dedicar a essas memórias...

Paulo Roberto de Almeida



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Memórias Intelectuais: Uma biografia das ideias que permearam a minha vida - Paulo Roberto de Almeida

 Memórias Intelectuais

Uma biografia das ideias que permearam a minha vida

 

Paulo Roberto de Almeida

Concepção e primeira redação em 18.10.2009

(numa dessas noites de insônia)

Revisão resumida: 22.12.2009

Postado nesta versão no blog DiplomataZ (1/01/2010;

link: http://diplomataz.blogspot.com/2010/01/29-memorias-intelectuais.html).

 

 

Uma pequena introdução que se poderia chamar de metodológica 

Comecei a conceber a redação destas “memórias intelectuais” numa dessas noites de insônia que me acontecem frequentemente. Não que eu seja um insone ou que tenha dificuldades para dormir, ao contrário: como estou sempre lendo, ou escrevendo, no limite de minhas possibilidades físicas, quando vou dormir já estou dormindo em pé, ou sentado em frente ao computador, não sendo raro que eu cochile quase em cima do teclado, abatido pelo cansaço do dia, das muitas leituras, da fadiga visual em face da tela, da falta de sono enfim. Quando vou para a cama, portanto, caio como uma pedra e durma apenas o suficiente, pois necessariamente tenho de acordar antes de ter feito o ciclo completo de sono, antes de gozar daquele sono reparador que todos os médicos recomendam, seja porque tenho de trabalhar, seja porque tenho de dar aulas, o que para mim não é exatamente o mesmo que um trabalho, e sim o equivalente de um hobby, uma atividade que assumo voluntariamente, mais por prazer do que por necessidade.

Ocorre, porém, que, em algumas ocasiões, eu não consigo pregar o sono de imediato, seja porque minha cabeça fervilha com novas ideias adquiridas ao sabor das leituras cotidianas, seja porque algum outro problema perturbou o meu sono, apenas algumas horas depois de tê-lo iniciado.  

 

Pois aqui estou eu, tentando dar início a uma nova obra que vai, provavelmente, ocupar outras noites de insônia ao longo dos próximos meses e anos à frente, na redação paulatina, gradual, lenta e necessariamente interrompida do que eu chamei de “memórias intelectuais”, que nada mais são, como indica o subtítulo, do que uma história das ideias que permearam a minha vida. Por que isso? Por que esse título e não uma simples biografia ou memórias de vida, como todo mundo faz? Já explico.

Como qualquer leitor contumaz, também li muitas histórias de vida: grandes e pequenas biografias, autobiografias, relatos de vidas de homens (e mulheres) famosos, extratos de aventuras fabulosas (algumas verdadeiras, outras semi-inventadas), notas pessoais, currículos, enfim, uma variedade de escritos pessoais que sempre me interessaram mais pelo lado das ideias do que propriamente pelos feitos ou eventos. Sou assim, fascinado pelas ideias e pelos processos mentais, mais até do que pelos feitos e acontecidos. Interesso-me particularmente pelas reflexões e elaborações mentais dos homens (e mulheres, para não deixar de ser politicamente correto) que representaram alguma importância na história da humanidade. Lembro-me de ter lido, ainda em minha infância ou primeira adolescência, diversas biografias de grandes homens (e algumas mulheres) de autores como Hendryk Van Loon, Stefan Zweig, Monteiro Lobato (este mais um adaptador, do que um verdadeiro biógrafo) e vários outros autores. 

Nunca imaginei, pelo menos até alguns anos atrás, escrever minha própria biografia, e continuo achando que não tenho nada de particularmente interessante a dizer em matéria de relato de vida: a minha não foi suficientemente relevante no plano nacional, ou interessante no plano individual, para merecer uma biografia no sentido clássico, inclusive porque não sou um homem de grandes realizações práticas ou de qualquer impacto na vida nacional. Tampouco prestei depoimentos, até o presente momento, nem jamais mantive diários ou anotações regulares quanto a minhas atividades e ocupações. Sou, sim, um homem de leituras e de anotações, mas isso de livros, basicamente, o que faço de forma totalmente desorganizada e anárquica – o que parece redundante, mas não é – sem qualquer preocupação com o ordenamento sistemático dessas notas ou seu alinhamento cronológico. Simplesmente, me interesso por tanta coisa, e leio tantos livros diferentes, que sempre me foi impossível manter uma linearidade nas anotações de maneira a sustentar qualquer relato ordenado sobre a minha vida, se ela fosse relevante, ou sobre as minhas ideias, se por acaso eu tivesse um punhado delas representativa de alguma grande “filosofia” particular, o que obviamente não é o caso. Meu anarquismo literário e redacional nunca me permitiu manter notas organizadas o suficiente para escrever o que se chama classicamente de biografia, ainda que de simples ideias. 

Por que, então, me permito chamar estas minhas anotações de “Memórias Intelectuais”, um título aparentemente prometedor e, ao mesmo tempo, enganador? Não sou um intelectual, pelo menos não oficialmente: não me reconheço como tal, e não creio que eu seja conhecido como tal. Sou simplesmente um homem de leituras e de escritos, os mais diversos, tocando um pouco em todas as áreas das humanidades, o que faço mais de metido do que de sabido. O adjetivo “intelectuais” apegado ao substantivo memórias quer dizer simplesmente que este meu relato não é de vida, propriamente, nem de eventos ou de processos reais que aconteceram comigo, mas sim de elaborações mentais, de ideias, como aliás confirmado pelo subtítulo, como já escrevi acima. Ou seja, eu pretendo, sobretudo, tratar das ideias que eu defendi, que eu “frequentei”, que permearam a minha vida ao longo de cinco ou seis décadas (dependendo de quando se deve começar a contar minha vida “intelectual”). 

Não são todas ideias minhas, está claro, e sim ideias que movem o mundo, como já disse, a propósito de um livro seu, o historiador Felipe Fernandez Armesto (ver o seu Ideas That Changed the World, publicado em 2003, um livro que já resenhei, em sua edição brasileira). São, especialmente, ideias que movimentaram o meu mundo, ou que pelo menos influenciaram a minha formação, o meu pensamento, e algumas das minhas ações (sim, também as houve, e as relato aqui, conforme apropriado, mas sem muita ênfase, preferindo ficar mesmo no terreno das ideias). Não sei se sou um homem de ideias, mas sou, sim, um homem que viveu com ideias, para ideias e em função de ideias, embora (pelo menos acredito) sempre com um sentido prático, isto é, sempre com a intenção de colocá-las em “funcionamento”, ainda que poucas tenham de verdade “funcionado”. Isso nunca me deixou frustrado, ao contrário, pois eu atribuo às ideias as mais importantes transformações do mundo, ainda que nem todas tenham tido esse poder. Vale uma pequena elaboração a esse respeito, o que faço agora, à maneira de parênteses. 

 

O mundo, na concepção marxista e materialista – à qual eu aderi, voluntária e conscientemente, por boa parte de minha juventude e da vida adulta – é movido por forças materiais, por processos objetivos, que emergem do entrechoque de interesses sociais (de classe, obviamente) e do confronto entre relações sociais, algumas decadentes, outras, as vencedoras, avançadas, ou correspondendo a uma etapa superior das forças produtivas. No máximo os homens são prisioneiros de ideias do passado, segundo a fórmula de Marx no Dezoito Brumário. Keynes também disse algo semelhante, a respeito de ser a geração atual (qualquer uma) prisioneira de economistas mortos, o que se aplica perfeitamente ao seu próprio caso e à geração atual, ainda presa às suas ideias dos anos 1930, ou seja, de duas gerações passadas. 

As ideias são algo importante, e coisas vivas, no entanto. São elas que dão sentido à nossa existência consciente, são elas que guiam as nossas ações, são elas que nos impelem a novas aventuras do espírito ou empreendimentos práticos, são elas, finalmente, que sustentam a defesa de alguns princípios e valores que julgamos relevantes, seja para a “economia política” de nosso comportamento, seja para a elaboração de algum julgamento moral sobre nossas próprias ações e as dos outros. Ideas do matter, dizem os ingleses, ou americanos, whoever... As ideias têm importância, e elas tiveram uma tremenda importância em minha vida, toda ela feita de leituras, reflexões, escritos e debates em torno de ideias, todas elas, as minhas, ou seja, as que eu adquiri com leituras ou pessoas mais espertas, as emprestadas ocasionalmente, as dos outros, com as quais eu poderia concordar, ou não, assim como ideias que eu já defendi e que depois vim a recusar, até mesmo rejeitar, e que passei a combater, como foi o caso com boa parte de minha formação intelectual marxista da primeira juventude (depois explico como foi isso). 

Não tenho nenhum problema em aceitar, confessar, reconhecer essa mudança de ideias, de percepções, de atitudes em minha vida juvenil e adulta, posto que a vida é um processo continuo de incorporação de novas ideias, de sua submissão aos testes da lógica formal e da realidade, e da sua sustentação ou rejeição em função dos resultados desses “testes”, que nada mais são do que experiências de vida, novos aprendizados, incorporação de conhecimentos, aceitação de novos princípios e fundamentos para a ação social. Repito aqui o que Keynes parece ter dito, uma vez, a um interlocutor que o acusava de ter mudado frequentemente de ideias: “sim, eu mudo de ideias cada vez que muda a realidade; e você, o que faz?”

 

Este livro, portanto, não se ocupa apenas de minhas ideias, ainda que seja difícil distinguir o que é meu e o que pertence aos seus autores originais, na minha incorporação particular, individual, das ideias que li ou ouvi ao longo de uma vida extremamente bem recheada de leituras e de palestras, a que assisti ou de que participei, interagindo com membros da mesa ou com o público inquisidor (sim, sempre acreditei que aprendemos muito com nossos interlocutores, mesmo os que nos contestam, como ocorre ocasionalmente com alguns alunos e mais frequentemente com outros debatedores). São ideias que “estavam no ar”, que eu peguei, usei, transformei, reelaborei, introduzi em novas ideias que eu mesmo possa ter elaborado e que sai por aí, distribuindo à vontade, em meus escritos, aulas e palestras. Fiz isso durante toda a minha vida adulta, seja na profissão diplomática, seja nas lides acadêmicas, assumidas em caráter voluntário e em tempo parcial durante quase todo o tempo em que fui diplomata de carreira. 

Sim, sou daqueles que acreditam e defendem ideias próprias, mesmo trabalhando numa corporação de ofício, a casta dos diplomatas, que tem algo de Vaticano em sua maneira de ser e em sua forma de proceder. Na veneranda Casa que foi minha durante várias décadas, um funcionário subalterno é suposto acatar ideias dos superiores, quando não defendê-las, como se fossem suas. Consoante meu espírito anarquista e libertário, eu nunca fiz isso, jamais; sinceramente não me lembro de ter alguma vez acatado, em sã consciência ideias “superiores” apenas porque elas emanavam dos semideuses que nos governavam, quando eu era secretário: conselheiros, ministros, embaixadores. Sempre formulei alguma observação, seja para assinalar minha concordância (quando eu efetivamente concordava com o que estava sendo exposto), seja para argumentar em algum outro sentido (quando eu tinha alguma objeção de princípio ou alguma observação tópica a fazer a respeito do assunto em pauta). Nunca fui daqueles que quando parte para o trabalho deixa o cérebro em casa, ou deposita a sua capacidade de reflexão na portaria, ao adentrar no serviço: sempre levei comigo minha disposição a pensar com minha própria cabeça e a levantar elementos factuais ou argumentos opinativos, sempre quando o tema tratado me parecia padecer de alguma inconsistência formal ou de deficiência substantiva. Nunca tive qualquer hesitação em contestar chefes ou outros superiores em reuniões de trabalho, acumulando com isso (pelo menos suspeito) sólidas inimizades ao longo da carreira (não de minha iniciativa, mas provavelmente da parte dessas personalidades contestadas, que provavelmente nunca toleraram a arrogância desse mero secretario ou conselheiro que ousava discordar de suas brilhantes ideias e propostas). 

Sou assim, e não me escuso de sê-lo, pois acredito que devemos ser, publicamente, como somos na intimidade, ou seja, nos comportar exatamente como comandam nossos instintos, modo de ser, vocação inata. Eu nasci para ser um leitor, um “absorvedor” e um processador de ideias, e tendo a expressar as minhas, conforme julgo apropriado ou oportuno. Se os demais, os superiores, não concordam com elas, não me importo minimamente, pois considero que num mundo de ideias, como o que vivemos, devemos sempre lutar para que as boas ideias prevaleçam sobre as más, ou inadequadas. Não sou, nem me considero, um “salvador” da humanidade, pelas ideias ou pelas ações, mas considero, sim, que a humanidade pode e deve avançar pela defesa das boas ideias, pela sua prevalência sobre as más, ou negativas, pela promoção das soluções “corretas” aos enormes problemas da humanidade, de pobreza, de desigualdade, de injustiça, de infelicidade. Sim, também tenho esse lado um pouco milenarista ou messiânico de pretender “melhorar” a humanidade pela ação consciente dos homens de bem, dos cientistas, dos engenheiros, dos humanistas, que buscam algo mais na vida do que o simples prazer pessoal ou a satisfação individual. Considero-me comprometido com uma causa superior, que é, em primeiro lugar, a elevação espiritual, ou “mental”, da humanidade, base indispensável para sua elevação material, ou para a busca incessante de melhores padrões de vida para o maior número. 

Talvez seja esse o legado de meu passado socialista ou marxista: pretender “melhorar” a humanidade, ainda que eu tenha há muito desistido de qualquer projeto de “engenharia social”, ou seja, a pretensão de mudar os homens para mudar a sociedade, como ocorreu na triste história do socialismo real ao longo do século 20. O “homem novo” deve ser simplesmente construído em nível individual, pela educação de qualidade, livre, diversificada, totalmente liberta de qualquer crença fundamentalista – como o marxismo esclerosado, por exemplo – e não imposto por qualquer programa de “reeducação social” mediante projetos autoritários de transformação social, como os conhecidos nessa triste experiência político-messiânica. Dessas ideias eu creio que me libertei, a partir da juventude tardia e da entrada na etapa adulta de minha vida, ainda que eu não tenha conseguido me libertar dessa ideia básica de pretender promover o “bem comum” e a “felicidade dos povos” (mas, aqui e agora, sem qualquer sentido autoritário ou mandatório). De todas as minhas visitas e experiências no socialismo real – o que poucos intelectuais do mundo capitalista realmente fizeram – retirei a certeza de que o sistema criado pelo partido de vanguarda trouxe mais infelicidade do que bem-estar aos povos que pretendeu transformar, e nem sempre num sentido meramente material, de disposição de bens correntes; no mais das vezes, a miséria moral e a degradação dos indivíduos foram bem mais relevantes do que a penúria de bens e serviços. 

 

Creio que os parágrafos acima já oferecem um resumo do que são as ideias que pretendo discutir neste ensaio de biografia intelectual, basicamente uma história das ideias para consumo próprio, uma espécie de balanço de uma vida de leituras, de reflexões e de escritos, que foi tudo o que me foi dado fazer ao longo de uma carreira diplomática e acadêmica sem muitas emoções ou grandes acontecimentos. Talvez as poucas ideias aqui contidas possam servir de motivo de reflexão aos mais jovens, aqueles que como eu começam ou começaram a sua vida cheios de entusiasmo juvenil por grandes projetos de transformação do Brasil e do mundo. Eu fiz a minha parte, tentei, sim, transformar o Brasil – nem sempre no bom sentido, confesso, como quando pretendia fazer do país uma economia socialista, seguindo o exemplo cubano – e tentei, depois, ajudar na transformação do mundo, seja como diplomata, seja como professor, seja ainda como autor de alguns escritos que podem ter influenciado a formação de alguns poucos jovens que tiveram contato com esses escritos.

Uma coisa é certa: ainda que eu possa ter errado algumas (ou muitas) vezes, eu sempre tentei ser honesto comigo mesmo e com as ideias que estavam à minha disposição, ou seja, ao usá-las de modo racional e sempre visando ao bem comum. A honestidade intelectual não é apenas uma virtude, para mim, mas uma necessidade imperiosa, uma condição inseparável de minha personalidade e disposição de vida. Nunca consegui defender ideias nas quais não acreditava, nunca fui hipócrita no trabalho diplomático ou acadêmico, sempre defendi (e expressei) o que pensava, mesmo ao risco de prejuízos materiais ou morais. Nunca me escondi atrás de “falsas ideias”, apenas para contentar um superior ou sugerir uma ilusória concordância intelectual com quem quer que seja na academia, e por isso mesmo devo ter granjeado inimizades e criado alguns problemas para mim mesmo, aqui e acolá. Isso nunca me importou: sempre preferi estar em paz com minha consciência, do que ganhar algum favor de um superior por submissão a ideias que não defendo ou que rejeito. Nunca fui carreirista, numa ou noutra “profissão”, aliás, nunca me classifiquei apenas como diplomata ou como acadêmico; sempre disse que eu era diplomata, ou professor, mas em meus escritos e palestras eu me apresentei sempre como sociólogo ou “doutor em ciências sociais”, conforme o caso, o que são títulos, não condições profissionais. Acho que nunca escrevi como diplomata – ou seja, a langue de bois, ou o bullshit, típicos da profissão e da linguagem diplomática – e tampouco me comportei como acadêmico, ou seja, apenas um pesquisador ou professor de uma instituição de ensino e pesquisa.

Sempre fui um ser livre, tanto quanto me permitiram minha condição de servidor público e de contratado de uma instituição de ensino, ou seja, cumprindo minhas obrigações mínimas, mas me reservando o direito de pensar com minha própria cabeça e de expressar o que me ia na cabeça, por vezes de forma algo agressiva, reconheço. Mas é porque o meu entusiasmo pelas ideias, meu cuidado em recolhê-las dos livros e colocá-las à disposição dos demais, meu empenho em “ensinar” aos outros as “boas ideias” são tais que em algumas (ou várias) ocasiões eu acabei me chocando com ideias antigas, conservadoras, inadequadas, incorretas, francamente equivocadas. Isso seria porque minhas ideias eram melhores do que as dos outros? Talvez, e aqui confesso algum orgulho de estar um pouco à frente de meus contemporâneos, exclusivamente em função de minha obsessão pela informação, pelo conhecimento, pela argumentação lógica e bem fundamentada. Sim, eu me impaciento com a lentidão de algumas pessoas (talvez a maioria) em perceber a realidade, que está ali, à disposição de quem quer ver, bastando se informar corretamente – mas a maioria das pessoas lê pouco e se informa de maneira deficiente – e refletir com base em preceitos mínimos da lógica formal e da argumentação bem sustentada. Não tenho culpa se sempre tive mais informações do que a média de meus colegas de trabalho e de academia: isso foi alcançado ao custo de muito sacrifício, de muitas noites de leitura, de muito esforço em buscar e apreender os dados da realidade. Como estou fazendo agora mesmo, neste momento de reflexão e de registro de minhas memórias intelectuais. Mas, encerro no momento, pois já são 9h25 de uma manhã de domingo, e eu vou dormir um pouco antes de retomar minhas leituras e lides acadêmicas um pouco mais tarde. Boa noite (ou bom dia).

 

Brasília, residência da SQS 213, 18/10/2009

Início: 6h37 da manhã; interrupção: 9h25.

Revisão: 22/12/2009

 

Uma breve geografia de meu percurso internacional - Paulo Roberto de Almeida

  Uma breve geografia de meu percurso internacional 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sintética sobre meu percurso internacional, desde a juventude, mas apenas transcrevendo os países onde já estive.

 

 

Apenas atendendo a uma curiosidade, ou provocação, de um leitor, vou listar, numa ordem não exatamente perfeita, todos os países que visitei, como curioso, como turista, como estudante, como profissional, como simples viajante ocasional ou planejado, como uma espécie de substrato a um futuro “Baedeker” de minha trajetória internacional, ou seja, o roteiro de minha geografia pessoal, que poderei fazer um dia, talvez seguindo numa mapa do mundo, onde já estive e porque, com qual motivo e quais ensinamentos retirei de cada uma dessas “visitas”. Elas indiscutivelmente fizeram parte de minha formação, de minha educação e dos insumos que passaram a incrementar meu trabalho profissional e acadêmico nessa área das relações internacionais, sem que eu me considere um “internacionalista”. 

Sou apenas um curioso e um nômade com gosto, mas bem menos nômade do que minha cara Carmen Lícia, ela sim, uma viajante incansável, e planejadora inovativa e inovadora de todas as nossas viagens da fase adulta. Mas, as minhas viagens começaram bem mais cedo, primeiro nos livros que eu lia na biblioteca infantil de meu bairro em São Paulo: Monteiro Lobato, Karl May, Emílio Salgari, Jules Verne e todos os outros escritores de viagens, alguns que provavelmente nunca viajaram aos lugares sobre os quais escreveram, mas que aprenderam em outros livros, nas enciclopédias, nos livros de viagem, nos guias de turismo, nos relatos de outros viajantes. Depois, nas primeiras viagens de carona, como mochileiro, depois como autoexilado voluntário durante a ditadura militar, finalmente como profissional da área internacional e como turista acidental. Tudo isso me formou, e como!

Mas, não vou entrar em digressões neste momento. Vou apenas listar erraticamente, embora numa certa ordem cronológica, os lugares onde eu já estive, ao sabor da pena, ou melhor, do computador (que permite ajustes, correções e adições, a qualquer momento). 

 


 São Paulo, Mongaguá (o mar, ah, o mar), viagens com o Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha pelo interior de SP e no Paraná, na primeira metade dos anos 1960, depois de mochila à Bahia e a Brasília, de mochila pelo Cone Sul (Paraguai, Argentina, Chile, Uruguai), na segunda metade dos anos 1960. Finalmente a partida do Brasil: de barco, no final de 1970, por Tenerife, Gibraltar, Barcelona, de trem e carona pelas estradas europeias em pleno inverno: França, Alemanha, Tchecoslováquia, uma visita a um país kafkiano, literalmente, não por culpa do Franz, mas por culpa do socialismo. Começo de uma aventura de quase sete anos, de estudos, muito estudo, sobretudo em bibliotecas, as mais diversas.

Bélgica, para estudos e trabalho, a partir do início de 1971: Bruxelas e viagens pelo país, inclusive de bicicleta, Holanda, França, Alemanha, Suíça, socialismo outra vez (a convite, inclusive União Soviética e algo mais), Argélia, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, França muitas vezes, e o contato com todos os tipos de estrangeiros, em Bruxelas, Antuérpia, Paris. De trem, de carro, de avião, esticadas para todas as partes segundo a ocasião e as oportunidades. Mas, sobretudo bibliotecas, onde as viagens eram na imaginação.  

Brasil de volta, em 1977, indo para o governo final do regime militar, mas com a repressão ainda ativa. São Paulo, e logo em seguida Brasília, dando início a uma bela carreira, feita para mim, e que justamente combinava viagens, a trabalho, e escapadas para cultura e lazer. Pela primeira vez, eu era pago para viajar, logo em seguida: Polônia socialista, Iugoslávia de Tito, aproveitando para passar por Portugal, Paris e o que mais estivesse no caminho. Tive sorte de namorar, logo em seguida, com uma pessoa ainda mais nômade do que eu: Carmen Lícia Palazzo, que já tinha viajado tanto ou mais do que eu, nas encarnações anteriores. E livros, claro, sem o que não se pode ter uma vida a dois. Casamento e planos vagos sobre o futuro; lua de mel na estrada: 11 mil kms de Fiat 147, de Brasília a São Paulo, depois Porto Alegre, Brasília novamente, para descarregar os presentes, e Belém-Brasília, com duas únicas paradas no caminho, seguido de São Luis, Belém novamente e volta a Brasília, para passeios nas redondezas.

Não escolhi sair, mas me escolheram. Lá fomos nós, final de 1979: Berna, uma capital simpática, num país ordeiro, limpinho, organizado. Nasce o Pedro Paulo, mas com quinze dias ele já estava na estrada conosco, em todos os cantões da Suíça e mesmo na França, Itália, Áustria e Alemanha. De volta à Bélgica em 1981: retomada do doutoramento, que tinha ficado interrompido na volta ao Brasil em 1977; comecei a revisar os fundamentos e a racionalidade das posturas anteriores, inclusive com base em novas e frequentes viagens.

E quais foram as viagens desta primeira incursão profissional, entre a Suíça e a então Iugoslávia, logo após a morte de Tito, entre 1979 e 1984? Primeira viagem de lazer, no primeiro fim de semana de Berna, de pura curiosidade “etílica”, foi feita na Route du Vin, da Alsácia, saindo da Suíça por Basileia, a cidade de Erasmo de Roterdam; voltamos não só com muitas garrafas de vinhos, de Riquewihr, Ribeauvillé, até Colmar, como também com um conjunto de pequenas taças para tomar os brancos da região, entre eles Pinot Noir. A partir daí não paramos mais, entre a Suíça francesa, de Genebra e Lausanne, a alemânica, até a italiana, sem contar uma vez que esquecemos o carrinho do Pedro, já de volta a Berna, em Murten ou Friburgo, não me lembro bem. Depois avançamos sobre a França, a Alemanha, a Itália, a Áustria (cruzando Lietchenstein) e até onde era possível alcançar, sem esquecer as terras do socialismo real: comprei a Marx-Engels Gesamtausgabe na Dietz Verlag de Berlim oriental, cruzando cidades das duas Alemanhas da Guerra Fria e suas fronteiras fortificadas. 

A partir de Belgrado, o mais comum eram as viagens à Itália, não exatamente para lazer, tão somente, mas sobretudo para abastecimento, numa fase de penúria socialista (mas no socialismo todas as fases são de penúria material, sem falar da miséria moral). Estávamos tão acostumados com Trieste, Padova, Veneza, que o Pedro Paulo, ao voltar para Brasília com 4 anos e meio, pediu para passar um fim de semana em Veneza, passeando de gôndola. Mas tinha também as viagens na própria Iugoslávia: Croácia e Dalmácia, Eslovênia, Montenegro, Macedônia, Kossovo, Vojvodina e outros lugares visitáveis. A partir dali fomos duas vezes à Grécia, e uma vez até Istambul e a Turquia asiática, atravessando a Bulgária e cruzando o Bósforo na grande ponte que une Europa e Oriente Médio. Itália foi, entre todas, a de maior quilometragem turística, de um canto a outro da bota, até a Sicília e a Calábria. Após a defesa do doutoramento na Bélgica, a intenção era ir de Belgrado até a União Soviética, entrando por Leningrado e voltando por Minsk ou Kiev: acabou não dando certo em Helsinque, por falta de vouchers apropriados – sem os quais seria impossível se abastecer ou se alojar ou comer – e então fizemos uma das melhores viagens de todos os tempos: da capital finlandesa até a terra de Papai Noel, Rovaniemi, no círculo polar ártico, por trem-auto, e depois atravessando a Lapônia finlandesa (milhares de lagos e zilhões de mosquitos), a sueca e o extremo norte da Noruega, onde o sol nunca se punha (claro que fomos no verão); volta pelos fiordes, Oslo, Gotemburgo (onde eu passei todo um verão lavando pratos, no verão de 1972, para pagar minha manutenção na Bélgica), Dinamarca, novamente Alemanha e volta a Belgrado, já próximo da volta ao Brasil.

Em Brasília, o que se podia fazer como passeios era nas cercanias, ou então, esticar até São Paulo e Porto Alegre, algumas vezes a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro, uma vez. Mas foi por pouco tempo, logo estávamos a caminho da Suíça uma segunda vez, em Genebra, talvez um dos melhores postos da carreira, junto com Washington, pelo trabalho e pelas viagens, naturalmente. Nessa época, os mercados financeiros ainda não estavam tão desenvolvidos, assim que eu tinha duas ou três carteiras com francos franceses, liras e marcos alemães, eventualmente algum xelim austríaco, além de cartões de crédito. Eu até tive uma conferência diplomática no meio, em Washington, para um tratado sobre circuitos integrados sob gestão da OMPI, que eu seguia em Genebra. No continente europeu, foram dezenas e dezenas de milhares de quilômetros pelas grandes autoestradas e pelas pequenas rotas do interior, na costa italiana, no interior da França, na Romantische Strasse da Alemanha. Fui convidado para acompanhar o embaixador Rubens Barbosa na Aladi, em Montevidéu, mas ficamos em Genebra todo o tempo que foi possível. Saudades da Suíça.

Montevidéu é perto de tudo, do Brasil, de Buenos Aires, do Cone Sul, e por isso aumentamos a quilometragem, com muitas escapadas a Porto Alegre, e uma grande viagem até a Patagônia e o Chile no verão (janeiro-fevereiro de 1991), já na companhia da Maíra, conosco desde o final de Genebra, desta vez num Honda Civic, que me rendeu mais dinheiro na venda do que eu tinha dispendido na compra. Mas ficamos menos de dois anos em Brasília, pois já em 1993 estávamos saindo para a Europa novamente, desta vez em Paris. Mais viagens e incursões por toda a Europa ocidental, inclusive de novo na península itálica e na península ibérica, pois antes de ingressarem na CEE os portugueses se referiam à Europa que estava além dos Pirineus. A Grã-Bretanha já tínhamos conhecido, mas eu ainda fiz uma pequena viagem com Pedro Paulo a Londres, para visitar o embaixador Rubens Barbosa, que nessa época (1994) era o representante junto à Corte de St. James.

Depois de quatro anos em Brasília (com as costumeiras viagens a Minas e ao Sul), fomos para a capital do Império, um posto que eu relutei ao início, mas que depois se revelou uma das melhores estadas da carreira, nos planos funcional diplomático, familiar, pessoal e acadêmico (com muitas reuniões com brasilianistas e convívio com as universidades locais. Logo no primeiro fim de semana de Washington, viajamos para Gettysburg, na Pensilvânia, o histórico lugar da mais cruenta batalha da guerra civil, e do famoso discurso do presidente Lincoln sobre a democracia. Do Canadá às fronteiras do México, de Chicago às Florida Keys, percorremos, a partir de Washington, praticamente toda a costa leste e grande parte do interior – que eu chamava de “caipirolândia” – e do Sul, ainda com traços visíveis do racismo americano – um regime talvez até pior do que o do Apartheid –, com várias incursões a Nova York, Pensilvânia, Maryland e Virgínia, dois estados em que moramos de 1999 a 2003. Não anotei o total da milhagem, mas daria, provavelmente, para ir e voltar da Terra à Lua.

Na volta a Brasília, com exceção de duas ou três viagens internacionais – Florida, Buenos Aires, estão na minha memória –, viajamos basicamente no Brasil, mas também esticamos três meses no milharal do Illinois, para um estágio na Universidade em Urbana-Champaign, a convite dos brasilianistas Werner Baer e Joseph Love, com nova viagem de carro desde a Florida, ida e volta. Eu atendia basicamente convite de acadêmicos, para bancas, seminários e palestras em diversas universidades brasileiras. Foi também o período em que mais escrevi, a partir de meu quilombo de resistência intelectual, deslocando do blog para a biblioteca do Itamaraty. Em 2010, tivemos a sorte de passar oito meses em Xangai, para a exposição universal, quando aproveitamos para viajar para diversas partes do imenso país, e também a Macau, Hong Kong e Japão. No meio, fui à Espanha e vim a Brasília, para um congresso da Brazilian Studies Association. 


 De volta a Brasília, e ainda no meu quilombo, aproveitei um convite da Sorbonne, em 2012, para passar seis meses em Paris (e viajando pela Europa), para aulas no mestrado do Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine: ainda aproveitamos para palestras na Universidade de Louvain-La-Neuve, e na Universidade de Londres. Um ano depois, aceitei trabalhar no Consulado do Brasil em Hartford, Connecticut, e foram quase três anos de viagens as mais proveitosas: ademais de incursões frequentes a New Haven (Yale), Nova York e mesmo Washington – para palestra no Foreign Institute do Departamento de Estado –, fizemos duas memoráveis travessias coast to coast, até o Pacífico, uma vez pelo Norte, outra vez pelo Sul, ademais de duas ou três escapadas ao Canadá e o outro extremo, Florida Keys.


 O retorno a Brasília coincidiu com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o que me levou a assumir a direção do IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, do Itamaraty –, e com ela muitas viagens pelo Brasil e até duas ou três internacionais. Foi um dos períodos mais gratificantes intelectualmente, feito de inúmeros debates com acadêmicos brasileiros e visitantes estrangeiros, e muitas edições de livros sobre política externa. Durou exatos dois anos e meio, de agosto de 2016 a março de 2019, quando começou o fantástico desgoverno antiglobalista, ao qual dediquei pelo menos cinco livros, do que eu chamo de ciclo da diplomacia bolsolavista, que simplesmente não teriam existido se o bando de idiotas da franja lunática não destruísse com tanto empenho os padrões de qualidade da diplomacia profissional e deformado completamente a política externa brasileira. 


 Quando estávamos nos preparando para começar novo ciclo de viagens, de volta aos Estados Unidos e novamente à Europa, talvez até mesmo a China, começou a desgraça da pandemia da Covid-19, e depois a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, situação que ainda perdura. Estamos só aguardando uma acalmia no mundo, para retomar nossas viagens, agora puramente de lazer intelectual e prazer gastronômico.

Continuarei minha pequena geografia do mundo em outra ocasião. Apenas lembro que minhas postagens na plataforma Academia.edu são acessadas em dezenas de países e em centenas de universidades, o que já foi objeto de diversas postagens minhas, sobre esses acessos “universais” na própria plataforma. Também me utilizo ocasionalmente de outra plataforma, a Research Gate, mas a quase totalidade dos trabalhos pode ser conferida ou no meu site pessoal, ou na plataforma Lattes, obrigatória para qualquer acadêmico. Muita coisa pode ser vista no meu quilombo de resistência intelectual que, pela última contagem, já indica quase 25 mil postagens (desde 2006), mais de 9,5 milhões de acessos a essas postagens e algo como 919 seguidores (inclusive um que se intitula “Padre Eterno”, sic). Com livros e acesso a praticamente toda a imprensa mundial, já estou “viajando” todos os dias, mas estamos aguardando tempos mais amenos para retomar a estrada, antes que avião. A despeito dos temores, já estivemos três vezes em São Paulo e uma longa viagem até Gramado e Porto Alegre, neste ano. Aos poucos vamos retomando os caminhos de sempre e provavelmente também alguns novos, no continente ou fora dele. Vontade não falta...

 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4172: 17 junho 2022, 6 p.

www.pralmeida.org
diplomatizzando.blogspot.com
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9470963765065128
https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida
https://www.researchgate.net/profile/Paulo_Almeida2


quinta-feira, 16 de junho de 2022

Um livro deve ser sempre único e original, ou pode ser "reformado"? - Émile Durkheim e Paulo Roberto de Almeida

 Frase do dia, ou de sempre, sobre os livros (e uma reflexão pessoal sobre o ato da escritura), que fui buscar no frontspício da quarta edição (1934) da primeira obra de Oliveira Vianna: Populações Meridionais do Brasil (1920): 


Un livre a une individualité qu'il doit garder. Il convient de lui laisser la physionomie sous laquelle il s'est fait connaître.
Émile Durkheim

Tradução livre: 
Um livro possui uma individualidade que ele deve conservar. Convém deixá-lo com a fisionomia sob a qual ele se fez conhecer.

Considero essa frase de Durkheim, coletada por Oliveira Vianna, uma espécie de "pito" aos que mudam os livros depois de publicados, para "corrigir" eventuais falhas. Existem aqueles que preferem deixá-los tal como foram publicados, reservando-se aos resenhistas as críticas que cabem, ou ao próprio autor retificar seu pensamento em novas obras, diferentes da primeira. 
A decisão sobre uma ou outra atitude é difícil, pois o computador e os processadores de textos facilitaram enormemente aquela atitude conhecida como "técnica Lavoisier": na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
Meus livros, em princípio, se sucedem, sem alterações, sendo que apenas um recebeu três edições, constantemente "melhoradas" e ligeiramente diferentes. Todos os demais são únicos e originais.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de junho de 2022

quarta-feira, 15 de junho de 2022

As singularidades da Independência do Brasil: livro da Funag e do Instituto Camões

 

No contexto das comemorações do Bicentenário da Independência, a Fundação Alexandre de Gusmão e o Instituto Camões publicam a obra As singularidades da Independência do Brasil, a qual reúne ensaios inéditos de especialistas dos dois lados do Atlântico acerca do complexo período que culminou na emancipação brasileira como Estado independente. Trata-se de exercício de história comparada, no qual cada contribuição agrega à coletânea uma perspectiva única e enriquecedora, envolvendo o Brasil e Portugal durante a crise do Antigo Regime, em um multifacetado mosaico de vertentes: institucional, diplomática, política, econômica, cultural, portuguesa e brasileira.

Seu público‑alvo são estudantes, docentes, pesquisadores e todos aqueles que se interessarem em conhecer mais sobre uma longa e intrincada evolução que a memória coletiva condensa em um dia no século XIX, o 7 de setembro de 1822, mas cujos desdobramentos contribuem para formar o Brasil atual e o dos próximos anos, bem como para alicerçar o sólido edifício que continua sendo construído pelas duas nações irmãs.

A obra está disponível gratuitamente na biblioteca digital da FUNAG

https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1186

Olhar a China pelos Livros: livro coordenado por Jorge Tavares da Silva - lançamento em Lisboa

Acabo de receber e já agradeci: 

Prezados coautores,


Boa tarde!


É com enorme prazer que venho informar que a NOSSA obra coletiva Olhar a China pelos Livros está pronta e será lançada no dia 29 de junho de 2022, quarta-feira, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), em Lisboa, pelas 17:00 (hora portuguesa), com ligação zoom para os colegas que não poderão estar presentes. 


O Centro está a preparar um convite formal para podermos divulgar pelos nossos amigos, colegas e conhecidos. Só farei a divulgação depois de receber esta indicação por parte da instituição (julgo que será na próxima semana o início da divulgação).  


Ainda não vi o livro impresso, mas já vi a versão preliminar, incluindo a capa que sugeri. Gosto muito do trabalho final e corresponde inteiramente ao que tinha pensado inicialmente. Todos estiveram à altura, até pelos comentários dos revisores que fui recebendo…. Temos excelentes textos (18), um excelente livro, completamente original. 


Isto só foi possível com o esforço e talento dos coautores. MUITO OBRIGADO! Estamos TODOS de parabéns!


Até muito breve!

Jorge Tavares da Silva


LANÇAMENTO DO LIVRO

 

Olhar a China pelos Livros

Coordenação de Jorge Tavares da Silva

 

Numa edição conjunta do Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, e da Universidade de Macau, será lançado no próximo dia 29 de Junho, às 17 horas, no Centro Científico e Cultural de Macau, Rua da Junqueira, 30, em Lisboa, o livro Olhar a China pelos Livros, coordenado por Jorge Tavares da Silva, que conta com a participação dos seguintes autores: Ana Cristina Alves, António Caeiro, António Graça de Abreu, Carlos Rodrigues, Carmen Lícia Palazzo, Cláudia Ribeiro, Cristina Zhou, Francisco José Leandro, Jiawei Xing, Jorge Tavares da Silva, José Duarte de Jesus, Luís Lavrador, Miguel de Senna Fernandes, Paulo Roberto de Almeida, Ran Mai, Ruirui Sun, Sun Lam Xulio Ríos.

 

Como refere Jorge Tavares da Silva no prefácio: 


 A China é uma erupção civilizacional trespassada por múltiplas dimensões espaciais, sociais e culturais. Olhá-la representa sempre um processo inacabado, contagiado por perceções subjetivas e contradições. A certeza da incerteza, a angústia do incompreendido são algumas das dimensões que a tornam aliciante na prática da decifração. O estímulo levou a que, ao longo dos séculos, muitos autores se dedicassem a escrever sobre esta terra, as suas gentes, o pensamento e comportamento coletivo, os usos e costumes. São estas obras, as clássicas e as modernas, entre a ficção e o ensaio, a prosa e a poesia, que aqui olhamos, num exercício de confrontação entre uma China sonhada e uma China vivida. Foi lançado o repto a dezassete autores para que escrevessem sobre a “sua China”, em sintonia, ou confrontação, com a China exposta em obras de referência. Desafiando as advertências do Orientalismo, de Edward Said, procura-se explorar a dialética dos olhares, entre chineses e não chineses, tanto no centro como na periferia, de uma geografia intrincada. Não é um compêndio sobre livros da China, mas uma publicação sobre imagens, apreensões ou emoções vivenciadas no Império do Meio. Trata-se de uma tentativa de correspondência, entre duas perceções, de uma mesma realidade, confrontando o prisma de quem a olhou, com a visão de quem a está a olhar. O desafio faz-nos lembrar as experiências do francês A.D., na China, e do chinês Ling W.Y., na Europa. Estas personagens, nascidas da escrita fina de Malraux, sujeitaram-se ao embate da cultura do “outro”, e, assim, exprimiram por correspondência os palpites da alma com laivos de imaginação.

 

Portal da revista Interesse Nacional passa a atuar em colaboração com a Folha de S. Paulo

 Uma excelente notícia:




IAB: lançamento de livros de Paulo Roberto de Almeida: resumo das palestras (14/06/2022)

Recebi, do IAB nacional, nota resumindo o evento organizado pela Biblioteca Daniel Aarão Reis, em torno de dois livros meus, com a participação do embaixador Sergio Florêncio (autor de um outro livro que será lançado em agosto, pelo mesmo IAB), do professor Arnaldo Godoy e do jurista e diplomata Paulo Fernando Pinheiro Machado.

O vídeo do evento está disponível neste link:

 https://www.youtube.com/watch?v=V-FaQKa2dzE 

 


Tuesday, 14 June 2022 22:00 

Embaixador afirma na TVIAB que desaparecimento de Dom e Bruno irá isolar ainda mais o Brasil

“O desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira não foi apenas um gesto de criminosos localizados, mas faz parte de um projeto de desmantelamento da política ambiental, de ausência de fiscalização em todas as esferas, de ataque institucional que fez muito mal ao Brasil e irá nos isolar ainda mais no plano internacional.” A afirmação foi feita pelo embaixador Paulo Roberto de Almeida nesta terça-feira (14/6), no canal TVIAB no YouTube, ao participar do lançamento virtual de dois de seus livros sobre o Itamaraty e a política externa brasileira. 

As obras Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileiraO Itamaraty sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 foram lançadas no projeto Saindo do Prelo, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), coordenado pela diretora de Biblioteca do IAB, Marcia Dinis. Participaram do evento, aberto pela 2ª vice-presidente do IAB, Adriana Brasil Guimarães, o embaixador Sergio Florêncio, o procurador da Fazenda Nacional Arnaldo Godoy e o diplomata Paulo Fernando Pinheiro Machado, 2º vice-presidente da Comissão de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário do IAB.

Em sentido horário, Sergio Florêncio, Marcia Dinis, Paulo Fernando Pinheiro Machado, Arnaldo Godoy, Adriana Brasil Guimarães e Paulo Roberto de Almeida

Ao abrir o webinar, Adriana Guimarães lembrou a intensa atividade acadêmica que o IAB conseguiu manter durante a pandemia: “Batemos um recorde de lançamentos de 30 livros nesses dois anos pandêmicos, e mantivemos, assim, acesa a chama do debate acadêmico”. Marcia Dinis definiu os livros de Paulo Roberto de Almeida como “corajosos e revolucionários”. Ao final do webinar, exemplares dos livros Apogeu e demolição da política externa e Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização, do mesmo autor, foram sorteados entre as pessoas que estavam assistindo.

Segundo Marcia Dinis, O Itamaraty sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 “denuncia o sequestro da política externa brasileira durante o governo Bolsonaro, por meio de ações do chanceler apoiado pelo presidente”. Ela lembrou que foi adotada pelo chanceler Ernesto Araújo “uma política fundamentada nas concepções de Olavo de Carvalho”, baseada em ataques ao Itamaraty e na destruição das tradições diplomáticas.

Já no livro Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira, o autor relata três décadas de relações internacionais do Brasil, a fim de demonstrar como a história do Itamaraty se desenvolveu, desde a redemocratização, e atingiu o seu apogeu, até a eleição do atual presidente. “Além de constatar o desmantelamento da política externa brasileira, o autor apresenta um planejamento de reconstrução – leitura obrigatória para qualquer pessoa que pretenda entender a política externa brasileira”, afirmou Marcia Dinis.

Anarco-diplomata – Doutor em Ciências Sociais, com vocação acadêmica voltada para os temas de relações internacionais, de história diplomática do Brasil e para questões do desenvolvimento econômico, o embaixador Paulo Roberto de Almeida, que é diretor de publicações do Instituto Histórico e Geográfico do DF (IHG-DF), se define como “um anarco-diplomata”. Com dezenas de livros publicados, ele disse: “Tive que interromper meus estudos, digamos, mais sérios, quando comecei a ver os horrores acontecendo no Itamaraty e na política externa brasileira”. Entre 2019 e 2021, ele escreveu cinco livros sobre o tema, que ele chama de “ciclo do bolsolavismo diplomático”. 

O Itamaraty sequestrado foi concluído logo após a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos. Paulo Roberto de Almeida acreditava que o chanceler Ernesto Araújo – que ele chama de “ornitorrinco, um animal estranho na fauna do Itamaraty” – seria demitido, porque havia apostado no Trump, mas isso só aconteceu em março de 2021. “A partir daí, tivemos um outro chanceler, profissional, ainda que a política externa não tenha mudado muito, mas o Itamaraty respirou aliviado”, comentou o embaixador.

Crítico severo também da diplomacia no governo petista, porque acha que "ele deformou a diplomacia brasileira ao trazer um componente partidário e fazer alianças com ditaduras”, Paulo Roberto de Almeida reconheceu que o Itamaraty teve grande projeção no período do governo Lula, assim como atingiu o seu apogeu no período de Fernando Henrique Cardoso. “A partir de 2018, houve uma demolição em regra”, afirmou.

O embaixador Sergio Florêncio, atualmente pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), fez um rápido resumo dos capítulos do livro Apogeu e demolição da política externa e observou: “Paulo Roberto de Almeida tem uma formação intelectual muito sólida e diversificada, mas ao mesmo tempo tem uma natureza contestatária muito forte”. Arnaldo Godoy, que também é advogado, disse que o autor “não pode ser acusado de ser um homem de esquerda, porque foi um dos maiores críticos da diplomacia do lulopetismo; ao mesmo tempo, não pode ser acusado de ser de direita, porque é um dos maiores críticos da diplomacia contemporânea”.

Advogado e diplomata, Paulo Fernando Pinheiro Machado ressaltou a capacidade que Paulo Roberto de Almeida tem de transitar do particular para o geral: “Só um ator que viveu e conhece aqueles assuntos pode dar detalhes de fatos presenciados por quem estava lá, e ele tem a capacidade de colocar esses detalhes num contexto maior de uma grande onda, que atinge o seu apogeu e começa a se desintegrar – isso é obra de gênio”. 


Deterioração da situação fiscal aponta para aumento de juros e mais inflação em 2023

 O Brasil é um asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle (Paulo Francis)

Prezados Senhores

Com uma previsão orçamentária da ordem de R$ 320,1 bilhões em renúncias fiscais para 2022, Bolsonaro abre mais um buraco da ordem de R$ 110,0 bilhões em renúncias fiscais, sem fontes de recursos definidos que, como sempre, serão cortadas das pastas da Tecnologia, Saúde e Educação.

Rogo a Deus que Bolsonaro seja reeleito para que, em seis meses do seu novo governo seja expulso do poder, juntamente com o seu bando refece de demônios, da mesma forma como ocorreu com Dilma. Por isso, e somente por isso, o Centrão sabendo que não haverá mais o que sugar de Bolsonaro já prepara a vice de Bolsonaro (Tereza Cristina).  

Ricardo Bergamini


 

 

Governo abre mão de R$110 bi de arrecadação em 2022 e analistas veem risco a próximo governo 

 

Por Bernardo Caram

ISTOÉ DINHEIRO, 15/06/22 

 

BRASÍLIA (Reuters) – A implementação de uma série de medidas que envolvem cortes de tributação significará uma perda de receita de ao menos 110 bilhões de reais aos cofres federais em 2022, com a maior parte das iniciativas adotadas neste ano eleitoral sob justificativa de que ações emergenciais são necessárias para reduzir a inflação.

 

Especialistas alertam, no entanto, que o movimento do governo embute riscos fiscais que geram pressões inflacionárias a médio prazo. A reversão de medidas temporárias a partir de janeiro de 2023 também empurra parte da inflação para o próximo governo. É esperado ainda que mesmo este ano os cortes de tributos não sejam repassados integralmente ao consumidor.

 

O levantamento das perdas reúne as medidas implementadas nos últimos meses e listadas pelo Tesouro Nacional por gerarem renúncia de receita. Inclui também o pacote anunciado e articulado pelo governo para baixar preços de combustíveis, que ainda depende de aprovação do Congresso e representa o maior custo estimado, num total de 64,8 bilhões de reais apenas para a União este ano –a maior parte das ações vale apenas até dezembro. 

 

O ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, que deixou o cargo no ano passado após o governo sinalizar que driblaria o teto de gastos para reforçar programas sociais, afirma que a maior preocupação é com o efeito que será produzido pelas medidas em 2023, quando mais da metade dessas renúncias terá perdido a validade.

 

“Vamos ter o seguinte dilema no ano que vem: ou teremos uma inflação maior do que o projetado para 2023 (com a reversão dos cortes de tributo) ou teremos um fiscal pior do que o projetado para manter desonerações”, disse Bittencourt, que é economista da ASA Investments. 

 

Ele estima que 0,9 ponto percentual de inflação será empurrado deste ano para 2023 por conta das medidas.

 

O governo federal já havia zerado alíquotas de PIS/Cofins sobre diesel e gás de cozinha até dezembro, a um custo de 14,9 bilhões de reais. Agora, por mais 17 bilhões de reais, decidiu zerar também tributos sobre a gasolina, medida que era criticada pela equipe econômica por beneficiar famílias de classes média e alta.

 

O relator da proposta do Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), ainda incluiu no texto uma isenção sobre etanol e álcool anidro (usado na mistura da gasolina) até 2027, ao custo de 3,3 bilhões de reais neste ano.

 

O pacote, que está em análise pelos parlamentares e ainda pode ser alterado, vai além ao definir, em outra medida, um repasse de até 29,6 bilhões de reais da União aos governos regionais que aceitarem zerar cobranças de ICMS sobre diesel e gás de cozinha até dezembro deste ano. O pagamento será feito por fora da regra do teto de gastos, que opera no limite.

 

Com o novo cenário, Bittencourt acredita que cresce a pressão para que o Banco Central, que está agora inteiramente focado na inflação de 2023,mantenha a taxa básica de juros elevada por mais tempo, considerando os efeitos inflacionários a médio prazo.

 

“Claro que se a gente joga uma inflação imprevista de 2022 para 2023, com todos os custos de inércia, o Banco Central vai ter que começar a se preocupar e colocar isso na mesa para tomar suas decisões”, afirmou.

 

O BC vem implementando um agressivo ciclo de aperto monetário na tentativa de domar a inflação, que está acima de dois dígitos. Nesta quarta-feira, a diretoria da autarquia se reúne para definir o patamar da Selic e sinalizar passos futuros.

 

Na lista de medidas com maior perda de arrecadação para a União está ainda o corte permanente, já em vigor, de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 35%, com renúncia de 23,4 bilhões neste ano.

 

Outra iniciativa tratada como emergencial pelo governo para segurar a inflação foi o corte linear das tarifas de importação, reduzidas em 20% de maneira unilateral pelo Brasil, sem o aval dos membros do Mercosul. Com ela, o Tesouro estima que deixará de arrecadar 6 bilhões de reais em Imposto de Importação neste ano.

 

A economista da XP Tatiana Nogueira afirma que o governo deve conseguir um efeito de baixa da inflação neste ano, mas que o movimento pode se inverter em 2023 após a retomada da cobrança de tributos reduzidos temporariamente.

 

“Você resolve um problema em 2022, mas encomenda um problema maior em 2023“, disse. ”Além disso, em um segundo momento, aumenta o risco fiscal”, acrescentou, ressaltando que grande parte da recente alta da arrecadação foi motivada por questões conjunturais como a inflação e a disparada de preços de commodities.

 

Na última semana, avaliação feita pela agência de classificação de risco Moody’s após os anúncios do governo sobre combustíveis apontou que a aprovação do pacote dos combustíveis com pagamentos fora do teto seria negativa para o crédito do Brasil.

 

“Controlar os gastos para cumprir o teto ajudou o governo a desenvolver força fiscal: exceções diminuem sua capacidade de controlar os gastos e preservar a credibilidade fiscal, especialmente antes das eleições de outubro”, disse.

 

Segundo Nogueira, da XP, a expectativa é que mesmo neste ano, o corte de tributos chegue ao consumidor final apenas parcialmente, com uma fatia das reduções sendo internalizada pelas cadeias do mercado. No caso de combustíveis, a XP estima que o repasse ficará entre 60% e 80%.

 

Em um exemplo dessa dificuldade, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mencionou na semana passada que o corte de Imposto de Importação de alimentos pelo governo com o objetivo de baixar preços não será sentido de imediato pelo consumidor.

 

Nogueira ressalta que no caso dos combustíveis há ainda o fator adicional da defasagem nos preços em relação ao mercado internacional. Dados de segunda-feira da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) apontam defasagem de 17% na gasolina e 16% no diesel. Eventual reajuste de preços pela Petrobras poderia anular efeitos do corte de tributos.

 

DISTORÇÕES

 

Relatório publicado pelo Santander na quinta-feira afirma que as medidas de desoneração para conter preços de bens e serviços podem distorcer tendências inflacionárias. O banco espera que as iniciativas reduzam a inflação deste ano em 1,4 ponto a 3,1 pontos percentuais, mas já vê uma pressão de alta do IPCA em 0,6 ponto em 2023.

 

Procurado, o Ministério da Economia não respondeu. A equipe econômica tem argumentado que o governo está registrando recordes de arrecadação e que os excessos de receita são em parte estruturais, podendo ser convertidos em corte de tributação, justificando também que o cenário atípico com resquícios da pandemia e a guerra na Ucrânia exige medidas emergenciais.

 

Para este ano o governo também contabiliza renúncias não relacionadas a situações emergenciais e que têm cifras menores de impacto. Entre elas, estão a renovação da desoneração da folha salarial para setores da economia (9 bilhões de reais), o regime especial de tributação para clubes de futebol (2,3 bilhões de reais) e a prorrogação de benefício tributário para a compra de veículos por pessoa com deficiência (1,3 bilhão de reais).

 

O número do levantamento não considera o custo que será arcado por Estados e municípios com o projeto que estabelece um teto permanente de 17% para a cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia, comunicação e transporte coletivo. A Consultoria de Orçamentos do Senado estimou que esse impacto deve ficar em até 26,8 bilhões de reais para os entes apenas em 2022.

 

(Por Bernardo Caram; edição de Isabel Versiani)