O REINO UNIDO DEIXA A UNIÃO EUROPEIA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 28/01/2020
A
eleição parlamentar de 12 de dezembro resultou na maior derrota do
Partido Trabalhista desde 1935 e na maior vitória dos Conservadores
desde 1987. Apesar da divisão do pais, o PM Boris Johnson
passou a ter ampla maioria e com maior liberdade para operar a saída do
Reino Unido da União Europeia.
Com a
aprovação do Parlamento britânico, o Reino Unido deverá sair
juridicamente da União Europeia, no final da semana, no dia 31, três
anos depois do referendum de junho de 2016. Haverá um
período de transição até 31 de dezembro de 2020, que o PM Boris Johnson
pretende não prorrogar, mas que poderá se estender até dezembro de
2022, dependendo da evolução das negociações.
No
corrente ano, a principal prioridade do governo britânico será abrir
negociações comerciais com a UE e aprovar medidas legislativas internas
em praticamente todas as áreas, colocando fim
a um casamento que durou 45 anos. O Parlamento deverá examinar e
aprovar legislação em todas as áreas para substituir `as normas e
regulamentos da UE hoje em vigor. Johnson, na contramão de politicas do
Partido Conservador, tem reafirmado que pretende ter
mais flexibilidade no tocante a presença do Estado sobretudo nos
programas sociais, ao contrário das politicas seguidas até aqui no
âmbito da UE.
No
período de transição, o Reino Unido deverá continuar a respeitar as
regras da UE, apesar de não mais participar de sua elaboração. E acertar
o pagamento de dividas resultantes da retiradas
de diversos órgãos comunitários. A negociação do acordo comercial com a
UE parece ser um projeto muito ambicioso, visto que normalmente levam
cerca de dois anos. Se a saída efetiva do Reino Unido se der em janeiro
de 2021, como quer Johnson, poderá haver a
retirada sem negociação comercial, o pior cenário para Londres. A
futura relação com a União Europeia torna-se, assim, incerta no tocante
ao intercâmbio comercial, além de outras áreas como defesa e segurança,
pesquisas, troca de estudantes, agricultura, pesca.
Esses e outros acordos, como a presença de cidadãos europeus no Reino
Unido e de imigrantes deverão ser aprovados pelos parlamentos de todos
os países membros.
Com
relação aos acordos comerciais, o Reino Unido deverá pedir admissão `a
Organização Mundial de Comércio e negociá-los com a UE e outros
parceiros, segundo as regras da OMC, em um momento
em que a Organização está vivendo uma crise de identidades pelo
esvaziamento a que é submetida pela ação dos EUA. Cabe notar, porém, que
somente depois de o acordo com a UE ser ratficado por todos os países
membros o Reino Unido poderá iniciar negociação com
outros países, como os EUA e o Brasil.
Uma das
questões mais delicadas será conhecer o pensamento do novo governo,
fora da UE, no tocante a cooperação no âmbito da Defesa. Como será o
papel do Reino Unido nos trabalhos da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). É possível antecipar que o Reino
Unido deverá respaldar as posições críticas dos EUA no tocante aos
compromissos financeiros e outros da OTAN.
Com relação ao impacto sobre as
relações com o Brasil, a saída do Reino Unido representa uma perda nas
negociações comerciais com a UE tendo em mente a politicas mais liberais
de Londres sobretudo nas questões agrícolas.
Por outro lado, o governo britânico, na época de Teresa May havia
indicado publicamente o interesse em negociar um acordo de livre
comercio com o Brasil quando fosse efetivado o divorcio com a UE. O
Mercosul certamente deverá se posicionar quanto à negociação de um acordo de livre comércio com Reino Unido.
Resta saber se Boris Johnson vai manter o interesse de avançar
nessas negociações. Outra consequência será realocação de quotas
atribuídas ao Reino Unido na UE em alguns produtos agrícolas.
Será preciso compensar a perda de cotas de 11 produtos da agroindústria de acordo com as novas cotas anunciadas pela UE na OMC.
Os
desafios do governo Johnson não são pequenos: terá de dissociar uma
economia profundamente integrada ao bloco comercial a 45 anos, ao mesmo
tempo em que procurará executar planos para o
post-Brexit e minimizar os danos imediatos que já estão acontecendo aos
interesses das empresas britânicas, em especial no setor financeiro da
City. A saída do Reino Unido da UE trará um forte impacto sobre o papel
do Reino Unido no mundo e o futuro da união
do pais. O Partido Nacionalista Escoces, fortalecido nas eleições, já
pediu um novo referendum sobre sua independência de Londres, recusado de
imediato por Johnson.
A
Europa também vai sentir as consequências do BREXIT. A saída do Reino
Unido deve acelerar a perda de relevância da UE no mundo. Os lideres dos
países europeus estão enfrentando problemas econômicos,
a emergência do populismo e do nacionalismo conservador. A Alemanha e a
França motores do crescimento e atores da importância europeia estão as
voltas com crises econômicas e politicas internas. A UE perde uma voz
enérgica e ativa no cenário internacional
e o grupo de nações que dominaram o cenário global por muitos anos
perderá espaço e se encolherá melancolicamente.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
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