Escolha fatal: 10% do PIB para a educação Coluna: Mailson da
Nóbrega
Veja, 5/07/2014
A lei
que obriga a aplicar 10% do PIB em educação é equivocada. Quase dobra os atuais
5,8% do PIB. que é a média dos países da OCDE. A regra será cumprida até 2024.
O gradualismo dá a ideia de responsabilidade e realismo. Teríamos tempo para
nos preparar. Nada disso. Trata-se de escolha inconsequente, irrealista e
futura causa de oportunidades perdidas.
A
história está cheia de escolhas fatais, adotadas com boas intenções ou com o
mero objetivo de poder c fama. Quando erradas, podem condenar um país ao declínio
ou à pobreza por muitas gerações. No século XV, a dinastia Ming interrompeu a
exploração marítima chinesa por considerá-la a fonte da crise nas finanças
públicas. Segundo o historiador americano David Landes, quem fosse ao mar,
mesmo para comércio, podia receber a pena de morte. A China era uma potência
naval.
Seus
navios eram dez vezes maiores do que as caravelas portuguesas. Em 1421, o
almirante Zheng He navegou pelo mundo com uma frota de 317 navios e 28000
homens.
Assim,
Portugal e Espanha — e não a China — lideraram as grandes descobertas e
estenderam seus domínios à África, à Ásia e às Américas. Landes afirma que tal
isolamento explica os cinco séculos do declínio chinês. A China, a maior
potência mundial da época, tornou-se pobre e humilhada por invasores europeus e
japoneses. Somente quando Deng Xiaoping decidiu abraçar a economia de mercado
(1978) a China iniciou a recuperação.
Outro
historiador, o britânico Ian Kershaw, analisou dez escolhas fatais na II
Guerra, entre 1940 e 1941. Destaco duas delas, que contribuíram para a vitória
dos aliados: (1) a invasão da União Soviética pela Alemanha, que enfraqueceu
seu poder bélico; e (2) o ataque a Pearl Harbor pelo Japão, que fez com que os
Estados Unidos entrassem no conflito.
Claro,
a nova lei não terá a dramaticidade dos casos citados, que tiveram forte
repercussão mundial. Aqui, vai ser apenas nosso o ônus do aumento de gastos em
educação. Será mais um efeito do ambiente criado pelos governos do PT, segundo
os quais sempre é possível ampliar gastos sociais, mesmo que seja inviável sua
continuidade ou que beneficiem essencialmente os não pobres, como nas despesas
previdenciárias. Criticar o aumento desses gastos é considerado preconceito
contra os pobres, insensibilidade, neoliberalismo e semelhantes. Como ser
contra investir mais em educação? Daí o amplo apoio do Congresso ao projeto de
lei.
Dois
êxitos dos últimos cinquenta anos — Coréia do Sul e China — se devem à boa
formulação e gestão de políticas de educação, que resultam em ganhos de
eficiência nos gastos. Seus dispendios na área equivalem, proporcionalmente, a
somente dois terços dos nossos. Dinheiro não é tudo.
Defensores
da lei dos 10% já reconhecem que isso é muito mais do que se vê nos aíses
ricos, mas agora recorrem a outro parâmetro: nosso menor gasto per capita em
educação. No Brasil, a despesa por aluno é de 3067 dólares, contra 9313 dólares
da OCDE (devo esses dados a Hélio Schwartsman). Na verdade, em relação às
nações desenvolvidas, o Brasil gasta menos per capita em quase tudo, e não
apenas em educação, pelo simples fato de ainda não sermos ricos. A renda per
capita média da OCDE em 2009 era de 35900 dólares, mais de quatro vezes a do
Brasil, de 8 472 dólares. - Ninguém faz comparações desse tipo. Por exemplo.
não se avalia a carga tributária pela arrecadação, mas por sua relação com o
PIB. Se a ideia valesse, os benefícios per capita do INSS, equivalentes a 4 157
dólares, deveriam ser igualados aos da OCDE, de 17 880 dólares, também de mais
de quatro vezes os nossos (sempre dados de 2009, por razões de uniformidade).
Em proporção do PIB, a despesa do INSS iria de 7,5% para 32,2%, quase a carga
tributária (então de 32,3% do PIB).
A lei
tem outros problemas, advindos da ideologia e do corporativismo que impregnam
seu texto. No caso dos 10% do PIB em educação, seu efeito será piorar a já
grave situação fiscal.
A educação não precisa de mais dinheiro, e sim de
uma revolução na gestão e na forma de remunerar os professores, para melhorar
sua qualidade. A lei pouco ou nada contribuirá para isso. Tende a ser uma
escolha ruinosa.
Maílson
da Nóbrega é economista.
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