Agora, eles querem retornar às origens.
Pois não, eu também. Já advertia, desde 2001, que isso não iria dar certo, como não deu.
Mas o "documento econômico" do PT era apenas um lado da história. Alguns dos Aedes Unicampi, como Guido Mantega, por exemplo, até discordavam desse documento e queriam uma política econômica com outras características, mas igualmente irracionais. Deixei o artigo assinado a quatro mão (e pés) de lado, publicado na revista "teórica" (se não há contradição nos termos) do PT, Teoria e Debate, pois não acreditava que eles pudessem ser ainda piores, ou seja, totalmente sonhadores. Pois foram, e são (alguns até sairam do PT e se converteram em PSolistas, ou oposição de esquerda).
Em todo caso, transcrevo aqui novamente meus alertas de 2001. Infelizmente, os links do Instituto da Cidadania com o original do documento já não funcionam mais, mas devo ter essa "maravilha" em meus arquivos. Seria preciso transcrever na integra, para ver quanta bobagem eles são capazes de escrever. Se fosse só escrever, para fins políticos, nem seria nada. O pior é que eles acreditam nas bobagens que escrevem...
Paulo Roberto de Almeida
O PT
e as relações econômicas internacionais
do Brasil
Análise do programa
econômico “Um outro Brasil é possível”
Paulo Roberto de Almeida
Espaço Acadêmico (Maringá: UEM,
a. I, n. 6, nov. de 2001; http://www.espacoacademico.com.br/006/06almeida.htm).
Sumário:
Nota preliminar
1. Introdução:
características gerais do programa e metodologia desta análise
2. Características gerais do processo de desenvolvimento
brasileiro
3. A política externa alternativa frente a certos
impasses da realidade internacional
4. A blindagem internacional do neoliberalismo e a globalização financeira
5. Integração hemisférica “imperialista” e a questão da Alca
6. Soberania dos países da América Latina, os EUA e o Brasil
7. A globalização financeira e a abertura comercial
8. O que seria um modelo de desenvolvimento solidário?: sem mercados?
9. Alguma receita milagrosa para reduzir a vulnerabilidade externa?
(Texto original do “programa econômico do PT” em itálico)
(Comentários de Paulo Roberto de Almeida em texto normal)
Nota: Os argumentos e comentários
desenvolvidos no presente trabalho expressam, única e exclusivamente, as
opiniões pessoais do autor, não tendo qualquer relação com posições ou
políticas de qualquer instituição pública, às quais o autor possa estar
vinculado por motivo de sua condição profissional. O autor esclarece, igualmente,
que não se encontra filiado, nem nunca esteve, a qualquer agremiação
partidária, brasileira ou estrangeira, e que suas reflexões críticas refletem
mais sua formação acadêmica, enquanto sociólogo, do que “incorporação de
idéias” adquiridas no desempenho de obrigações profissionais enquanto servidor
público especializado na diplomacia.
Nota preliminar:
Os
comentários críticos, por vezes acerbos, ao chamado “programa econômico do PT”
foram redigidos sem qualquer espírito antagonista, por um observador externo
bastante simpático às causas que o PT representa em termos de políticas
públicas e de correção das tremendas desigualdades sociais existentes no
Brasil. Para que não pairem dúvidas sobre a predisposição do autor em colaborar
com um debate de alto nível sobre as propostas aqui contidas (ou outras que o
PT apresente e submeta a debate público), esclareço que tenho sido eleitor
(eventual ou ocasional, segundo as circunstâncias) dos candidatos do PT nos
últimos 20 anos, sem no entanto jamais abdicar de uma postura crítica (ou
dotada de um certo ceticismo sadio), como convém a qualquer cidadão consciente,
em relação às posições adotadas ou às políticas preconizadas pelo PT para o
Brasil.
Como estou
convencido de que o PT será um dia chamado a exercer o poder no Brasil e que,
para que tal ocorra, ele deve buscar apresentar políticas econômicas sólidas e
totalmente consistentes com uma moderna economia de mercado – como a que existe
hoje no Brasil –, tomei a decisão unilateral (uma vez que não sou formalmente
filiado ao partido) de apresentar minha contribuição a esse esforço de
“PT-education”, isto é, de aperfeiçoamento da qualidade dos programas e
propostas submetidas pelo PT à opinião pública e à sociedade brasileira de um
modo geral. Trata-se de uma decisão puramente voluntária, consistente com a
simpatia acima referida, e que não responde a qualquer demanda de qualquer
instância dirigente do PT.
1. Introdução: características gerais do programa e metodologia desta análise
O Instituto Cidadania, entidade vinculada ao Partido
dos Trabalhadores (PT), tornou público, em 4 de julho de 2001, um programa de
propostas econômicas que, embora claramente identificadas como emanando de um
grupo de economistas e de líderes políticos de sua corrente majoritária, logo
ficou conhecido como “programa econômico do PT”. O documento, “Um outro Brasil
é possível”, bem articulado e denotando um raro senso, no PT, no sentido de
tentar conciliar os constrangimentos da realidade econômica com medidas
suscetíveis de aplicação controlada num futuro programa de governo do partido,
foi bem recebido pelos observadores, que viram no texto uma tentativa de aggiornamento por parte de um movimento
que, durante vinte anos, exibiu fortes doses de irrealismo econômico e de
voluntarismo político militante, ambos identificados com teses socialistas e
estatizantes.
O programa
apresenta diversas medidas suscetíveis de aplicação controlada, sem
novos choques ou tentativas de superação rápida das dificuldades estruturais da
economia brasileira. Ele também representa um sensível progresso em relação ao
hipercriticismo econômico praticado no passado, ainda que continue a ostentar o
alto grau de indefinição que tem caracterizado desde sempre as críticas da
oposição às orientações econômicas do governo (críticas genéricas do tipo: “é
preciso de um outro modelo econômico”, “é necessário um projeto nacional de
desenvolvimento”, sem nunca explicitar claramente, no entanto, em que
consistiriam esses alegados esquemas de reforma global ou reorientação radical
de políticas).
A seção III do programa, relativa a “metas e
compromissos”, apresenta um elenco de medidas de bom senso, que no entanto
carecem de um estudo de factibilidade econômica, sobretudo no sentido de se
examinar sua adequação orçamentária e compatibilidade com o balanço de
pagamentos. As medidas propostas são aparentemente consistentes, ainda que não
de todo coerentes entre si o tempo todo, pois que alguns trade-offs sempre têm de ser operados na administração da política
econômica. A despeito desses progressos sensíveis na busca de uma política
econômica “razoável” – supostamente suscetível de ser aceita, não pelo chamado mainstream economics, mas pela opinião
pública em geral e pelos “capitalistas nacionais” em particular –, o texto
apresenta ilusões e equívocos do ponto de vista da política diplomática e das
realidades econômicas e políticas do contexto regional e internacional, que
justamente constituem o objeto principal desta análise e o ponto central das
observações críticas que são aqui formuladas.
Um certo sentido de “injustiça” poderia assim
revelar-se, na medida em que não são aqui destacadas, por razões tanto de
espaço como de enfoque analítico, as inegáveis contribuições de valor que o
texto contém, para um debate de alto nível sobre os rumos do desenvolvimento e
os impasses econômicos atuais. As virtudes do documento não são contudo
destacadas para não agregar ainda mais aos já extensos comentários feitos aos
pontos considerados equivocados nos posicionamentos adotados pelos autores do
texto. Outras observações feitas não se prendem necessariamente a temas
substantivos, mas referem-se a questões percebidas como pouco claras ou mesmo
contraditórias num texto que tem a pretensão de não ser unicamente uma proposta
econômica, mas um verdadeiro documento político, quando não “filosófico”.
De fato, o documento é abrangente, diversificado e
mesmo “totalizador”. Ainda assim, algumas tentativas de se “distinguir” das
políticas atuais – apenas para apresentar uma face diferente “disso que está aí”
– contribuem muitas vezes para dar um tom mais retórico do que realista ao
documento. Nesse sentido, o texto ganharia se tentasse dar maior concisão e
objetividade às medidas propostas, sem as muitas considerações de caráter quase
filosófico que apresenta.
Uma explicitação quanto ao “método”, ao início deste
esforço analítico, impõe-se como obrigação: o texto será lido e comentado
linearmente e topicamente, sem preocupação com seu enfoque global e sem
considerações de ordem política mais geral, uma vez que não se pretende
“questionar” o direito e a vocação do PT a ter uma política e uma plataforma
alternativa de governo. Grande parte das críticas e questionamentos aqui
formulados são apresentados em forma de perguntas: elas denotam o que o público
bem informado gostaria de saber sobre essas propostas ou que tipo de dúvidas
economistas realistas ainda mantêm em relação a um documento que traz
substância ao importante debate sobre políticas governamentais.
Finalmente, para fins de controle das citações, cabe
remeter ao texto integral do documento, disponível no link: http://brnt5sp228.digiweb.com.br/noticias.asp?id=152.
O presidente do PT em exercício no momento da
campanha eleitoral para a presidência do partido, José Genoino, a ele
referiu-se em termos elogiosos, embora precavidos (artigo no site do PT, ao
abrigo da chapa 20): “O documento dos economistas do PT constitui-se numa
importante contribuição para o debate partidário que antecede o processo de
definição do programa para a candidatura presidencial nas eleições de 2002.
Mas, para desfazer confusões criadas pela imprensa, é necessário registrar que
não se trata de um documento oficial, já que não foi aprovado por nenhuma
instância partidária.”
Vale observar, contudo, que por ocasião da campanha
eleitoral para a presidência do PT, entre julho e setembro de 2001, as
propostas contidas nesse documento foram objeto de pesadas críticas das
diversas chapas que não a do grupo majoritário que terminou elegendo o candidato
José Dirceu. Uma aproximação à reflexão desse grupo de economistas, acusado de
“flexibilizar” as posições tradicionais do PT em matéria econômica como forma
de “ganhar a confiança da burguesia”, pode ser encontrada no artigo coletivo “A Reconstrução da Nação”, assinado por quatro de seus
integrantes: Guido Mantega, Paul Singer, Jorge Mattoso e Reinaldo Gonçalves e
publicado na revista Teoria & Debate
(São Paulo; Fundação Perseu Abramo, ano 13, nº 43, janeiro-março 2000).
2. Características gerais do processo de desenvolvimento
brasileiro
I. A RECONSTRUÇÃO DA NAÇÃO E O RESGATE DO SOCIAL
1) Entender com profundidade a interrupção do
processo de desenvolvimento e construção da nação impostas pelo neoliberalismo
e pelo atual governo não é uma tarefa simples. Muito mais difícil, no
entanto, será superar as pesadas heranças e amarras deixadas por este período
de nossa história e construir um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil.
Não aceitamos continuar renunciando a um projeto próprio de Nação e reduzir as
ações do Estado ao simples abrir espaços para o avanço do mercado, como faz o
atual governo.
PRA: A interrupção do processo de desenvolvimento não foi
necessariamente imposta pelo neoliberalismo, já que a crise do desenvolvimento
brasileiro precede a plena aplicação do modelo neoliberal no Brasil. Esse
processo já vinha sendo desenhado na última fase do regime militar e conheceu
novos desdobramentos ainda antes da era Collor. Na verdade, o que de fato
caracteriza a crise do processo de desenvolvimento no Brasil é menos sua face
neoliberal do que seu caráter errático nas últimas duas décadas, e uma
tendência nítida à desaceleração do impulso de crescimento no período recente.
Esse caráter errático, por sua vez, é menos dependente de uma política econômica
deliberadamente orientada para a recessão ortodoxa do que o resultado de
choques adversos internos (medidas “corretivas” de corte anti-liberal,
precisamente, para tentar debelar a espiral inflacionária) e externos
(petróleo, dívida, crises financeiras).
2) Nosso
compromisso é construir um modelo que seja capaz de superar a miséria e a
extrema desigualdade que hoje vitimam a sociedade brasileira. Um modelo
articulador da vontade popular comprometida com um projeto democrático capaz de
resgatar o destino nacional, a cidadania e o primado da soberania.
PRA: A promessa de um novo modelo de
desenvolvimento e de um projeto próprio de Nação é mais afirmada do que
realmente apresentada e, críticas ao suposto modelo neoliberal à parte, não há
no documento nenhuma exposição detalhada sobre os componentes desse modelo ou
projeto oferecido mas não exposto, assim como persiste uma notável ausência de
medidas concretas de política econômica suscetíveis de, nos termos do programa,
“superar a miséria e a extrema desigualdade que hoje vitimam a sociedade
brasileira”. A invectiva moral, com fundo ético, pode constituir uma história
edificante, mas não é, nem pode ser, um substituto à análise econômica e a
propostas concretas de política econômica e de ações governamentais.
Um projeto econômico alternativo não
precisa necessariamente ser grandiloqüente ou enveredar pela retórica do
“destino nacional” e do “primado da soberania”. Quanto mais simples, conciso,
direto, e despojado de adjetivos ele for, e mais focado for na eficiência,
transparência e credibilidade das medidas propostas, de caráter econômico, mais
legitimidade ele terá em amplos segmentos da população, e não apenas naqueles
setores já identificados com o discurso oposicionista. Nesse sentido, um
documento econômico do PT ganharia muito em ser mais enxuto, em linguagem
direta, afirmando com clareza os objetivos econômicos pretendidos.
3) Queremos
lembrar que o Estado-Nação é formado essencialmente pelo território, povo e
soberania e é nessa perspectiva que queremos resgatar os espaços perdidos de
soberania e o espírito de serviço público, com um Estado desprivatizado e
apropriado plenamente pela cidadania.
PRA: A definição do
Estado-nação contendo a noção de soberania é suscetível de dúvidas, pois se tem
dois elementos objetivos ao lado de um conceito algo impressionista, ou pelo
menos passível de interpretações variadas. Existe uma única definição de
soberania?: ela quer dizer apropriação estatal dos recursos naturais ou toda
criança na escola?; deve ser a nacionalização majoritária da base produtiva
nacional ou o comprometimento com um processo integracionista regional ampliado
que implica quase que de forma axiomática perda de soberania?
Com o conceito de soberania parece
ocorrer o mesmo que com a noção de “interesse nacional”: à parte generalidades
abstratas, não haverá uma visão uniformemente partilhada pelos diversos setores
sociais da Nação sobre o que exatamente corresponde ao interesse nacional ou
como melhor defender a soberania brasileira. Dessa forma, conviria voltar à
definição tradicional de um Estado-Nação, ou seja: território, povo e Estado. A
soberania é um atributo intrínseco ao Estado e não pode ser, assim, um dos
elementos constitutivos desse mesmo Estado nacional, que se pretende definir.
4) No
mundo contemporâneo este pragmatismo capitulacionista tem encontrado sua
expressão maior na assim chamada Terceira Via.
PRA: O pragmatismo
da Terceira Via não parece ser o “inimigo principal” no momento, inclusive
porque será a via a ser trilhada pelo partido dentro de mais algum tempo de
evolução política e ideológica, por mais que se queira evitar essa revisão
“bernsteiniana” da social-democracia petista. Por que estigmatizar a chamada
Terceira Via como capitulacionista?: apenas porque ela renunciou a eliminar o
capitalismo e porque não se pronuncia de forma decisiva como contrária à
globalização capitalista? A invectiva serve apenas para demarcar-se da
social-democracia européia e como o objetivo de apresentar um discurso “não
comprometido pela conciliação” para certos setores do PT? Trata-se de um
discurso interno ou externo? Um PT não-capitulacionista deveria propor,
exatamente, que via político-democrática à sociedade brasileira?: uma que seja
resolutamente socialista, ou a que se imporá na prática como social-democrática
com tinturas radicais?
3. A política externa alternativa frente a certos
impasses da realidade internacional
5) Nossa alternativa prevê, finalmente,
presença soberana no mundo e alianças internacionais capazes de resistir à atual
relação mundial de forças e, na medida do possível, alterá-la.
PRA: Essa afirmação
constitui todo um postulado de política externa que supõe que: (a) a atual
relação mundial de forças – supostamente a da globalização capitalista – é não
apenas nefasta como oposta aos interesses nacionais do Brasil, que portanto
deveria lutar para alterá-la; (b) a diplomacia brasileira vai tentar construir
alianças que sigam esse objetivo mais afirmado do que demonstrado, supondo
existirem outros Estados no cenário internacional interessados no rompimento
dessa relação de forças, o que é um exercício quase aleatório de política
externa. Presença soberana no mundo não depende apenas de discurso, mas dos
chamados excedentes de poder, em outros termos, poder militar e talão de
cheques. Sem dispor de um ou de outro, o discurso pode ser meramente uma
afirmação principista da vontade, sem condições efetivas de implementação no
mundo realmente existente. Fazendo o caminho inverso, pode-se perguntar se
existem muitos outros países no mundo aguardando o Brasil mudar de governo,
adotar uma política não neoliberal e propor uma aliança tática ou estratégica
para essa luta pela mudança na correlação de forças. Os países não agem
geralmente motivados por princípios gerais, mas por interesses imediatos e
concretos, entre eles o de ganhos diretamente mensuráveis em termos de comércio
ou presença política, não em termos abstratos de mudança na correlação de
forças.
6) O Brasil
caminhará em direção a uma alternativa ao neoliberalismo que, necessariamente,
terá que vir acompanhada de uma disputa de hegemonia com a cultura da
mercantilização excessiva propagada pela globalização capitalista. É esta que
articula valores, relações sociais, controles institucionais e que determina
atitudes, comportamentos e projetos individualistas, oportunistas e consumistas
inclusive entre os próprios excluídos e oprimidos.
PRA: Novamente excesso de retórica e de adjetivos sobre
uma situação pouco clara à maioria dos leitores; linguagem empolada, à la jovem
Marx, não necessariamente contribui para a clareza de propósitos. Insinua-se um
certo profetismo (“O Brasil caminhará…”) e um certo voluntarismo (“disputa de
hegemonia com a cultura da mercantilização…”) que ultrapassa em muito a modesta
capacidade transformadora de um partido no poder, qualquer que seja ele.
7) Além do avanço das lutas populares e de uma
participação ativa da sociedade civil, será também necessário construir
alianças com outras forças políticas do país e um amplo leque de apoio internacional.
A consolidação de processos semelhantes nos países que começam a construir
alternativas ao modelo neoliberal na América Latina e no nível global terá um
papel decisivo. Não estamos sozinhos e nem podemos optar pelo isolamento
econômico, político e cultural. Nossa perspectiva é universalista em seus
objetivos e reivindica uma inserção ativa e soberana do Brasil na economia
internacional. Para tanto devemos construir uma política alternativa de
regionalização, que passa pelo fortalecimento e aprofundamento do Mercosul,
entendido como espaço de conjugação de políticas ativas de desenvolvimento. Um
Mercosul revigorado e ampliado deve ser importante instrumento de articulação
de forças na América Latina, especialmente na América do Sul, ao mesmo tempo em
que se buscam alianças com grandes potências emergentes como a Índia, China,
África do Sul ou Rússia.
PRA: Trata-se da
manifestação mais clara, no documento, de uma “política externa alternativa”.
Notar como algo de III Internacional (involuntário, por certo) manifesta-se
subrepticiamente no texto e nas propostas: romper o cerco capitalista (hoje
seria a correlação de forças da globalização), amplo leque de apoio
internacional (“povos coloniais e semi-coloniais”?), “alianças com grandes
potências emergentes como a Índia, China...” (Sun-Yat-Sen, Kuo-Mintang?), como
se, mais uma vez, essa nova correlação de forças alternativa estivesse
esperando o Brasil para ser finalmente ativada. Em política externa, os países
ganham mais exercendo fortes doses de realismo com poucas tinturas de Idealpolitik, como descobriram às suas
expensas Trotsky e o próprio Lênin.
No que se refere ao Mercosul,
percebe-se uma tendência, ainda involuntária, a utilizá-lo como arma de uma
atuação anti-globalizadora (o que seria “construir uma política alternativa de
regionalização”?) e como instrumento de desenvolvimento, o que de certa forma
ultrapassa suas virtudes meramente comerciais e de competitividade.
Uma política
externa “voluntarística”, como a que é exposta no documento, tem poucas chances
de converter-se em realidade, tanto porque a “articulação de forças” e a
“política de alianças” não se fazem com base na retórica principista e na
simples declaração de intenções, mas com base em interesses concretos dos
países envolvidos. Um eventual “chamado do Brasil” a uma nova aliança para
“construir alternativas ao modelo neoliberal na América Latina e no nível
global” ou para a “conjugação de políticas ativas de desenvolvimento”, como se
afirma no texto, pode cair no vazio, se não vir secundado por propostas
concretas de ação que se encaixem na agenda de discussões nos foros
internacionais; caso contrário será uma espécie de “peregrinação” dos já
convertidos, que são manifestamente muito poucos.
8) Não se deve
perder a perspectiva de que a globalização monopolista e excludente em curso se
processa em múltiplos planos e modifica aspectos relevantes das sociedades
nacionais. Não há fronteiras para as mercadorias e para o capital que se
concentram em poucos países. No entanto os povos, especialmente os mais pobres,
continuam condenados a viver no território de seus países. Por isso, a questão
social é indissociável da questão nacional. As soluções sociais são
necessariamente nacionais e exigem um projeto de nação e uma inserção ativa na
economia internacional, além de uma luta contínua por uma ordem mundial mais
eqüitativa e democrática.
PRA: Adotemos, por
hipótese, o ponto de vista do trabalhador rural chinês deslocado para uma
cidade da costa, ou o do imigrante mexicano atraído pela “miragem” ao norte do
Rio Grande: a globalização monopolista está de fato alterando modos de vida e
aspectos relevantes de suas sociedades nacionais respectivas. Mas é importante
observar que esses trabalhadores “marginais” não estão buscando fugir da “globalização
capitalista”, qualquer que seja o entendimento que se tenha dessa realidade
(deve-se perguntar preliminarmente, por exemplo: existe alguma globalização que
não seja capitalista?; encontra-se em curso um modo alternativo de
globalização, que seria “socialista”?).
Ao contrário do que parecem acreditar
os redatores do documento, esses trabalhadores estão tentando escapar tão
simplesmente da miséria pré-capitalista não globalizada. Como se disse em
relação a outros povos e outras épocas, eles estão “votando com os pés”. O
projeto de nação de cada um deles é simplesmente ter um pouco mais de bem estar
imediato e oferecer um futuro menos precário, para não dizer, desesperador, a
seus filhos.
Em outros termos, os objetivos
grandiloqüentes da vanguarda intelectual da classe trabalhadora podem não
corresponder aos objetivos mais prosaicos dessa mesma classe, que sequer
trabalhadora é, pois lhe faltam provavelmente meios elementares de integrar o
“exército industrial de reserva”; eles ainda nem chegaram ao lumpenproletariat, para voltar a Marx, e
de fato estão no lumpesinato. A globalização capitalista parece ser, desse
outro ponto de vista, um grande projeto (não nacional ou social, mas)
individual de milhões de chineses, indianos, mexicanos, esses candidatos ao
lumpen urbano.
O debate sobre a interação entre a
“questão social” e a “questão nacional” é importante e o documento aponta com
razão que as “soluções
sociais” [ao problema da globalização] “são necessariamente nacionais”, mas ele
é excessivamente genérico e principista ao afirmar que essas soluções “exigem
um projeto de nação e uma inserção ativa na economia internacional, além de uma
luta contínua por uma ordem mundial mais eqüitativa e democrática”.
Se
existe acordo em que as soluções aos efeitos eventualmente nefastos da
globalização se dão necessariamente no plano nacional, o que significa a
exigência de um “projeto de nação”, que é mais afirmado do que explicitado? Em
que consistiria, por outro lado, “uma luta contínua por uma ordem mundial mais
eqüitativa e democrática”? Significa que a diplomacia do Brasil passaria a
percorrer os foros mundiais “exigindo” uma ordem mundial eqüitativa? Além desta
palavra de ordem genérica, que outra medida concreta seria preciso propor: a
redistribuição dos recursos mundiais segundo o velho princípio “de cada um
segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades”? E se os que detêm
a “capacidade” não estão dispostos a atender as “necessidades” dos demais? O
Brasil teria alguma outra idéia brilhante para construir essa “ordem mundial
mais eqüitativa e democrática”?
4. A blindagem internacional do neoliberalismo e a globalização financeira
II. CONDICIONANTES
HISTÓRICOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MODELO
2.1. A blindagem internacional do neoliberalismo
globalizado.
9) O atual modelo de desenvolvimento é a versão
local de um conjunto de políticas de progressiva liberalização dos fluxos de
capitais no plano internacional e desregulação das economias domésticas, postas
em prática desde início dos anos 80, após a desestruturação da ordem de Bretton
Woods. Isto significa que os graus de liberdade na formulação de políticas
alternativas estarão fortemente condicionados pelo contexto internacional e
pela trajetória das economias centrais, em especial a norte-americana.
PRA: A
liberalização do movimento de capitais não conforma um modelo de
desenvolvimento. No máximo, essa tendência apresenta-se como uma resultante,
não um requisito, do abandono das paridades fixas.
A ordem pós-Bretton Woods tampouco é
uma face diversa de um suposto modelo de desenvolvimento. Uma coisa precisaria
ficar clara desde já: os países desenvolvidos não têm, obviamente, um problema
de desenvolvimento. Eles têm problemas diversos de administração do jogo
econômico, mas não há uma meta sistêmica a ser alcançada, qual um Santo Graal
desenvolvimentista colocado adiante de suas possibilidades materiais.
Esta busca incessante é, por certo, uma
obsessão propriamente nossa (e de outros países em igual situação), que temos
obviamente um problema de desenvolvimento, derivado de um déficit social
crônico, estrutural e histórico, realçado justamente pela existência de
patamares concretos de maior nível de vida e de bem-estar em determinados
países avançados. O efeito comparatista é evidente, mas ele não pode ser
projetado contrario senso, para
simular propósitos de políticas públicas que nunca foram os das elites
dirigentes dos países mais avançados.
Dizer, por outro lado, que “os graus de
liberdade na formulação de políticas alternativas estarão fortemente
condicionados pelo contexto internacional e pela trajetória das economias
centrais, em especial a norte-americana”, significa renunciar, ipso facto, a ter uma política econômica
própria num eventual governo de oposição, uma vez que parece claro que esse
contexto internacional não parece próximo de mudar no sentido desejado pelos
redatores do documento (isto é, um cenário sem dominação hegemônica). Ora,
parece evidente que existe sempre uma margem de liberdade deixada às políticas
nacionais, mesmo em situações de dominação hegemônica e essa liberdade pode ser
usada tanto para aprofundar o chamado “neoliberalismo”, como políticas
alternativas que esperam ainda por definição.
10) As políticas liberais foram acompanhadas de
uma nova institucionalidade internacional. Além do Banco Mundial e do FMI, a
Organização Mundial do Comércio (OMC) ocupou um papel de destaque em pressionar
e monitorar a liberalização comercial e garantir as práticas monopolistas das
grandes corporações transnacionais.
PRA: A
incompreensão revelada nesta frase quanto ao papel (e os limites políticos) da
OMC é propriamente abismal. A OMC sequer consegue cumprir a contento seu
mandato de administrar seus poucos acordos de comércio de bens e serviços (que
representam na prática uma espécie mercantilismo moderno) e nunca chegou perto
de garantir práticas monopolistas de grandes corporações, pois não tem nenhum
papel no que se refere a regulação de investimentos ou normas de competição (as
empresas não fazem parte do universo regulatório da OMC, que se dirige a
políticas nacionais).
A acusação é, portanto, totalmente
descabida, apenas explicável na medida em que o autor da frase desconhece como
funciona a OMC, qual seu mandato precípuo e quais seus limites objetivos em
face do jogo político de países membros e partes contratantes ao GATT. A OMC,
num certo sentido, é um exercício de anti-mercado comercial, assim como o FMI é
um exercício de anti-monetarismo e o BIRD um exercício de regulação estatal dos
fluxos de financiamento (ambos são postos em movimento justamente quando os
mercados não funcionam bem). A OMC é o que se poderia esperar de mais próximo
de práticas anti-monopolistas. Acreditar que a OMC defende a liberalização
irrestrita dos mercados é tomar a aparência pela realidade: ela apenas
administra o grau diminuto de liberdade de competição que os países membros
decidem por bem acordar-lhe em instrumentos multilaterais e decisões emanadas
de rodadas negociadoras.
11) As dezenas de paraísos fiscais e a ausência
de mecanismos de regulação e controle sobre o sistema financeiro promovem uma
fragilização dos bancos centrais, especialmente dos países periféricos, ante os
movimentos especulativos do grande capital financeiro internacional.
PRA: O autor parece
desconhecer o imenso aparato regulatório dos sistemas bancários nacionais, as
normas de Basiléia de medidas prudenciais e a agenda em discussão nas
instituições financeiras internacionais quanto aos movimentos de capitais. A
própria liberdade de movimento de capitais não significa ausência de norma,
trata-se de uma norma “a favor” da liberalização desses fluxos, contra outra
hipoteticamente mais restritiva. Movimentos especulativos não se fazem na
ausência de normas, eles simplesmente se beneficiam de certas “normas” impostas
pela própria fragilidade de países ou economias que enfrentam temporariamente
fortes desequilíbrios internos ou externos.
5. Integração hemisférica “imperialista” e a questão da Alca
12) Na América Latina as pressões para
implantação e até antecipação da ALCA - Área de Livre Comércio das Américas - e
o avanço do processo de dolarização de algumas economias da região vão
desenhando um cenário de perda crescente de poder de decisão dos estados locais
e controle progressivo dos EUA sobre a economia regional. É fundamental
desenvolver, no plano interno, a consciência de que a implantação da ALCA
representa a fragilização de nosso sistema produtivo através do reforço à
especialização em atividades tradicionais e limitações à diversificação do
parque produtivo em direção aos setores com maior conteúdo tecnológico.
Ademais, representará uma significativa desnacionalização dos Serviços,
incluindo setores chave na construção da cultura e identidades nacionais, tais
como a Educação e a Comunicação.
PRA: A “demonização”
da Alca representa o caminho mais seguro para a camisa de força do maniqueismo
em política externa, que se revelará dificilmente administrável (ou até
fatídico) caso o PT assuma o poder em janeiro de 2003, numa conjuntura em que o
Brasil e os EUA já terão assumido a co-presidência do processo negociador
(desde outubro de 2002, em plena eleição presidencial) e a partir da qual,
supostamente, o Brasil precisará exercer sua liderança na condução desse
processo num sentido presumivelmente mais favorável a seus interesses. A
denúncia in abstracto significa que o
Brasil já renuncia a exercer essa liderança, mete a sua viola no saco e vai
cantar em outras paragens, supostamente na companhia de China, Índia e Rússia,
deixando o Mercosul e outros parceiros sul-americanos entregues à sua própria
sorte e aos desígnios do Império. Trata-se sem dúvida alguma de uma receita
garantida para um grande desastre diplomático: a auto-retirada de campo de uma
potência média no concerto regional e internacional. Depois do pragmatismo
responsável, teremos a política externa do avestruz?
13) O debate acerca dos impactos da ALCA tem se
centrado invariavelmente na questão do acesso aos mercados, tema relevante, mas
não necessariamente o mais importante, nem o que produzirá efeitos mais
danosos. Nas demais questões o problema da assimetria entre os participantes do
acordo deverá aparecer ainda mais acentuado do que no âmbito restrito da
questão comercial.
PRA: O acesso a
mercados não costuma, normalmente, conduzir a efeitos danosos, a menos que o
autor considere que expansão de comércio pode fazer mal à saúde econômica de um
determinado país. O “problema da assimetria” é algo inadministrável pelo Brasil
pelas próximas décadas pelo menos e poderá apenas ser resolvido paulatinamente,
à medida de nosso próprio esforço de desenvolvimento: assimetrias sempre
existirão no cenário internacional, inclusive e sobretudo nos processos de
integração ou de interdependência econômica. A Comunidade (União) Européia
sempre conviveu com assimetrias e países gigantes e outros ridiculamente
pequenos e não se pode dizer que seu mercado comum elimina os perigos do livre
comércio.
14) O conjunto de acordos visa criar um espaço
homogêneo para operação do capital no espaço americano, a partir da convergência
da regulamentação num conjunto de questões chave tais como: desregulamentação
dos fluxos de capital; proteção de investimentos estrangeiros; compras
governamentais; abertura do setor serviços; propriedade intelectual e acesso a
mercados.
PRA: A “desregulamentação
dos fluxos de capital” não faz parte da agenda negociadora da Alca e os demais
elementos costumam fazer parte do “menu” prato feito dos acordos de livre
comércio (acesso a mercados não é um objetivo em si, é um método da
liberalização); quem não desejar, não precisa se habilitar a fazer parte. O
conceito de “espaço homogêneo para operação do capital” é uma terminologia
mandeliana pouco compreensível para os militantes não versados em economia
política marxista.
15) A assimetria será indiscutível e beneficiará
os EUA, país no qual o capital já consolidou formas de operação mais avançadas,
seja do ponto de vista tecnológico, da organização, ou mesmo da magnitude.
PRA: A assimetria
também existe em relação a diversos setores e a muitas empresas americanas em
setores ou ramos da produção manufatureira, agrícola ou de serviços nos quais o
Brasil apresenta, por exemplo, imensas vantagens comparativas e competitivas:
basta pensar no suco de laranja, no complexo soja, no açúcar, nos produtos siderúrgicos,
nos calçados, nos têxteis, em muitos produtos naturais e agrícolas processados,
em determinados serviços intensivos em mão-de-obra, nos jatos regionais (para
usar um exemplo krugmaniano) e em diversas outras áreas nas quais a
competitividade não é uma razão do tamanho absoluto da economia, da relativa
abundância de capital ou da densidade tecnológica. Se tal assimetria fosse
“indiscutível” o Congresso dos EUA seria formado por um bando de néscios,
assessorados por uma coorte de economistas estúpidos, lutando contra o próprio
interesse nacional do Império.
Como regra de princípio, por um simples
raciocínio marxista, o capital nunca consolida nada de estável, ele está sempre
avançando para formas mais elaboradas de exploração dos recursos naturais e
humanos em prol de maior acumulação e mais-valia. Ele está sobretudo em busca
da otimização de lucros, como aquela que pode ser conseguida em espaços ainda
insuficientemente abertos à sua sanha exploradora, geralmente economias de
baixo custo relativo de mão-de-obra e grande potencial de expansão dos mercados
(como a brasileira, por sinal). O raciocínio expresso acima não apenas é
anti-marxista, como anti-capitalista, o que é de certa forma compreensível
partindo de quem partiu, mas ele não pode ser usado (sem constituir um atentado
à lógica formal e substantiva e à experiência histórica) como um argumento
“contra” os interesses do próprio capitalismo. E se o argumento fosse correto,
apenas os anti-capitalistas declarados seriam contra a Alca, o que não é manifestamente
verdade.
16) As tarifas já são reduzidas nos EUA e, mais
que isto, bem menores do que as do nosso país… Na mão contrária, as importações
oriundas do EUA pagam no Brasil uma tarifa média de 12,8%. (…) De qualquer modo
a comparação das tarifas não deixa dúvidas sobre os potenciais beneficiários do
processo.
PRA: Há aqui uma
incompreensão sobre o papel econômico da tarifa, que incide sobre ganhos de bem
estar do país aplicador, não necessariamente daquele supostamente “penalizado”.
17) A questão central, portanto, (diz) respeito
à proteção não tarifária. Há nos países desenvolvidos e em especial nos EUA
normas sanitárias, de respeito ao consumidor, e ao meio ambiente, bastante
rígidas sustentadas em aparatos fiscalizadores bastantes eficazes e que podem
operar como poderosas barreiras não tarifárias às nossas exortações. Essa é,
aliás, uma característica que diz respeito não só ao comércio, mas ao conjunto
de atividades que serão liberalizadas criando, na prática dificuldades de
acesso de nossas exportações e serviços ao mercado norte-americano.
PRA: Mas, se os EUA
estão justamente lutando para elevar essas normas em nossos países, como
explicar esse fenômeno? Eles estão pretendendo alimentar competidores mais
eficientes e não suscetíveis de serem barrados na entrada?
18) Para enfrentar a iniciativa da ALCA e propor
formas alternativas de integração continental necessita-se de uma ampla
coalizão nacional de forças e de um complexo processo de alianças no
continente. Esse esforço de alianças anti-ALCA envolve inclusive forças
progressistas no interior dos Estados Unidos.
PRA: O cenário que
se observa no continente é, ao contrário, de um amplo acolhimento à iniciativa
da Alca, com a maior parte dos países clamando pelo acordo de livre comércio
com os EUA, inclusive nossos sócios do Mercosul. A única coalizão nacional
anti-Alca (e anti-Nafta) existe nos próprios EUA, e congrega um brancaleônico
aglomerado de ecologistas, militantes dos direitos humanos, novos defensores
dos consumidores, velhos sindicalistas do rust-belt,
políticos oportunistas (e demagogos do protecionismo e do subvencionismo
agrícolas), assim como anti-globalizadores de todos os matizes e credos.
Dificilmente se poderia chamar os proponentes do perdão da dívida dos países pobres
de progressistas, eles são quando muito péssimos economistas com altas doses de
assistencialismo inconseqüente. Assistir a sindicalistas do Norte se opor ao
movimento do capital (em direção das paragens mais baratas ao sul do Rio
Grande) é até compreensível, pois eles estão defendendo os empregos de seus
constituintes e suas próprias funções. Ver, porém, sindicalistas do Sul entoar
a mesma ladainha, poderia nos induzir à conclusão de que um país como o Brasil
pode se dar ao luxo de recusar empregos e de ter renda ampliada.
19) O Mercosul, que poderia vir a ser uma
importante alternativa no plano regional, vive uma grave crise, não apenas pela
convivência difícil entre dois regimes cambiais quase antagônicos, mas, em
especial, pela falta de iniciativas no plano econômico político, cultural e
social que permitam consolidar um pólo de resistência articulado no contexto de
crise econômica, social e política dos diversos países latino americanos. Seria
imprescindível um efetivo relançamento do Mercosul, que permitisse articular
outros países além dos já participantes, como por exemplo a Venezuela, através
de projetos comuns de desenvolvimento nas áreas produtiva, e de pesquisa
científica e tecnológica.
PRA: O Mercosul –
que não é alternativa, pois que já é uma realidade – não está em crise por
falta de iniciativas. Ao contrário, são determinadas “iniciativas” nacionais
que o colocaram em crise. Bastaria, para corrigir o estado atual de
“surrealismo aduaneiro”, que se cumprisse com o estipulado no artigo 1º do
Tratado de Assunção para que ele fosse automaticamente relançado, sem qualquer
necessidade de novas iniciativas. A crise não foi criada pelos regimes cambiais
antagônicos, da mesma forma como a Europa conviveu com regimes cambiais
diferentes ao longo de sua história, sem qualquer atentado prático ao processo
integracionista. O câmbio é um elemento adicional, não a essência do processo
integracionista subregional.
Se o Mercosul for um “pólo de
resistência” (isto quer dizer um bastião anti-imperialista?), ele deixaria de
cumprir a função para a qual foi criado e não produziria nada de eminentemente
favorável ao crescimento econômico e à modernização de seus países membros. Ele
não tem como função precípua (ainda que seus elementos declarativos possam dizer
o contrário) levar o desenvolvimento aos povos dos países membros;
desenvolvimento é um tarefa nacional, propriamente interna, e nenhum acordo de
livre comércio tem essa virtude tão ampla. Em seus objetivos últimos de mercado
comum, ele até poderá contribuir, cum grano salis, para o processo
desenvolvimentista, mas ele não se substitui a políticas públicas de tipo
desenvolvimentista.
Quanto à Venezuela, caberia não esperar
muito de seu aporte econômico ou tecnológico: trata-se do próximo país
candidato a uma crise financeira, econômica e social (o que depende em grande
medida do preço do petróleo).
6. Soberania dos países da América Latina, os EUA e o Brasil
20) No plano
militar, iniciativas como o Plano Colômbia vão demonstrando o absoluto desprezo
pelo princípio de autodeterminação dos povos e a submissão da ONU, em especial
do seu Conselho de Segurança, à vontade política e aos interesses estratégicos
do Departamento de Estado dos EUA. O Plano Colômbia tem efeitos
desestabilizantes sobre toda a região andina. Já intervém na situação interna
do Equador; ameaça Peru e Venezuela. Busca isolar o Brasil e pode representar a
militarização da região amazônica com forte presença das forças armadas dos
EUA.
PRA: O Departamento
de Estado tem muito pouco a fazer (para não dizer que “não apita nada”) na
condução do Plano Colômbia e o Conselho de Segurança da ONU tem menos ainda que
ver com essa questão. O Plano não foi feito para isolar o Brasil; ao contrário,
os EUA procuraram envolver o Brasil numa solução “cooperativa” e de real
parceria (ainda que “assimétrica”, pela própria desproporção de meios e
recursos) na administração da “maçã podre” colombiana. Tentaram várias vezes na
administração Clinton, sem o conseguir; agora, na era do unilateralismo arrogante
da potência imperial a “oferta” não está mais na mesa.
21) Estamos, portanto atravessando um período
histórico no qual o governo dos EUA se coloca como avalista em última instância
de todas as mudanças importantes no plano político e econômico internacional,
em especial na América Latina. Teremos que tensionar e promover rupturas
parciais com toda esta blindagem internacional que sustenta o neoliberalismo
globalizado.
PRA: O voluntarismo
em política externa nunca foi bom conselheiro, muito menos pode atuar como
diretriz diplomática. Países sérios e respeitados como o Brasil, no plano
regional, quando não no plano internacional, não costumam sair por aí
“tensionando” ou provocando “rupturas parciais” no que quer que seja, ainda que
seja contra o “neoliberalismo globalizado” (alguém poderia explicar onde
exatamente apontar os canhões para romper sua blindagem?).
O que os EUA não são e não pretendem
ser, justamente, é “avalista de mudanças”, sejam elas econômicas ou políticas.
Todo poder imperial é, por definição, partidário do status quo, e não é diferente com os EUA. Eles desejam simplesmente
a paz dos quintais, para um mais tranqüilo exercício de sua hegemonia e para o
maior benefício de suas empresas. O Império, na verdade, liga muito pouco para
a América Latina, em que pese sua retórica “pró-hispânica” e hemisphere-friendly. A América Latina,
por sua vez, pretende efetivamente “tensionar” e “promover rupturas parciais”
na blindagem do capitalismo neoglobalizado, mas é apenas para melhor exportar
seus produtos e excedentes demográficos para o coração do Império, não para
provocar sua derrocada. Onde estão os grandes movimentos de opinião contra o
imperialismo e a exploração capitalista no continente latino-americano? Onde as
massas estão se mobilizando para protestar contra a hegemonia americana?
22) Neste sentido,
será decisivo utilizar o peso internacional do Brasil para mobilizar e
articular forças dos povos que lutam por sua identidade e independência. E,
ainda, fortalecer o movimento em defesa da taxa Tobin e pela constituição de um
fundo internacional de combate à pobreza, pelo fim dos paraísos fiscais, pela
criação de novos mecanismos de controle do fluxo internacional de capitais e
pelo estabelecimento de mecanismos de autodefesa contra o capital externo
especulativo. A campanha internacional pelo cancelamento das dívidas externas
dos países pobres, aqueles classificados como menos desenvolvidos pela UNCTAD,
deve ser acompanhada pela perspectiva de renegociação das dívidas públicas
externas dos demais países do Terceiro Mundo e devem ter destaque na política
internacional do novo governo.
PRA: O peso
internacional do Brasil é na verdade muito relativo: ele tem uma certa
capacidade de liderança diplomática, aliás desproporcional à força de sua economia
e à importância de seu comércio exterior (o tamanho do PIB não se traduz
necessariamente em alavancas externas de poder, se não for acompanhado pela
disponibilidade de recursos financeiros, pelos aportes tecnológicos ou pela
abertura unilateral de seus mercados a parceiros menos desenvolvidos). Os povos
lutam sobretudo pelo seu bem-estar e segurança; a identidade e independência
seguem depois numa escala pragmática de prioridades.
A Taxa Tobin seria uma espécie de CPMF
internacional, o que não resolveria substancialmente a natureza do problema,
qual seja, a liberdade que tem os capitais de circularem mais ou menos
livremente. Uma taxa desse tipo – supondo-se que possa ser aplicada
universalmente, e que não existam “free-riders”, que costumam ser os próprios
países em desenvolvimento – apenas aumentaria o custo das operações, o que não
necessariamente é do interesse daqueles países que, colocados em situação de
desequilíbrio temporário, tenham de importar doses mesmo moderadas de “capitais
especulativos”. Não se trata, porém, de penalizar tomadores de capitais (por
definição voluntários) e sim de diminuir a compartimentação “política” dos
mercados financeiros, esta sim criadora de desequilíbrios e de penúrias
induzidas (e portanto do aumento do custo do capital, algo que presumivelmente
não é do interesse de países tomadores como o Brasil). Melhor lastrear sua
segurança na não-dependência de capitais forâneos e na adição de medidas
tópicas – quarentena, taxação dos capitais de curto prazo em bases nacionais –
ao arsenal de medidas regulatórias já à disposição dos Estados nacionais nos
mercados financeiros.
O Brasil não teria nenhuma objeção à constituição de um fundo internacional de
combate à pobreza, desde que deixasse de ser um tomador voluntário de capitais
e passasse ele mesmo a ser aquilo que Lênin e Rosa Luxemburgo chamavam de “país
imperialista”, isto é, “exportador de capitais”. Antes disso, qualquer fundo
desse tipo vai retirar-lhe recursos escassos (ainda que em benefício de países
mais pobres do que ele) e vai exigir igualmente que ele se torne um provedor de
ajuda ao desenvolvimento, ou seja, estaríamos desviando recursos escassos de
nossos pobres miseráveis, para outros mais pobres e miseráveis do que nós, provavelmente na África. Como fica
então o combate à pobreza no interior do país e nas grandes metrópoles do
Brasil?
O fim dos paraísos fiscais não é algo que
esteja ao alcance do Brasil apenas, mas é um tema que vem sendo debatido no
âmbito da OCDE, com relativo sucesso até aqui, não em termos de eliminação dos
centros off-shore, mas de controle mais estrito sobre suas atividades, tanto em
termos de informações fiscais, como de supressão de fluxos criminosos.
A
criação de novos mecanismos de controle do fluxo internacional de capitais caminha
no sentido inverso ao da liberalização ampliada, que é própria do movimento da
globalização nas últimas décadas. Não parece haver factibilidade na aplicação
de receitas supostamente keynesianas, elaboradas aliás numa conjuntura
específica do sistema financeiro internacional (quando a Grã-Bretanha passava o
bastão hegemônico ao novo império universal), ao contexto atual de flutuação
generalizada de moedas, que dita, precisamente, a liberalização ampliada desses
fluxos, como forma de se lograr “câmaras de compensação” a desequilíbrios
econômicos acumulados pelos sistemas nacionais. Não é um processo que seja
fácil de reverter, ainda que as crises financeiras da última década tenham
deixado a impressão que se poderia colocar o gênio dentro da garrafa outra vez.
Ele está solto e vai continuar livre, mesmo se pruridos políticos da Terceira
Via comandem uma certa “legitimidade” no discurso anti-liberalização de
capitais.
O
“estabelecimento de mecanismos de autodefesa contra o capital externo
especulativo” é bem vindo e os controles devem ser aplicados sem dó nem
piedade, para o maior bem estar dos povos e das economias nacionais, desde que
eles não sejam apresentados como a panacéia para a cura de outros males de que
padecem as economias dependentes de aportes de capitais externos. Todo e
qualquer país é suscetível de aplicar tais medidas, e o Brasil já possui um
imposto regulatório para lidar com tal fenômeno: basta não precisar de capital
externo, para poder taxar pesadamente, e impunemente (para si mesmo), qualquer
intruso de curto prazo.
A
“campanha internacional pelo cancelamento das dívidas externas dos países
pobres” é uma causa nobre, mas é preciso ter consciência de que o Brasil é
credor de vários desses países pobres, e estaria assim aplicando um “calote” em
si mesmo. O Brasil negocia continuamente, no âmbito do Clube de Paris, o
abatimento dessas dívidas, hoje reguladas pelo mecanismo chamado “HIPC”,
aplicado pelo FMI e Banco Mundial (outros esquemas existem no âmbito do BID). É
preciso advertir os propugnadores desse tipo de medida que ela tem um custo
para o Brasil, tanto de redução direta de seus créditos externos, como o
chamado “custo-oportunidade”, ao incidir sobre as condições e o preço de suas
próprias operações voluntárias de empréstimos externos.
A
“renegociação das dívidas públicas externas dos demais países do Terceiro
Mundo” interessaria supostamente o Brasil, desde que houvesse condições de
estabelecer um foro comum, com critérios presumivelmente uniformes, para a
maior parte desses países, o que está longe de ser o caso atualmente. Não
parece mais existir mais um “problema” de dívida externa, a não ser para
aqueles “super-pobres”, afogados em dívidas ainda mais terríveis no plano
social do que financeiro, que não têm mesmo condições de sequer começar a
pensar em algum dia liquidar esses débitos impagáveis. Isso o mercado já
descontou, e se trata aqui de mera operação contábil a cargo dos tesouros dos
principais países desenvolvidos, bem como dos organismos financeiros
multilaterais. Mas, quando se coloca na balança países do tipo e do porte do
Brasil, as condições do mercado sofreriam um certo impacto negativo (não
necessariamente negativas para os credores) para os tomadores como o Brasil,
que veriam o custo de suas operações – tanto as emissões soberanas como os
lançamentos comerciais – subir de imediato. Será que interessaria ao Brasil
patrocinar esse tipo de repercussão e impacto em suas contas externas, ou
estaria ao alcance de sua diplomacia promover um movimento nesse sentido? Parece
existir aqui uma alta dose de wishful thinking, quando não de desconhecimento
quanto às condições reais sob as quais operam os mercados. Pode-se protestar
contra esses “mercados”, achá-los obscenos e escandalosos, mas não está ao
alcance de qualquer líder político responsável ignorar como eles funcionam e
que tipo de impacto podem ter para o seu próprio país.
7. A globalização financeira e a abertura comercial
2.2. A herança brasileira do neoliberalismo tardio.
(…)
23) Além disso, a abertura financeira restringiu
fortemente a autonomia da política macroeconômica doméstica. A liberalização
dos fluxos de capitais sujeitou a taxa de juros doméstica às regras de formação
dos mercados financeiros globais. Ou seja, não é mais possível atualmente ter
uma taxa de juros doméstica de curto prazo distinta daquela paga nos títulos
brasileiros negociados nos mercados externos, sob pena de provocar uma maciça
fuga de capitais.
PRA: É o tal “gênio
da garrafa”: difícil agora voltar atrás. Alguém ainda acredita que seria
possível insular o Brasil das condições reinantes nos mercados financeiros
externos? Uma política de não abertura financeira tornaria a política
macroeconômica mais sólida? Esse argumento precisaria ser provado.
Existe, por certo, uma certa correlação
entre as taxas de juros internas e as condições gerais de equilíbrio da
economia brasileira, na qual os elementos internos são por vezes mais
relevantes do que os externos (dado o pequeno impacto do comércio exterior e
dos investimentos diretos na atividade econômica doméstica).
De forma geral, é inegável que a
economia brasileira exibe uma evidente fragilidade do ponto de vista das
transações correntes e, portanto, da dependência de capitais externos. Não se
trata-se de problema criado pelo governo FHC e é também certo que essa
dependência não será resolvida com duas ou três medidas de caráter financeiro.
O ajuste de balanço de pagamentos exigirá um penoso e longo esforço de correção
de nossos desequilíbrios econômicos mais renitentes. Isso à condição de se
rezar pela velha teoria dos desequilíbrios de transações correntes, uma vez que
a “nova teoria” não vê esse gap como apresentando uma importância crucial em
termos de política econômica.
Não resta dúvida, porém, que se trata
de um indicador valorizado pelos chamados mercados financeiros, tanto que é
utilizado com um certo rigor pelas agências de avaliação de risco. Ainda assim,
não é um critério absoluto, pois alguns países se permitem o luxo de serem mais
desequilibrados do que outros, dependendo da consistência de suas outras
políticas.
24) Outro elemento constitutivo da inserção
externa no âmbito do modelo liberal foi a abertura comercial. Pela sua forma e
velocidade, esta abertura terminou por produzir uma regressão expressiva do
setor produtivo doméstico e uma precarização do nosso comércio exterior.
PRA: Não foi a
abertura comercial, que esteve longe de ser “unilateral e sem reciprocidade”,
que conduziu à deterioração externa (ainda menos com impacto negativo no setor
produtivo doméstico, que expandiu-se no período, medido em termos de
produtividade por trabalhador), e sim o problema cambial (ou seja, valorização
do câmbio, por problemas exclusivamente monetários e de ausência de ajuste
fiscal), aliado a outros desequilíbrios tradicionais da balança de pagamentos,
que agravou o perfil da dependência financeira externa. Em PPP (paridade de
poder de compra) a situação parece menos crítica do que à taxa nominal.
O que a abertura comercial produziu,
certamente, foi um aumento extraordinário dos índices de produtividade do setor
produtivo nacional, que, sem o desafio da abertura, teria permanecido em baixos
níveis de agregação de valor à produção nacional. O salto nos índices de
produtividade, significativo nos anos 90, foi inteiramente devido à abertura
comercial. A precarização do comércio exterior não deve ser medida apenas pelo
saldo final, mas pela capacidade ou não do comércio de exportação diversificar
sua pauta e incrementar valor; a esse título, a abertura foi totalmente
positiva, pois em sua ausência a precarização do comércio exterior teria sido
ainda mais agravada. A contraprova fatual é dada pelo fato de que, outros
países (o México ou o Chile, por exemplo) que realizaram aberturas comerciais
ainda mais radicais do que o Brasil, incrementaram suas pautas exportadoras e
melhoraram sua inserção internacional. O comércio exterior está longe de
corresponder a essa visão mercantilista exibida no documento, sendo mais bem,
nunca é demais lembrar, uma via de duas mãos.
25) O ajuste neoliberal impôs um baixo dinamismo
econômico, uma instabilidade permanente da economia e um profundo processo de
exclusão social.
PRA O teste da realidade é um poderoso
argumento contra-fatual: qual o país da atualidade que realizou um ajuste
não-neoliberal, ou que não realizou ajuste nenhum, e que apresenta alto
dinamismo econômico, estabilidade permanente da economia e um profundo processo
de inclusão social? A China, a Índia, a Rússia, os EUA? Quais são os elementos
constitutivos de um ajuste não-neoliberal?: não-abertura econômica,
não-liberalização comercial, não-privatização, ausência de reforma da
previdência, ativas políticas setoriais, transferências maciças entre estratos
e grupos sociais, entre regiões do mesmo país, proteção seletiva, agressiva
política comercial? Como e em quais países tais políticas vêm sendo aplicadas
de maneira consistente e conseqüente, de molde a criar aqueles impactos
favoráveis detectados no argumento em análise?
Essas perguntas servem apenas para
demonstrar que o ajuste fiscal, compreendido em seu sentido amplo (isto é,
estabilização da economia), não é incompatível com a melhoria dos indicadores
sociais e, de fato, com o aumento de gastos públicos no setor social, como
aliás ocorreu no Brasil do anos 90. A tabela abaixo revela alguns desses
números de progresso social.
Indicadores de bem-estar social no Brasil, 1990-2000 |
||
|
1990
|
2000
|
População
(milhões)
|
144,0
|
170,6
|
Esperança de
vida no nascimento (anos)
|
65
|
68 (1)
|
Mortalidade
infantil (por 1000 nascimentos)
|
48
|
35 (1)
|
Analfabetos (%
da população)
|
20,0
|
13,7 (2)
|
Crianças fora
da escola (% entre 7-14 anos)
|
13,4 (3)
|
4,3 (1)
|
Distrib.
livros didáticos (milhões de alunos)
|
5,5 (4)
|
33,5
|
Casas dispondo
de eletricidade (milhões)
|
27,3
|
39,5
|
Venda anual de
refrigeradores (milhões)
|
0,4
|
3,3
|
Venda anual de
apar. de televisão (milhões)
|
2,3
|
5,2
|
Computadores
ligados à Internet (milhões)
|
1,5 (5)
|
7,0 (1)
|
Inflação anual
(%)
|
1.620,97
|
5,97
|
Fonte: IBGE; (1) 1999; (2) 1998; (3) 1992; (4) 1995; (5) 1997;
|
Pretender
que esses números (que podem ser complementados por vários outros relativos ao
consumo de diversos itens da cesta alimentar e de bens duráveis das camadas
mais modestas da população) revelam, como pretende o texto, um “profundo
processo de exclusão social” seria distorcer sobremaneira a realidade factual e
empírica dos anos de estabilização macroeconômica. O que é um fato é que a
estabilização não trouxe consigo uma melhoria do índice de Gini, isto é, a
distribuição da renda continuou desigual e concentrada.
No que se refere à instabilidade do
crescimento, ela é um fato no período em observação (vigência do Plano Real),
mas isso se deve em grande medida às crises financeiras externas,
potencializadas pela pouca margem de manobra dada às autoridades econômicas
justamente em função do processo de estabilização em curso. Não foi o ajuste
que trouxe instabilidade – ele pode ter provocado baixo crescimento, é verdade
– mas sim as turbulências financeiras externas, que apenas agregaram ao alto
grau de dependência financeira do Brasil.
26) Agregue-se que a farta liquidez
internacional que prevaleceu nos anos iniciais de vigência do Plano Real não
deve manter-se nos próximos anos. A ocorrência de novas turbulências
financeiras e restrições no financiamento externo são muito prováveis no
próximo período histórico. A desaceleração das economias americana e européia e
a crise econômica japonesa têm um papel relevante na definição desta tendência
e caso se consolide pode dificultar também a evolução das exportações
brasileiras.
PRA: O argumento
contra-fatual (aliás hipotético, pois que não verificado, mas apenas aventado)
não pode obviamente beneficiar-se de elementos conjunturais que extravasem a
consistência intrínseca das políticas estruturais que se pensa poder
implementar (ou no caso testar). Seria um contra-senso lógico e uma covardia
teórica. Assim, utilizar o argumento da eventual recessão nos países
desenvolvidos como “prova contrária” à atual política econômica do Governo FHC
não apresenta legitimidade política e não tem validade conceitual. Esta é uma
questão puramente metodológica, sem impacto no debate político, obviamente, mas
prende-se à honestidade do diálogo socrático.
Por outro lado, o argumento cai no
profetismo sem sentido: o mercado de capitais pode tanto revelar-se
extremamente benéfico ao Brasil, como totalmente adverso, sem que nenhum dos
elementos que o farão comportar-se de uma ou outra forma seja controlável seja
pelo governo, seja pelas forças de oposição. O Brasil nesse particular, é
totalmente dependente, para o bem ou para mal, de conjunturas externas que
superam nossa capacidade de intervir.
8. O que seria um modelo de desenvolvimento solidário?: sem mercados?
2.3. Crise e fragmentação social.
27) A degradação da qualidade do ensino público
em um país no qual a média de escolaridade da população é de apenas 6,6 anos, a
precariedade do sistema de saneamento básico e o retrocesso das políticas de
assistência social vão promovendo um rebaixamento do nível e qualidade de vida,
em especial nas grandes cidades.
PRA: Há aqui um
certo confronto com outros indicadores e estatísticas sociais, que se traduzem
em números algo mais favoráveis para o panorama de correção de certas
insuficiências estruturais do cenário social brasileiro e que seria honesto
reconhecer. A pintura extremamente negativa pode não ser honesta com a
realidade.
Nos anos 90, justamente, a média de
escolaridade aumentou de maneira consistente, o saneamento básico foi estendido
a milhões de lares brasileiros e as política de assistência social têm sido
desenvolvidas com uma certa consistência, seja no plano escolar, seja no da
saúde pública. Afirmar o contrário, seria extrema desonestidade intelectual.
Reconhecer que milhões de brasileiros permanecem não assistidos é um fato, mas
atribuir tal situação a uma perversidade inerente a um suposto modelo
“neoliberal” seria uma distorção da realidade.
III. COMPROMISSOS E
METAS BÁSICAS DE UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO
28) A distribuição de renda e riqueza para a
conformação de um amplo mercado de consumo de massas e políticas sociais
básicas e universais são os eixos do novo modelo de desenvolvimento.
PRA: Não deveria
ser o crescimento com equidade social o eixo de uma política ou de um modelo de
desenvolvimento? O fato de atuar sobre o estoque, em lugar do fluxo de riqueza,
não imporia limites estruturais a um tal modelo de desenvolvimento?
Os principais compromissos do novo modelo são:
a) Crescimento econômico sustentado, e ampliação do
emprego formal.
29) Voltar a crescer é uma exigência e uma
possibilidade histórica para o Brasil. Com as mudanças profundas das políticas
públicas e centrando o dinamismo do mercado interno na expansão do consumo de
massas poderemos retomar o crescimento sustentado. Um padrão de crescimento
dessa natureza gera menos pressões sobre a balança comercial, dado o baixo
componente importado da maior parte dos bens e serviços básicos, sendo,
portanto menos vulnerável às restrições externas existentes.
PRA: Por que o
mercado interno seria melhor do que o mercado externo em termos de demanda
agregada? Aliás, como se faz mesmo para distinguir mercado interno do mercado
externo para estimular o dinamismo da atividade produtiva interna? Este último
não seria aliás mais interessante, em termos sobretudo de balanço de transações
correntes?
O preconceito contra o mercado externo,
aliás contra os mercados em geral, constitui uma das mais persistentes
manifestações de infantilismo econômico de nossas esquerdas. Elas são incapazes
de reconhecer qualquer virtude no mercado, a não ser quando ele vem temperado
ou controlado de perto pelo Estado ou pelas “camadas sociais”. Foi esse tipo de
preconceito contra os mercados em geral – do qual as lideranças chinesas
souberam libertar-se oportunamente – que conduziu o socialismo de tipo
soviético ao desastre social no decorrer do brevíssimo século XX que ele
conheceu (menos de 70 anos de existência efetiva, dos quais pelos menos 30 anos
em tentativas de reformas econômicas, como evidenciado pelas diversas
experiências a partir dos anos 1950).
b)Recuperação da infra-estrutura básica.
30) Com essa perspectiva, será necessário
alterar o marco regulatório das agências reguladoras nacionais e estabelecer um
imposto sobre o lucro extraordinário das empresas privatizadas para financiar os
novos investimentos em infra-estrutura.
PRA: Como se faz,
do ponto de vista constitucional e legal, para distinguir uma empresa
privatizada de uma não-privatizada? Como se faz para taxar o lucro
extraordinário? Qual é mesmo a definição legal de lucro extraordinário? É
possível dar tratamento diferente a empresas supostamente iguais do ponto de
vista da lei? O princípio gattiano do tratamento nacional pode ser alegremente
ignorado? Não estaria havendo aqui um atentado não apenas à lei, mas ao bom
senso?
A ignorância da ordem jurídica não é
apenas aberrante ou danosa do ponto de vista da implementação, ela também traz
conseqüências sérias do ponto de vista da continuidade das políticas públicas,
como evidenciado na extensa história de controvérsias nos tribunais, a
propósito de “direitos”, abertas pelos diversos planos econômicos dos governos
Sarney, Collor e Itamar.
31) Para garantir o cumprimento das metas de
interesse público e a retomada dos investimentos nos setores privatizados, será
necessário ademais, recuperar o poder de fiscalização e controle públicos. Isto
ocorrerá pela instituição e ampliação do controle social através do acesso a
informações estatísticas e resultados das empresas pelos conselhos de usuários
e conselhos setoriais.
PRA: Será uma
espécie de autogestão capitalista? Ou as empresas se prestarão voluntariamente
a esse tipo de controle externo? O estado pensa instituir um novo serviço de
fiscalização para adequar a atividade das empresas a certas metas de interesse
público (qual é mesmo a definição de interesse público?) e de investimento?: o estado vai dizer ao
capitalista como ele deve investir o seu dinheiro?
k) Universalização do ensino básico e aumento da
escolaridade.
32) Não aceitamos a concepção neoliberal de que
a educação é na sua essência uma forma de adestramento da força de trabalho.
PRA: Em que
cartilha neoliberal está escrito tal barbaridade? Quem tem o copyright dessa concepção utilitarista
do ensino?
IV. A CONSISTENCIA
DO NOVO MODELO
4.1. Um novo contrato social pelas mudanças.
33) Mas os empresários produtivos de qualquer
porte estarão contemplados com a ampliação do mercado de consumo de massas e
com a desarticulação da lógica financeira e especulativa que caracterizam o
atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno significa dar
segurança e previsibilidade para o capital produtivo.
PRA: Por que o
preconceito contra o mercado externo? Ele é pior, menos lucrativo ou rentável
do que o interno? (Remeto aos comentários sob o número 29, acima, a respeito
dos mercados.)
4.2. O social como eixo do desenvolvimento.
34) As dívidas financeiras não são as únicas
dívidas do Estado, a dívida social é parte essencial desta equação e precisa
ser resgatada.
PRA: O Estado
mantém uma contabilidade precisa (ou deveria manter) sobre suas dívidas
financeiras. A contabilidade da dívida social é, para dizer o mínimo, precária:
ela envolve uma definição precisa do que seja contrato social, obrigações e
direitos, que precisam receber uma expressão monetária, isto é, orçamentária.
Este é o ponto crucial da questão: a boa gestão orçamentária e da gestão dos
recursos públicos.
4.3. A nova dinâmica econômica.
35) Embora as condições internacionais, em
especial a livre mobilidade dos capitais, a onda de inovações tecnológicas, e
os novos padrões do investimento não permitam a reprodução integral do
nacional-desenvolvimentismo, alguns de seus elementos podem e devem ser
recuperados. Assim, em contraposição ao modelo fundado nas aberturas comandadas
pelo mercado e na desregulação radical da economia doméstica, propomos um
modelo de crescimento cujo eixo central será a ampliação do mercado interno,
fundado na ampliação do consumo de massas e na universalização dos serviços
públicos essenciais e, numa integração internacional realizada a partir de uma
nova regulação da economia.
PRA: Mais uma vez, o preconceito contra o
mercado externo, sem qualquer justificativa econômica ou racionalidade
instrumental, do ponto de vista produtivo.
(a) o papel do
Estado
36) O novo estilo de desenvolvimento implicará a
necessidade de produzir formas de coordenação pública e privada que: (…) 3)
induzam as empresas dos setores mais dinâmicos e de alta tecnologia a buscar
maior equilíbrio nos seus balanços comerciais setoriais, de modo a não
pressionar o balanço de pagamentos.
PRA: As empresas
vão ser “induzidas” a escolher formas e atividades produtivas não agressivas ao
balanço de pagamentos? Seria uma espécie de planejamento indicativo?
37) O Estado não pode limitar as suas ações a administrar
o curto prazo e as questões emergenciais, mas deve pautar-se por uma visão
estratégica de longo prazo, articulando interesses e coordenando investimentos
públicos e privados que desemboquem no crescimento sustentado. Isso implica em
reativar o planejamento econômico, para assegurar um horizonte mais longo para
os investimentos. Para tanto será preciso implantar políticas ativas setoriais
e regionais concebidas a partir de uma política industrial, agrícola e
tecnológica.
PRA: Políticas
setoriais, necessariamente seletivas, costumam ter um efeito distorcivo sobre o
funcionamento do mecanismo econômico. Como lidar com os efeitos indesejados
dessas políticas?
b) a nova dinâmica do investimento
38) O alto grau de desnacionalização ocorrido na
última década levaria qualquer ciclo de crescimento comandado prioritariamente
pelo investimento privado a depender fundamentalmente da entrada ou do
reinvestimento do capital estrangeiro. Para evitar que isto leve a uma grande
instabilidade, ou mesmo a um crescimento medíocre do investimento como vem
ocorrendo nesta década, o Estado deverá mobilizar todos os instrumentos
disponíveis com o intuito de ampliar o seu papel de coordenador e indutor da
ampliação do investimento. Desse ponto de vista caberia definir claramente o
papel e as tarefas das empresas multinacionais, das privadas nacionais e das
empresas estatais e do gasto público, nas metas a serem alcançadas. A criação
de externalidades e o aumento geral de eficiência do sistema e a expansão
concomitante do investimento, do consumo de massas e das exportações, só serão
possíveis se for criada uma nova capacidade de coordenação pública.
PRA: O governo vai
chamar em assembléia as empresas privadas, nacionais e multinacionais, e
dizer-lhes como melhor elas poderiam orientar seus investimentos? O capitalista
vai se submeter a essa tal de coordenação pública?
Num sistema
de economia de mercado, como o brasileiro, com o reconhecimento da legitimidade
da propriedade privada e da liberdade de aplicação de capitais, torna-se
difícil conciliar “papel coordenador do Estado” com essa liberdade de
investimento atribuída constitucionalmente ao capitalista. Ou se pretende que
ele seja verdadeiramente soberano em suas decisões de investimento, ou se
circula o aviso de que, doravante, o Estado passará a “auxiliar” o capitalista
na sua tomada de decisão. Se este não estiver de acordo, talvez tome a decisão
de “exportar” seu capital (legal ou fraudulentamente) para outro país ou, no
caso, do estrangeiro, sequer considerar o Brasil como terra de eleição para seu
investimento. Eles podem finalmente preferir conservar o controle sobre sua
própria “dinâmica de investimento”, preferindo que, em lugar de “nova”, ela
responda a velhos e tradicionais critérios decisórios.
9. Alguma receita milagrosa para reduzir a vulnerabilidade externa?
4.4. A macroeconomia do novo modelo.
(a) redução da
vulnerabilidade externa
39) A redução da vulnerabilidade externa possui
duas dimensões distintas, a financeira e a comercial. De um lado é necessário
reduzir a dependência do país dos fluxos de capitais externos, sobretudo os de
natureza especulativa. De outro, é preciso diminuir de forma rápida e
continuada o déficit em Transações Correntes através da obtenção de saldos
comerciais crescentes e melhoras na conta de serviços.
PRA: Absolutamente
necessário e meritório. Para tal seria preciso, antes, não depender mais de
capitais especulativos, e ser dinâmico o suficiente no comércio exterior para
diminuir os déficits em transações correntes. Mas, a opção preferencial pelo
mercado interno pode dificultar esse empreendimento a todos os títulos
necessário e imprescindível a essa correção de desequilíbrio.
40) Com relação à abertura financeira, é
necessário desestimular os fluxos de capitais de maior volatilidade, e
reorientar o IDE. Para acelerar a incorporação de novas tecnologias, e melhorar
a inserção comercial, a política econômica deverá privilegiar a reorientação do
IDE, corrigindo as distorções do passado recente, tais como o caráter prioritariamente
patrimonial e o direcionamento para a produção de bens e serviços não
comercializáveis.
PRA: O governo
também vai dizer ao capitalista estrangeiro como ele deve aplicar o seu
dinheiro no país?: talvez nessas condições ele prefira não aparecer…
41) Ou seja, ao IDE, conjuntamente com o capital
privado nacional, caberá melhorar a qualidade da integração comercial e
financeira com o exterior, no marco de uma política de seletividade que
favoreça o aumento das exportações, a substituição de importações, a expansão e
integração de nossa indústria de bens de capital e o fortalecimento de nossa
capacidade endógena de desenvolvimento tecnológico.
PRA: Se o IDE não
desejar se conformar a essa cartilha de boas intenções, como vai fazer o
governo? Persegui-lo, colocá-lo em casa de correção, dar bons conselhos?
42) Para corrigir os desequilíbrios oriundos da
abertura comercial será necessário rever a estrutura tarifária, e criar
proteção não tarifária para determinadas atividades. A correção desse desequilíbrio
se fará através de uma política comercial com caráter seletivo. Ou seja, será
necessário criar novas atividades geradoras de divisas e incentivar as empresas
implantadas no país para que cumpram a função de substituir importações,
ampliar exportações e reinvestir internamente os seus lucros.
PRA: Como é que vai
se fazer com a Tarifa Externa Comum do Mercosul? Fingir que não existe, ignorar
solenemente, denunciar o Tratado de Assunção? Isso vai ser feito de comum
acordo com os sócios do Mercosul?: eles estão informados desse novo manual de
política comercial do governo brasileiro, estarão de acordo com as suas
orientações básicas? Qual a legalidade gattiana de medidas não tarifárias
seletivas? Invoca qual artigo do GATT?
43) Em resumo, a redução da vulnerabilidade
externa será conseguida estimulando-se a reorientação do IDE e, principalmente,
através do estímulo ao crescimento das exportações e substituição de
importações cujo efeito em médio prazo será a supressão do déficit comercial e
sua substituição por um superávit. O fomento ao turismo e a reconstrução de uma
frota para reduzir os gastos com frete serão complementares a este imenso
esforço de redução do déficit em transações correntes do país.
PRA: Meritório, mas
seria necessário precisar melhor o que se pretende fazer, pois os limites,
mercosulianos ou gattianos, a esse tipo de manipulação de políticas comerciais,
industriais ou de investimentos são muito estreitos.
44) A dívida externa privatizada não contará
mais com os diversos mecanismos de estatização e socialização dos riscos e
prejuízos. A dívida externa pública, de cerca de U$ 90 bilhões, será objeto de
um grande esforço de renegociação, no sentido de permitir um alívio nas contas
públicas para acelerar os programas de investimentos e políticas sociais. A
implantação de mecanismo de proteção contra a entrada de capitais especulativos
será parte deste processo de superação da fragilidade externa. Somente estes
resultados permitirão que o país supere a vulnerabilidade e perca a condição de
refém do mercado financeiro globalizado.
PRA: Quais são
exatamente esses mecanismos de estatização e socialização dos riscos e
prejuízos da dívida externa privatizada? Alguma descrição mais precisa? Uma
dívida pública de apenas U$ 90 bilhões não requer um tão grande esforço de
renegociação, mas ela seria possível, factível, benéfica ao País? Se tem idéia
do que representa tal projeto nas relações financeiras externas do País? Não
precisa implantar mecanismo nenhum contra os capitais especulativos: eles já
existem, basta serem acionados quando preciso, necessário ou desejável. O
Brasil só é refém do “mercado financeiro globalizado” porque não consegue viver
com seus próprios recursos, ou melhor, converter-se de importador líquido de
capitais, em exportador de capitais, como ele será um dia, mais próximo do que
parece.
(b) reversão da fragilidade fiscal
45) Por fim, cabe considerar que a redução da
fragilidade externa deverá promover uma redução das taxas de juros cobradas nos
financiamentos externos, com efeitos positivos sobre a taxa de juros doméstica
de curto prazo que influencia o custo de financiamento da dívida pública. Desta
forma, estar-se-ia reduzindo a carga de juros, o elemento central de pressão
sobre o crescimento da divida pública, reduzindo a imprevisibilidade da sua
trajetória.
PRA: Absolutamente
correto, mas aqui aplica-se a regra do Garrincha: a parte contrária sabe dessa
nossa intenção de reduzir os juros que ela pretenderia cobrar de nós? Se ela
não concordar com as nossas taxas, aí vamos dizer que não queremos o seu
dinheiro? Os juros baixos vêm antes ou depois de reduzida a fragilidade
externa?
V. A CARTA DE
RESPONSABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL
46) O Brasil está sendo mais uma vez monitorado
por um organismo multilateral que é o FMI. As Cartas de Intenções do governo
FHC com esta instituição estabelecem metas macroeconômicas que são monitoradas
pelas equipes do fundo, dentro da perspectiva monetarista e ortodoxa que marca
a atuação deste organismo. Toda uma blindagem institucional está sendo
construída para assegurar o sentido do ajuste estrutural estabelecidos pelos
compromissos do governo brasileiro com o sistema financeiro internacional.
PRA: Os rumores a
esse respeito são altamente exagerados.
Fim dos comentários
Paulo Roberto de Almeida (pralmeida@mac.com)
Webpage: www.pralmeida.org
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