Cabe republicar novamente o que ela escrevia em meados de dezembro de 2018:
Risco de isolamento
Brasil torce
o nariz para o multilateralismo e aposta num nacionalismo arrogante
Eliane
Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
14 Dezembro 2018 | 05h00
Se
há três áreas em que o Brasil tem protagonismo consolidado nos foros
internacionais, essas áreas são meio ambiente, direitos
humanos e migração. O temor é o Brasil encolher e
retroceder justamente nas três, não só pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro,
mas também pelo futuro chanceler Ernesto Araújo e
suas ideias extravagantes.
Qualquer
um que tenha participado de grandes encontros sobre meio ambiente sabe, viu,
constatou como a voz do Brasil é relevante, não só pela Amazônia, mas pela
grande biodiversidade brasileira. Como “Deus é brasileiro”, não temos tsunamis
nem terremotos, mas, sim, sol o ano inteiro, água doce e salgada, florestas
variadas, combustível fóssil e renovável, solo fértil, vento e chuva. E uma das
leis mais modernas na área.
O
Brasil também pode se orgulhar de, depois de vinte anos, ter feito a transição
do regime militar para a democracia sem um único tiro, uma única gota de
sangue, e assim passou a ser uma voz ouvida e respeitada na área de direitos
humanos – apesar de tudo, principalmente do horror medieval nas penitenciárias
e cadeias comuns.
Por
fim, o povo brasileiro é uma síntese de todas as etnias e dos mais variados
sobrenomes do mundo todo. O nosso País é lindamente multiétnico e acolhedor.
Isso tem enorme valor, atrai respeito, admiração e espaço nos grandes debates
sobre migração, como na construção do Pacto Global de Migração, que reúne 160
países.
É
surpreendente, portanto, a forma como o futuro chanceler (faltam alguns
dias...) Ernesto Araújo puxou o tapete do atual, Aloysio Nunes
Ferreira. Em Marrakesh, o ainda chanceler subscrevia o pacto em
nome do Brasil. Em Brasília, seu quase sucessor anunciava, simultaneamente, que
o Brasil vai sair do pacto. Nada poderia ser mais antidiplomático.
“Foi
mais do que surpreendente, foi chocante”, disse Nunes Ferreira por telefone,
depois de ter reagido a Ernesto Araújo pelo mesmo veículo que ele usara para
negar o pacto de migração: o Twitter. Novos tempos.
São
sinais preocupantes da política externa, já rechaçados pela China, pelo Egito,
agora pela Alemanha, que põe o pé no freio no acordo União Europeia-Mercosul, e
pela Liga Árabe, que acaba de entregar uma carta no Itamaraty questionando a
mudança da embaixada brasileira, de Tel-Aviv para Jerusalém, o que agrada a
Israel e irrita todo o mundo árabe.
Essas
manifestações e ações de Araújo – logo, de Bolsonaro – seguem um único mentor, Donald Trump,
e uma ideologia, o antimultilateralismo. Sai a adesão aos órgãos multilaterais
ou regionais, como ONU, OMC, Mercosul, e entra em cena um nacionalismo a la
Trump: voltado para dentro, voluntarioso, arrogante, de confronto.
Todas
as sinalizações externas do governo Bolsonaro replicam, sem tirar nem por, as
posições de Trump: contra o Acordo de Paris, contra o Pacto de Migração,
beligerância com a China, alinhamento explícito a Israel, implicância com a ONU
e a OMC... Só que, assim como o Brasil não são os EUA, Bolsonaro não é Trump. E
nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.
Se
as exportações, a agricultura, a pecuária, os minérios e os programas de
cooperação passarem a ser afetados, a coisa pode deixar de ser só pitoresca e
ficar séria. Até por isso, já começa o recuo na resistência à China.
Não
falta quem questione o próprio papel do deputado Eduardo Bolsonaro,
filho do presidente eleito, e suas credenciais para ser a voz e a cara do
Brasil no exterior. Sabatinar o futuro chanceler?! Falar pelo Brasil nos EUA
sem passar pela embaixada ou pelos consulados?!
Se o PT rachou o Itamaraty, essa postura e essas
ingerências também vão rachar. A tendência é virar uma guerra e guerras nunca
são boas.
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