sábado, 18 de julho de 2015

Falacias academicas: o mito dos modelos de desenvolvimento - Paulo Roberto de Almeida


A falácia dos modelos de desenvolvimento: enterrando um mito sociológico

Paulo Roberto de Almeida

Mundorama, 17/07/2015

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Modelos, quando referidos a experimentos ou processos de desenvolvimento bem sucedidos, são construções ex-post, elaboradas por sociólogos dotados de pouca imaginação, para explicar algum caso exitoso de crescimento econômico sustentado, com distribuição dos benefícios sociais desse crescimento. Na verdade, essas construções não constituem modelos de espécie alguma, não explicam muita coisa sobre as razões do sucesso, não são receitas de desenvolvimento rápido para nenhum outro país e, sobretudo, não podem servir de exemplo para o itinerário de outros países.
No entanto, é muito comum falar-se de modelos de desenvolvimento, embora eles sejam mais usados na linguagem jornalística do que nas análises econômicas, o que justifica sua inserção na categoria das construções sociológicas, e não no terreno mais circunspecto da análise econômica, ou da história do desenvolvimento econômico. Na opinião deste articulista, modelos são falácias acadêmicas, construídas e disseminadas nos departamentos de sociologia das universidades, e alimentadas justamente pela ausência de senso crítico na avaliação desses processos sustentados de crescimento econômico. Mas eles também são típicos do jornalismo econômico superficial, ambiente no qual uma experiência única e historicamente original acaba sendo indevidamente ampliada para cobrir um espectro mais amplo de países e passa então a representar uma suposta nova receita de desenvolvimento, geralmente de vida efêmera (isto é, enquanto duram as taxas robustas de crescimento de um país que serve alegadamente de modelo).
Se quisermos ser abusados, diríamos que o modelo artificialmente construído só dura enquanto se mantiverem as condições favoráveis do caso selecionado, um pouco como o socialismo, que só dura enquanto durar o dinheiro dos outros. Modelos verdadeiros deveriam ser experiências de fracasso, pois é mais fácil saber o que não dá certo do que identificar claramente as condicionantes de um processo bem sucedido de desenvolvimento. Como também se diz habitualmente, o sucesso pode ter muitos pais, mas o fracasso raramente encontra uma miserável de uma mãe. No entanto, seria mais útil saber o que pode dar errado, segundo a conhecida lei de Murphy, do que se por a buscar todos os elementos que compõem uma receita de sucesso.
E não precisamos ir muito longe para recolher uma série inteira de fracassos históricos. A América Latina é um imenso laboratório de experiências fracassadas de desenvolvimento econômico. Não fosse por isso, não estaríamos exportando matérias primas há quinhentos anos, e não teríamos sido ultrapassados por outros países e regiões que já estiveram muito mais baixos e já andaram muito mais atrasados do que nós nos níveis de desenvolvimento econômico e social. Digo isto com certo cuidado, uma vez que na escala do desenvolvimento, a América Latina sempre foi uma espécie de classe média do desenvolvimento, abaixo da periferia europeia, mas acima de muitos países asiáticos e certamente bem acima da acumulação de misérias do continente africano, este sim um modelo de não desenvolvimento, cujo fracasso histórico deve ser estudado com cuidado, justamente como receita do que não fazer.
Em todo caso, uma história econômica diferente da América Latina seria uma que se dedicasse a fazer o relato de seus fracassos apenas para desmentir essa falácia dos modelos de desenvolvimento, uma vez que já tivemos, no passado, países inseridos nessa categoria falaciosa, a começar pelo próprio Brasil. De modo geral, como já referido, nenhum país é modelo para qualquer outro país, a não ser como modelo negativo, sobre o que não fazer, e nessa categoria a América Latina tem dado sobejas demonstrações de equívocos repetidamente repetidos, se ouso ser redundante. Não querendo tripudiar sobre alguém, em especial, mas o fazendo, cabe reconhecer que a Argentina, em particular, vem cometendo bobagens há mais de 80 anos, e isso contínua e repetidamente, para ser ainda mais redundante.
Mas, não cabe aí nenhum orgulho patrioteiro sobre nosso progresso relativo em relação ao mais importante vizinho: o Brasil segue os passos da Argentina, ainda que moderadamente. Não tivemos a desgraça de cair no fascismo caudilhista e de construir um sistema que perdura, como o peronismo, e que assombra todo o país, capturando até algumas de suas inteligências mais refinadas, e que mantém a nação refém de um cadáver insepulto, aliás mais de um. Nós tivemos o nosso fascismo moderado, apoiado no positivismo castilhista, e mais recentemente um peronismo de botequim que, para nossa sorte, não tinha nenhuma doutrina, só esperteza e demagogia (além de algumas outras qualidades pouco recomendáveis).  
De uns tempos para cá, o Chile foi apontado como modelo de desenvolvimento, apenas porque cresceu vigorosamente nos anos 1990 e se tornou uma espécie de tigre latino-americano, tendo inclusive conquistado a honra de ser admitido nesse clube de ricos que se chama OCDE. Mas o Chile não é modelo de nada, ou para nada, apenas uma resposta adequada que suas elites souberam oferecer, num determinado momento, a desafios surgidos a partir de uma séria crise econômica e política. Ao que parece, essas elites, consideradas de direita, neoliberais ou o que seja, julgaram conveniente abrir o país economicamente, liberalizar amplamente seu comércio exterior e enfatizar as velhas vantagens ricardianas que derivam de certas especializações produtivas.
No Brasil sempre se desprezou o “modelo chileno”, se modelo existiu – o que eu não acredito – a pretexto de que se tratava de uma economia pequena, de um abandono completo de uma suposta vocação industrial – que todo grande país deveria ter – e de uma dependência em alguns poucos produtos primários de exportação, e que portanto, segundo esses críticos superficiais, estaria fadado ao fracasso inevitável. Confesso que  nunca me impressionou essa história de crítica às especializações limitadas, à falta de um projeto industrial, ou essa outra alegação ainda mais estúpida que se prendia à pequena magnitude econômica do país. Em termos de sucesso ou fracasso, não existem países grandes ou pequenos, aliás sob qualquer outro critério; existem apenas políticas econômicas que funcionam e outras que não funcionam, medidas macro e setoriais que são de boa qualidade, e outras que são de péssima qualidade. Sob esse ponto de vista, o Chile foi de fato um sucesso relativo, pelo menos durante certo tempo (ou até que os socialistas resolvessem mudar algumas regras do “modelo” anterior).
Em todo caso, qualquer país que ofereça uma perspectiva de crescimento sustentado e de prosperidade a seu povo, que mantenha a qualidade das políticas econômicas, macro e setoriais, pode ser considerado um exemplo de sucesso, mas isso em seus próprios termos, dentro de suas circunstâncias, não como receita para os demais, pois essas experiências são sempre “irrepetíveis”, se ouso dizer. O Chile, justamente, parece que se cansou de ser neoliberal e agora vem tentado ser um pouco mais socialista. Será que vai dar certo? Cabe acompanhar de perto, para alguma hipótese do experimento desandar.
Alguns acham, otimistas, que o Chile é o caminho para o Brasil, que está cansado de ser dirigista e protecionista, e talvez se aproxime um pouco mais de um modelo mais aberto. Liberal? Esqueçam. Não há nenhum risco dessa coisa acontecer por aqui nos próximos 30 ou 40 anos. Vamos continuar trilhando nosso pequeno e medíocre itinerário de voo de galinha, como gostam de repetir os economistas, ou seja, crescimento satisfatório, durante algum tempo – por autoindução, ou por empurrão da China – e depois desabamos novamente para alguma crise fiscal ou de transações correntes. Parece ser a nossa sina, ou pelo menos vejo isto, ao ouvir, até enjoar, a conversa de políticos entendidos no assunto, que prometem continuar lutando para garantir crescimento com emprego e distribuição de renda, desde que as políticas corretas sejam aplicadas pelo governo, isto é, por eles mesmos. Acho que não vai ser ainda desta vez...
Mas, se o Chile não é o modelo, para nós, ou para qualquer outro país, qual seria o “bom modelo” a ser seguido? A Coreia (do Sul, of course), a China? Não me falem da Grécia, por favor, esse país latino-americano (malgré lui) perdido na UE. Sobra quem, afinal? Não tenho a menor ideia, e só me resta repetir: não existem modelos disso ou daquilo, seja de crescimento rápido, seja de desenvolvimento “inclusivo”, seja de qualquer outra coisa. Existem apenas modelos de fracasso, países que abusaram da irresponsabilidade emissionista, que manipularam juros e câmbio, que cercearam a iniciativa privada, que gastaram mais do que podiam, que se endividaram em excesso, que praticaram um protecionismo rastaquera e um nacionalismo doentio, que descuraram da boa governança e de uma educação de qualidade, enfim, todas essas mazelas que todos vocês conhecem muito bem.
Estou falando do Brasil? Nem por sonho, imaginem se eu seria capaz disso?! Estudo o Brasil há quase meio século e ainda não consegui perceber qual é a nossa, um passo para a frente, dois para trás, tentativas de ensaio e erro, com mais erros do que acertos, enfim, um país que decididamente não é normal, como já declarei em tantas ocasiões (para uma experiência recente, meio desanimadora com a nossa “normalidade anormal”, vejam este link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/07/uma-estada-breve-mas-suficiente-na.html). Então qual é a nossa? Qual é a saída?
Sou obrigado a me repetir mais uma vez, e me desculpo por mais esta redundância. O caminho para o Brasil, para o Chile, para a Argentina, para a China, para qualquer país candidato a um processo de crescimento sustentado, com distribuição dos benefícios desse crescimento, que são a base do desenvolvimento econômico e social, é muito simples (mas também é complicado, ao que parece). Eu resumiria as minhas cinco regrinhas, que já desenvolvi em vários dos meus trabalhos sobre o assunto (prometo pescar os links e postar depois em addendum a esta nota), nestes pontos:
1) estabilidade macroeconômica;
2) competitividade microeconômica;
3) boa governança;
4) alta qualidade dos recursos humanos;
5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros.
Pronto, fico por aqui e não preciso acrescentar mais nada, pois acredito que os cinco requerimentos são self-explaining. Não vou ficar dando consultoria de graça neste momento, mas também não sou candidato a conselheiro do príncipe nem a “aspone” de qualquer governante, pelo menos não dos que estão aí (eles não precisam, sabem errar sozinhos). Só acrescento mais isto: as cinco regrinhas são suficientemente vagas para servir a todos os casos de doentes renitentes nessas coisas de políticas macroeconômicas e setoriais, mas elas devem ser, a cada vez, adaptadas às circunstâncias nacionais, o que é o “óbvio ululante”, como já dizia Nelson Rodrigues.
O mesmo finado escritor, de tão grata memória em várias outras coisas (mas não necessariamente em economia), também lembrava que subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos, como ele mesmo improvisava. Eu discordo dele. Acho que o subdesenvolvimento é, antes de mais nada, um estado mental, pelo menos no caso do Brasil varonil. Sorry patrioteiros...

PS.: Esqueçam os modelos: estudem, comparem, e sigam o bom senso... 

Anápolis, 2842: 12 de julho de 2015, 2 p.
Em voo, Brasília-Atlanta, 16-17 de julho de 2015, 5 p.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

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