O autor provavelmente tem razão na interpretação dos indicadores. O problema é que como a parte fiscal (Ministério da Fazenda) não faz o seu dever, o BC tem de se encarregar de todo o trabalho de evitar a inflação...
Paulo Roberto de Almeida
Não há superaquecimento da economia
Antonio Corrêa de Lacerda - São Paulo
Terra Magazine
Quinta, 10 de junho de 2010, 08h20
O desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) referente ao primeiro trimestre do ano, com crescimento de 2,7% em relação ao trimestre anterior tem suscitado uma preocupação exagerada e infundada a respeito do risco de um alegado superaquecimento da economia brasileira. Algo que não se sustenta à luz da interpretação dos indicadores. O comportamento das vendas, no comércio varejista ampliado, do próprio IBGE, por exemplo, apontam um crescimento robusto, de 9,6%, no acumulado de doze meses. No entanto, além do efeito estatístico da base de comparação muito baixa dos primeiros meses do ano anterior, há o impacto do estimulo proporcionado pela redução de impostos em setores como móveis e automóveis, por exemplo.
Ambos os efeitos serão amenizados nos próximos meses, na medida em que a base de comparação for maior e também refletir o final da vigência de medidas de incentivo ao consumo. A expansão do crédito, outro fator de impulso das vendas, também mostra sinais de esgotamento, pela própria limitação da capacidade de endividamento dos consumidores. Portanto, o ritmo vai gradualmente refluir.
Já, na indústria, o quadro é bem diferente. Nos doze meses acumulados até março, comparativamente aos doze meses imediatamente anteriores, a produção física da indústria, do IBGE, ainda apresenta uma queda (sic) de 1,2% ! A indústria mergulhou profundo na crise e o vale foi o primeiro trimestre do ano passado. Desde então, vem se recuperando, mas ainda não voltou aos níveis pré-crise.
De forma estratificada, os dados são ainda mais impactantes. A produção de bens de capital, pelo mesmo critério, apresenta uma diminuição de 10% ! Embora haja uma perspectiva de crescimento industrial forte para o ano de 2010, nada indica um quadro de crescimento excessivo.
Não há, por outro lado, um risco de esgotamento da capacidade industrial. O nível de utilização da capacidade industrial, da CNI, vem de fato crescendo mês a mês. Os dados refletem uma pesquisa realizada junto ás indústrias sobre o quanto estão utilizando da sua capacidade instalada. O indicador é proveitoso, mas precisa ser qualificado, por três motivos principais:
i) as empresas têm capacidade de ampliar rapidamente a sua capacidade de produção, sem grandes novos investimentos. Isso se dá mediante adaptações nas linhas de produção, modernização e, o mais importante, adoção turnos adicionais e o trabalho em períodos ociosos, como horário noturno, ou finais de semana;
ii) é muito difícil sistematizar e confrontar a análise da fotografia do uso da capacidade instalada com os novos investimentos em realização e previstos, de forma a indicar qual a nova capacidade de produção que poderá ser atingida no médio prazo;
iii) o coeficiente de importação vem aumentando, o que altera a estrutura da base produtiva, portando gerando mais espaço para crescimento.
Conjunturalmente, há ainda um fator de enorme incerteza que é o desdobramento da crise na Europa e seus impactos para o Brasil. Há, pelo menos três aspectos significativos: i) do lado comercial, com o bloco europeu crescendo menos, isso vai impactar diretamente 22% das nossas exportações para lá direcionadas; ii) a redução dos fluxos de capitais, leia-se investimentos diretos, inversões na bolsa de valores, e financiamentos, que farão diminuir a liquidez no mercado brasileiro; iii) uma queda nos preços, especialmente das commodities.
Há muitas variáveis em jogo, muitas delas imponderáveis. O risco envolvido é o de exagerar no freio de mão, quando as condições da pista já envolvem, seja pelos efeitos estatísticos, seja pela mudança brusca das condições metereológicas, uma redução natural da velocidade média do veículo.
O BCB vai ter que ter muita perícia para tomar decisões sobre taxas de juros e outros, que só farão efeito para o nível de atividades, daqui a cinco, seis meses. Para isso, terá que olhar menos para o retrovisor - os indicadores passados - e mais para o parabrisa, um tanto nebuloso à frente. O que vai lhe exigir muito feeling, intuição. Os dados passados ajudarão pouco e as variáveis estão mudando substancialmente.
Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET.
Fale com Antonio Corrêa de Lacerda: alacerda@terra.com.br
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