Leonel Itaussu Almeida Mello: integridade, caráter, humanidade
Na manhã do último domingo foi-se um destemido lutador, um combativo socialista, um defensor apaixonado de um novo tempo, um lúcido professor, um solícito e generoso orientador, um refinado e devotado intelectual, um apaixonado pela vida.
Fomos seus orientandos, alunos, amigos!
Permitam-nos recordar uma passagem que denota a posição firme combinada à predisposição para o diálogo e o respeito à posições distintas.
O país, ainda no início dos anos 1990, vivia incertezas quanto aos rumos da incipiente democracia. Restavam, de forma contundente, as memórias recentes do regime autoritário. Neste contexto, a aproximação entre o meio acadêmico e o meio militar era pouco usual. Na ocasião, um grupo de professores e estudantes do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de São Paulo fez uma visita ao Quartel-General do Comando Militar do Sudeste. Leonel estava na comitiva. Ao início da reunião pediu a palavra e com sua ímpar eloquência saudou o comandante militar e disse-lhe, com firmeza e brandura: encontravam-se ali intelectuais que haviam sido presos e torturados pelas suas posições e por suas lutas. Destacou, então, que se abria um novo tempo, e que residia no diálogo a construção de um país mais justo, soberano e atento à sua defesa.
Posteriormente, foi enfático ao afirmar a legitimidade das solicitações de indenização perpetradas pelas vítimas da tortura e das prisões e facultadas pela responsabilidade devida ao Estado. Não obstante o tempo na prisão e as torturas pelas quais passou, resolveu não solicitar indenização e isto sem desqualificar ou desmerecer companheiros de luta, como nos disse em certa ocasião. Considerava haver feito uma escolha e era consciente de seus desdobramentos.
Sua obra, conhecida e prestigiada pelos acadêmicos da Ciência Política e das Relações Internacionais, é plena de vigor analítico, da pena elegante, da combinação entre a intelequia e a empiria. Lado a lado a História e a Sociologia, acompanhando as premissas sustentadas por Raymond Aron.
Em suas palestras identificava-se o entusiasmo, a clareza didática, a erudição. Mapas e Leonel. História e Leonel. Filosofia Política e Leonel. Eis combinações que iam de Marx a Mackinder.
Seu mister como orientador era claramente reconhecido. Paciente e motivador. Cada minuto era precioso, pelo prazer da interlocução, pelo respeito, pela atenção redobrada. Entusiasta e defensor, ardoroso, de seus orientandos. Fazia questão não apenas de afirmar, mas comprovava sua solidariedade incontestável.
Não fez discípulos cegos e acríticos. Certamente não apreciaria tais posturas. O que nos ensinou, acima de tudo, e pelo exemplo, foi a postura irretocável, o caráter reto, as posições firmes, a lisura, o cavalheirismo.
De toda uma vida, uma faceta talvez possa, de alguma forma, sintetizar um homem em sua luta: a integridade. Rara, mas que em Leonel era e é a marca dos que podem olhar frente a frente, sem corarem pelo despudor ou pelas elegias fáceis de palavras ocas.
Fica-nos: íntegro, em paz com sua consciência!
Paulo Roberto Kuhlmann e Samuel Alves Soares
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