domingo, 9 de junho de 2013

Avaliacao do governo Lula (1): a area economica

Como os companheiros continuam a produzir uma versão falsa do processo ocorrido no Brasil desde 2003, cabe, apenas em defesa da verdade histórica, restabelecer a verdade quanto aos fatos, o que eu fiz na imediata sequência do governo que eles tanto incensam.
O que vai transcrito abaixo é parte de um texto redigido nos meses finais de 2010, revisto no começo de 2011, e publicado nesses boletins digitais com pouca divulgação.
Vai aqui repostado parcialmente, retirando-se considerações metodológicas e de fontes de dados que não carecem de reprodução.
Eu já havia feito um balanço preliminar do primeiro mandato do governo Lula neste artigo: “Um balanço preliminar do Governo Lula: a grande mudança medida pelos números”, Espaço Acadêmico (ano 5, n. 58, março 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/058/58almeida.htm)
Paulo Roberto de Almeida

Balanço do governo Lula, 2003-2010: uma avaliação não complacente


Paulo Roberto de Almeida
Economia: avanços e recuos num quadro mundial em transição
O que ocorreu no terreno da economia foi uma combinação – rara, com base em declarações anteriores dos “economistas” do partido – de sensatez com “golpes” enormes de sorte. O registro histórico das posições do PT em economia prenunciavam o pior possível na frente econômica, a começar pela desonestidade fundamental em dose dupla: a de inventar a “tese” da “herança maldita” e a de se atribuir méritos por apenas ter continuado a política econômica anterior – estigmatizada de maneira totalmente desonesta como “neoliberal” quando o partido estava na oposição – sob a roupagem do “nunca antes neste país”.
O tournant neoliberal começou, é verdade, ainda antes das eleições, e isto por uma fatalidade do destino: o assassinato do principal conselheiro econômico do candidato Lula, na pessoa do prefeito de Santo André, num dos casos mais misteriosos (e talvez mais escabrosos) da política brasileira, e sua pronta substituição por Antonio Palocci (que conduziu uma verdadeira revolução copernicana nos pressupostos equivocados dos “economistas” do partido). Isso não impediu que a “herança maldita” fosse construída durante a própria campanha eleitoral, um pouco pela especulação “normal” de Wall Street, outro tanto pelo registro histórico das posições econômicas esquizofrênicas do PT.
O preço a pagar pelas bravatas anteriores foi alto, refletido na elevação imediata dos juros – aliás, pelas mãos do único banqueiro que aceitou servir ao governo do PT como presidente do Banco Central – e numa taxa de crescimento do PIB reduzida a 0,5% em 2003. A humilhação para os militantes da causa da “ruptura” veio também sob a forma do compromisso do ministro da Fazenda com um superávit primário ainda mais elevado do que o anteriormente acordado com o FMI, além da própria continuidade do programa de ajuste e empréstimo com a entidade de Washington, o que certamente aumentou a frustração. Mas a manutenção (e o aprofundamento) da política econômica herdada do governo anterior foi a principal e mais importante realização positiva do governo petista, uma vez que permitiu o clima de confiança que se traduziu no bom acolhimento do governo pelos mercados internacionais, logo materializado na expansão dos investimentos estrangeiros.

O que se conseguiu em termos de crescimento?
Em termos de resultados efetivos, o governo Lula realizou, em seu primeiro mandato, de 2003 a 2006, taxas respectivas de crescimento do PIB de 0,5%, 4,9%, 2,3% e 3%, numa conjuntura em que a economia mundial crescia praticamente o dobro dessas taxas e os emergentes dinâmicos três vezes mais. Registre-se, porém, que o governo operou uma revisão metodológica nas contas nacionais, alterando o peso e a composição de indicadores básicos da economia, o que redundou numa mudança para cima de todas as taxas de crescimento da economia. Assim, os dados revistos do PIB brasileiro permitiram exibir as seguintes taxas de crescimento: 1,1% em 2003, 5,7% em 2004, 3,2% em 2005 e 4% em 2006, com a consequente diminuição do peso da dívida pública e da carga tributária em relação ao PIB, resultados oportunamente convenientes para melhorar o desempenho geral da economia. De fato, pelos critérios metodológicos anteriores, a carga tributária do Brasil já teria alcançado, em 2008, 39,92% do PIB, uma anomalia pelos padrões internacionais. No segundo mandato, a economia obteve um bom desempenho, mas a carga tributária continuou aumentando: no período completo, ela foi de 32,5% do PIB, em 2003, segundo os novos critérios do IBGE, para 35% do PIB em 2009.
Pode-se dizer, aliás, que o governo Lula foi bafejado pela sorte e pela demanda internacional, em especial da China, cuja voracidade por matérias-primas beneficiou duplamente o Brasil: pelo volume exportado e pelos preços valorizados (mais este fator, até, do que o primeiro). Por falar em valorização, uma outra desonestidade intelectual precisa ser consignada: tendo acusado o governo anterior de praticar “populismo cambial”, os praticantes da economia “neo-neoliberal” levaram à mais intensa valorização cambial já assistida no Brasil desde o imediato pós-guerra, trazendo o valor da moeda brasileira a patamares ainda inferiores às paridades registradas no período imediatamente anterior à desvalorização e flutuação do início de 1999, provando, uma vez mais, que todos os políticos no poder adoram praticar populismo cambial (já que dá a impressão de que todos estão ficando mais ricos, ademais de ajudar no combate à inflação).
Porém, o avanço mais efetivo na frente econômica foi, paradoxalmente, o fato de não ter havido recuo na manutenção dos elementos centrais da política econômica anterior: metas de inflação (ainda que mantidas em níveis muito elevados, praticamente o dobro dos índices mundiais); flutuação cambial (com o desconto da valorização sempre criticada pelos exportadores e industriais) e responsabilidade fiscal (embora preservada unicamente na era Palocci, e relaxada depois). Os frutos foram colhidos sob a forma de taxas mais vigorosas de crescimento, de 2005 a 2008.
A inflação ficou controlada – graças bem mais à atitude responsável do Banco Central do que ao comportamento fiscalmente irresponsável do governo; mas o crescimento foi moderado, e a dívida bruta continuou em nível aproximado a 60% do PIB. O lado mais negativo da história foi o aumento constante da carga fiscal, convertendo o Brasil numa verdadeira anomalia tributária, para países com o seu nível de renda: praticamente dois quintos da renda nacional se dirigem ao Estado, com um retorno pífio em termos de investimento produtivo, e uma administração de despesas muito deformada do ponto de vista da eficiência na alocação do orçamento público.
No segundo mandato, a situação fiscal continuou a se deteriorar, mas o governo foi mais uma vez bafejado pela sorte, em meio às turbulências da crise internacional iniciada nos Estados Unidos, em 2008. O crescimento do PIB, ainda impulsionado pela demanda da China, que permaneceu vigorosa e se alçou à condição de primeiro parceiro comercial do Brasil, foi, respectivamente, de 6,1% em 2007, de 5,1% em 2008 e de -0,2% em 2009, tendo alcançado a taxa de 7,3% em 2010, a maior em quase 20 anos. Desta vez, o Brasil conseguiu fazer melhor do que a média mundial, o que não parecia difícil em vista da gravidade da recessão nos países avançados. Mas ainda assim permaneceu aquém do ritmo mais elevado dos emergentes dinâmicos, como a própria China ou a Índia. Registre-se, igualmente, a manutenção por mais de cinco anos, da mesma taxa básica de inflação, com o centro fixado a 4,5%, o que significa que o governo praticamente “encomenda” uma inflação de mais de 5% a cada ano, destinada a corroer o poder de compra dos rendimentos dos brasileiros.

De fato, as projeções para 2011 indicam que a pressão inflacionária represada – na verdade estimulada – pelo governo Lula no final do seu mandato aponta para a ultrapassagem do teto da banda, ou seja, mais de 6,5%, o que já indica certo descontrole. A carga fiscal continua a aumentar e os investimentos públicos permanecem em patamares inferiores às necessidades, com a agravante de que o governo desvia recursos orçamentários para alimentar empresas públicas – como a Petrobras – que poderiam tranquilamente se abastecer no mercado comercial de créditos e financiamentos.

Retirado de: 
2188. “Balanço do governo Lula, 2003-2010: uma avaliação não complacente”, Shanghai, 24 setembro 2010, 6 p. Retomada do exercício de avaliação global do governo Lula, enfocando, neste primeiro artigo, economia interna e crescimento. Revisto em 23/04/2011, sem a tabela de dados. 

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