Um amigo, sociólogo como eu -- mas eu sempre achei que os sociólogos, como os advogados, servem mais para produzir déficits públicos do que propriamente riqueza nacional -- me envia uma matéria sobre a Suécia, como sendo a maior maravilha do planeta, e me desafia a publicar em meu blog e a ousar não concordar com a matéria.
Pois não: publico e digo de imediato: NÃO SE APLICA AO BRASIL.
On Dec 4, 2014, at 19:51, fulano <fulano@gmail.com> wrote:
Se
vc for honesto como eu acho que é, e inteligente forecasting, como eu
também acho que é, publica este texto ´desconsidere o blog onde ele
foi publicado:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/impostos-sao-o-preco-que-se-paga-por-uma-sociedade-civilizada-o-relato-de-uma-jornalista-brasileira-que-vive-na-suecia/
Explico porque discordo integralmente dos argumentos, abaixo.
Vocês podem ler a matéria enviada, antes de prosseguir na minha resposta a este amigo, o que fiz agora mesmo, de improviso, e já mandei mesmo sem revisar.
Depois vou escrever de maneira mais estruturada sobre o assunto.
Paulo Roberto de Almeida
Meu caro amigo,
Eu sendo totalmente honesto, comigo, com você, e com a autora do texto, eu diria que ela se ilude, você se ilude, e todos os que pensam como ela e como você se iludem, ao achar que o mundo, ou outros países, podem ser como a Suécia, e que isso é dado a todo mundo, bastando aumentar impostos que tudo vai se resolver como num passe de mágica.
Isso é uma grande ilusão, e você, e ela, não percebem que isso só faria com o que o nosso ogro famélico se agigantasse ainda mais, e todos estaríamos muito pior do que com a carga fiscal extremamente elevada que já temos.
Apenas uma sociedade que seja: pequena, estável demograficamente, altamente educada, com alta produtividade do capital humano, instituições democráticas sólidas, pode ser como a Suécia, e ainda assim sob condições muito especiais.
A menos que a produtividade do trabalho humano seja altíssima, e crescente, essa sociedade terá cada vez mais problemas para manter seu padrão de vida, pois do contrário o seu crescimento irá diminuindo e ela enfrentará problemas fiscais mais cedo ou mais tarde. Não é possível que se possa fazer milagres numa economia de mercado, a menos de se manter alta taxa de investimento, de crescimento, e de aumento da produtividade.
A tendência é que a Suécia não consiga manter esses padrões, e tenha de constantemente refazer seu padrão de gastos e de receitas, ou seja, aperfeiçoar e ajustar continuamente o seu modelo de organização social.
Isso talvez se possa fazer na Suécia, sociedade democrática e que tem a capacidade, me parece, de se reformar consensualmente.
Isso não é dado acontecer entre nós, e não é dado acontecer na maior parte dos países do mundo, e eu excluo a totalidade da África dessa possibilidade, a quase totalidade da Ásia, a totalidade da América Latina e vários outros países europeus.
Desconfio que os EUA tampouco conseguiriam reproduzir os padrões e o modelo sueco nas condições existentes, e no futuro previsível. A prosperidade teria de crescer enormemente nos EUA para que eles conseguissem ter um padrão assemelhado ao da Suécia. Veja, por sinal, que o PIB per capita dos EUA é superior ao da Suécia, embora muito mais desigualmente distribuído do que o dos EUA: a disparidade entre rendas de pessoas é enorme nos EUA, e bem menor na Suécia.
Seria possível fazer um padrão sueco nos EUA? Duvido, pois as condições sociais não estão dadas, e seria preciso um Estado fantástico, quase orwelliano, para transformar a estrutura da sociedade americana.
E se isso ocorrer, os EUA deixarão de ser a sociedade flexível que são, altamente produtiva, e passarão a crescer menos, ou seja, ficarão mais pobres relativamente do que são hoje.
Mas, atenção, a Suécia já foi muito mais rica do que é atualmente, comparativamente à média europeia. Não tenho os dados comigo, mas busque a renda média da Suécia hoje, e a da renda média da Europa SETENTRIONAL, no mesmo período, num espaço de 20 a 30 anos. Você vai constatar que a distância diminuiu, ou seja, ou a renda média da Europa setentrional cresceu num ritmo mais alto, ou a da Suécia cresceu mais lentamente. Pode até ser que a Suécia passe abaixo da renda da Europa setentrional.
Pesquise depois os dados relativos à Irlanda, um país que era "pobre" quando ingressou na então CEE, em 1972, junto com UK e DK, e que se tornou atualmente um dos países mais ricos do conjunto da UE, e não por ajuda da UE, e sim por políticas corretas de desenvolvimento econômico e social, um pouco de SUFRAMA (defiscalização em atividade ligadas a comércio exterior) e muito de qualificação da mão-de-obra.
Mas o essencial da riqueza da Irlanda -- que deve ter saído de menos da metade da renda da Suécia em 1972, para provavelmente 130% hoje, dessa renda -- se deveu à DIMINUIÇÃO de impostos, essencialmente sobre o lucro e a folha salarial, ou seja, a Irlanda liberalizou investimentos e emprego, com isso obtendo resultados fantásticos, crescendo a um ritmo chinês durante muito tempo.
Podemos reproduzir o modelo irlandês? Mais uma vez: DIFICILMENTE. Seria preciso um consenso muito grande, uma democracia funcional, para diminuir o PESO DOS IMPOSTOS, liberalizar a economia, e capacitar educacionalmente toda a população. Não acredito que isso possa ser feito no Brasil, pois JAMAIS haveria consenso político para fazer as reformas necessáriias.
De toda forma, uma coisa é ESSENCIAL que se retenha: é IMPOSSIVEL aplicar modelos de sucesso em outros países apenas na base da cópia, IMPOSSÍVEL. Estruturas sociais, o peso da história, os arranjos sociais são coisas muito pesadas que não se movem facilmente, e sequer podem ser transplantadas de um lado a outro.
O que sim é possível fazer seria ver o que funciona, e tentar adaptar às condições locais.
Em outros termos: sociedades mais livres, economicamente mais baseadas no livre empreendimento, funcionam melhor, são mais prósperas mais ricas. A Suécia é uma sociedade livre, ainda que com muitas regras, mas é uma democracia de mercado, em todo caso, muitas vezes mais livre do que o Brasil.
Liberdade de mercados funcionou para trazer prosperidade para os EUA, para a Suécia e para a Irlanda.
E para a China, SIM, por mais incrível que isso possa parecer.
A China era, três décadas atrás uma sociedade miserável, recém emersa do delírio econômico maoista, que começou a liberalizar a sua economia: agricultura, enclaves econômicos (ZEEs na costa) e progressivamente toda a indústria e todo o comércio. Sobraram, é verdade, grandes empresas estatais e grandes bancos idem, que é onde vigora a corrupção, mas que atuam, em grande medida, com base em regras de mercado. Atualmente, a China tem mais de 70% do seu PIB formado no setor privado, e não no setor estatal, e no setor privado a concorrência é intensa, na China e no mundo.
A China é, não hesito em dizer, economicamente mais LIVRE do que o Brasil. E se ela cresceu, não foi por causa, mas A DESPEITO dos monopólios estatais que ainda existem. Como ela se tornou mais livre, o "espírito capitalista" dos chineses foi fortalecido, e ela se tornou mais rica, mais próspera, e também mais desigual, que isso é uma consequência associada às economias de mercado.
O título do livro do Giovanni Arrighi - Adam Smith vai a Beijing -- é totalmente errado, ou melhor, é totalmente o contrário do que deveria ser: foi a China que foi à Escócia, não o Adam Smith que foi a Pequim. Ou então, os dirigentes chineses importaram os ensinamentos econômicos de Adam Smith e os aplicaram (mas não os do Iluminismo escocês, a democracia de Locke, Hume, Ferguson).
Resumindo, meu caro amigo.
Esqueça, pois o modelo sueco é inaplicável entre nós e na totalidade da América Latina. O que sim podemos fazer é tornar o país uma sociedade economicamente mais livre. Atualmente, o Brasil é um país regulamentado ao extremo, corporativo, quase fascista no plano econômico, e extremamente corrupto em suas instituições, com mandarins da República e marajás do Estado assaltando literalmente os pobres para viver às custas deles.
Quando, e se, conseguirmos mudar algumas dessas características poderemos talvez melhorar. Mas eu acho que o modelo irlandês, ainda que inaplicável entre nós, seria mais factível do que um modelo sueco.
Resumo aqui minhas condições para um crescimento econômico sustentado, com transformações estruturais e distribuição equitativa desse crescimento, o que produziria o desenvolvimento econômico e social:
1) Estabilidade macroeconômica
2) Competitividade e competição em nível microeconômico
3) Boa governança (justiça, parlamento, polícia, etc)
4) Alta qualidade dos recursos humanos e
5) Abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros
O Brasil sequer chegou perto de assegurar o primeiro requisito, que está atualmente sendo implodido pela incompetência dos neobolcheviques mafiosos que nos governam. Nem discuto quanto aos demais, pois sequer ficamos no primeiro terço do que seria uma pontuação aceitável em cada um deles.
Estamos longe, muito longe de ser uma sociedade preparada para a prosperidade, meu caro. Temos de progredir muito ainda.
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@me.com
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