domingo, 23 de junho de 2013

Educacao no Brasil: de mal a pior; artigos e livros Gustavo Iochpe, resenha de Paulo Roberto de Almeida

O tema é educação, que continua a decair assustadoramente no Brasil. Eu escrevi sobre isso, mas quando os desastres ainda eram pequenos, no primeiro governo Lula. A coisa continuou a se deteriorar desde então.  
Leitora deste blog me indica a leitura deste livro, que efetivamente devo ler, embora conheça muito do conteúdo, que já na Veja: 

Um dos livros que li recentemente, somente me aprimorou em pensamentos contrários aos da Pedagogia do Oprimido, por exemplo. Não sei se o Sr. já leu: "O que o Brasil quer ser quando crescer?", de Gustavo Ioschpe. Os artigos que ele selecionou para o livro foram artigos base para pensamentos de educadores que querem mudar a educação nesse país, mas não no sentimentalismo e sim em lógicas e estatísticas. Se ainda não leu, indico. Excelente livro.

Respondi o que segue, indicando todas as postagens deste blog relativas a esse autor (index: Ioschpe). Ao final, transcrevo a versão completa de minha resenha (de 2006) sobre o primeiro livro dele, pois creio que nunca a havia postado aqui:

Ainda não li esse livro, que é uma coleção de artigos que ele publicou na Veja, muitos dos quais eu já li, mas já tinha lido o primeiro livro dele, que eu recomendo: 
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). 

Eu fiz uma extensa resenha desse livro, como registrado aqui: 
1537. “A educação é cara?; experimente a ignorância...”, Brasília, 22 janeiro 2006, 3 p. Resenha de Gustavo Ioschpe: A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). Feita versão resumida sob o título “Reforma do ensino no Brasil”. Publicada, sob o título de “O custo da ignorância”, em Desafios do Desenvolvimento (Brasília, IPEA-PNUD, a. III, n. 20, mar. 2006, p. 62). Colocado no blog “Book Reviews”, sob nº 29 (link: http://praresenhas.blogspot.com/2006/04/29-educao-cara-experimente-ignorncia.html#links). Expandido a pedido de Roberto Macedo para a revista de Relações internacionais e Economia (Trabalho n. 1602). Relação de Publicados n. 632.

Conheço bem as ideias e materiais do autor, e já postei muita coisa dele neste mesmo blog, como se pode ver abaixo:
Diplomatizzando: Educacao:utopia e realidade - Gustavo Ioschpe
13 Abr 2013
Gustavo Ioschpe Revista Veja, 13/04/2013. A missão da boa escola é ensinar as disciplinas fundamentais aos alunos, e não tentar corrigir as desigualdades do Brasil. Um dos males que assolam nossa educação é a ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
A educacao no mundo ea deseducacao no Brasil - Gustavo Ioschpe
20 Fev 2012
Gustavo Ioschpe. Revista Veja, 22/02/2012. O ensino superior do futuro. Há uns anos, fui dar uma palestra em uma universidade privada. Perguntei ao diretor qual era o maior desafio deles. Imaginei que ele fosse me dizer ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Diplomatizzando: A escola brasileira degringola, literalmente...
30 Jun 2010
Minha atenção foi chamada para este artigo do Gustavo Ioschpe pelo meu colega de resistência anti-irracionalidades Orlando Tambosi, que o postou em seu blog. Conheço outros trabalhos do autor, entre eles este seu livro, ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Diplomatizzando: A destruicao da escola publica pela universidade ...
21 Ago 2011
Como pai da ideia, o empresário e economista Gustavo Ioschpe, pensador ad hoc da educação, esteve em Goiânia respaldando a decisão do secretário de Educação, Thiago Peixoto. Em seu Twitter, no final da tarde de ...
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Diplomatizzando: Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ...
20 Dez 2011
Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ver? Gustavo Ioschpe um economista conhecido por ser especialista em educação, passou algum tempo na China, inquirindo sobre a educação. O resultado completo está na ...
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Diplomatizzando: 2081) Brasil: potencia economica de semiletrados
12 Abr 2010
(Shanghai, 13.04.2010) Brasil: a primeira potência de semiletrados? Gustavo Ioschpe Revista Veja, 14.04.2010 "Apesar do oba-oba, o Brasil está próximo de ser um colosso econômico e esquecer a formação de sua gente"
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Diplomatizzando: Educacao no Brasil: salarios e desempenho dos ...
30 Mai 2010
Artigo • Gustavo Ioschpe Revista Veja, edição 2167 - 2 de junho de 2010 "A partir da década de 90, ocorreu um aumento substancial de salário nas regiões mais pobres do Brasil, mas não houve melhoria na qualidade do ...
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Diplomatizzando: Descontruindo a educacao brasileira
09 Mai 2010
Acho que o Gustavo Ioschpe é tão preocupado quanto este escriba no que se refere à tragédia que é a educação brasileira, em todos os níveis. Paulo Roberto de Almeida. 10/05/10 11:38 · Paulo R. de Almeida disse.
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Educação e desenvolvimento: como o Brasil vem falhando nos dois lados

Gustavo Ioschpe:
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil
(São Paulo: Francis, 2004, 234 p.)

“Se você acha a educação cara, experimente a ignorância”. A frase é de um antigo reitor (presidente) de Harvard, respondendo a reclamações de pais de alunos quanto ao custo da universidade. Ninguém que já esteja ou que tenha colocado o seu filho no ensino superior tentará a via alternativa, obviamente, o que promete reclamações contínuas pelo futuro previsível e custos crescentes no terceiro ciclo, tanto para as famílias quanto para os governos. Todos os países desenvolvidos possuem universidades de primeira linha, assim como o Brasil (ainda que as nossas ainda não figurem no panteão das “excelências” mundiais). Elas custam caro, muito caro, qualquer que seja seu modo de financiamento, pela via privada, pela via pública, ou por combinações variadas de ambas.
Nem sempre qualidade equivale a custos, mas há uma razoável expectativa de que a melhor qualidade exija e corresponda a uma fatura mais elevada. Os retornos, segundo se depreende das experiências conhecidas, são proporcionais aos investimentos, embora existam países que insistem em desmoralizar a teoria e o registro histórico, como se pode adivinhar pela singular trajetória brasileira de custos elevados e qualidade nem sempre compatível com o retorno esperado. Mas este não parece ser o problema mais importante que nos deveria ocupar neste momento, haja visto o fato de que o Brasil parece possuir universidades que constituem um poço sem fundo do ponto de vista orçamentário, sem que elas consigam exibir uma produtividade à altura. O que justamente distingue o Brasil dos países desenvolvidos é que estes também exibem qualidade boa ou aceitável nos dois ciclos anteriores ao ingresso nas universidades, o que não parece ser o caso do Brasil. Este é um dos problemas de que se ocupa este denso e instigante livro, um dos mais importantes a ter sido publicado no Brasil nesta área extremamente problemática de planejamento e de aplicação de políticas públicas setoriais nos três níveis da federação.
Quanto o autor do livro propôs, em 1997, a cobrança de mensalidades dos alunos abastados das universidades públicas, as reações foram inusitadamente fortes, o que comprovou que ele tocara em um ponto caro (e como) às classes médias. Afinal de contas, elas já tinham sido obrigadas a pagar pelos dois ciclos precedentes em instituições privadas e agora gostariam de usufruir o que existe de melhor na educação brasileira. Mas o importante a ser ressaltado no excelente livro de Ioschpe é que o ensino superior não é o problema principal do Brasil, ou pelo menos este não é O problema nacional, ainda que os indicadores a esse respeito nos coloquem abaixo da média dos países emergentes e muito aquém dos países da OCDE. A grande questão, obviamente, é a má qualidade do ensino nos dois primeiros ciclos. Esta é a verdadeira tragédia nacional.
Para situar os problemas da educação no Brasil, Gustavo Ioschpe não esconde o seu pessimismo: “estamos pior do que se poderia imaginar” (p. 132). Também, pudera: o secretário de educação do maior estado da federação publicou, em 2003, no maior jornal do país, um artigo no qual ele defende uma concepção “poética” para a educação, no qual ele diz ser “necessário que os educadores propiciem aos seus aprendizes a consciência do que é o bem, o bom e o belo”!!! Como diz o autor, seria preciso que os “aprendizes” soubessem, antes, ler e escrever – e contar, eu acrescentaria –, “coisa que hoje não sabem fazer” (p. 15). “O resultado dessa visão da educação desprovida de qualquer sentido prático e objetivos mensuráveis é uma confusão de sentimentos nobres e resultados pífios, em que a incompetência se traveste de qualquer rótulo pedagógico ou posicionamento ideológico que a torne inatacável. Em última escala, esse desacerto conduz ao atoleiro do atraso, no qual o Brasil se afunda cada vez mais à medida que seus concorrentes evoluem a passos largos na popularização do conhecimento” (idem).
No seu prelúdio, “para que serve o governo”, Ioschpe descarta duas possíveis objeções à sua abordagem. Ele não adota, em primeiro lugar, uma visão economicista da educação, “como se sua única função fosse gerar aumento de renda”, mas ele pensa, sim, a educação como “ferramenta” para o crescimento e para o desenvolvimento econômico. Ele não pensa, em segundo lugar, que uma educação voltada para o desenvolvimento é necessariamente técnica, profissionalizante, ou “alienadora”, como se dizia antigamente. Ele crê ser necessária uma “vasta base intelectual – multidisciplinar, horizontal”. É com base nessas duas premissas que ele estuda o impacto da educação sobre o crescimento e busca propor mudanças no sistema educacional brasileiro para que essa relação se torne não apenas viável mas virtuosa. 
Na primeira parte, ele traça um quadro abrangente sobre o papel da educação no crescimento – mostrando o impacto altamente relevante dessa variável no desempenho econômico relativo dos países, com base em amplo espectro de estudos especializados –, o que lhe permite fazer, na segunda parte, um diagnóstico preciso desses problemas no Brasil. A situação é estarrecedora: temos poucos jovens nas escolas e os testes aplicados, tanto internamente como no contexto de programas da OCDE, dão resultados não só pífios, como caminhando para pior. Na educação, como na política, o Brasil consegue realizar o milagre que caminhar para trás...
Uma frase resume o sentido de sua crítica. “No Brasil, um país onde a educação é um dos principais responsáveis pela desigualdade de renda, assiste-se a uma grande mistificação sobre o assunto, em grande parte porque aqueles que se dizem esquerdistas e igualitaristas no discurso acabam defendendo, na prática, um modelo elitista e exclusivista que mantém e protege as desigualdades reinantes” (p. 158). A solução não está em aumentar a oferta de vagas nos níveis mais baixos (já perto de 100%), mas sim a de concluintes capazes de entrar nos segundo e terceiro ciclos e a única solução para isso é “aumentando a qualidade dos níveis mais baixos de educação” (p. 161).
Antes de propor a reforma completa do ensino no Brasil, não custa nada eliminar alguns mitos, como por exemplo o de que o Brasil gasta pouco em educação. Não: gastamos mais (5,1% do PIB) do que a média da OCDE (4,9%). Colocar mais dinheiro seria aumentar a ineficiência do sistema. Os professores tampouco ganham mal, para o número de horas efetivamente trabalhadas, ao contrário: eles ganham um pouco mais do que outros profissionais de mesmo nível de qualificação, sem falar das outras benesses do serviço público (estabilidade, melhor pensão, menos anos para aposentadoria etc.). Descobre-se que o Brasil gasta dinheiro nos níveis errados, com prioridades erradas.
Alguns dados, entre outros: “os universitários de instituições públicas representam menos de 2% das matrículas da educação do Brasil, mas recebem 29% dos gastos públicos destinados à educação” (p. 183). O custo por aluno é quase o dobro da média da OCDE, a relação aluno-professor é inferior, a formação leva mais tempo e o professor universitário recebe por uma pesquisa que ele não faz. No Brasil, o custo de um aluno universitário do setor público pode ser 4 a 9,5 vezes mais do que o similar do setor privado, contra uma média internacional de 2,3 para 1 (p. 189).
Quanto à reforma do ensino no Brasil, não é que faltem metas: os MEC as tem demais, mas esse ministério tão cheio de pedagogas e de técnicos educacionais continua insistindo nos caminhos errados. Como o livro foi escrito no primeiro ano do governo Lula, com base em pesquisas conduzidas bem antes, é provável que, se lhe fosse dado o lazer de atualizar os dados com base nas propostas para os vários ciclos efetuadas nestes três últimos anos, o autor contemplasse estarrecido o cenário de desolação que se desenha e que continua a se desenvolver no Brasil. A começar pela insistência do MEC em pretender monitorar ideológica e administrativamente as universidades privadas e em dar foros de igualitarismo às universidades públicas, contra a vontade dos próprios reitores, que, diga-se de passagem, insistem por outro lado em elevar o seu quinhão no bolo de recursos que já se destina ao terceiro ciclo público. Ora, pesquisas efetuadas nos anos 1990, com base no desempenho das universidades públicas confrontado aos seus custos, revelam que elas ostentam resultados apenas 67% melhores do que as privadas, para “um custo 950% maior!” (p. 190).
Os problemas mais dramáticos estão, obviamente, nos dois primeiros ciclos, com um estrangulamento ainda mais preocupante no secundário. A proposta do autor é que o Brasil tenha 66% de taxa de escolarização líquida no segundo ciclo até 2014, ou seja, que 2/3 dos jovens de 15 a 17 anos consigam completar o ensino médio. Para que isso se faça, seria preciso alfabetizar todas as crianças ao final da primeira série e a dificuldade, aqui, é bem mais gerencial do que pedagógica. É preciso melhorar a qualidade do ensino e redirecionar os recursos dos abonados do terceiro ciclo para os pobres do primeiro.
O plano de reformas do autor compreende a ampliação do FUNDEF, cobrindo o ensino médio (como no FUNDEB), a premiação da melhoria do desempenho nos estados e municípios, o fim do abatimento no imposto de renda dos gastos em escolas privadas e o fim da gratuidade no ensino superior, com transferência dos recursos para o FUNDEB. A distribuição do dinheiro adicional deveria premiar não aqueles que menos têm, mas os que melhorarem seu desempenho, relativamente. Segundo ele, o novo fundo “deveria transferir recursos de acordo com a diminuição das taxas de repetência de cada estado” (p. 223). O fim da gratuidade no ensino superior público é, obviamente, o grande elefante no meio da sala: “o estrangulamento nacional não deve acabar enquanto a universidade pública não se tornar mais eficiente e menos custosa, para que possa voltar a se expandir” (p. 231). O dinheiro arrecadado não seria para cobrir os custos da própria universidade, mas sim deve ser transferido para o ensino básico.
As universidades públicas passariam a ter permissão para cobrar o que achassem compatível com sua estrutura de custos, segundo os cursos mais requisitados. Os alunos carentes teriam ajuda governamental garantida, dentro de certos parâmetros, e o resultado seria uma melhoria da qualidade tanto no setor público como no privado. As propostas são ousadas e dignas de reflexão, quando não de implementação imediata. A pior coisa seria maior transferência de recursos para as universidades públicas, sem a contrapartida da melhoria na eficiência. O Brasil já gasta muito nas prioridades erradas. Deve-se agora fazer o que tem de ser feito, que é o que já foi feito em outros países.
Como diz o autor, no capítulo conclusivo, todas essas variáveis “dependerão, crucialmente, das universidades públicas. No melhor dos casos, as públicas aceitam a nova realidade e passam a se preocupar com sua eficiência. Essa preocupação teria duas faces: aumentar receitas e cortar gastos” (p. 252) Não é difícil aumentar receitas, mas é provável que batalhas lamentáveis venham a se instalar nos campii, aliás, na indiferença geral da sociedade, como tem ocorrido com as últimas greves. “Antes de cortar custos”, continua o autor, “a medida indispensável e óbvia é a redução dos excessos da folha de pagamentos, com a dispensa de funcionários e professores ociosos e/ou afastados”, hoje protegidos pelo regime jurídico único, “que afasta a possibilidade de demissões”. A solução seria “transferi-los para a rede de ensino médio”, o que demandaria acordos entre a União e os estados. “O problema maior, porém, seria se as universidades tivessem uma posição menos receptiva” (p. 252).
Conhecendo-se as universidades públicas brasileiras, não se concebe outra reação: greves, paralisações, manifestações já despontam no horizonte. O autor, otimisticamente, acha que a ameaça de “suicídio” fará com que as universidades públicas se acomodem ao novo espírito reformista. O componente decisivo teria de ser a determinação política do governo de fazer as reformas. Pelo que se vê em matéria de coordenação governamental, não é provável que isto ocorra. Teremos de caminhar para a falência da universidade pública e para o estrangulamento completo do segundo ciclo antes da reforma inevitável? O autor acha que essa é uma “boa luta, e [que] o Brasil a merece” (p. 253). E você leitor?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 de maio de 2006

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