domingo, 11 de maio de 2014

2015, o ano do ajuste (qualquer que seja o governo) - Claudia Safatle

A urgência do ajuste
Claudia Safatle | De Brasília.
Valor Econômico, 02/05/2014
Especial.Rumos da Economia. 

Com o ano de 2014 congelado pelas eleições presidenciais de outubro, todos os olhares se voltam para 2015. 
O estoque de decisões adiadas para o próximo ano, para não comprometer a campanha pela reeleição de Dilma Rousseff, se avoluma. Forma-se o entendimento de que o próximo presidente da República terá que enfrentar um duro ajuste. Não há indícios de que haverá maior crescimento econômico, expansão da taxa de investimento, queda da inflação em direção à meta e redução da taxa de juros em um futuro próximo. Ao contrário. 2015 deve ser o ano de preparação do país para a retomada, no período seguinte, de uma maior taxa de crescimento, objetivo final de qualquer governo. 

Diante da incerteza sobre quem será vitorioso nas eleições de outubro, abrem-se pelo menos duas vertentes de possibilidades na economia: com Dilma Rousseff reeleita ou com a vitória de um dos candidatos da oposição - Aécio Neves, do PSDB, ou Eduardo Campos, do PSB. 

No primeiro caso, prevalece o receio de que a presidente "dobre a aposta" na forma e no conteúdo do seu primeiro mandato, mas não é prudente desconsiderar a hipótese de que Dilma mudou e continuará mudando em direção a uma gestão mais amigável ao setor privado. Seu governo tende a ser "gradualista" na solução dos problemas. O grande desafio da presidente será recuperar a confiança dos agentes econômicos. 
Já os candidatos da oposição têm emitido sinais de que optariam por um "tratamento de choque" que se traduziria, por exemplo, em uma solução definitiva e mais rápida para a correção dos preços represados (combustíveis, energia e transportes urbanos). No gradualismo, os preços seriam corrigidos um pouco a cada ano, até eliminar a defasagem. 
Se há algum consenso entre os economistas de todos os matizes, é na política fiscal. Tanto os que são próximos ao governo quanto os de oposição focam na deterioração das condições fiscais nos últimos três anos como um dos pontos prioritários a serem atacados em 2015. 
O gasto público crescente acompanhado de aumento modesto das receitas minou a capacidade de produção de superávit primário. O saldo das contas públicas, que no primeiro ano do governo Dilma foi de 3,11% do PIB, no ano passado caiu para 1,9% do PIB, percentual que se repete como meta para este ano. 
O aspecto mais delicado do processo de corrosão fiscal, porém, está na taxa implícita de juros da dívida, hoje de cerca de 19% ao ano, embora a Selic seja de 11% e tenha caído para 7,25% sem, no entanto, reduzir o custo da dívida pública. 
Os juros implícitos resultam da diferença entre as taxas pagas sobre os passivos do setor público (Selic) e as que remuneram os ativos, bem mais baixas e que incidem sobre as reservas cambiais e os créditos do BNDES. 
O BNDES foi pródigo na concessão de crédito em nome de uma suposta política de criação de "campeões nacionais" e para sustentar a atividade econômica. Os empréstimos do banco subiram de 1,2% do PIB em 2008 para 8,6% do PIB em 2013. Para aliviar a dívida dos altos juros será crucial um cronograma de desmobilização de recursos da União para o BNDES. 
Foi pela piora da situação das contas públicas que o país sofreu o rebaixamento do "rating" de grau de investimento pela agência Standard & Poor's. 
Economistas que apoiam candidatos da oposição já começaram a alinhavar medidas que podem ser tomadas em janeiro de 2015, caso sejam eleitos, para recolocar a gestão fiscal nos trilhos. Cogita-se da suspensão das desonerações da folha de salários à elevação de impostos como, por exemplo, a Cide-Combustíveis. O próprio governo admite que as desonerações da folha não deram os resultados imaginados e deve reduzir o seu alcance, se reeleito. 
Com uma política fiscal mais eficaz, tira-se o peso do combate à inflação hoje nas costas do Banco Central. Mesmo assim, não é seguro que o país escape de uma nova rodada de elevação da taxa Selic a partir de janeiro do ano que vem. O BC acredita que entregará, ao fim deste ano, a inflação abaixo do teto de 6,5%. Para 2015 as expectativas do mercado são de uma variação de 6,3% do IPCA, taxa ainda distante da meta de 4,5%. Após quase 20 anos do Plano Real, a inflação continua a atormentar a vida do país. Nos doze anos de gestão do PT não foi dado um só passo para reduzir a meta rumo a uma taxa neutra. 
Uma inversão de objetivos marcou o governo Dilma Rousseff. Imaginava-se que a redução dos juros levaria à expansão automática dos investimentos, aumentando a oferta de bens e serviços. Com isso a inflação, fruto do descasamento entre a oferta e o consumo, estaria domada. As coisas não funcionaram como o Palácio do Planalto previa, porque juros por si só não determinam o investimento. 
Tudo conspirou para o governo abandonar a discussão ideológica estéril e retomar as privatizações, mediante contratos de concessão. Parte relevante das obras de infraestrutura do país foi ou será licitada. Rodovias e aeroportos avançaram. Portos e ferrovias ainda não. 
Assessores de Dilma começam, agora, a rascunhar uma "agenda de transição" deste para o eventual segundo mandato. Dentre as medidas elencadas consta a limitação do gasto público por lei, iniciativa que também faz parte da agenda de outros candidatos. Outras três medidas da lista já poderiam ter sido tomadas há anos, que são regras mais restritivas de acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial e às pensões por morte - cujos gastos crescem em progressões geométricas. 
São medidas necessárias, mas insuficientes para dar um novo arranjo à política fiscal e melhorar as condições de competitividade da economia brasileira. Conforme o resultado das urnas, serão retomadas a reforma da Previdência, com o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, e a flexibilização das regras que atam o mercado de trabalho, sobretudo no tocante à primazia do que é negociado entre patrões e empregados sobre a legislação. 
Do lado externo, a situação do balanço de pagamentos toma rumo inquietante. Apesar da desvalorização do real, dificilmente a balança comercial terá saldo positivo este ano. O déficit nas transações correntes com outros países é de US$ 25,186 bilhões desde o início do ano e deve encerrar 2014 na casa de US$ 80 bilhões. Em 12 meses até março a diferença entre o que país gastou e o que recebeu em decorrência de transações internacionais (comércio, serviços e outros) alcançou US$ 81,556 bilhões, o equivalente a 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB). 
A desvalorização de 2013 conteve a escalada de aumento do déficit. A perspectiva de a recente valorização se mostrar duradoura, no entanto, pode interromper ou mesmo reverter o sinal. 
Os investimentos estrangeiros diretos financiam, hoje, cerca de 80% do déficit. Os outros 20%, que representam cerca de R$ 20 bilhões, são cobertos por investimentos financeiros que entram no país atraídos pela taxa de juros. Ficar dependente de capitais voláteis pode não ser uma boa estratégia quando se sabe que em algum momento haverá uma elevação da taxa de juros americana. 
Por estilo e personalidade, a presidente também deixou marcas e rachaduras no microgereciamento de seu governo, ao interferir em preços importantes da economia. 
O exemplo mais dramático da microgestão está na política energética, dos combustíveis à energia elétrica. A defasagem dos preços da gasolina, porém, é apenas uma fração dos danos produzidos na Petrobras, empresa envolvida em suspeitas de corrupção e negócios deletérios durante o governo Lula. 
Na área de energia elétrica, as contas não param de chegar. O represamento dos preços da energia, após a redução de tarifas em 2013, já custou quase R$ 10 bilhões no ano passado em recursos do Tesouro Nacional para a CDE. Recursos que terão que ser devolvidos à União pelo aumento da conta de luz dos consumidores nos próximos quatro anos. 
As despesas referentes a este ano começaram com o empréstimo bancário de R$ 11,2 bilhões para a Câmara Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), mas devem superar esse valor e também serão pagas pelos consumidores. 
Os aumentos de até 29% concedidos nas últimas semanas para as tarifas de energia não têm relação com o acionamento das usinas térmicas. São aumentos de preços gerados pela desvalorização da taxa de câmbio dos últimos doze meses, que afeta a energia de Itaipu; e pelos contratos antigos das distribuidoras que foram substituídos por energia negociada em leilão de 2008, basicamente de térmicas. Substituiu-se, assim, contratos baratos do passado por outros mais caros. 
Adiciona-se a esse quadro geral do setor, o fato de os reservatórios chegarem ao fim de novembro deste ano - quando volta a chover - no nível mais baixo da história, deixando para 2015 o risco de racionamento. 
O modelo de exploração do petróleo do pré-sal, herança do governo Lula, ao substituir o regime de concessões pelo sistema de partilha - pelo qual a participação da Petrobras é de 30% em cada poço - criou um compromisso para a estatal incompatível com a política de preços determinada pelo governo federal. O Palácio do Planalto fez alguns ensaios de mudança na partilha que não vingaram. O futuro da Petrobras, hoje, é uma incógnita. A companhia, que chegou a ser cotada no mercado a R$ 472 bilhões em maio de 2008, hoje vale cerca de R$ 180 bilhões. 
Para os estudiosos da economia brasileira, porém, não basta só fazer de 2015 um ano de "ajustes" e de "transição" para melhores políticas fiscal, monetária e de preços, dentre outras. É preciso cuidar da política. Esgota-se o modelo do "presidencialismo de coalizão", calçado na aliança entre o governo e uma base aliada forjada em numerosos partidos fracos, pouco representativos, e sem um projeto coerente de política econômica. 

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