«Os BRIC nunca serão um bloco político e económico» (Ruchir Sharma)
A grande crise financeira iniciada em 2007 abriu-lhes uma janela de oportunidade. O domínio dos assuntos económicos mundiais pelo clube rico do G7 foi abalado. Mas os anos de 2011 e 2012 trouxeram uma surpresa paras as potências emergentes. O ritmo de crescimento dos BRIC abrandou significativamente. A dúvida instalou-se.
Entrevista com Ruchir Sharma
Diretor de Mercados Emergentes e Macroeconomia Global na Morgan Stanley International Management, autor de “Breakout Nations”
Diretor de Mercados Emergentes e Macroeconomia Global na Morgan Stanley International Management, autor de “Breakout Nations”
Por Jorge Nascimento Rodrigues
(c) JNR, 2013
(c) JNR, 2013
O conceito de BRIC – acrónimo para Brasil, Rússia, Índia e China – foi inventado em 2001, antes da Grande Crise financeira, por Jim O’Neill, da Goldman Sachs. A primeira década do século XXI parecia ser um passeio triunfal do grupo desde a sua primeira reunião na Rússia em 2009 e dois anos depois juntaram ao clube a África do Sul e passaram a usar o acrónimo de BRICS. Em 2010, a China ultrapassou o Japão e chegou a segunda economia mundial. Mas os dois últimos anos trouxeram algum pessimismo para o grupo. O indiano Ruchir Sharma, da Morgan Stanley, chama a atenção para um novo grupo de economias emergentes a seguir com atenção e afirma que os BRIC nunca serão um bloco coeso no plano económico nem uma força geopolítica. Publicou em abril passado “Breakout Nations”. Sharma nasceu em Wellington, no estado de Tamil Nada, na Índia, e atualmente está baseado em Nova Iorque. Graduou-se na Escola de Comércio de Delhi.
A China, a atual segunda economia do mundo, vai seguir o mesmo caminho de declínio e crise ocorrido no Japão nos anos 1990? O “milagre” chinês caminha para o fim?
Todos os “milagres económicos”, desde o Japão, à Coreia do Sul ou a Taiwan, começaram a abrandar significativamente quando atingiram, no passado, o mesmo nível que a China tem hoje, com um rácio de urbanização de 50%. A China acabou de ultrapassar esse limiar e começou a abrandar o crescimento em virtude da “lei dos grandes números”. Começa a ser difícil crescer a partir de um ritmo elevado de crescimento.
Mas o “caminho japonês” é inevitável?
Ainda que a China partilhe com o Japão alguns pontos fracos, incluindo um problema de envelhecimento da população, não tem o mesmo problema básico do Japão nos anos 1990 – uma recusa em aceitar a realidade, um estado de negação da necessidade de reformas. A liderança chinesa entende claramente que a desaceleração é inevitável, e está a tentar gerir o abrandamento e não a inverte-lo artificialmente. O que reduz enormemente a probabilidade de um colapso da economia chinesa e o seu mergulho numa estagnação de longo prazo.
Há o risco de rebentarem em breve bolhas especulativas na China e no Brasil?
Não. Na frente económica, a China continua a abrandar gradualmente, e não catastroficamente. Quanto ao Brasil, já abrandou significativamente, para um crescimento à roda de 1% e provavelmente a longo prazo a taxa de crescimento andará nos 2 a 3%. No mercado de capitais, a China tem um desempenho muito fraco há mais de uma década e o Brasil desde há um ano e pouco. Estas bolsas não estão em níveis de bolha atualmente.
O Brasil continua a ser uma espécie de eterna futura potência, de promessa?
Não. Qualquer nação pode mover-se rapidamente no caminho das economias a despontarem. O Brasil, é verdade, está no nível de uma economia de rendimento médio, o que dificulta um crescimento tão rápido quanto o de outros que partem de um nível mais baixo. Também é certo que o Brasil tem algumas falhas óbvias, incluindo um nível de investimento baixo, que deixou as suas infraestruturas tão deficientes que mal podem satisfazer a procura. É, por isto, que o Brasil tem uma inflação acima de 5% com um crescimento que, no ano passado, foi de 1,5%. Em virtude do trauma com a hiperinflação, o governo tem desenvolvido um estado social que não consegue suportar, em vez de investir em escolas e estradas.
E está em vias de sucumbir à “doença holandesa” com toda a euforia em torno do petróleo a extrair do pré-sal?
A “doença holandesa” surge quando os preços das matérias-primas disparam, valorizando a moeda, o que, depois, começa a minar a competitividade das exportações que não se baseiam em matérias-primas, afetando sobretudo as exportações industriais. Mas essa doença evapora-se quando os preços caem, como começou a acontecer ultimamente. De qualquer modo, o Brasil tem de diversificar para além das matérias-primas, reduzindo a sua exposição a outro ataque da “doença holandesa”.
E a Índia continua a ser, também, uma promessa?
No meu livro – “Breakout Nations” – dou à Índia uma probabilidade de 50-50% em se tornar uma dessas nações a despontar, definidas como as que são capazes de crescer mais rápido do que os seus rivais no seu nível de rendimento per capita e de, claramente, baterem as expetativas. De momento, a economia indiana abrandou abruptamente, de uma taxa de crescimento perto de 9% para uma mais plausível de 6%, mas as expetativas, também, se reajustaram repentinamente. Ninguém, na Índia, fala mais de querer ser “a próxima China”, o que é uma mudança de estado de espírito assinalável.
Encara-a então com otimismo?
A Índia também tem um historial de reformas decente. É certo que as verdadeiras estrelas procedem às reformas necessárias sem parar, mesmo em tempos de vacas gordas. A Índia, apesar de tudo, está num segundo nível, o das economias eu avançam com reformas quando estão encostadas à parede. Enfrentando o risco de cortes na notação da dívida e outras ameaças, a Índia começou a abrir a sua economia, sobretudo recentemente, por exemplo, abrindo o sector do retalho às grandes cadeias internacionais.
No seu livro é muito crítico da Rússia. Porquê?
Ela permanece um dos piores exemplos. Os seus líderes agarram-se ao poder durante muito tempo, quando até os melhores perdem a pedalada ao fim de oito anos. A liderança russa está em pleno na sua segunda década de vida e sem fim à vista. O segundo aspeto é o domínio dos multimilionários. Não se deseja que uma oligarquia controle uma porção excessiva da riqueza nacional. Ela domina 20% do PIB, a mais alta percentagem do mundo. E não há sinais de mudança para melhor.
Os BRIC decidiram juntar ao clube a África do Sul para espanto do próprio Jim O’Neill, que inventou o acrónimo. O que é que se pode esperar desse país africano?
Os BRIC decidiram juntar ao clube a África do Sul para espanto do próprio Jim O’Neill, que inventou o acrónimo. O que é que se pode esperar desse país africano?
A África do Sul, segundo um estudo de investigação recente do Fundo Monetário Internacional tem uma das taxas potenciais de crescimento de longo prazo mais fracas no mundo emergente, apenas de 2%. Em larga medida, tal deriva do falhanço no processo de reformas pelos governos do ANC, que está agora perto da terceira década no poder. Muito do futuro depende se o descontentamento dos mineiros evoluirá para um desafio sério a uma situação que se tornou de monopólio do estado por um único partido.
O bloco dos BRICS vai desmoronar-se ou não?
Do meu ponto de vista, os BRICS nunca foram e nunca serão um bloco geopolítico e económico. Na realidade, nunca pertenceram ao mesmo acrónimo. O Brasil e a Rússia são exportadores de commodities, a China e a Índia são importadores. Há democracias e estados totalitários. Há países com baixa inflação e altas taxas de investimento, como a China, em contraste com países com uma dinâmica de inflação persistente e baixas taxas de investimento, como o Brasil. Como bloco comercial, a China, de facto, tem uma dinâmica de crescimento das trocas com os outros três, mas os outros três entre si não. É mais plausível que cada um destes países se afirme como líder regional do que cresçam como um bloco global.
Mas se os BRICS são um promessa frustrada, quais vão ser os próximos “milagres económicos”, segundo o seu livro sugestivamente intitulado “Breakout Nations”?
Vão ser estrelas inesperadas. Serão nações que não têm estado no centro do radar. Entre essas surpresas, um dos desenvolvimentos mais intrigantes parece-me ser o facto de que as próximas economias de dois biliões de dólares (de PIB) surgirão em grandes democracias muçulmanas – Indonésia e Turquia. O que espantará os que acham que o islamismo é uma cultura inerentemente retrógrada que não pode gerar sucessos económicos.
Destaques
“A liderança chinesa não está em estado de negação como a japonesa nos anos 1990”
“A oligarquia russa controla 20% do PIB do país, o nível mais alto do mundo”
“É mais plausível que cada um dos quatro BRIC se torne um líder regional, do que pensar que se tornarão um bloco global”
“As próximas economias de 2 biliões de dólares vão emergir de democracias muçulmanas. O Islão não é uma cultura inerentemente retrógrada”
As “economias a despontar”
Ruchir Sharma aposta em 9 economias que, em cada um dos seus níveis de PIB per capita, terão condições de superar as “médias” de crescimento do seu escalão.
Ruchir Sharma aposta em 9 economias que, em cada um dos seus níveis de PIB per capita, terão condições de superar as “médias” de crescimento do seu escalão.
# No escalão dos 20 a 25 mil dólares de PIB per capita, duas economias poderão exceder uma média de taxa de crescimento de 3% ao ano na próxima década: República Checa (membro da União Europeia) e Coreia do Sul.
# No escalão dos 10 a 15 mil dólares de PIB per capita, duas economias surgem, com probabilidade de exceder os 4 a 5% de crescimento: a Turquia, indiscutivelmente, e a Polónia (também membro da União Europeia).
# No escalão dos 5 a 10 mil dólares de PIB per capita, surge a Tailândia, como candidato isolado.
# Abaixo dos 5 mil dólares, a aposta vai sobretudo para a Indonésia, Nigéria, Filipinas e Sri Lanka.
Versão ampliada de entrevista originalmente publicada na revista portuguesa EXAME
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