Assisti, se ouso dizer, ao nascimento da revista Política Externa, nos idos de 1992. Lembro-me de ter comparecido a uma sessão na Câmara dos Deputados onde o acadêmico -- que depois seria chanceler em dois governos, o de Collor e o de FHC, sempre por períodos relativamente curtos, e também representante do Brasil em Genebra -- Celso Lafer apresentou a revista.
Motivado por esse bom exemplo de iniciativa acadêmica -- num momento em que eu também estava "transferindo" a Revista Brasileira de Política Internacional do Rio de Janeiro para Brasília, escrevi um artigo sobre as revistas brasileiras de relações internacionais, que foi publicado num dos números subsequentes da Política Externa, este aqui:
304.
“Revistas Brasileiras de Política Externa: um balanço de quatro décadas”,
Brasília: 27 novembro 1992, 13 pp. Ensaio sobre as revistas que cobriram temas
de política externa e relações internacionais do Brasil. Encaminhado para a
revista Política Externa. Aceito para publicação em 15.03.93, com duas pequenas
modificações sugeridas por parecerista. Versão revista em 15.03.93. Publicado
na Política Externa (São Paulo: Vol.
II, nº 1, junho-agosto 1993, pp. 162-169). Trabalhos Publicados nº 134.
Comprei o número mais recente da revista PE, que figura como vol. 20, n. 1 (jun/jul/ago 2011), com excelentes artigos sobre a primavera (!?) árabe sobre os 20 anos do Mercosul e outros temas, ademais de resenhas sobre livros que eu já li e sobre os quais também já produzi resenhas: Edgard Telles Ribeiro (O Punho e a Renda) e Luis Claudio Villafane Gomes Santos (O Dia em que Adiaram o Carnaval).
Em homenagem à revista Política Externa, transcrevo abaixo meu artigo referido acima.
Revistas Brasileiras
de Política Externa:
um
balanço preliminar de quatro décadas
Paulo Roberto de Almeida
Política Externa
(São Paulo:
Vol. II, nº 1, junho-agosto 1993, pp. 162-169)
Nos países dotados de um
establishment acadêmico fazendo juz a essa caracterização, as revistas
especializadas em temas de relações internacionais desempenham um importante
papel no debate intelectual e na informação de qualidade sobre a agenda
internacional em geral e sobre a política externa de cada país em particular.
No Brasil, em que pese o avanço já alcançado por determinadas “ilhas de
excelência” da instituição universitária, esse tipo de revista costuma ser raro
e os exemplos atualmente existentes podem provavelmente ser contados nos dedos
de uma só mão.
A revista Política Externa,
cujo lançamento ocorreu em junho de 1992, é o mais recente marco de uma longa
série de empreendimentos nesse terreno aparentemente pouco explorado da
produção acadêmica e editorial do País. Ela já passou a ocupar um espaço
importante no âmbito da reflexão universitária e profissional sobre a inserção
internacional do Brasil contemporâneo, bem como sobre as transformações em
curso na ordem mundial, inclusive facilitando a um público mais amplo o acesso
a artigos relevantes publicados na imprensa especializada internacional,
sobretudo materiais de prestigiosos veículos como a Foreign Affairs ou a The
New York Review of Books. Em colóquio por ocasião de seu lançamento no Rio de
Janeiro, ela foi definida, pelo Prof. Luciano Martins, membro de seu Conselho
Editorial, como
“uma revista aberta a todo
debate, (...) uma revista que se pretende pluralista, cujo único objetivo é o
de contribuir para a informação e para a reflexão no Brasil sobre o que está se
passando no plano internacional” (nº 2, p. 36).
Um Terreno (Pouco)
Frequentado
Deve-se no entanto
reconhecer que ela não está só nessa tarefa nem labora em campo virgem: algumas
outras revistas acadêmicas, mais ou menos especializadas nessas áreas,
dedicam-se igualmente a “pensar” as relações exteriores do País ou o complexo
quadro das relações internacionais num cenário marcado por profundas mutações
de natureza econômica e política. Algumas são relativamente recentes, como a
Contexto Internacional (Rio de Janeiro) ou a Política e Estratégia (São Paulo),
mas uma pioneira dos anos 50 sobrevive ainda, embora com dificuldades: a
Revista Brasileira de Política Internacional, lançada no Rio de Janeiro em 1958
e convertida, nos últimos anos, de quadrimestral em semestral.
Muitas outras surgiram e
desapareceram nos últimos 40 anos, ao ritmo das dificuldades que costumam
vitimar a maior parte desses empreendimentos acadêmicos e editoriais: escassez
de recursos, produção e circulação amadorísticas e baixa densidade da “oferta”
nacional e do próprio “mercado consulidor” nessa área. Uma rápida avaliação
quantitativa do cenário brasileiro revelaria, precisamente, um processo de
“seleção natural” particularmente cruel com es universo restrito de publicações
especializadas, com o desabrochar e a
extinção de vários espécimes dessa renitente família.
Sem ter a pretensão de ser
completo ou aprofundado, o presente levantamento intenta precisamente “passar
em revista” as revistas de política externa e de relações internacionais
publicadas no Brasil nas últimas quatro décadas, sumarizando tão simplesmente
as iniciativas editoriais e seu contexto político e intelectual, e remetendo a
uma ocasião ulterior a apreciação qualitativa dessas publicações e seu papel no
debate intelectual em torno dessas questões. Foram deliberadamente deixadas de
lado, por eu evidente profissionalismo e claro comprometimento com a
Weltanschauung de suas respectivas corporações, as revistas de cunho militar (A
Defesa Nacional, Revista da Armada etc) que, embora contendo uma ocasional ou
extensa cobertura de temas internacionais, o fazem numa ótica especificamente
instrumental ou ideológica, sem a diversidade doutrinária ou metodológica das
revistas “civis”. Foram contudo incluidas as revistas não exclusivamente de
política externa, já que muitas contribuições importantes ao estudo das
relações internacionais e ao debate sobre a política externa brasileira
aparecerem originalmente em revistas não especializadas na área internacional.
Ao cabo deste primeiro
balanço, necessariamente incompleto, uma conclusão prosaica talvez se imponha:
se o campo da “política externa” é muito pouco cultivado em nosso país,
provavelmente não existem condições efetivas para uma multiplicação de
iniciativas nesse terreno, em vista não só da exiguidade da produção acadêmica
de qualidade em relações internacionais, como também das idiossincrasias
propriamente umbilicais de um país como o Brasil, a forte vocação autárquica e
(inclusive por razões linguísticas) com persistentes tendências ao isolamento.
Cabe sublinhar, antes de
mais nada, a parcimônia do universo pesquisado, tanto mais restrito quanto mais
estrito o critério seletivo adotado: na verdade, as revistas brasileiras de
política externa ou internacional, consideradas stricto sensu, perfazem uma
amostragem limitada se tanto a meia dezena de exemplos, aos quais poderiam ser
agregadas umas quantas revistas de cultura geral com forte orientação temática
para os problemas internacionais. Os intelectuais ou jornalistas de gabarito
que se dedicaram a essa problemática — seja de um ponto de vista conceitual,
seja com preocupações mais diretamente pragmáticas — tiveram invariavelmente de
fazer apelo, numa ou noutra ocasião, a revistas de caráter propriamente
político ou sociológico, quando não a periódicos da área econômica ou de
orientação genericamente humanista. Daí a razão de também termos alinhado, ao
lado dos títulos propriamente “internacionais”, alguns exemplos de revistas de
cunho geral ou cobrindo mais frequentemente temas de política interna,
inclusive porque um balanço de natureza qualitativa não poderia prescindir, se
fosse o caso, da consulta a um universo mais amplo de periódicos.
As iniciativas pioneiras
O Brasil do pós-Segunda
Guerra é um “país essencialmente agrário”, como então se dizia, com uma
rarefeita população universitária, mas também intensamente preocupado com o seu
papel num mundo em reconstrução. A participação no teatro de guerra europeu, a
contribuição das missões universitárias européias, quando não a presença de
intelectuais e de refugiados europeus em nossas principais capitais permitem a
emergência de um ambiente cosmopolita ainda incipiente mas receptivo à
discussão de temas de política internacional.
Inexistia, contudo, um
veículo intelectual suscetível de canalizar o debate em curso — dominado já
pelo clima de guerra fria e pela situação de relativa dependência dos Estados
Unidos — ou de abrigar as primeiras reflexões de caráter acadêmico que
começavam a ser produzidas sobre nossa inserção internacional naquele cenário
bipolarizado. Curiosamente, algumas boas fontes para a pesquisa sobre os
principais problemas “internacionais” que preocupavam nossas lideranças
politicas e intelectuais podem ser encontradas em revistas da área econômica.
Aqui se destaca Conjuntura
Econômica, da Fundação Getúlio Vargas/RJ, que desde seu primeiro número
(novembro de 1947) dedica grande parte de sua atenção a questões de “comércio
exterior”, numa visão bem ampla desse conceito. Através de sua seção de
“Estudos Especiais”, ela passa a divulgar trabalhos de grande importância para
uma análise das relações econômicas internacionais do Brasil — vide, por
exemplo, “A Situação Monetária Internacional e a Paridade do Cruzeiro” (Ano II,
nº 8, Agosto de 1948, pp. 20-23) ou “Entrada e Saida de Capitais em 1947” (Ano
II, nº 9, Setembro de 1948, pp. 23-31) — ou da agenda econômica mundial: são
inúmeros os textos sobre o Plano Marshall e suas implicações para a América
Latina.
Sua “irmã gêmea” teórica, a
Revista Brasileira de Economia (FGV/RJ, setembro de 1947), desempenhou um papel
igualmente importante na discussão dos grandes problemas do desenvolvimento
econômico em escala comparativa, com a divulgação de textos do Secretariado das
Nações Unidas ou de eminentes especialistas internacionais que regularmente
visitavam o Brasil a convite da Escola de Economia: Gottfried Haberler, Jacob
Viner, Raul Prebish e muitos outros mais. É também nas páginas de outra revista
econômica, Estudos Econômicos (da Federação do Comércio do RJ), que são
publicados alguns bons artigos — de Rômulo de Almeida, entre outros — sobre
essa mesma problemática das relações econômicas externas do Brasil.
Mas, foi apenas com o
surgimento dos Cadernos do Nosso Tempo, do Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política (IBESP/RJ), que tem início, entre nós, o debate
aprofundado dos temas de política internacional. Embora dedicada a “compreender
o nosso tempo na perspectiva do Brasil e (...) o Brasil na perspectiva do nosso
tempo”, como afirmava a apresentação de seu número inaugural (Outubro-Dezembro
de 1953), a revista o faz de um ângulo propriamente planetário, com mais de 2/3
de suas páginas ocupados pelos principais problemas da conjuntura
internacional: Hélio Jaguaribe já era presença constante em seus números, com
matérias pioneiras (e desafiadoras) sobre a integração Brasil-Argentina.
RBPI: a revista decana
No final do segundo Governo
Vargas, marcado pelos grandes debates entre “nacionalistas” e “entreguistas”,
se constituiu, com forte participação de intelectuais cosmopolitas e de vários
diplomatas, o “Instituto Brasileiro de Relações Internacionais”, voltado,
segundo seus estatutos (aprovados por assembléia reunida no Palácio Itamaraty,
em 27.01.54), para a promoção e o incentivo de estudos sobre problemas
internacionais, “especialmente os de interesse para o Brasil”. É o IBRI quem
vai impulsionar, a partir de março de 1958, o mais antigo empreendimento
editorial “internacionalista” ainda existente no Brasil: a Revista Brasileira
de Política Internacional, fundada precisamente com o propósito de difundir
matérias e documentos vinculados à política internacional, bem como às relações
internacionais do Brasil e ao próprio pensamento e prática brasileira em temas
de política exterior. Um balanço ainda que sumário de suas realizações
indicaria que ela cumpriu galhardamente esse papel, graças, quase que
exclusivamente, ao extraordinário esforço individual de seu Diretor por longos
anos, Cleantho de Paiva Leite, recentemente falecido.
Pioneira em sua época (se
excluírmos os já citados Cadernos do Nosso Tempo, de existência meteórica em
meados dos anos 50), a RBPI preencheu e ainda preenche uma lacuna inestimável
em nossa cultura política e acadêmica no terreno que é o seu: a divulgação
oportuna — atualmente bem menos atualizada — de todos os problemas que ocupam
os profissionais da diplomacia brasileira. Numa época em que o registro dos
eventos internacionais interessando o Brasil era feito de maneira precária pelo
Itamaraty (por meio dos “Relatórios” anuais, já que a Resenha de Política
Exterior só vem a surgir quase duas décadas depois), a RBPI compilava e
publicava os textos e declarações oficiais produzidos pela burocracia
diplomática, bem como os resultados da mais importantes reuniões internacionais
de que o Brasil tivesse tomado parte. Figuram também em suas páginas artigos
que já podem ser classificados como “históricos”, sobre as origens da política
antártica brasileira, por exemplo, ou sobre os primeiros passos do Brasil no
GATT e nas organizações econômicas regionais (CEPAL e ALALC).
Embora praticamente
solitária num universo bastante restrito de periódicos especializados na
temática internacional, é bem verdade que a RBPI chegou a ser concorrenciada em
algumas poucas oportunidades por outras revistas momentânea ou ocasionalmente
voltadas para temas correlatos, como a influente Revista Brasiliense (São
Paulo) ou a combativa Civilização Brasileira (Rio de Janeiro). Concorrência
efetiva, realmente, foi exercida, mais diretamente, apenas pela revista
Política Externa Independente (Rio de Janeiro). Embora ela tenha atraido
fortemente a atenção de políticos, intelectuais e diplomatas brasileiros
engajados numa postura internacional não-alinhada, ela teve, no entanto, vida
muito breve: três densos números entre maio de 1965 e janeiro de 1966. O regime
militar então inaugurado caracterizava-se, precisamente, em sua primeira fase,
por um alinhamento exemplar à política norte-americana, condenando a PEI (e
também a “PEI” prática) ao purgatório dos empreendimentos sem avenir.
Nessa mesma época, José
Honório Rodrigues, eleito Diretor-Executivo do IBRI, encontrou a RBPI em atraso
de vários números — uma fatalidade que parece atingir a todas as revistas
acadêmicas no Brasil — e se decide pela publicação de um índice temático dos 6
primeiros volumes (23 números). Ele também pretendia publicar vários números
especiais, dedicados a temas como desarmamento, descolonização, comércio
internacional de produtos de base (estávamos às vésperas da Iª UNCTAD) e
política cultural internacional, uma questão que sempre o atraiu.
A Academia abre-se ao Mundo
Os anos 60 e 70, a despeito
da repressão política e do controle ideológico patrocinados pelo regime
militar, foram extremamente produtivos em matéria de debates acadêmicos e
intelectuais. Papel protagônico nesse fermento político teve a Revista
Civilização Brasileira, que abrigou inúmeros editoriais e quantidade apreciável
de artigos de qualidade sobre temas internacionais (eram os anos da guerra do
Vietnã): cite-se jornalistas como Otto Maria Carpeaux, um exemplo entre muitos
outros colaboradores de grande peso intelectual.
Desenvolvem-se também, no
período militar, núcleos de pesquisa acadêmica em vários centros universitários
do País, sendo que algumas revistas eram financiadas pelo próprio establishment
de apoio educacional. A Revista Brasileira de Estudos Políticos, fundada em
1956 e publicada pela UFMG, abrigou eventualmente em suas páginas contribuições
sobre a política externa brasileira por acadêmicos de projeção (Celso Lafer,
por exemplo). É na RBEP que foi originalmente publicado o texto “fundador” — em
termos conceituais — da nova política externa brasileira da segunda fase do
regime militar, “O Congelamento do Poder Mundial”, de J.A. de Araújo Castro (nº
33, janeiro de 1972).
A Revista de Ciência
Política, do Instituto de Direito Público e Ciência Política da FGV/RJ, observa
a mesma política de ampla abertura a temas correlatos na área externa: Celso
Mello, por exemplo, era presença constante no terreno do direito internacional.
Durante algum tempo, nos anos 60 e princípios dos 70, o Centro Latino-Americano
de Pesquisas em Ciências Sociais (funcionando no RJ sob os auspícios da UNESCO
e dirigido pelo eminente intelectual Manuel Diegues Júnior) publicou a revista
América Latina, acrescentando algumas matérias de natureza sociológica à
análise da inserção internacional dos países da região: se vivia então o auge
da “teoria da dependência”.
Também no Rio de Janeiro, o
IUPERJ mantinha a excelente revista Dados, que embora voltada mais
precipuamente para a sociologia política, chegou a publicar artigos de extremo
interesse para os pesquisadores de relações internacionais, como a original
pesquisa de Zairo Borges Cheibub e de Alexandre Barros sobre os determinantes
sociais da carreira diplomática ou a contribuição de Pedro Malan ao estudo das
relações econômicas do Brasil. É na revista Dados que a jovem geração de
pesquisadores acadêmicos brasileiros, muitos treinados nas novas técnicas em
universidades do exterior, publicam trabalhos de grande relevância intelectual
para o estudo da problemática internacional. Mencione-se aqui, apenas como
registro, o trabalho exemplar de Maria Regina Soares de Lima e Gerson Moura
sobre “A Trajetória do Pragmatismo: uma análise da política externa brasileira”
(vol. 25, nº 2, 1982).
No universo intelectual da
oposição de esquerda, muitas contribuições de qualidade ou de forte impacto
político e conceitual na análise da política externa brasileira vêem à luz em
pleno regime de censura da ditadura militar (que atingia mais de perto, é
verdade, os meios de comunicação de massa). Se um intelectual engajado como Ruy
Mauro Marini divulga, preferentemente, suas teses sobre o “subimperialismo
brasileiro” em revistas do exterior (do Chile, do México ou mesmo dos EUA),
muitos outros passam a utilizar-se dos novos veículos “alternativos” criados
nesses anos negros de perseguições políticas e de paranóia ideológica. Carlos
Estevam Martins, por exemplo, publica seu muito aclamado estudo sobre “A
Evolução da Política Externa Brasileira na Década 64/74” nos Estudos Cebrap (nº
12, 1975), corajosa iniciativa de intelectuais e professores expulsos da USP
pelo AI-5 (dentre os quais o atual Chanceler, Fernando Henrique Cardoso). No final da década, a Revista Civilização
Brasileira, que tinha sobrevivido heroicamente entre 1964 e 1968, volta em
1978, em novo formato, Encontros com a Civilização Brasileira, com um amplo
espectro de contribuições na área internacional.
Do lado do “regime”, nesse
mesmo ano, surge uma das melhores iniciativas em termos de revista
especializada, a Relações Internacionais, derivada de convênio entre a
Universidade de Brasília e a Câmara dos Deputados e envolvendo o trabalho
conjunto de diplomatas e professores da UnB. Extremamente bem cuidada em termos
editoriais e comportando artigos da melhor qualidade de estudiosos brasileiros
e de scholars estrangeiros, a RI deixou uma marca profunda, ainda que
temporária, no avanço das pesquisas em relações internacionais na própria
capital da República, até então isolada das correntes universitárias do resto do
País: estuda-se o pensamento de “próceres” da “PEI”, como Araújo Castro
(Ronaldo Sardenberg) e San Tiago Dantas (Marcílio Marques Moreira),
aprofunda-se a pesquisa histórica da política exterior brasileira (Amado Luiz
Cervo), debatem-se os princípios do direito internacional e seu impacto no
Brasil (A. A. Cançado Trindade), reproduzem-se textos há muito indisponíveis
(de Rio Branco ou de Jânio Quadros, por exemplo, ou as mensagens presidenciais
dos primeiros governos republicanos, em temas de política externa) e são
traduzidos inúmeros trabalhos de especialistas estrangeiros. Nesse mesmo
período, a Editora da UnB traduzia e publicava as mais importantes obras do
pensamento político mundial, sobretudo no terreno das relações internacionais
(alguns “clássicos”, como Raymond Aron, Paix et Guerre, ou Edward Carr, Twenty
Years’ Crisis, por exemplo).
A Nova Geração
A partir dos anos 80, a
pioneira RBPI teve de dividir o espaço da cobertura de temas internacionais com
outras revistas, mas apenas duas lograram firmar-se e ocupar espaço político e
intelectual: uma, de iniciativa mais conservadora e identificada com o chamado
“pensamento estratégico brasileiro”, intitula-se, precisamente, Política e
Estratégia, tendo sido editada desde 1983 (de maneira intermitente nos últimos
anos) pelo Centro de Estudos Estratégicos da Sociedade de Cultura Convívio (São
Paulo); outra, vinculado diretamente a uma instituição acadêmica, a Contexto
Internacional, vem sendo editada, desde 1984, com crescente sucesso pelo
Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC/RJ.
A PeE, embora abrigando
teóricos realistas da linha do “poder” e defensores do “Brasil Potência”,
abriu-se exemplarmente a representantes do mundo acadêmico, inclusive alguns
dos mais contundentes críticos das doutrinas geopolíticas ainda em voga em
círculos remanescentes de militares. A CI, por sua vez, abriga basicamente
produções da área acadêmica, com forte conteúdo conceitual e metodológico,
abrindo espaço a um verdadeiro scholarly work at its best. Ambas as revistas
não se restringem ao universo brasileiro de política internacional, buscando
contribuições na comunidade de pesquisadores e debatedores dos mais diversos
países, com uma forte preferência pelos latino-americanos no segundo caso.
Outras revistas acadêmicas
surgidas no período recente também devotam, a despeito de uma vocação mais
generalista ou de uma especialização temática em outras áreas, crescente espaço
a problemas de política externa e de relações internacionais. É o caso, por
exemplo, da Lua Nova, editada pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea
(São Paulo), cujo número 18 (agosto de 1989) foi inteiramente dedicado às
relações internacionais e o Brasil. Nesse mesmo ano surgia, por iniciativa do
Departamento de Ciência Política da UnB, a Revista Brasileira de Ciência
Política, cujo número inaugural (e até aqui único) trouxe várias contribuições
de qualidade na área internacional: José Carlos Brandi Aleixo, Theotonio dos
Santos, Celso Amorim e Shiguenoli Miyamoto, este último um habitual frequentador
das páginas de Política e Estratégia. Ainda na UnB, e mesmo anterior à RBCP, a
revista Humanidades, em sua nova série (a partir de 1986), dedica parte de seu
espaço editorial a problemas latino-americanos, embora sob uma ótica mais
política e econômica do que propriamente no campo das relações internacionais.
Sobrevivendo no Mundo
A maior parte dessas
revistas, em especial num país caracterizado por inúmeras iniciativas
acadêmicas natimortas como o Brasil, tem uma existência financeira precária, canais
de distribuição bastante deficientes e uma dependência física e política de
alguns poucos entusiastas. É o caso, por exemplo, da RBPI, que ainda assim
condensa, em seus trinta e e cinco anos de existência e nas dezenas de volumes
editados quase que artesanalmente, um somatório extremamente rico de
informações sobre a política externa brasileira e as relações internacionais
dessas últimas três décadas e meia. Em suas páginas comparecem todos os
diplomatas, intelectuais e estadistas que pensaram, praticaram ou analisaram a
política externa brasileira e as relações internacionais nesse período, bem
como uma massa relevante de documentação de referência para o estudo dos mais
diversos problemas atinentes a esse problemas. Ela constitui, assim, uma “memória
coletiva” bastante preciosa para uma investigação profissional sobre a inserção
internacional do País no período coberto por sua publicação.
Embora enfrentando as
dificuldades que soem atingir as revistas acadêmicas de público restrito,
geralmente derivadas da falta de recursos materiais e humanos, a RBPI ainda
assim conheceu uma notável regularidade de publicação, graças, mais uma vez, ao
notável empenho individual de seu diretor. Com o falecimento de Cleantho de
Paiva Leite, em outubro de 1992, colocou-se o problema da sobrevivência da
revista, que não dispunha de Conselho Editorial. Felizmente, um grupo de
diplomatas e de pesquisadores de Brasília assumiu o encargo de relançá-la em
novas bases e princípios editoriais, o que deve ocorrer ainda em meados de
1993.
Assim, a Política Externa
vem situar-se num universo restrito, não exatamente caracterizado pela
continuidade, mas já frequentado por iniciativas acadêmicas similares. Suas
características intrÍnsecas a tornam no entanto exclusiva nesse meio ambiente
algo rarefeito, a começar pela forte abertura “externa” das colaborações e da
documentação selecionada para publicação. Ela é também a única das revistas
brasileiras que edita “material de pesquisa”, exemplo provavelmente retirado da
seção “Source Material” da Foreign Affairs e instrumento importante para o
pesquisador acadêmico. Mais do que uma revista de “política externa”, ela é
propriamente uma revista internacional, no melhor sentido da palavra. Longa
vida ao benjamim da comunidade !
__________________
[Brasília: 15.03.93;
Relação de Trabalhos n° 304b]
Ficha do Trabalho: 304.
“Revistas Brasileiras de Política Externa: um balanço de quatro décadas”,
Brasília: 27 novembro 1992, 13 pp. Ensaio sobre as revistas que cobriram temas
de política externa e relações internacionais do Brasil. Encaminhado para a
revista Política Externa. Aceito para publicação em 15.03.93, com duas pequenas
modificações sugeridas por parecerista. Versão revista em 15.03.93. Publicado
na Política Externa (São Paulo: Vol. II, nº 1, junho-agosto 1993, pp. 162-169).
Trabalhos Publicados nº 134.
2 comentários:
Professor,
Bom artigo! E o que o senhor pensa do Le Monde Diplomatique Brasil? Recomendaria uma assinatura, por exemplo? Ou "Politica Externa" ainda é a melhor opção?
Forte abraço!
Edimar,
Ja fui um leitor, no passado distante, do Le Monde Diplomatique original.
Ele piorou muito, e sua edicao brasileira não é melhor, aliás é pior. Nao recomendo, sinceramente, pois tornou-se um foro de antiglobalizadores e anti-americanos ingenuos ou idiotas, talvez os dois.
A Politica Externa continua uma revista seria, assim como a RBPI.
Paulo Roberto de Almeida
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