O papel do Brasil na crise mundial, segundo Celso Amorim
Celso Amorim e Rubens Ricupero se unem para falar sobre o papel geopolítico do Brasil hoje e as consequências para o futuro, após a crise mundial do coronavírus.
Em meio à situação calamitosa na política e nas relações do Brasil, os responsáveis pela política externa de toda a Nova República – período que teve início com o fim da ditadura militar – escreveram um documento inédito criticando o governo Bolsonaro.
Nele, os antigos responsáveis pela condução das relações exteriores do Brasil deixam suas diferenças políticas de lado para denunciar a sistemática violação da Constituição. Nesse sentido, explicitam até os artigos constitucionais deixados de lado para mostrar o quanto a diplomacia brasileira tem agido contrariamente à Carta Magna.
Além disso, o documento afirma que a atual orientação vinda do Palácio do Planalto – e levada a cabo pelo Itamaraty – tem consequências futuras para o País. São citados o “desmoronamento da credibilidade externa, perda de mercados e fuga de investimentos”.
Aprofundando o tema, Celso Amorim e Rubens Ricupero debateram em evento online promovido pelo Observatório da Democracia. Na primeira parte desta matéria, serão abordados o pensamento de Celso Amorim sobre o papel do Brasil no mundo – durante e após a crise mundial.
A crise mundial é um acelerador da nova ordem
Celso Amorim teve extensa carreira diplomática e como ministro. Foi ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil nos governos Itamar Franco (1993-1994) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Também foi ministro da Defesa no primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014).
Segundo ele, o Brasil historicamente vinha defendendo uma política baseada na Constituição Federal e na justiça social, tanto do próprio País, quanto internacionalmente. Porém, hoje, a orientação para a diplomacia brasileira mudou de curso.
As consequências, prevê, serão o isolamento do País no momento em que a pandemia aumentará o valor da solidariedade e ações conjuntas. Celso Amorim prevê ainda que “se não houver uma ampla cooperação internacional, a pandemia não terá solução”.
Auto-isolamento, submissão e a situação atual
O auto-isolamento escolhido como caminho pelo Brasil faz com que seu papel internacional diminua. O País sempre foi importante na diplomacia – sobretudo na área da saúde – e, como exemplo, o ex-chanceler falou sobre o protagonismo brasileiro nas discussões que levaram à Declaração de Doha, que dispôs sobre os medicamentos genéricos.
Atualmente, segundo Amorim, o isolamento do Brasil só não é total porque é guiado por um “espírito de submissão” ao governo Trump, nos EUA. Governo que elegeu a Organização Mundial da Saúde, junto à China, como bodes expiatórios da pandemia.
Citando o pressuposto teórico do soft power, poder brando, criado por Joseph Nye, Amorim acredita que a pandemia é uma aceleradora de tendências. Prevê que num futuro não muito distante, a China aumentará sua capacidade de atrair os países e lideranças não só economicamente, mas também na política internacional.
Antes muito discreta em fóruns internacionais e agindo nos bastidores, a China tem hoje uma diplomacia presente nos grandes projetos de infraestrutura de nível mundial. Durante a pandemia, revelou disposição de dar assistência técnica à diversos países, sobretudo à Itália, que viveu sua pior fase logo depois do epicentro da pandemia.
O que fazer?
Essa é a maior crise que o Brasil e o mundo estão vivendo desde a Segunda Guerra Mundial. Com a diferença de que na Segunda Guerra, alguns países conseguiram ficar à margem.
Amorim relembra que mesmo acuradas, as projeções para uma nova ordem mundial não são infalíveis. “A história não tem respostas pré-determinadas”, afirmou, mesmo acreditando que após a pandemia, haverá uma consciência da solidariedade e que a China terá um grande papel.
Ele projeta também que a pandemia acelerará um tripé econômico-militar que dará o tom do futuro geopolítico do mundo composto por China, Rússia e EUA. Em relação à União Europeia, Amorim citou Mark Twain: “Os boatos sobre a minha morte são altamente exagerados”, acreditando que os países europeus se reorganizarão para manter sua posição de destaque no centro do capitalismo.
Já para o Brasil, o ex-chanceler vaticina: “uma vez superada a diplomacia da vergonha, o Brasil terá que trabalhar pela integração”. Sobre esses rumos, Celso Amorim não pestaneja. “Não podemos especificar o depois, porque precisamos chegar ao depois”.
Amorim projeta que, superada a “diplomacia da vergonha”, o Brasil deve voltar a reafirmar organismos internacionais. Já que com todos os defeitos e limitações, “são eles que melhor encarnam os valores civilizatórios” criados conjuntamente por toda a humanidade.
Logo, Amorim afirma que o maior desafio futuro será a superação da irracionalidade da política externa, de um governo que exerceu sua soberania se antepondo às normas internacionais. E arremata sobre o que vem sendo feito hoje: “eu não sei se é loucura a serviço do oportunismo, ou oportunismo a serviço da loucura”.
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