terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A bomba-relogio fiscal em construcao -- Rogério Furquim Werneck

O Brasil está construindo -- talvez já tenha construído -- um sistema econômico inviável: um baseado na extração de recursos contínua de contribuintes e empresários (que também são contribuintes, claro, mas a extração também se dá, irracionalmente, não apenas nos ganhos, mas no próprio processo produtivo, o que é, propriamente, um tiro no pé).
Em algum momento essa bomba fiscal vai explodir, talvez não com o estrépito e o furor de uma grande bomba, mas silenciosamente, esgotando as possibilidades de crescimento e de prosperidade.
Creio que precisamos de um "Jared Diamond", um que escreva uma versão econômica de seu justamente reconhecido livro "Colapso", ou seja, por que e como as sociedades constroem sua própria destruição, sendo irracionais ao mais alto grau.
Acredito que os políticos brasileiros já chegaram a essa grau de irracionalidade, ou de inconsciência, vocês escolhem.
Economistas como Rogério Furquim Werneck se encarregam de nos lembrar...
Aliás, a conta que ele faz de um iPad acho que está generosa. Eu fiz a conta para o último modelo do MacAir e cheguei à conclusão que com o preço de um no Brasil daria para comprar dois nos EUA: 102% mais caro aqui do que lá.
Pode?
Paulo Roberto de Almeida

Visão de futuro
Rogério Furquim Werneck
O Globo, 21.01.2011

A preservação do atual regime fiscal, que há mais de 15 anos vem exigindo aumento sem fim da carga tributária, põe em risco a sustentação do dinamismo da economia brasileira. Se não for possível conter a expansão do gasto público dos três níveis de governo, o aprofundamento requerido da extração fiscal acabará por sufocar aos poucos o crescimento econômico do País. São conclusões que advêm da análise agregada dos dados. Mas essa perspectiva do problema pode e deve ser complementada por visões mais específicas, ao nível microeconômico, de como a sobrecarga fiscal que hoje recai sobre a economia brasileira conspira contra o futuro do País.

Estima-se que a carga tributária bruta esteja hoje em torno de 35% do PIB. Mas isso é apenas uma média. Há segmentos da economia que arcam com taxação muito mais pesada. A carga fiscal que recai, por exemplo, sobre serviços de telecomunicação e certos produtos importados é muito maior. E deixa patente a deplorável visão de futuro que permanece entranhada no sistema tributário brasileiro.

No Rio de Janeiro, o ICMS onera os serviços comunicação em quase 43% (alíquota “por fora”). Em São Paulo, em 33,3%. E ainda há que se ter em conta todos os outros tributos que incidem sobre o setor de telecomunicações e acabam repassados, em boa parte, às tarifas. Em 2005, a carga tributária do setor, estimada com base nas contas nacionais, correspondia a mais de 57% do valor dos serviços. É curioso que, nesse quadro de absurda sobrecarga fiscal, o governo ainda esteja em busca da razão primordial pela qual a disseminação do acesso à internet em banda larga avançou tão pouco até agora. É lamentável que o País esteja entrando na segunda década do século 21 com tributação tão escorchante de serviços de telecomunicação, tendo em vista sua crescente importância econômica e social.

Desde a Constituição de 1988, quando passaram a cobrar ICMS sobre tais serviços, os Estados vêm mantendo uma extração fiscal extremada no setor, tirando o melhor proveito possível das exíguas possibilidades de sonegação que lhe são inerentes. No tempo em que telefone era considerado “coisa de rico”, ainda havia quem se dispusesse a arguir que essa taxação tão pesada estaria contribuindo para tornar a carga tributária menos regressiva. Mas já não há mais qualquer espaço para esse tipo de argumento.

O quadro mudou da água para o vinho desde a segunda metade dos anos 90. Na esteira da privatização, o acesso ao telefone vem sendo universalisado. Há hoje mais de 190 milhões de aparelhos celulares no País, 82% dos quais pré-pagos. É sobre o povão, portanto, que boa parte da sobrecarga fiscal vem recaindo. Por outro lado, as comunicações passaram a abranger uma gama de serviços muito mais complexos, que vão muito além da velha telefonia. O que se vê agora é o País taxando pesadamente seu futuro.

A mesma visão de futuro equivocada e arcaica que permanece entranhada na tributação das telecomunicações fica também evidenciada na taxação de certos produtos importados. Basta ver o que vem ocorrendo com dois produtos emblemáticos das novas tendências tecnológicas na área de informática. Os chamados tablets, como o iPad, da Apple, e os leitores de livros digitais, como o Kindle, da Amazon.

Um levantamento recente constatou que, entre 20 países pesquisados, é no Brasil que o iPad é mais caro (O GLOBO, 9/1/2011). Após a incidência de seis tributos, o produto chega ao consumidor brasileiro 84% mais caro do que nos EUA. Já o Kindle, que nos EUA custa US$189, pode ser entregue no Brasil se o cliente estiver disposto a arcar com um frete de US$20,98 e encargos fiscais que a própria Amazon estima em nada menos que US$199,73. O que perfaz um total de US$409,71. São níveis de tributação completamente injustificáveis, fora de qualquer padrão de razoabilidade, advindos de um juggernaut arrecadador que avança como autômato, alheio ao processo de modernização do País.

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK é professor da PUC-Rio.

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