O resenhista diz que:
"Um século depois de a Inglaterra quebrar o monopólio brasileiro da borracha, a região ainda se debate na tentativa de se reerguer. Wickham não poderia tê-lo calculado, mas seu ato condenaria ao atraso uma das mais exuberantes regiões do planeta."
Região exuberante, o que de fato a Amazônia é, sempre foi e parece que vai continuar sendo, não quer dizer rica. Outras regiões tão ou mais exuberantes podem ser ricas, pobres, remediadas, ascendentes, declinantes, tudo depende de riquezas produzidas pelas mãos dos homens, uma vez que a natureza apenas provê determinadas riquezas naturais, mas seu aproveitamento depende do valor que os homens acrescentam para que elas tenham valor de mercado. Ponto um.
Por acaso, o desenvolvimento científico e tecnológico de meados do século XIX, feito inteiramente fora do Brasil, descobriu como "domar" a goma da hevea brasiliensis, pela adjunção de determinados produtos químicos que facilitavam sua transformação industrial e utilização numa gama variada de produtos correntes. Ponto dois.
O Brasil, por acaso, tinha imensa disponibilidade da goma natural, absolutamente irrelevante em termos econômicos para a economia brasileira, a não ser um aproveitamento muito rústico, precário, limitado, na própria economia local, e nada mais do que isso. Ponto três.
O Brasil passou a fornecer a matéria prima aos industriais estrangeiros, por meio de uma rede semi-escravocrata -- como foi sempre a vocação das elites brasileiras -- de colhedores na floresta, os seringueiros, que buscavam as árvores em situação dispersa na floresta virgem, espalhadas por kms de áreas inóspitas. Uns bravos, portanto, mas tendo de trabalhar nas condições primitivas que os patrões impunham, sem qualquer investimento, sem qualquer organização, sem qualquer cuidado com a elevação da produtividade, que significaria, justamente agrupar as árvores para facilitar a coleta, e assim aumentar a produção nas melhores condições possíveis. Ponto quatro.
Quem lucrava de fato eram os intermediários, comerciantes exportadores e, depois, os industriais do setor. Os trabalhadores-escravos da floresta ficavam com uma parte ínfima de todo o processo. Enfim, nada de muito diferente do que já tinha acontecido com outras culturas no Brasil, justamente como, na mesma época, o café. O Brasil tinha (e tem) condições ótimas para produzir café. Começou "roubando", ou "importando" como iniciativa individual, as sementes de café do norte da América do Sul, exatamente como fez o inglês, de forma ainda mais clandestina, com as sementes de hevea. Ou seja, biopirataria todo mundo pratica, se é para empregar uma palavra do momento. E o que faziam os plantadores de café? Beneficiamento mínimo, carregando café não selecionado em sacas ainda com gravetos, paus e pedras, talvez deliberadamente, para aumentar o peso e ganhar mais, mesmo de forma fraudulenta. Parece incrível, mas exportávamos café já desde um século, no auge do boom da borracha, mas nunca nos preocupamos em elevar a qualidade do produto, como os colombianos o fizeram depois. Éramos rústicos, ficamos rústicos. Ponto cinco.
E porque o "ato [do inglês] conden[ou] ao atraso uma das mais exuberantes regiões do planeta"???
Puro non sense: a Amazônia sempre foi atrasada, desde tempos imemoriais, e só se tornou rica, por um brevíssimo período, quando ela foi "internacionalizada", justamente, quando as exportações da borracha criaram uma riqueza fugaz, aliás muito mal aproveitada. Fizeram alguns prédios suntuosos, criaram-se grandes riquezas individuais, mais dos intermediários do que os produtores diretos, mas não se investiu nada, absolutamente nada, na racionalização da produção. Vão agora acusar os ingleses de terem causado o atraso da Amazônia pelo fato de nós, brasileiros, não termos tido a preocupação de rentabilizar uma produção que continuou e continua importante? Ponto seis.
Vão novamente acender a vela do patriotismo ofendido, a paranóia embutida e a xenofobia explícita, por termos fracassado no empreendimento?
Quando vão "internacionalizar" a Amazônia novamente?
Os tupiniquins protecionistas, que estão dificultando a exploração dos recursos da floresta, são os mesmos que a condenam ao atraso.
Só internacionalizando a Amazônia, no bom sentido da palavra, ela vai deixar de ser atrasada, e se integrar novamente aos circuitos da economia mundial.
Zona Franca é apenas um convite à fraude e à evasão fiscal, uma aberração brasileira, como tantas outras.
Por que é que ainda me preocupo com nossas bobagens econômicas?
Paulo Roberto de Almeida
Quem roubou a borracha brasileira
Veja, 14/03/2012 às 14:00 Livros & Filmes
Vejam a foto, leiam o texto: este bigodudo foi quem roubou a borracha brasileira — e acabou com a fabulosa prosperidade da Amazônia no século XIX
VILÃO E HERÓI -- O aventureiro ingles Wickham, o Cavaleiro britânico que levou a Amazônia à falência (Foto: Dedoc)
O PIRATA AMAZÔNICO Um jornalista americano narra as aventuras e desventuras do inglês que traficou para seu país sementes de seringueira e pôs fim ao ciclo da borracha no Brasil. Era início da estação seca de 1876. O chamado verão amazônico, quando o transatlântico SS Amazonas fundeou em uma enseada de águas turquesa no Rio Tapajós, em frente à Vila de Boim, no Pará. O vapor da companhia inglesa Inman Line ancorou em uma área remota da selva. Sem porto, para receber uma carga secreta. Foram embarcadas em centenas de cestos de palha 70.000 sementes de Hevea brasiliensis, a seringueira. A operação em um vilarejo escondido na floresta foi coordenada pelo inglês Henry Wickham (1846-1928) – um aventureiro que, depois de mais de uma década de desditas pela Amazônia, foi contratado pela Coroa para traficar as sementes do Brasil. Essa história é contada em O Ladrão no Fim do Mundo (tradução de Saulo Adriano; Objetiva; 458 páginas; 49,90 reais), do jornalista americano Joe Jackson. O livro descreve como o sonho de Wickham de imitar os grandes exploradores foi usado para perpetrar a mais bem-sucedida e a mais danosa ação de biopirataria já registrada em solo brasileiro. O roubo de Wickham viria a encerrar uma fase próspera da economia do Norte brasileiro, o chamado ciclo da borracha. No momento em que ele surripiou as sementes, o Brasil respondia por 95% da produção global de látex, matéria-prima da borracha, e as metrópoles amazônicas do fim do século XIX, Belém e Manaus, viviam sua belle époque. Da riqueza à decadência Em 1896, a capital do Amazonas se tornou a segunda cidade brasileira a possuir uma rede pública de iluminação elétrica. No mesmo ano, começaram a circular pelas ruas os primeiros bondes elétricos. Em 1878, os belenenses inauguravam o Teatro da Paz. Dezoito anos depois, Manaus ganhava o Teatro Amazonas. As duas casas se transformaram nos símbolos do fausto em que viviam os amazônidas. Companhias europeias de ópera desconhecidas dos cariocas e paulistas se apresentavam nos palcos da floresta. Mas as sementes roubadas por Wickham e levadas para o Jardim Botânico de Londres germinaram. Transportadas para as paragens tropicais abrangidas pelo império britânico – o Ceilão (atual Sri Lanka) e a Malásia -, as plantas vingaram, e 2.000 mudas deram origem ao primeiro seringal fora dos limites da inóspita Floresta Amazônica. Silenciosamente, dava-se início ao fim da riqueza do vale amazônico. Wickham recebeu 700 libras pelo trabalho (em valores atualizados, cerca de 158.000 reais). Restariam ao Brasil mais trinta anos de domínio do mercado da borracha: foi esse o tempo necessário para que as árvores atingissem a maturidade no Extremo Oriente. Ultrapassado esse período de maturação. O látex produzido de forma intensiva nos seringais ingleses invadiu o mercado. Mais barata que a borracha “selvagem” produzida à base da seiva extraída de árvores nativas espalhadas pela floresta, a produção intensiva dos ingleses arruinou a economia gomífera brasileira. A debacle da Amazônia foi rápida. Em 1928, a região atendia a apenas 2,3% do consumo mundial. Os investimentos e as empresas seringalistas se mudaram para a Ásia, e o desemprego tomou conta das cidades antes prósperas. Responsável pela ascensão da indústria da borracha, Wickham chegou à velhice no esquecimento. Tentou encontrar a riqueza na Inglaterra e na Papua-Nova Guiné, mas se afundou em dívidas ao apostar em empreendimentos fracassados. Viveu amargurado pela falta de reconhecimento por seu feito. Somente em 1911, aos 65 anos, ganhou da Associação Inglesa dos Plantadores de Borracha 1.000 libras como prêmio. Também naquele ano, viajou para o Ceilão, onde viu a plantação de seringueiras resultante de seu roubo.
Wickham e uma das seringueiras resultante de seu roubo das sementes brasileiras (Foto: Dedoc / Editora Abril)
Morreu pobre, e, então, a Amazônia já estava mergulhada na misériaNa fotografia acima, Wickham aparece apoiado em uma das árvores que brotaram de “suas sementes”. O gigante de quase 30 metros de altura produziu 168 quilos de borracha entre 1909 e 1913. O reconhecimento oficial só veio aos 74 anos, quando Wickham recebeu o título de Cavaleiro do Império Britânico. No ano de sua morte, em 1928, ele era um homem pobre, e a Amazônia já se encontrava mergulhada na miséria. Hoje. Um século depois de a Inglaterra quebrar o monopólio brasileiro da borracha, a região ainda se debate na tentativa de se reerguer. Wickham não poderia tê-lo calculado, mas seu ato condenaria ao atraso uma das mais exuberantes regiões do planeta. (Resenha de Leonardo Coutinho publicada na edição impressa de VEJA) |
Um comentário:
"Ultima-se o ser viço, que dura or di na ri a men te três dias, fi cando
a “es tra da” em pi que. Par tindo do mes mo lu gar, e ads tri tos ao mes mo
sis te ma, abrem nou tro rumo uma se gun da es tra da; e tan tas, ao cabo,
quan tas com por te a na tureza da flo resta cir cundante, cen tra li za das to das
pela mes ma boca, jun to do te ju par que lo ca li za uma bar ra ca. Bus ca en -
tão o ma te i ro um ou tro lu gar, in te li gen te men te es colhido, e re produz a
mesma ope ração, até que, es tradado todo o ter reno, fi que com pletamente
repartido o se ringal, como o re vela este es boço, onde, pre sas pe los varadores
ao bar racão er guido à be ira do rio, se vêem as bar racas e as es tradas que
as en volvem, con torcidas à ma neira de ten tá cu los de um pol vo des mesurado.
É a ima gem mons tru o sa e ex pressiva da so ciedade tor tu ra da que
mou re ja na que las pa ragens. O ce arense aven tu ro so ali che ga numa de sapo
de ra da an si e da de de for tu na; e de po is de uma bre ve apren di za gem
em que pas sa de bra bo a man so, con soante a gí ria dos se rin ga is (o que sig -
ni fi ca o pas sar das mi ra gens que o es tonteavam para a apa tia de um ven -
cido ante a re alidade ine xorável), er gue a ca ba na de paxiúba à ou re la mal
destocada de um iga ra pé pin turesco, ou mais para o cen tro numa cla reira
que a mata ameaçadora cons tringe, e lon ge do bar racão se nhoril, onde
o se ringuei ro opulento es tadeia o pa rasitismo far to, pres sente que nun ca
mais se li vrará da es tra da que o en la ça, e que ele vai pi sar du ran te a vida
in te i ra, indo e vin do, a gi rar es ton te a da men te no mons tru o so cír cu lo
vi ci o so da sua fa ina fa ti gan te e es té ril.
A pi e u vre as sombradora tem, como a sua mi ni a tu ra pe lágica,
uma boca in saciável ser vida de nu merosas vol tas cons tritoras; e só o lar ga
quando, ex tin tas to das as ilu sões, es fo lha das uma a uma to das as es peranças,
que da-se-lhe um dia, iner te, num da queles ten táculos, o cor po
re pug nan te de um es maleitado, ca indo no ab so lu to aban dono.
Considerai a dis po si ção das “es tradas”.
É o di a gra ma da so ciedade nos se rin ga is, ca rac te ri zan do-lhe
um dos mais fu nes tos atri butos, o da dis persão obri gatória.
O ho mem é um so litário. Mes mo no Acre, onde a den sidade
maior das se ringueiras per mite a aber tura de 16 es tradas numa lé gua qua -
drada, toda esta vas tíssima área é fol gadamente ex plorada por oito pes soas
apenas. Daí os des marcados la tifúndios, onde se nota, mal grado a per manência
de uma ex ploração agi tada, gran des de solamentos de de serto..."
*Euclides da Cunha; in:"CANUDOS E OUTROS TEMAS"; "Entre os seringais"; p.167;Edições do Senado Federal; Volume 2;Brasília, 2003.
Vale!
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