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quarta-feira, 2 de junho de 2010
De volta ao tema de flamenguistas e vascainos no Oriente Medio...
ELIO GASPARI
Folha de S.Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2010
Dilma e Vannuchi precisam ler o que acontece aos presos na ditadura do companheiro Ahmadinejad
A CANDIDATA DILMA Rousseff e o companheiro Paulo Vannuchi, secretário nacional de Direitos Humanos, precisam ler "Death to the Dictator!" ("Morte ao Ditador!"), livrinho de 169 páginas que saiu nos Estados Unidos, contando a história de um jovem de 25 anos que foi preso pela milícia iraniana no dia 5 de agosto do ano passado, durante um protesto contra a posse de Mahmoud Ahmadinejad na Presidência. Ele passou 28 dias nos calabouços da República Islâmica. Ambos conheceram a rotina dos porões da ditadura brasileira e podem avaliar o que sucede no Irã enquanto Nosso Guia apoia a ditadura que esmagou a sociedade civil iraniana. Ex-presos políticos, Dilma e Vannuchi podem entender o que sucedeu ao ex-metalúrgico Mohsen (um pseudônimo, bem como o da autora, cujas qualificações foram verificadas pelo colunista Roger Cohen, do "New York Times"). Ele era um ativista periférico e participou de passeatas e quebra-quebras nas semanas seguintes à eleição. Preso, foi levado para a prisão de Evin, a Bastilha de Teerã, desde o tempo do Xá. Os presos ficavam nas celas algemados, encapuzados e obrigados ao silêncio. Na linguagem do porão, Mohsen "quebrou" na primeira surra. Isso ficou claro quando confirmou ter participado de reuniões e projetos inexistentes, inventados pelos interrogadores. Mohsen ficou poucos dias em Evin. Foi transferido para outro calabouço, onde o regime guardava bandidos, traficantes e cafetões. Lá, não mais o interrogavam. Os policiais o espancavam em nome do "Deus misericordioso e compadecido..." e um deles ordenou: "Engravide-o". Outro disse-lhe: "Você quer de volta o seu voto?" Mohsen, como seus companheiros de cela, era violentado todos os dias, às vezes mais de uma vez. Três semanas depois jogaram-no numa beira de estrada. Quando reencontrou a família, pediu que o levassem a um médico que não o conhecesse. Na noite da eleição, em junho passado, o presidente Ahmadinejad ironizou esportivamente os protestos: "É como no futebol, todo mundo acha que vai ganhar". No dia seguinte, Lula, recorreu à mesma metáfora: "Por enquanto, é apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos". O médico que cuidou de Mohsen disse à sua mãe que vigiasse o filho, pois vira casos semelhantes e muitos jovens mataram-se. O que aconteceu no Irã depois que a Guarda Revolucionária se impôs nas ruas, nas empresas, nos meios de comunicação e no aparelho judiciário não foi coisa de flamenguistas ou de vascaínos. O beneplácito misericordioso e compadecido que, desde então, Lula dá a Ahmadinejad, suja com a marca da amoralidade a diplomacia brasileira. Esse beneplácito faz com que soe parcial quando condena as ações de Israel. Razões de Estado podem levar o governo turco, que tem uma extensa fronteira com o Irã, a cultivar uma política de boa vizinhança com Ahmadinejad, mas Brasília fica a 11 mil quilômetros dessa encrenca. Lula argumenta que exerce no Oriente Médio uma função pacificadora, porque o Brasil "cansou de ser tratado como segunda classe". Expandindo contenciosos e importando conflitos que pouco têm a ver com o interesse brasileiro, pratica uma agenda de terceira.
2 comentários:
Em um mundo ideal concordaria 100% com estes argumentos, sem contestações, mas eles são incoerentes com a nossa própria realidade e com a de muitas nações com as quais mantemos relações diplomáticas.
Em nome da coerência deveríamos criticar duramente os EUA por suas já famosas prisões mundo afora, por suas guerras preventivas e por sua política externa altamente intervencionista, deveríamos romper relações com China e Cuba e demais países onde as liberdades individuais são inexistentes ou foram fortemente reprimidas, deveríamos criticar Israel por todos os territórios ocupados ilegalmente e por todos os "acidentes" como este último da frota de ajuda humanitária, e sim, deveríamos também pressionar o Irã por mais liberdade, pela não proliferação nuclear e por transparência nas eleições, entre tantas outras razões. Se usarmos a moral para pautar nossa política externa, não deveria haver espaço para "razões de estado" ou qualquer outro tipo de política flexível de acordo as necessidades do momento, se nossa política externa é amoral, então ela o é muito antes de nosso envolvimento com o Irã.
De fato, não existe política externa imparcial, ela sempre busca os interesses particulares dos países que a estão praticando. Da maneira que o texto apresenta os fatos, soa como se a diplomacia Brasileira tivesse sido, até este momento, um bastião de moralidade e imparcialidade num mundo governado por valores duvidosos e interesses conflitantes e que somente agora estivesse manchando sua reputação, o que definitivamente não é o caso.
Não estou defendendo o Irã, discordo de seu modelo teocrático e repressor, acredito que eles realmente possam se tornar um perigo para as nações próximas, acho que todos os países que possuem um arsenal atômico deveriam se livrar dele e que deveríamos juntos garantir que novos não sejam construídos, mas acredito também que devemos fazer o que é "certo" sempre e não simplesmente quando é conveniente.
Rodrigo,
O Gaspari é apenas um jornalista que precisa desesperadamente diferenciar-se dos demais, e por isso utiliza-se de um estilo, digamos, bizarro. Nem tudo o que ele escreve é confiável, nem tudo o que critica é inadequado, ou irregular. Ele apenas gosta de aparecer, digamos assim.
No caso em questão, deixando de lado o aspecto moral da diplomacia brasileira (que não parece ter nenhuma preocupação com esse lado), fica o seu questionamento da seletividade do império.
Isso é absolutamente verdade: os EUA condenam rogue states por aí e são coniventes com as barbaridades que ocorrem na Arábia Saudita, por exemplo, e essas não são as maiores contradições, longe disso.
Mas, se não se pode mudar o mundo, e a sua própria atitude, melhor atuar naquilo que é mais urgente ou mais grave. Pensando honestamente, com todas as bobagens que já fizeram pelo mundo afora, os EUA foram uma força progressista, humanista, defensora dos direitos humanos, das liberdades e do progresso social e político. Sem poder ser perfeito, o legado da América é eminentemente positivo.
Paulo Roberto de Almeida
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