ANTONIO VIEIRA
Blog de Augusto Nunes, 1/09/2013
No complexo de procedimentos englobados na palavra “mensalão”, há inúmeros componentes, em boa parte escondidos. O julgamento do STF alcançou apenas a ponta do iceberg. Sigamos o dinheiro, como recomendava sabiamente o tal Garganta Profunda do caso Watergate.
Em primeiro lugar, é bom considerar que há operações bancárias ─ chamadas “antecipação de recebíveis” ─ que são muito praticadas por instituições financeiras. Em si, esse mecanismo se reveste da natureza de simples mútuo, onde alguém toma um empréstimo e dá como garantia algum bem, além do aval, ou transfere para terceiros os direitos a um título cambiário (como letras de câmbio, cheques ou duplicatas).
Em segundo lugar, é fundamental reconhecer que, antes de subornar um político ou parlamentar qualquer, é necessário haver o dinheiro para lastrear a compra. Sem o capilé o corruptor não corrompe o corrupto, por mais que ambos o queiram e se esforcem para tanto. Negociatas que não ultrapassem as tratativas preliminares são de difícil comprovação. Ficam por isso mesmo. De qualquer maneira, persiste o ponto nevrálgico referente à grana. Sem ela não há negócio.
Em terceiro lugar, deve-se refletir sobre a expertise do petismo, fruto de notórias práticas sindicais. Sindicatos são cartórios extremamente rentáveis. É possível afirmar, sem medo de cometer injustiça, que eles são um negócio melhor que o proxenetismo convencional, ou a exploração da religiosidade popular.
Em quarto lugar, considerando-se os itens anteriores, cabe decifrar a gênese do mensalão, a partir da combinação de negócios bancários, o projeto político do PT, a cultura das negociatas sindicais e a criatividade dos dirigentes desse partido, ao inventar uma forma sofisticada de extração de dinheiro dos cofres públicos, passando por cima de todos os sistemas de controle disponíveis. A quadrilha, nos seus primórdios, construiu, audaciosamente, uma rendosa parceria com pequenas casas bancárias de Minas Gerais, todas com uma mesma característica: aquilo que se pode impropriamente chamar de “governança familiar”, vale dizer, desprovida dos rigores de gestões corporativas impessoais.
Manobrando atrasos deliberados na quitação de dívidas com fornecedores, inicialmente por parte da Prefeitura de Belo Horizonte (controlada pelo PT ininterruptamente por quatro mandatos a partir de 1993), bem como das permissões da lei das licitações quanto à recomposição de preços e valores dos contratos, o esquema petista estrangulava financeiramente seus credores obrigando-os, de fato, até mesmo com o devido estímulo institucional, a buscar socorro nos tamboretes mineiros ─ Rural, Mercantil do Brasil e BMG ─ dando-lhes como garantia as faturas que tinham a receber.
Acertos políticos, como se diz, entre as cúpulas geravam risco zero quanto ao pagamento dos créditos junto à prefeitura mineira, agora devedora indireta dos tais bancos. O truque, de enorme singeleza, estaria pois em procrastinar o pagamento das dívidas da prefeitura. Desculpas esfarrapadas sobre as debilidades do fluxo de caixa, com alegações sobre a incapacidade financeira, apesar da cobertura orçamentária, produziam um impasse que era superado apelando-se a empréstimos dos fornecedores junto àquelas instituições financeiras. Juros robustos antecipadamente pagos seriam compensados posteriormente com aditivos da chamada recomposição de preços e valores. Na prática, os juros finais eram debitados na conta da prefeitura que, diretamente nada tinha a ver com os mútuos.
Voltando, então, ao tópico a respeito da necessidade de grana para efetivar o suborno da turma do mensalão: com os empréstimos dos fornecedores estaria resolvido o problema. A prefeitura encaminhava os “clientes” e a beirada devida ao articulador ficava à disposição do parceiro. Ressalte-se que há bancos que não faziam tais operações quando as garantias eram créditos a receber de prefeituras. A proverbial prudência bancária se deve à falta de credibilidade e, portanto, à insegurança quanto à concretização das responsabilidades presumidas dos dirigentes públicos.
A confiança indispensável em operações assim obrigava compromissos quase que pessoais. Algo do tipo: “pode emprestar a fulano, que eu mando saldar o débito na data prevista”. Um comando desse só pode se efetivar quando as entidades financeiras são empreendimentos familiares. Grandes casas bancárias não são susceptíveis a tais encaminhamentos em vista de seu modelo organizacional. Só um Banco Rural da vida , é importante alertar, tal qual no episódio tornado público, ou outros tamboretes amigos, de Belo Horizonte, serviriam para entrar na rede.
O único desafio operacional ficou na forma do titular da comissão retirar do caixa a sua parte. Se o fizesse oficialmente, deixaria as digitais nos registros contábeis. Uma solução foi arranjar um testa de ferro. O julgamento do STF apontou o responsável em alguns casos. Marcos Valério serviu como ponte. Foi o intermediário, usando a técnica dos “empréstimos” que não precisariam ser pagos. Deu no que deu. Precavendo-se contra o previsível futuro, quando vier à luz detalhes do mensalão mineiro, o BMG passou seu controle para o Itaú, visando escapar do mesmo destino infamante do Rural.
Vejamos, agora, como vai se desenrolar o caso envolvendo o Mercantil do Brasil e o ministro Toffoli, relator de processo de interesse do banco e, ao mesmo tempo, cliente favorecido generosamente pelo banco. Bancos, aliás, não são instituições filantrópicas. Banco, que é banco mesmo, existe para auferir lucros, os máximos possíveis. Toffoli está em silêncio. O filho do dono do Mercantil já veio a público defender as operações com o ministro. Se o Supremo resolver aplicar em si o furor moralizante, tão defendido agora por gente fresca na Casa, como o ministro Barroso, talvez venhamos a ter o primeiro caso de impeachment de um magistrado da mais alta corte judiciária brasileira.
Já vimos exemplos no Legislativo e no Executivo. Falta alguém do Judiciário para fechar o ciclo. O ministro Toffoli está ensaiando a candidatura com esse estranho negócio em que está metido. Os dirigentes do Mercantil fizeram empréstimos de mãe para filho a Dias Toffoli chegando, até mesmo, a reduzir a taxa de juros anteriormente pactuada. Parece que eles andam a ler muito os Contos de Aprendiz, de Fernando Pessoa. Seriam, com o perdão do grande poeta, os novos banqueiros anarquistas. Ser mineiro, em outros tempos, era sinônimo de cautela, de prudência, de chegar cedo para não perder o trem, de preferir canja de galinha, de no máximo comprar um ou outro bonde, mas sempre eventualmente. Agora, os financistas das Gerais não são mais que velhacos com pretensão de sabidos.
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