Na verdade, a desarticulação dos BRICS em relação a esta idéia já se tornara evidente mesmo antes do início da reunião. O ministro Mantega já havia mudado o seu discurso, afirmando a importância do G-20 para a solução da crise. E, durante a reunião, uma série de divergências vieram à tona. A Índia não se mostrou disposta a aderir ao plano; o seu ministro das finanças afirmou que a prioridade indiana é o combate à pobreza no país. O Ministro de Finanças da África do Sul manifestou que seu país não tem condições de participar de tal esforço, dada a pequena quantidade de reservas internacionais de que dispõe. Em um primeiro momento, o então Ministro de Finanças russo demonstrou simpatia pela oferta brasileira, mas logo mudou seu discurso, afirmando não haver mais espaço para a Rússia comprometer-se com a Europa, tendo em vista que 45% de suas reservas já estariam em Euro. Posteriormente, o Ministro do Exterior russo caracterizou a compra dos títulos pelo grupo de “impossível.”
E a China, talvez o único membro do agrupamento verdadeiramente em condições de ajudar a Europa? Seu representante argumentou que o passo essencial consistiria em aumentar os recursos do FMI, em vez de oferecer uma proposta dos BRICS. Ou seja: com a exceção do Brasil, nenhum BRICS se mostrou disposto a coordenar uma solução por meio do agrupamento. Além das preocupações internas, as posturas dos outros BRICS sugeriam que a crise internacional talvez já supere qualquer capacidade de atuação dos BRICS, mesmo que coordenada. Isso explicaria o receio dos demais países em comprometer suas reservas para tentar salvar a Europa.
A falta de uma posição comum sobre o tema é refletida no comunicado conjunto emitido pelos Ministros de Finanças dos BRICS. Além de reiterar, em termos gerais já expressos em declarações anteriores, a necessidade de reestruturação da governança global por intermédio de mudanças na distribuição de quotas no FMI, o documento restringe-se a indicar que “esforços adicionais” podem ser empreendidos com outros países e instituições internacionais na tentativa de resolver o problema. O documento não estabelece passos concretos.
O fracasso da “proposta brasileira” parece mais acentuado quando contrastado com o discurso da presidenta Dilma Roussef na Assembléia das Nações Unidas, em Nova Iorque, no qual a presidenta apontou a solução do problema da dívida soberana como a prioridade para a economia mundial, e indicou a possibilidade de ajuda dos países emergentes aos países desenvolvidos em dificuldades. O contraste entre a posição do governo e a falta de diálogo com os outros BRICS indica que a falta de articulação manifestada durante o encontro em Washington pode ter-se originado no próprio governo brasileiro.
Nesse contexto, a pressa em sugerir a compra de títulos pelos BRICS pode ter o efeito contrário ao esperado: além de evidenciar o descompasso dos países em relação a possíveis iniciativas para fazer frente ao agravamento da recessão mundial, o episódio de Nova Iorque pode enfraquecer o potencial de participação coordenada dos BRICS no enfrentamento da crise financeira européia – assim como de outras, dentro e fora do âmbito econômico. Para que os BRICS tenham um papel relevante enquanto players na correção dos rumos da economia global, deverão buscar fortalecer a comunicação entre os membros do grupo, esclarecendo suas posições e estabelecendo prioridades em comum.
O BRICS Policy Center / Centro de Estudos e Pesquisas BRICS é uma iniciativa conjunta da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), dedicado ao estudo dos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). O Centro é administrado pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio (bpc@bricspolicycenter.org).
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