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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Petroleo e poder: algumas digressoes - Paulo R. Almeida


PETRÓLEO E POLÍTICA EXTERNA

Paulo Roberto de Almeida

Respostas a um acadêmico

1) Qual a sua opinião em relação à ausência de reconhecimento, principalmente por parte da sociedade brasileira, dos impactos e inovações tecnológicas trazidas pela indústria do petróleo. Porque isso ocorre?
PRA: Não é preciso muita elaboração para reconhecer que a sociedade brasileira carece de um bom nível educacional, e que a informação tecnológica é ainda muito restrita a um pequeno mundo de iniciados. Isso faz com que a maior parte das pessoas “compre”, por exemplo, as mensagens mistificadoras e enganosas do governo Lula sobre o pré-sal, assim como sobre o papel da Petrobras num sistema industrial-produtivo que deveria conhecer um debate fundamentado tecnicamente, embasado em dados consistentes, em análises precisas e apoiadas em dados econômicos e científicos. Mas nada disso ocorre, em parte pela incultura geral, em grande medida pela propensão deste governo em mentir, mas também em função da incapacidade de acadêmicos e cientistas em se comunicar com o público mais bem informado, em linguagem apropriada para manter um debate de alto nível sobre questões relevantes como essas. Infelizmente, o quadro é desalentador para os que pretendem impulsionar políticas públicas baseadas no interesse nacional, não em confabulações partidárias e  ideologias anacrônicas.
2) De que maneira podemos esperar que se dê a relação brasileira com o petróleo, em longo prazo, após a descoberta do pré-sal? O petróleo pode voltar a ter uma posição central na sociedade, a despeito dos avanços do etanol?
PRA: A civilização moderna, ou contemporânea, ainda vive a era do petróleo, e mesmo que combustíveis alternativos venham a ocupar mais espaços na matriz energética mundial, o petróleo continuará sendo, durante muito tempo, a base de nossa civilização. Para isso remeto a meu artigo: Monteiro Lobato e a emergência da política do petróleo no Brasil. O Brasil estava se encaminhando para uma matriz mais limpa, e agora, infelizmente, volta a sujar a sua matriz com o petróleo do pré-sal. Diferentemente da maior parte dos analistas, não acho que ter petróleo abundante seja uma boa coisa; nunca é. Ter petróleo suficiente, certamente é uma boa coisa; ter petróleo invadindo a esfera produtiva e tornando a sociedade em rentista do petróleo é certamente uma evolução negativa. Já vimos isso nas marchas dos cariocas e prefeitos de cidades do Rio de Janeiro, para preservar inteiramente os royalties do petróleo, que eles gastam de forma irresponsável, de forma rentista. Isso é muito negativo. O que o Brasil tem de fazer é diversificar cada vez mais sua matriz e sobretudo desenvolver novas tecnologias de novas fontes, renováveis, não fósseis, de energia.
3) Com relação ao curto prazo, quais devem ser as estratégias políticas brasileiras após a descoberta do pré-sal, o país deve usá-lo como ferramenta de poder, principalmente na América do Sul?
PRA: Petróleo não é instrumento de poder e sim de corrupção, em primeiro lugar política e moral, depois econômica e produtiva. O Brasil deve desenvolver a integração energética na América do Sul, mas em bases de mercado, não com base em empresas estatais que respondem a critérios não econômicos nas decisões a serem tomadas. O Brasil era, muito tempo atrás, dependente do petróleo importado (não da própria região mas do Oriente Médio). Ele agora corre o risco de se tornar dependente do petróleo nacional, o que seria péssimo. Instrumento de poder é um conceito que não deveria existir nas relações do Brasil com os demais vizinhos regionais: o que o Brasil precisa desenvolver são laços econômicos de todo tipo para unir sua economia à dos vizinhos; o petróleo não é um bom caminho para isso, embora não se possa negar sua importância. O caminho é a liberalização do comércio em bases amplas, sobretudo com base na competição entre empresas privadas, não públicas.
4) No decorrer das décadas houve algumas mudanças na geopolítica da economia petrolífera mundial. Qual a expectativa do Brasil como produtor petrolífero, tendo em vistas suas recentes descobertas “Off Shore”? Na sua opinião, qual o posicionamento brasileiro na geoeconomia do petróleo nas próximas décadas?
PRA: O Brasil nunca será um grande ator na geoeconomia e na geopolítica mundial do petróleo. No máximo ele terá petróleo para o seu próprio abastecimento, e para algumas exportações, de preferência como derivado e produtos industriais da petroquímica, não como petróleo bruto. A menos que o Brasil descubra províncias petrolíferas verdadeiramente gigantescas, e se torne um exportador liquido, ele nunca será um grande ator, pois suas dimensões e crescimento vão certamente requisitar quase todo o petróleo produzido off-shore.
5) Que outros setores do país podem ser beneficiados por essas estratégias políticas e econômicas? (Caso as perguntas 3 e 4 sejam pertinentes)
PRA: Todas estas: a indústria petroquímica, a indústria de equipamentos de prospecção, de extração e transformação do petróleo e do gás, know-how geológico e sobretudo inovação e pesquisa científica em todas as áreas tocadas pela indústria do petróleo, que é um complexo muito grande, além do simples extrativismo primário. Na verdade, estamos falando aqui de todo um debate sobre a matriz energética brasileira, que é algo muito importante para ficar na mão de ignorantes como os que vimos, querendo misturar biodiesel com famílias pobres do Nordeste cultivando mamona. Apenas mentalidades toscas, militantes rudimentares poderiam juntar duas coisas absolutamente díspares, como são a matriz energética de um país e a existência de populações pobres vivendo em regime de subsistência. O Brasil abusa da faculdade de errar, de se enganar, de impulsionar políticas erradas, de gastar dinheiro público com políticas totalmente inadequadas, como a que se fez até agora com o biodiesel. O pior é que com isso se compromete também uma companhia importante como a Petrobras.
6) Quais são as principais diferenças entre as políticas externas do setor petrolífero brasileiro atual, e as políticas apresentadas pela futura presidente do Brasil, Dilma Roussef? Em que pontos a política do governo de José Serra seria diferente para o setor?
PRA: O governo, na verdade, não tem uma “política externa” para o setor do petróleo, ou se tiver é esquizofrênica. O governo passou todo o primeiro mandato tentando impulsionar o etanol, o biodiesel e os combustíveis alternativos nos foros internacionais, promovendo foros, discussões e conferências e fazendo propaganda do etanol brasileiro. Depois que se descobriu o pré-sal, o governo esqueceu completamente o etanol e passou a ser “gigolô do petróleo”, até considerando um possível ingresso na OPEP, o que seria uma bobagem monumental. A presidente eleita não tem políticas, até agora, e sobretudo não tem uma política externa para o petróleo; ela só teve propaganda, na frente doméstica, baseada num Fundo Social que supostamente vai distribuir a “riqueza” do pré-sal. Ela nada disse das mistificações contábeis que levaram à reestatização da Petrobras (parcialmente apenas), a pretexto de capitalizá-la. Acredito que um governo José Serra, também estatizante, deixaria o pré-sal no regime anterior de concessões, o que diga-se de passagem é um bom regime de divisão de riscos na exploração. Agora, a Petrobras fica com todos os riscos, o que é uma bobagem imensa.
A outra orientação do governo no setor é a política de nacionalização dos equipamentos e o direcionamento das compras no mercado nacional, o que pode ser negativo no plano microeconômico, e de toda forma distorce as regras do jogo, pois a Petrobras é obrigada a atuar com base em critérios políticos, não com base em requerimentos técnicos e critérios econômicos.
7) E na sua opinião, qual seria a forma ideal para o governo brasileiro dirigir sua política petrolífera perante o cenário mundial?
PRA: Apenas desenvolver uma política petrolífera sensata, guiada pelos impulsos de mercado, não determinada pela voracidade política em se apropriar da renda petrolífera para fazer distributivismo demagógico e negativo do ponto de vista da diversificação da economia brasileira. O fato é que o petróleo no Brasil sofre os influxos da produção de petróleo e de sua comercialização no plano mundial, mas a companhia Petrobras e a política interna de preços vem sendo manipulados pelo governo de forma totalmente contrária aos impulsos do mercado, o que é especialmente negativo. A Petrobras sofre com essas rédeas políticas que ela tem, sendo obrigada a seguir orientações absurdas no que se refere a preços, refinarias, decisões de exploração, compra de equipamentos, etc.
8) Uma questão que está sendo levantada na opinião pública internacional é se a Petrobras conseguirá gerenciar o 'boom' do setor petrolífero nacional, após várias descobertas de petróleo em águas ultraprofundas no litoral brasileiro. Qual a sua opinião?
PRA: Sim, mas a um custo enorme para ela, em relação ao antigo regime das concessões, que tinha os riscos repartidos com os investidores estrangeiros. A única conseqüência do novo regime absurdo imposto pelo governo é dar à Petrobras a responsabilidade primária por todos os campos, o que aumenta os riscos e a necessidade de investimentos, em valores incompatíveis com os seus recursos próprios e com os aportes do Tesouro, também, que está sendo obrigado a fazer maquiagens contábeis para esconder o endividamento efetivo. Por enquanto não existe um boom, mas apenas promessa de um boom, o que de toda forma pode ser negativo no plano estritamente econômico, pois vai deformar o perfil mais equilibrado do setor energético brasileiro.
Na verdade, não cabe à Petrobras gerenciar nenhum boom do petróleo, pois ela é apenas uma companhia de petróleo e de energia. Quem tem de gerenciar isso é o governo, mas de forma equilibrada, mantendo um dialogo de alto nível com todos os setores da sociedade, no Parlamento, nas universidades, com consulta a especialistas estrangeiros, enfim, com um amplo estudo, de fortes bases técnicas, sobre como gerenciar esses recursos de forma sustentável e equilibrada. O que o governo fez agora foi demagogia em torno do pré-sal, vendendo a pele do urso para políticos rentistas, antes de ter matado o urso, ou seja, ter extraído petróleo. A manutenção do regime anterior teria sido muito melhor para o Brasil e para a própria Petrobras.
9) Como esse fator pode afetar a imagem do país perante as outras nações? A profundidade das águas e a qualidade do petróleo podem ser fatores determinantes?
PRA: Não se trata de um problema técnico e isso não tem nada a ver com profundidade de águas ou o tipo de petróleo. O mundo tem todos os tipos de petróleo em regiões as mais diversas e tudo isso se integra em mercados dinâmicos, com demanda e oferta para todos os tipos em momentos que se interpenetram. O Brasil poderia participar da grande geopolítica do petróleo se o setor respondesse mais a impulsos dos mercados do que a determinações políticas, que tendem a distorcer as regras do jogo e os custos de todo o setor.
Em última instância, não cabe à Petrobras determinar todos os aspectos econômicos, políticos e sociais do petróleo no Brasil, e sim cumprir o seu papel de empresa pública. Hoje, ela está sendo manipulada politicamente com base em critérios eleitorais e partidários, o que é lamentável do ponto de vista da cidadania.
O único fator determinante no mundo do petróleo é permitir flexibilidade suficiente para as empresas do setor para que elas se adaptam a uma geopolítica sempre cambiante. Não existe nenhum motivo para que governos tenham um poder decisivo num mercado em que os preços do principal produto estão mudando todos os dias. Governos não são feitos para ficar jogando no mercado de futuros: governos são feitos para criar um bom ambiente econômico para o investimento privado. Desse ponto de vista, os exemplos que tem sido dados pelo atual governo do Brasil são amplamente negativos; eles aproximam um pouco mais o Brasil desses países rentistas do petróleo que conseguem ficar mais pobres, mais desiguais e mais deformados econômica e politicamente do que sem o petróleo.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 6 de novembro de 2010)

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