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sábado, 4 de janeiro de 2014

Abra sua Igreja, ou seu partido: duas maneiras de ganhar dinheiro facil e viver bem... - Paulo Roberto de Almeida

Um texto antigo, mas que ainda guarda validade (e como...):

O partido inorgânico da classe ociosa
Paulo Roberto de Almeida 

            Quem não gostaria de ganhar dinheiro sem fazer força? De preferência com o dinheiro vindo até você. Melhor ainda quando ele pinga sem impostos. Pois não que é existem essas vacas leiteiras, com poucos riscos e sem grandes investimentos iniciais? Basta ter saliva, um microfone e uma boa disposição para aprender a Bíblia. Refiro-me ao grande negócio das empresas religiosas, ou melhor, das igrejas comprometidas com a salvação de sua alma, contra modestos 10% da sua renda. Estou esperando o novo Lutero que vai despejar a sua fúria contra a venda de indulgências. Podia ser um procurador da República desconfiado com tanta devoção, mas a fé do povo brasileiro não deve permitir ataques contra obras de embromação religiosa. Enquanto esse Lutero não aparece, fico imaginando uma dissertação de mestrado sobre o espírito empresarial desses homens da fé, responsáveis, talvez, por algo como 5% do PIB brasileiro (minha estimação do volume de negócios é de cunho monetário-religioso).
            Olhando as belas construções arquitetônicas que brotam nas cidades brasileiras, suplantando as modestas edificações da igreja romana, pergunto-me se o governo não podia fazer PPPs, isto é, parcerias público-privadas, com alguns desses empresários da fé, dando-lhes, por exemplo, a administração da Febem, de presídios ou até mesmo de algumas universidades públicas, que parecem ter entrado em decadência irremediável. Estou certo de que, em pouco tempo, eles conseguiriam transformar esses poços sem fundo em lucrativos negócios.
            Mas existe um outro negócio quase tão bom, ou quiçá melhor, do que esse da exploração da fé e da ingenuidade do bom povo do Brasil. Refiro-me à criação de um partido político orgânico, dedicado à organização do povo em prol da transformação fundamental do país e comprometido com a redistribuição da renda, a começar pela dos particulares e a do próprio Estado. Aliás, o Estado não tem renda própria, ele só redistribui o que recolhe nos bolsos dos contribuintes compulsórios, que somos todos nós, e nos caixas oficiais das empresas que ainda sobrevivem no Brasil.
Estou certo de que você já ouviu falar do gigantesco empreendimento comercial que é esse do partido que nos governa, com muito charme e dedicação. Não é que ele conseguiu montar um esquema imbatível, inesgotável, de arrecadação (obrigatória e voluntária) de recursos financeiros? Renda garantida: anualidades para os simples sócios, mensalidades para os felizes detentores de cargos públicos, taxas para os nomeados não por mérito próprio mas por deterem carteirinha de membros, contribuições compulsórias para outros militantes da causa, enfim, um sistema complexo, eficaz e implacável de extração de recursos que faria corar de inveja qualquer empresário religioso ou capitalista digno desse nome. Até um negócio modesto, que antes de chamava “lojinha”, agora virou “grife” e traz artigos de uma marca que já deve estar registrada no INPI (se ainda não o fizeram, cuidado com a pirataria, pois algum mega-empresário americano poderia ser tentado a se apropriar da idéia, da simbologia e das cores).
O que eu não sei é se os militantes podem invocar o sagrado princípio capitalista da “satisfação garantida ou seu dinheiro de volta”, para reduzir o nível da extração (ou seria de extorsão?), pois nos últimos tempos tenho ouvido muita reclamação contra a continuidade das políticas da igreja, perdão, partido anterior, sem ao menos aquela compensação de eucaristia política, que resultava na transubstanciação do pão e do vinho, o que permitia um pouco de elevação espiritual. A salvação já não parece mais estar ao alcance da mão e os últimos crentes são orientados a ter um pouco mais de esperança na capacidade redentora dos velhos sacerdotes do culto, hoje um pouco mais gordos e menos messiânicos do que apareciam num passado ainda recente, de santas cruzadas contra o malvado dragão do capitalismo internacional.
Mas o fato é que, apenas por pertencer a essa agremiação quase religiosa, muita gente já está garantindo bons rendimentos, sem demonstrar perícias particulares. Tem até o caso daquele ex-sindicalista, amigo do presidente, que acumula duas vezes o salário do próprio, apenas para dirigir um centro de aconselhamento espiritual de empresas. Um sociólogo dissidente chamou-os de “nova classe”, ao que eu agregaria, seguindo Veblen, “ociosa”, pois que até agora o desempenho demonstrado não justificou os salários pagos. Mais um pouco e o partido deixa de ser “orgânico”, como queria Gramsci, para ser apenas uma máquina inorgânica de produzir dinheiro.

Mas, a pior situação deve ser a daquele militante, detentor de mandato ou cargo público e que, além disso, ainda é adepto de uma dessas igrejas empresariais: do dízimo obrigatório aos vinte ou trinta por cento do salário político (também obrigatório), o infeliz crente pode deixar quase a metade da sua renda para as arcas das duas confrarias. Amém!

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