Alguns dos leitores habituais, ou visitantes ocasionais, sabendo da minha condição profissional, estranham e até escrevem isso (nem sempre publico tudo o que recebo), que este blog seja tão crítico de determinadas medidas governamentais, tão cáustico contra figuras públicas, tão cético quanto à suposta capacidade do Estado -- qualquer Estado, mas este em particular -- em fazer o "bem".
Bem, não tenho por que prestar contas a qualquer pessoa. Eu me considero um cidadão livre, uma consciência autônoma, uma cérebro independente, que costuma pensar por sua própria conta, reagindo apenas como cidadão ativamente interessado nas coisas públicas -- ou seja, as que dizem respeito às formas e condições sob as quais são gastas o dinheiro que o Estado arranca de mim, contra a minha vontade, pois tem certas coisas que não se justificam, quando o Estado não prestou nenhum serviço e ainda assim recolhe um terço do que eu ganho, por exemplo -- e que portanto tenho sempre algo a dizer com respeito a assuntos de interesse público, ou coletivo.
A incompetência do governo, por exemplo, deste governo em particular, é algo acintoso, manifesto, despudoradamente claro, cristalino, e não tenho porque esconder minha opinião a esse respeito.
Aos que acham que eu deveria me conter, visto que recebo meu salário do Estado, eu diria o seguinte:
1) recebo salário como funcionário do Estado, não como servo do governo, sobretudo de um governo que pouco faz para merecer o respeito dos cidadãos;
2) não costumo depositar o cérebro na portaria quando vou trabalhar, nem alugo minha consciência para ninguém, assim como não vendo meu voto contra benefícios materiais;
3) não é o governo, ou sequer o Estado que me paga; é a coletividade, pois o governo não produz rigorosamente nada -- a rigor, só déficit público -- e recolhe dos cidadãos e das empresas todos os recursos que ele usa (mal) para contratar serviços ou pagar seus funcionários (desigualmente, escandalosamente desigualmente);
4) não tenho por que exercer auto-censura, sendo que vivo em democracia e tenho o direito (talvez até o dever, já que vivemos em tempos bárbaros) de expressar o que penso; quem se sentir atacado, que me processe.
Dito isto, vamos ao que interessa: restabelecer a verdade sobre fatos simples da vida, que no entanto se escondem no manto da propaganda governamental e das mentiras que são assacadas todos os dias contra as evidências mais gritantes.
Por fim: considero este blog um serviço de utilidade pública. Quem lê e encontra o que gosta, muito bem, pode ficar satisfeito e nem precisa agradecer.
Quem também lê e não gosta, não dou a mínima; se quiser comentar o conteúdo, sinta-se à vontade; se desejar atirar sobre o pianista, recolha suas armas: não pretendo iniciar uma enésima discussão sobre o mensageiro. Mensagens e comentários apenas sobre a substância.
Quem tem a "mente cativa", como diria um poeta polonês, não deve gostar desse blog. Lamento pelas mentes cativas, mas a minha continua leve, livre e solta...
Paulo Roberto de Almeida
A incompetencia gerencial explícita do governo Lula
Editorial do Estado de S.Paulo, 10.08.2010
O governo Lula deixará a seu sucessor uma conta de restos a pagar no valor de R$ 90 bilhões, segundo estimativa de técnicos do governo divulgada no Estado de domingo. Essa conta tem crescido ano a ano, de acordo com a candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, porque a atual administração aumentou os investimentos públicos. Mas a explicação esconde a verdade. A transferência de pagamentos de um ano para outro tem aumentado seguidamente porque o governo federal tem sido incapaz de investir as verbas autorizadas no Orçamento-Geral da União (OGU).
Neste ano, até 5 de agosto, o governo federal desembolsou R$ 23,4 bilhões para investimentos custeados pelo Tesouro. Isso representa apenas 34,3% da verba de R$ 68,2 bilhões autorizada no orçamento, embora mais de metade do exercício já tenha transcorrido. Mas só R$ 7,5 bilhões foram pagos com recursos previstos para 2010. Os demais R$ 15,9 bilhões correspondem a restos a pagar de exercícios anteriores. Só na rubrica investimentos ainda há restos a pagar de R$ 33,7 bilhões. Para todos os tipos de despesas, a parcela relativa a restos chega a R$ 58,8 bilhões, de acordo com o último balanço divulgado pela ONG Contas Abertas, especializada no acompanhamento e na análise das finanças públicas.
De janeiro até o começo de agosto, portanto, a liquidação de restos a pagar foi pouco mais que o dobro dos pagamentos custeados com dinheiro previsto na programação de 2010.
Despesas são inscritas como restos a pagar quando são empenhadas num exercício e não liquidadas até 31 de dezembro. Alguma transferência desse tipo é normal, porque nem todos os gastos contratados num ano são pagáveis até dezembro. Mas esse tipo de operação contábil aumentou nos últimos sete anos, especialmente depois de lançado o primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Isso não torna verdadeira a explicação da ex-ministra e candidata Dilma Rousseff. As verbas inscritas no OGU para cada exercício devem corresponder - é razoável supor - ao andamento estimado das obras e compras de equipamentos. Mas a experiência tem desmentido repetidamente essa suposição.
O investimento esperado simplesmente não se realiza porque o governo está despreparado para elaborar projetos e para administrar sua execução. Muitos projetos empacam na avaliação de seus efeitos ambientais, seja por defeito de elaboração, seja porque os órgãos de licenciamento cumprem mal a sua tarefa. Alguns são brecados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por defeitos técnicos na parte financeira ou por falhas em licitações.
Em muitos casos, tudo se passa como se os projetos fossem preparados por funcionários desinformados das normas financeiras aplicáveis à administração pública. Em vez de cobrar maior cuidado no desenho de projetos e nas licitações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva protestou mais de uma vez contra o TCU, como se esse órgão fosse um entrave à realização dos investimentos públicos.
A incapacidade do governo para elaborar e executar projetos foi agravada pelo aparelhamento da administração federal, em todos os seus níveis. Exemplos de gestão deficiente ocorrem tanto na administração direta como na indireta.
O chamado PAC orçamentário é um fracasso bem conhecido. O PAC das estatais só avançou parcialmente - o Grupo Petrobrás tem sido responsável por cerca de 90% do valor investido. Nos demais setores os projetos foram tocados com muito menos eficiência. No conjunto só foram investidos, em três anos, 63% dos R$ 638 bilhões programados para 2008-2010.
Isso não impediu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de lançar o PAC 2, com um total previsto de R$ 1,6 trilhão de investimentos a partir de 2011. Para avançar nessa direção, o governo precisará, antes de mais nada, tirar o atraso do primeiro PAC.
No caso da administração direta, a herança para o próximo governo é facilmente previsível: restos a pagar estimados em R$ 90 bilhões - na maior parte por causa de investimentos em atraso - e um orçamento cada vez mais inflexível e sobrecarregado de gastos de custeio. A moldura desse quadro é uma notável incapacidade gerencial.
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