terça-feira, 18 de junho de 2013

Esquizofrenia fiscal no Brasil (acho que e' pior do que isso...) - Mansueto Almeida

Esquizofrenia, ao que parece é uma doença tratável, seja com remédios, seja isolando o paciente, amarrando, eventualmente, para que ele não possa fazer nenhuma loucura.
Acho que isso não se aplica no Brasil.
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Paulo Roberto de Almeida
Não há mais o que discutir. O Brasil passa por um momento delicado caracterizado por um mercado de trabalho aquecido, baixa taxa de investimento, inflação elevada, gasto público em expansão e desvalorização do real que complica ainda mais o cenário da inflação.
Diante desse (des)equilíbrio macroeconômico, resta ao BACEN elevar a taxa de juros básica da economia, a Selic. Mas essa medida que diminui o consumo e investimento (é para isso que se aumenta a taxa de juros) para combater a inflação, leva a dois problemas que anulam, em parte, sua eficácia.
Primeiro, o governo reage ao aumento da taxa de juros do BACEN com a expansão do crédito subsidiado para incentivar o aumento do investimento, o que significa que o ajuste de corte de demanda deve recair preponderantemente na queda do consumo, que ao mesmo tempo é estimulado por politicas de desonerações setoriais e com novos programas de subsídios como o Minha Casa Melhor (clique aqui), que aumentam o risco fiscal (desoneração e novos subsídios diminuem o resultado primário).
Segundo, o aumento da taxa de juros (Selic) pelo BACEN para controlar a inflação aumenta o custo das políticas de subsídios do governo federal por meio dos bancos públicos, afetando tanto a despesa primária (pois o custo dos programas de equalização de taxa de juros é uma despesa primária) quanto o custo financeiro da Dívida Liquida do Setor Público (DLSP) e o custo da Dívida Bruta. O governo pode até tentar esconder o custo orçamentário dessas medidas (em outro post falo sobre isso) mas não há como evitar o custo financeiro que se reflete na taxa de juros implícita da DLSP.
Assim, a política monetário restritiva do BACEN é combatida pelo próprio governo por meio da política de expansão do crédito via bancos públicos que ,além de “lutar contra o BACEN” , aumenta a despesa fiscal primária e o custo da dívida pública.
E se o governo controlasse a sua despesa primária? Seria bom, mas, no curto-prazo, teria que sacrificar o investimento público.
Além de tudo isso, há um problema adicional. É impossível ajuste fiscal no curto prazo, no Brasil, sem cortar o investimento público. No ano passado, o investimento público do governo federal (incluindo o Minha Casa Minha Vida) foi de 1,35% do PIB e sem o MCMV foi de 1,1% do PIB. Desde 1999, quando começamos a ter meta de resultado primário, anos de crescimento do superávit primário (1999 e 2003) foram anos de forte corte no investimento público (ver gráfico abaixo).
Investimento Público do Governo Federal – 1999-2012 (exclui estatais e minha casa minha vida) – % do PIB
Investimento
Em 1999, o investimento do governo federal foi de 0,5% do PIB e, em 2003, foi de apenas 0,4% do PIB, não por acaso os menores valores da série de 1999 a 2012. Por que não fazer o mesmo agora? porque já estamos no meio de uma campanha eleitoral. Nesses dois episódios de ajuste fiscal estávamos no início de mandato e agora estamos no final de mandato.
Essa estratégia teria um custo alto demais para o governo de plantão e o benefício (crescimento econômico) seria colhido apenas pelo próximo governante. Adicionalmente, como o governo federal cortaria o investimento público em um momento no qual o próprio governo incentiva o crescimento do investimento para puxar o crescimento do PIB?
Esse tipo de ajuste em campanha eleitoral é improvável até porque fidelidade partidária, no Brasil, ocorre via execução de emendas parlamentares que são emendas de investimento, concentradas nos ministérios dos esportes, turismo, integração nacional, cidades, saúde e educação. Cortar investimento público e execução de emendas parlamentares em ano de eleição é correr o risco de ver a sua base se rebelar rapidamente para oposição.
Vamos segurar o custeio? Oba!! Vamos! Mas como?
É claro que todo economista do bem quando fala em cortar gastos fala em despesas de custeio. Mas não é possível cortar esse tipo de despesa no curto prazo. Quando se fala que o governo deve controlar sua despesa é justamente controlar o crescimento da despesa de custeio ao longo do tempo, não de um ano para outro, o que é impossível. Explico.
Do total da despesa primária do governo federal (sem juros), basicamente 90% são despesas obrigatórias que são despesas de custeio e de pessoal. Dos 10% restante algo como 8% é investimento público e, assim, a despesa de custeio passível de corte seria algo como 2% do orçamento, mas mesmo isso seria difícil ainda mais em um governo que quase duplicou o número de ministérios. Como fala o senador Aécio Neves, ainda estamos atrás do Sri Lanka, mas nos esforçando para passar deles.
O grosso da despesa de custeio no Brasil está ligado as funções sociais. Por exemplo, o custeio do governo federal de janeiro a maio deste ano (GND-3 excluindo repartição de receitas), inclusive gasto de previdência do INSS, foi de R$ 253,4 bilhões (ver planilha anexa). Desse total, R$ 224,8 bilhões, 89% do custeio, veio de apenas cinco funções: assistência social (bolsa-família e LOAS), previdência social, saúde, trabalho (seguro desemprego e abono salarial) e educação.
Alguém acredita em cortes nesse tipo de custeio ligado à funções tipicamente sociais em um ano eleitoral? Eu não acredito é por isso que ajuste na despesa de custeio não é possível no curto prazo.
Meu Deus!! O que fazer?
Economistas sejam de esquerda ou de direita, gordo ou magro, alto ou baixo, cabeludo ou careca, novo ou velho, etc. estão pedindo maior controle da expansão do gasto fiscal. Infelizmente, acho até que seria possível se estivéssemos em um final de segundo mandato, o que não é o caso. Forte ajuste fiscal no curto prazo pela análise que fiz acima é impossível.
Assim, só restam duas alternativas. Uma alternativa é tentar fazer o ajuste fiscal na “conversa”, essa estratégia pode até acalmar o mercado, mas não acalma os índices de inflação. A segunda alternativa foi levantada por um ex-ministro da fazenda em debate recente que tivemos na última sexta-feira em seminário de conjuntura da PUC-RJ: o governo aprova mudanças institucionais que sinalizam maior responsabilidade fiscal para próximos anos, independente de quem seja o próximo presidente. Seria uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal versão II ou a proposta do déficit nominal “zero”.
A dúvida que tenho é se o governo teria gás e vontade política para promover mudanças institucionais nessa área ate porque mudanças institucionais também exigem algumas “maldades” como, por exemplo, rediscutir a regra de reajuste do salario mínimo e mudanças no seguro-desemprego e abono salarial (alguém poderia me explicar qual a lógica do abono salarial?).
Em resumo, não espero ajuste fiscal no curto-prazo nem uma sinalização positiva como sugerida por esse meu colega ex-ministro da fazenda neste e no próximo ano. Tudo isso seria possível se estivéssemos em primeiro ano de mandato ou em um governo no qual o governante não está concorrendo a reeleição. Como nenhum dos casos se aplica, acredito que passaremos por um período de esquizofrenia fiscal – um discurso de austeridade cada vez mais distante da execução orçamentária.
Não precisaríamos estar discutindo agora uma terapia de choque se lá atrás, em 2005, tivéssemos aceito a proposta do professor Delfim Netto e do economista Fábio Giambiagi do déficit nominal “zero” – que seria um plano de ajuste fiscal gradual para dez anos. E o mais interessante ainda é que a ministra que na época criticou o plano por ser rudimentar é presidente de república e namora com a ideia que ela própria taxou como rudimentar como a tábua de salvação de sua política econômica.
Terapia de choque
Foto: http://media.kompasiana.com

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