O ministro da Fazenda, Guido Mantega, respondeu com mais uma de suas bravatas à agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P), um dia depois de rebaixada a perspectiva do Brasil de estável para negativa. Segundo ele, a agência terá de mudar sua avaliação para um viés de alta, se isso depender da perspectiva econômica do País. A economia brasileira, argumentou, teve um "desempenho razoável" no primeiro trimestre e há sinais de crescimento maior no segundo.
É um arrazoado estranho. Depois de dois anos de estagnação, seria necessária uma expansão muito superior a 0,6% num trimestre para caracterizar uma evolução "razoável". Se o Produto Interno Bruto (PIB) crescer 3% neste ano, a expansão no triênio terá ficado em pífios 2,2% ao ano.
Além disso, o ministro Mantega descartou muito facilmente outros pontos. Ao adotar o viés de baixa, os avaliadores levaram em conta o risco de uma piora das contas públicas, já comprometidas pela combinação de excesso de gastos com desonerações mal planejadas. Somaram a isso a preocupação com o rápido aumento das operações dos bancos públicos e com o seu risco de crédito. Além disso, a justificativa da agência menciona também o baixo nível de investimentos e a fraqueza das exportações.
O anúncio da S&P coincidiu com a divulgação de duas más notícias sobre as contas públicas. Autorizado pela Medida Provisória (MP) 618, o Tesouro Nacional deverá repassar mais R$ 15 bilhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e uma quantia igual à Valec.
Esse dinheiro será levantado com mais endividamento, por meio da colocação de títulos federais no mercado. A transferência será feita por meio de um empréstimo sem prazo de vencimento. O governo poderá disfarçar outros efeitos, contabilmente, mas o impacto sobre a dívida bruta do Tesouro será evidente, e esse é o ponto mais relevante para os credores e demais agentes do mercado.
Além disso, o BNDES terá um desconto da dívida acumulada com o Tesouro desde 1997. A maior parte dessa dívida corresponde a transferências ligadas ao Programa de Sustentação de Investimentos, instituído em 2009 como instrumento de ação contra a crise. O governo deveria ter encerrado esse programa em poucos meses, mas decidiu renová-lo mais de uma vez. Entre 2009 e 2012 o Tesouro transferiu para o banco R$ 280 bilhões. A MP ainda autorizou o BNDES a descasar ativos e passivos de operações em dólares.
A outra má notícia reforça as expectativas de um mau resultado fiscal neste ano. O governo só conseguirá fechar suas contas - mesmo abatendo R$ 45 bilhões de investimentos e desonerações da meta fiscal - com a inclusão do bônus de assinatura das licitações do pré-sal na receita do Tesouro. A receita de concessões, inicialmente estimada em R$ 3,3 bilhões, foi revista em maio para R$ 15,6 bilhões, mas poderá ser maior, segundo fontes do Executivo.
O governo deverá usar, portanto, além dos truques já conhecidos, a contabilização de uma receita meramente eventual, sem perspectiva de repetição nos próximos anos. Mas a maior parte da gastança financiada pelo Tesouro deverá ser permanente.
A bagunça fiscal permanece, é indisfarçável e é inútil o governo rejeitar as avaliações de agências de classificação de risco ou de quaisquer outras entidades. Agências como a S&P têm o poder especial de prejudicar governos e países com suas opiniões negativas, certas ou erradas, mas esse é o menor problema. Muito mais grave, com ou sem classificação negativa, é o dano causado pelo manejo irresponsável das finanças públicas.
O Banco Central voltou a acentuar, na quinta-feira passada, a importância da política fiscal para o combate à inflação e para a preservação da confiança. Sem isso, ninguém poderá contar com estabilidade de preços nem com os investimentos indispensáveis ao País. A inflação em 12 meses continua no limite da margem de tolerância (6,5%), e os investimentos ainda estão longe do nível mínimo desejável. Nenhum desses indicadores vai melhorar com a farra fiscal.
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