Creio que eu poderia assinar embaixo, tranquilamente.
Saiu no Clarín: a presidente Cristina Kirchner pretende convencer o governo brasileiro a adotar sua política comercial, para deixar mais dólares no Mercosul e frear a busca de lucros das multinacionais na região. A intenção, segundo o jornal, é juntar o Brasil à “estratégia de fomentar o comércio intra-Mercosul em substituição ao externo”. É mais uma ideia contrária aos objetivos iniciais do bloco, há muito tempo esquecidos pelos governos da região. O Mercado Comum do Sul foi concebido como projeto de integração regional e como plataforma de inserção global das economias brasileira, argentina, paraguaia e uruguaia. Não foi planejado como fortaleza para defender a produção regional da concorrência externa, mas como arranjo destinado a facilitar a criação de escala (pelo aumento do mercado), o aproveitamento do potencial de cada sócio (pela criação de cadeias produtivas) e a inserção competitiva nos mercados (pelos ganhos de produtividade e qualidade).
O Mercosul, portanto, foi uma concepção voltada para o futuro. A política dos Kirchners é voltada para o passado, assim como boa parte da impropriamente chamada política industrial brasileira. Esta política tem sido amplamente protecionista e pouco dedicada à superação das deficiências da economia nacional. Mesmo os itens aparentemente positivos, como a desoneração parcial da folha de pagamentos e o incentivo à inovação, continuam mal planejados e com alcance muito curto. No caso da desoneração, a política, além de restrita a poucos setores, ainda resulta no aumento de encargos para alguns segmentos. Quanto à inovação, falta muito para uma política bastante articulada e com potencial para envolver mais que as empresas já empenhadas em pesquisa e desenvolvimento.
Estudo recente com 40 grandes empresas – 30 nacionais e 10 estrangeiras – ressalta a pouca importância do mercado exterior e da internacionalização das companhias como determinantes da inovação. O foco está claramente no mercado interno.
“Mais do que a falta de cultura, a baixa inserção externa da empresa brasileira responde pelo seu tradicional atraso”, escreveu o professor Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica, em comentário sobre aquele estudo.
A “concorrência em mercados do exterior, muito mais do que a defesa do mercado interno, tem o poder de renovar e perpetuar a necessidade das empresas de atualizar produtos, elevar a produtividade e reduzir custos”, acrescentou.
A relativa abertura da economia brasileira, hoje bem mais ampla do que até o começo dos anos 90, com certeza traz para dentro do País um pouco desse estímulo. A importação expõe o produtor nacional à pressão de concorrentes mais propensos a ganhos de eficiência e de qualidade por meio da inovação. Mas a pressão é certamente menor do que se esse mesmo produtor estivesse mais empenhado em conquistar fatias do mercado global e menos protegido por barreiras tarifárias e não tarifárias. A tendência protecionista do atual governo reforça a barreira contra aquela pressão competitiva, sem, no entanto, neutralizá-la.
O empresário instalado no Brasil enfrenta, é claro, muitos outros obstáculos, apenas parcialmente compensados pelo protecionismo – deficiências de infraestrutura, custos fiscais, insegurança, energia absurdamente cara, escassez de mão de obra adequada, etc. Se o governo cuidasse desses problemas, seria menos pressionado ou tentado a criar barreiras. Mas, nesse caso, as concepções seriam outras e a política seria mais voltada para a inserção externa.
Criado como instrumento de projeção global de quatro países, o Mercosul foi desvirtuado pela ação combinada dos Kirchners e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A mudança de rumo, oficializada quando o presidente Lula decidiu, como ele mesmo disse, “tirar a Alca da pauta”, condenou o bloco a reduzir suas ambições e a se concentrar no jogo da divisão inferior, com a prioridade à chamada relação Sul-Sul. O fracasso na negociação do acordo com a União Europeia foi um desdobramento normalíssimo dessa decisão.
O acordo com os europeus, por alguma razão muito obscura, foi considerado menos odioso que um pacto com participação dos Estados Unidos. Mas o esforço deu em nada e isso se deveu, em boa parte, a obstáculos criados pelo lado argentino. O Mercosul jamais funcionou de fato como zona de livre comércio, embora seja, nominalmente, uma união aduaneira. Se o governo argentino conseguir mais uma vez enrolar o governo brasileiro e cooptar a presidente Dilma Rousseff, o compromisso com o atraso será reforçado. Só restará, nesse caso, caprichar ainda mais no protecionismo rastaquera, tirar o pó da substituição de importações e preparar o consumidor para produtos caros e vagabundos.
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