quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Reflexoes ao leu, 3: Diplomacia comercial brasileira

Parece que a fórmula é o ideal para soltar textos curtos, como o nome indica: meras reflexões que invadem, sem avisar, meus neurônios ocupados com tanta coisa mais séria.
Mas, sempre pode servir para alguma coisa.
Por isso mesmo, aqui vai o terceiro da série.

Reflexões ao léu, 3: Diplomacia comercial brasileira
Paulo Roberto de Almeida

Oito anos atrás, a diplomacia brasileira empenhou-se ativamente na implosão da Alca, segundo reconheceram, diversas vezes, o presidente e seu chanceler, além, obviamente, do então Secretário-Geral do Itamaraty, o mais empenhado nessa gloriosa tarefa.
As alegações para recusar a Alca eram muitas, mas basicamente as seguintes.
O chefe de Estado repetia sempre uma bobagem do PT, segundo o qual o tratado da Alca não seria de integração -- e não seria mesmo, pois os EUA estavam propondo apenas livre-comércio -- mas sim um tratado de "anexação" da América Latina pelos EUA.
Vejam vocês, o maior país da América Latina, o Brasil, tinha medo de sua anexação pelo império, junto com todos os demais, e portanto recusava a Alca. Ponto, parágrafo.
O chanceler não se cansava de repetir a cantilena de uma tal "nova geografia do comércio internacional". Segundo ele, e nisso era replicado pelo presidente, o Brasil não podia ficar "dependente" do comércio com os EUA, e tinham de diversificar suas parcerias externas, de preferência com os países em desenvolvimento, a tal de "diplomacia Sul-Sul" e também a "diplomacia da generosidade", como nossos irmãos menos desenvolvidos. Em relação a estes, o presidente recomendava que os importadores brasileiros comprassem mais deles, mesmo que seus produtos fossem mais caros e de menor qualidade. Desconheço se algum importador cometeu essa loucura.
O chanceler, numa surpreendente demonstração de lógica ex-post, disse que se o Brasil tivesse aceito a Alca o Brasil teria tido uma crise como a do México, quando os EUA ingressaram em sua crise financeira. Textualmente teria ocorrido o seguinte: em lugar de uma mini-recessão, teríamos tido uma mega-recessão, o que revela desconhecidos dotes de profeta do apocalipse, para um país, o Brasil, que jamais teria tido a dependência (80% do seu comércio exterior) que o México exibe em relação aos EUA. Ou seja, uma desonestidade intelectual ex-post.
Quanto ao SG-MRE, ainda mais apocalíptico, ele dizia que se o Brasil aceitasse a Alca nossa indústria seria destruída pela indústria americana, mais forte e mais competitiva que a nossa. Ele preferia ampliar os laços econômicos e comerciais com a China, um país não-hegemônico, não-imperialista, em desenvolvimento como o Brasil, e interessado, como o Brasil, em desmantelar a arrogância imperial e criar uma "ordem internacional mais democrática".

Pois é, deu no que deu: os empresários brasileiros reclamam hoje que os competidores chineses estão desmantelando a indústria nacional. Que coisa triste!
Em lugar de reclamar com a "presidenta", eles deviam reclamar com o ex-presidente, com o ex-chanceler, com o ex-SG-MRE. Foram eles que permitiram isso...
Bem, essas eram apenas reflexões ao léu.

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 24/02/2011)

Um comentário:

  1. Paulo, os EUA são um de nossos principais parceiros comerciais há décadas. A diversificação de parceiros comerciais e a relutância em aceitar uma zona de livre comércio com os americanos, me parece, até intuitivamente, estratégico para o nosso desenvolvimento sustentado. O exemplo mexicano é, sim, paradigmático. Como tu mesmo reconheces, precisamos resguardar-nos, seja da China, seja dos EUA. Tanto um quanto outro serão importantes nas relações bilaterais brasileiras, sempre, mas não podemos comprometer nosso desenvolvimento em troca de acordos que possuem riscos tão altos. Paranoia? Pode ser... Mas gato escaldado...

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