Schindler sueco' desafiou nazistas e salvou judeus da morte há 70 anos
SILVIO CIOFFI
OLIVIA FREITAS
DE SÃO PAULO
OLIVIA FREITAS
DE SÃO PAULO
09/08/2014 Folha.Mundo.
Em julho de 1944, o
sueco Raoul Wallenberg tinha 31 anos e uma missão na cabeça: salvar da
deportação nazista estimados 100 mil judeus-húngaros que ainda viviam em
Budapeste.
Naquele mês, ele
chegava à Embaixada da Suécia na capital da Hungria.
Até essa data, o
alemão Adolf Eichmann (1906-1962), oficial nazista em Budapeste, já havia
enviado cerca de 400 mil pessoas ao campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau,
na Polônia.
Formado em
arquitetura pela Universidade de Michigan (EUA) e vindo de uma família
conhecida como "os Rockefellers da Suécia", Wallenberg contou com
mais do que um clã influente para adquirir imunidade diplomática sueca e, com
ela, agir numa Budapeste convulsionada pela ocupação alemã.
A ajuda extra veio do
presidente americano Franklin Roosevelt, que nos derradeiros seis meses da
guerra criou a organização "War Refugee Board", à qual o governo
sueco aderiu.
A Suécia era neutra
na Segunda Guerra Mundial; assim, na condição de diplomata (embora não de
carreira), Wallenberg pôde emitir passaportes provisórios
("shutz-passes") e alugar prédios que, pintados de amarelo, serviriam
de moradia e de "território seguro", garantindo a sobrevivência para
milhares de perseguidos.
Por sua atitude,
Wallenberg passou a ser chamado de "Schindler sueco", uma referência
ao industrial alemão Oskar Schindler (1908-1974), famoso mundialmente por ter
salvado cerca de 1.200 judeus do Holocausto, a maioria empregados de suas
fábricas.
No último dia 9 de
julho, em memória aos 70 anos da chegada de Wallenberg a Budapeste, o Congresso
americano lhe concedeu postumamente a Medalha de Ouro. A honraria foi recebida
por sua irmã, Nina Lagergren.
DISCUSSÃO ÁSPERA
Inimigos nada
cordiais, Wallenberg e Eichmann possivelmente discutiram as deportações de
judeus num jantar na casa do diplomata sueco Lars Berg, no fim de 1944.
Berg relembrou o
diálogo áspero que ambos teriam tido em entrevista publicada pela "The New
York Times Magazine" em 1980. "Foi um jantar especialmente civilizado
para uma época brutal. Tomamos brandy, ninguém falou alto, mas era possível ver
o fogo da artilharia russa através da janela [o Exército Vermelho começava o
cerco a Budapeste para expulsar os nazistas]."
Nesse encontro,
Wallenberg teria afrontado Eichmann e dito: "Veja, você tem que enfrentar
isso. Perdeu a guerra. Por que não desistir agora?"
Eichmann teria
respondido que o fim até poderia estar próximo, mas continuaria a fazer seu
trabalho, mesmo que fosse morto.
Então, sempre de
acordo com o relato de Berg, Eichmann e Wallenberg se encararam. "Não
pense que você é imune só porque é um 'diplomata neutro'", teria dito o
alemão.
Coincidência ou não,
alguns dias depois, o carro diplomático de Wallenberg, sem a sua presença, foi
esmagado por um caminhão.
Presidente do
instituto que leva o nome de Raoul Wallenberg, o empresário argentino de origem
armênia Eduardo Eurnekian, 81, que administra 52 aeroportos e é dono de bancos
e vinícolas, diz não ter dúvidas de que Eichmann tinha conhecimento das
atividades de Wallenberg.
Eurnekian o define
como "brilhante, charmoso, falante e cheio de imaginação", além de
ter sido "um dos principais salvadores que a humanidade já teve".
SUMIÇO E MISTÉRIO
Seis meses após a
chegada de Wallenberg a Budapeste, o Exército Vermelho concluiu a ocupação da
cidade, em 17 de janeiro de 1945.
Como os soviéticos
eram aliados dos americanos, ele foi ao encontro do general russo Malinovsky.
Quando essa reunião
ocorreu, a diplomacia soviética enviou telegrama aos suecos dizendo que
Wallenberg estava a salvo, mas ele nunca mais foi visto.
A mãe de Wallenberg
procurou a embaixada soviética em Estocolmo, capital sueca, em 1945, com um
pedido de esclarecimentos sobre seu paradeiro. Como resposta, ouviu que ele
"estava bem de saúde, num local seguro, em Moscou".
A diplomacia sueca
não fez muito empenho em afrontar a União Soviética, pois Wallenberg não era,
de fato, um diplomata de carreira. E, à época, ninguém queria confusão com os
soviéticos.
Em 1947, um informe
da chancelaria em Moscou disse que Wallenberg tinha morrido depois de sofrer um
ataque cardíaco.
Logo depois, no mesmo
ano, um encarregado de negócios estrangeiros soviético respondeu à questão do
paradeiro de Wallenberg de modo diferente: "Ele não é uma pessoa conhecida
na União Soviética".
Surgiram, então,
rumores de que ele tinha morrido numa escaramuça de rua durante a tomada de
Budapeste.
Em 1957, vários
prisioneiros foram libertados e, entre eles, houve quem confirmasse ter visto
Wallenberg num 'gulag' (campo de trabalhos forçados) soviético, afirmando que
se referiam a ele como "o prisioneiro número 7".
ESPIÃO?
Presidente do
instituto, Eurnekian acredita na possibilidade de o ditador soviético Josef
Stálin (1878-1953) ter inferido que a operação de resgate dos judeus-húngaros
poderia ser apenas um disfarce para Wallenberg, pois havia a suspeita de ele
ser um espião a serviço dos EUA.
Hoje é sabido que
Wallenberg tinha contato com agentes do Escritório de Serviços Estraégicos
(OSS, na sigla em inglês), o serviço de segurança americano durante a Segunda
Guerra, que foi o predecessor da CIA.
Especula-se que ele
tenha sido cooptado ainda bem jovem, quando estudava na Universidade de
Michigan.
"O sumiço de
Wallenberg é um capítulo da história que permanece em aberto, e a verdade ainda
pode emergir com a abertura de arquivos da burocracia moscovita", afirma
Eurnekian.
O instituto que ele
dirige oferece recompensa de € 500 mil (aproximadamente R$ 1,53 milhão) para
quem der informações que ajudem a esclarecer o paradeiro de Wallenberg.
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