quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A Rússia de Putin se aproxima novamente do Ocidente (ou o contrário?) - Marcos Troyjo

Dois pequenos erros neste artigo de outro modo bem construído e interessante:
1) A frase exata de Putin foi que "o desaparecimento da União Soviética foi a maior tragédia geopolítica do século XX", com o que eu estou inteiramente de acordo, mas invertendo os sinais e os resultados: tratou-se, sem dúvida alguma, da maior "tragédia" do século XX, mas as melhor tragédia que poderia ter ocorrido num século de outra forma dominado por tragédias muito maiores, como as guerras globais deslanchadas pelos piores totalitarismos jamais existentes na história da humanidade, responsáveis pela morte (assassinatos, homicídios, epidemias de fome, campos de concentração, fuzilamentos, etc.) de dezenas de milhões de seres humanos. Stalin, Hitler e Mao mataram um número incalculável de inocentes, civis a maior parte, inimigos do povo, ou raças malditas, na concepção perversa desses monstros. Putin, esse grande cleptocrata, deve ainda admirar Stalin...
2) Não é possível dizer que "os russos parecem conviver bem com as sanções, assim como assimilaram muitos boicotes durante o conflito bipolar", pois nenhum povo normal gosta de, ou escolhe, viver em penúria material e sob restrições pessoais. Os pobres russos foram OBRIGADOS, como escravos virtuais de ditadores megalomaníacos, a viver uma vida sofrida, sob uma penúria construída inteiramente por um Estado totalitário, paranóico, opressivo, inepto e totalmente incapaz de produzir e distribuir bens básicos por causa de um sistema produtivo disfuncional e esquizofrênico.

No resto, estou quase de acordo, mas ficou faltando falar do Brasil dos companheiros e de sua relação bizarra, de estima cega, ou míope, pelos supostos aliados "anti-hegemônicos".
Paulo Roberto de Almeida 

Terrorismo inibe nova Guerra Fria

Lógica "inimigo de meu inimigo é amigo" reaproxima Rússia e Ocidente 

MARCOS TROYJO

Folha de S. Paulo
Quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Quando a Rússia de Putin, aproveitando-se da crise na Ucrânia, fez valer a vontade histórica de reincorporar a seus domínios a enorme região da Crimeia, muitos analistas no Ocidente decretaram o nascimento de uma nova Guerra Fria.

A Rússia contemporânea buscaria, à semelhança do que fizera a URSS no pós-Segunda Guerra, uma política expansionista. Estaríamos fadados ao advento de uma nova Cortina de Ferro.

Nesse cenário, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) teria seriamente de considerar alternativas militares de modo a constranger o apetite de Putin.

Tal necessidade de "contenção" por parte do Ocidente, aliada a uma interpretação das palavras e ações originadas no Kremlin desde que Putin assenhorou-se do poder na Rússia, ampararia a tese dos que anteviam uma Guerra Fria 2.0. Tal hipótese encontraria guarida numa famosa frase de Putin –que há um tempo classificou o desmantelamento da União Soviética como o "maior erro estratégico do século 20".

Igor Schuvalov, vice-primeiro-ministro russo, reforçou o tom confrontacionista. Logo após a decretação de sanções econômicas por parte de Washington e Bruxelas a seu país, ele bradou "manda ver" ("bring it on", na tradução do russo para o inglês).

Stephane de Sakutin - 26.nov.2015/AFP
Os presidentes François Hollande (esq.) e Vladimir Putin reúnem-se no Kremlin em 26 de novembro
Os presidentes François Hollande (esq.) e Vladimir Putin reúnem-se no Kremlin no final de novembro 

Esse estilo desafiador explica-se pela história da Rússia –país que, ao longo dos séculos, teve o que entende por sua soberania territorial afrontada ao Ocidente e ao Oriente, ao sul ou ao norte. Por isso, se há um país no mundo que sabe aguentar pancada –e também dar–, este é a Rússia.

E, de fato, os russos parecem conviver bem com as sanções, assim como assimilaram muitos boicotes durante o conflito bipolar. Um dos bares mais populares de Moscou hoje chama-se Sanções, e a hashtag "#sanctions" compila piadas sobre o efeito das limitações econômicas sobre o país.

Muito mais impactante é o atual baixo preço internacional do barril de petróleo –o que implica dilacerantes efeitos sobre a renda exportadora russa.

Muitos entusiastas de uma nova Guerra Fria –e EUA, Europa e Rússia estão cheios deles– preferem não apostar no potencial conflituoso entre as duas superpotências econômicas do mundo contemporâneo: EUA e China.

Ambos são demasiado interdependentes do ponto de vista do comércio e dos investimentos. Exportações e importações entre ambos somam US$ 600 bilhões. Os EUA são o principal destino dos investimentos externos chineses, e vice-versa. E a China aloca cerca de um terço de suas imensas reservas cambiais de US$ 4 trilhões para títulos do tesouro norte-americano.

Nesse sentido, em vez de um estranhamento com Pequim, seria muito mais fácil para o Ocidente vilanizar Putin e nele centrar a figura de principal antagonista geoestratégico.

TERRORISMO

No entanto, o recrudescimento do terrorismo internacional nas últimas semanas tem aberto grandes janelas de oportunidade para o titular do Kremlin.

O Estado Islâmico (EI) plantou a rudimentar bomba que levou à derrubada do avião russo da Metrojet no Egito e conduziu a virulência do 13 de novembro em Paris. E, pelo que se sabe até agora, o EI serviu ao menos de inspiração para os assassinatos de San Bernardino, Califórnia, na semana passada.

O flagelo comum do terrorismo, a existência desse "inimigo" de todos, acaba por reaproximar Rússia e Ocidente.

Por um lado, o Kremlin de Putin adoraria ver suas diferenças com EUA e Europa deixadas para trás. Se é verdade que sua popularidade interna ganhou muitos pontos com a reincorporação da Crimeia, Putin sabe que o continuado apoio popular a seu protagonismo depende de que os russos tenham atendido seu desejo de viver num país "normal".

Isso equivale a dizer que prezam sobremaneira a ideia de estabilidade, segurança pública e também maior intercâmbio com o Ocidente. E a luta contra o terrorismo encontra grande eco na Rússia. Excetuando-se o 11 de Setembro, a Rússia é o país em que mais ocorreram atentados terroristas nestes últimos 20 anos.

Por outro lado, se há pouco tempo a França rejeitara continuar a comercialização de equipamentos militares de alta performance à Marinha russa, como os navios de guerra da classe Mistral, a recente visita de François Hollande a Moscou para tratar de ações conjuntas no combate ao terror sinaliza uma normalização do relacionamento bilateral.

E muitos outros líderes europeus apoiam (em sua maioria silenciosamente) os bombardeios que a Força Aérea russa tem empreendido contra alvos do EI na Síria.

Até recentemente, Obama e Putin não se permitiam encarar-se. O informal "tête-à-tête" que os dois mantiveram durante a última reunião da G20 na Turquia, contudo, exprime o nível de gravidade com que gigantes como EUA e Rússia abordam o fragmentário EI –e como estão dispostos a cooperar no enfrentamento desse pesadelo.

''Os inimigos de meus inimigos são meus amigos." Essa conhecida lógica do jogo estratégico está operando uma inesperada reaproximação entre Moscou e as capitais ocidentais.

O terrorismo, assim, funciona como poderoso inibidor do que muitos pareciam acreditar ser uma reedição da Guerra Fria.

@MarcosTroyjo

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