Niall Ferguson é autor de diversas obras, entre elas o livro 'War From the Ground Up' (David Levenson/Getty Images)
Ana Clara Costa, de St Gallen
Veja, 10/05/2014
O historiador econômico escocês Niall Ferguson tem referências suficientes para ser considerado uma estrela acadêmica. É professor em Harvard e escreveu uma considerável lista de bestsellers. Não satisfeito com a fama entre os intelectuais, o professor se tornou um dos mais didáticos palestrantes sobre a economia mundial. Usando referências históricas conhecidas e abolindo o economês, Ferguson conseguiu projetar-se para muito além de sua cátedra imponente nos arredores de Boston. Politicamente alinhado com o Partido Republicano nos Estados Unidos, foi consultor de dois adversários de Barack Obama: John McCain, em 2008, e Mitt Romney, em 2012.
Durante o simpósio promovido pela Universidade de St Gallen, na Suíça, Ferguson foi tratado com honra presidencial e foi responsável pelo discurso de encerramento do evento – uma espécie de versão compacta do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Sua última obra traduzida para o português foi A Grande Degeneração — A Decadência do Mundo Ocidental, que saiu em 2013 no Brasil pela Editora Planeta. Ao site de VEJA, Ferguson analisou a situação econômica brasileira e traçou previsões pouco otimistas. “O problema é que o PIB do Brasil não vai crescer de maneira mais acelerada e o país não será um grande lugar para se investir a não ser que haja reformas estruturais significativas”, afirmou. A solução, segundo ele, virá com a mudança de modelo econômico decorrente, possivelmente, de uma nova liderança política.
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O mercado não exagerou em seu mau humor em relação ao Brasil?
O que nos temos visto no último ano tem sido, parcialmente, um reequilíbrio de risco no mundo. Há duas razões para isso. Uma é a perspectiva de normalização dos juros nos Estados Unidos e uma mudança de percepção de risco político que há em alguns emergentes. No caso do Brasil, acho que os problemas datam de mais longe. O milagre brasileiro começou a perder seu brilho antes de os ventos começarem a mudar.
Houve milagre, de fato?
Houve muitas melhoras nos anos Lula e que se somaram ao contexto econômico global. Com o leste asiático aumentando a demanda, o Brasil ficou em evidência. Mas qualquer pessoa que visite o país como eu fiz recentemente, em São Paulo, pode ver os problemas. Dois anos atrás eu argumentei que se houvesse a escolha entre Brasil e México, México estava fazendo muito mais reformas estruturais do que o Brasil. Agora, o Brasil tem problemas políticos que não eram percebidos antes e fica difícil ver como o país conseguirá fazer os tipos de reforma que vemos no México até que haja uma verdadeira mudança de liderança política. Isso poderia acontecer, mas parece que as chances são pequenas.
O Brasil vem sendo colocado no grupo dos ‘cinco frágeis’, ao lado da Turquia, um país que passou por problemas políticos gravíssimos. O senhor considera o Brasil, de fato, frágil?
Não creio que o Brasil seja frágil. Fragilidade é exportar pouco, ter um déficit em transações correntes muito grande e uma moeda desvalorizada. Essas características não descrevem necessariamente os principais problemas da economia brasileira. O problema é que o PIB do Brasil não vai crescer de maneira mais acelerada e o país não será um grande lugar para se investir a não ser que haja reformas estruturais significativas. Além disso, há a percepção de que a era dos Brics está chegando ao fim. Foi-se o tempo em que Brasil, Rússia, Índia e China geravam grande expectativa. Essas economias estão crescendo muito mais lentamente do que uma década atrás, quando o termo Bric foi criado.
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O mercado não exagerou em seu mau humor em relação ao Brasil?
O que nos temos visto no último ano tem sido, parcialmente, um reequilíbrio de risco no mundo. Há duas razões para isso. Uma é a perspectiva de normalização dos juros nos Estados Unidos e uma mudança de percepção de risco político que há em alguns emergentes. No caso do Brasil, acho que os problemas datam de mais longe. O milagre brasileiro começou a perder seu brilho antes de os ventos começarem a mudar.
Houve milagre, de fato?
Houve muitas melhoras nos anos Lula e que se somaram ao contexto econômico global. Com o leste asiático aumentando a demanda, o Brasil ficou em evidência. Mas qualquer pessoa que visite o país como eu fiz recentemente, em São Paulo, pode ver os problemas. Dois anos atrás eu argumentei que se houvesse a escolha entre Brasil e México, México estava fazendo muito mais reformas estruturais do que o Brasil. Agora, o Brasil tem problemas políticos que não eram percebidos antes e fica difícil ver como o país conseguirá fazer os tipos de reforma que vemos no México até que haja uma verdadeira mudança de liderança política. Isso poderia acontecer, mas parece que as chances são pequenas.
O Brasil vem sendo colocado no grupo dos ‘cinco frágeis’, ao lado da Turquia, um país que passou por problemas políticos gravíssimos. O senhor considera o Brasil, de fato, frágil?
Não creio que o Brasil seja frágil. Fragilidade é exportar pouco, ter um déficit em transações correntes muito grande e uma moeda desvalorizada. Essas características não descrevem necessariamente os principais problemas da economia brasileira. O problema é que o PIB do Brasil não vai crescer de maneira mais acelerada e o país não será um grande lugar para se investir a não ser que haja reformas estruturais significativas. Além disso, há a percepção de que a era dos Brics está chegando ao fim. Foi-se o tempo em que Brasil, Rússia, Índia e China geravam grande expectativa. Essas economias estão crescendo muito mais lentamente do que uma década atrás, quando o termo Bric foi criado.
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Não há mais espaço para o modelo econômico de estado forte na economia, como é o caso do Brasil e, em maior escala, da China?
Acredito que haja um esgotamento sim. A diferença é que, no caso da China, o governo tem falado de maneira contundente sobre aumentar a participação do setor privado e liberalizar a economia. Eles têm enfrentado essas questões de maneira muito aberta. E por isso que o anúncio do novo plano econômico chinês no ano passado foi tão importante. Mas eu não vejo nada parecido com isso acontecendo no Brasil. O que o governo brasileiro tem oferecido é o mesmo de sempre, com a ressalva de que o mix de políticas piorou no governo Dilma.
O modelo econômico a ser perseguido é o do México?
Acho que ainda é cedo para dizer, mas Enrique Peña Nieto (presidente mexicano) tem buscado atacar questões muito difíceis. Fez reformas no setor energético, no de telecomunicações e na educação. É uma lista que impressiona pelo pouco tempo em que ele está no governo. E a diferença entre a Cidade do México e São Paulo, sendo que visitei ambas recentemente, é gritante. O sentimento na comunidade empresarial em São Paulo era de depressão, enquanto no México estava a todo vapor. Esse é um reflexo revelador sobre a atuação dos governos.
O senhor esteve no Brasil antes dos protestos de junho do ano passado. Na sua avaliação, o fato de não ter havido nenhuma mudança estrutural desde os então diminui sua importância histórica e social?
Vivenciamos um período de protestos em muitos países além do Brasil, sobretudo Turquia e Ucrânia. E o Brasil foi o país em que os resultados foram menos evidentes. Na Turquia, o governo quase foi derrubado. Na Ucrânia, os protestos se transformaram numa espécie de revolução sangrenta que, em todos os aspectos, trará mudanças gigantescas. Olhando de fora, me pergunto quando essas manifestações vão continuar no Brasil e se haverá algo que ameace a Copa do Mundo. O que é certo é que o problema não terminou. Para ter havido tanta insatisfação a ponto de dar início aos protestos e nada ter sido feito, a história certamente terá um novo capítulo.
As razões que originaram os protestos nesses países são comparáveis?
As razões, de fato, foram muito diferentes. O que elas têm em comum é a desilusão, a frustração popular, sobretudo dos jovens, com o atual governo e todo o processo político.
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Acredito que haja um esgotamento sim. A diferença é que, no caso da China, o governo tem falado de maneira contundente sobre aumentar a participação do setor privado e liberalizar a economia. Eles têm enfrentado essas questões de maneira muito aberta. E por isso que o anúncio do novo plano econômico chinês no ano passado foi tão importante. Mas eu não vejo nada parecido com isso acontecendo no Brasil. O que o governo brasileiro tem oferecido é o mesmo de sempre, com a ressalva de que o mix de políticas piorou no governo Dilma.
O modelo econômico a ser perseguido é o do México?
Acho que ainda é cedo para dizer, mas Enrique Peña Nieto (presidente mexicano) tem buscado atacar questões muito difíceis. Fez reformas no setor energético, no de telecomunicações e na educação. É uma lista que impressiona pelo pouco tempo em que ele está no governo. E a diferença entre a Cidade do México e São Paulo, sendo que visitei ambas recentemente, é gritante. O sentimento na comunidade empresarial em São Paulo era de depressão, enquanto no México estava a todo vapor. Esse é um reflexo revelador sobre a atuação dos governos.
O senhor esteve no Brasil antes dos protestos de junho do ano passado. Na sua avaliação, o fato de não ter havido nenhuma mudança estrutural desde os então diminui sua importância histórica e social?
Vivenciamos um período de protestos em muitos países além do Brasil, sobretudo Turquia e Ucrânia. E o Brasil foi o país em que os resultados foram menos evidentes. Na Turquia, o governo quase foi derrubado. Na Ucrânia, os protestos se transformaram numa espécie de revolução sangrenta que, em todos os aspectos, trará mudanças gigantescas. Olhando de fora, me pergunto quando essas manifestações vão continuar no Brasil e se haverá algo que ameace a Copa do Mundo. O que é certo é que o problema não terminou. Para ter havido tanta insatisfação a ponto de dar início aos protestos e nada ter sido feito, a história certamente terá um novo capítulo.
As razões que originaram os protestos nesses países são comparáveis?
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Certas políticas populistas colocadas em prática no Brasil ao longo da última década podem deixar cicatrizes no amadurecimento da democracia no país?
No caso da América Latina, há um aviso amedrontador sobre os perigos do populismo que é a Venezuela. O que vemos é um governo autoritário que sangra a economia e usa a repressão para manter seu poder. E essa é uma caricatura horrível do que o chavismo deveria ser. Há outros tipos de populismo, como os resquícios do peronismo na Argentina. Mas ao olhar a América Latina como um todo, a maior parte dos países caminha na direção certa, ou seja, um modelo, digamos, chileno de desenvolvimento. Peru também tem mostrado melhoras significativas. O Brasil, apesar de ser uma economia forte, precisa tomar cuidado para não derrapar para a criação de políticas que sejam não apenas economicamente controversas, mas que também prejudiquem a sociedade como um todo, como seus vizinhos populistas.
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