O conflito Venezuela-Guiana, o Direito Internacional e a diplomacia do Brasil
Ricardo Seitenfus
PRA: Ricardo Seitenfus, historiador aposentado da Universidade Federal de Santa Maria (RS), me envia suas observações sobre o conflito nas fronteiras do Brasil, prestadas à BBC Brasil e ao O Globo, mas transcritas apenas parcialmente:
"A consulta aos eleitores venezuelanos tem dois objetivos internos. Por um lado demonstrar uma união nacional por um Essequibo venezuelano e por outro, que esta união seja personalizada pela figura de Maduro.
Do ponto de vista externo se trata de demonstrar que Caracas não aceita o histórico statu quo e indica que outras ações virão.
Maduro pretende se perpetuar no poder e como está correndo riscos com uma possível derrota em 2024, tenta reverter a situação em seu favor identificando um inimigo externo. Estratégia conhecida que foi utilizada, por exemplo, pelos generais argentinos quando decidiram invadir as Malvinas/Falkland.
O que Maduro fará com uma vitória que se apresenta como acachapante ? A propósito, essa consulta abriga um aspecto ubuesco na medida em que quem deveria ser consultado são os habitantes de Essequibo ou os guianeses e não os venezuelanos. Uma demonstração da singularidade das ditaduras latino-americanas e de seus potentados tão bem descritos por Gabriel Garcia Márquez.
Caso Maduro decida colocar em marcha a vontade venezuelana que sairá da consulta ele tem 2 caminhos. Por um lado prosseguir o diálogo político sob os auspícios das Nações Unidas como previsto no Acordo de Genebra de 1966. Penso que Maduro terá dificuldades de desconhecer o resultado da consulta e portanto ele deverá inovar. Como? Esse e o segundo caminho: uma operação militar de invasão do Essequibo.
Por evidente será um passeio militar. Contudo serão inúmeras as reações negativas internacionais. Os Estados Unidos - por razões estratégicas, econômicas e jurídicas - não permanecerão inertes. Assim como o Reino Unido que possui laços, afinidades e responsabilidades históricas com a Guyana.
Enfim, a posição brasileira deve ser de rechaço a qualquer operação violenta. Aqui devemos lembrar ao Governo atual que embora ele possa ter simpatias ou antipatias ideológicas, estamos frente a possibilidade de ruptura de princípios jurídicos, diplomáticos e históricos - o respeito aos tratados fronteiriços - e que nada e ninguém pode colocar em questão.
Seria abrir a Caixa de Pandora para aventuras que a região e muito especialmente o Brasil sempre souberam evitar.
Quanto melhor for o resultado para Maduro pior será para ele no plano internacional pois ele será obrigado a agir. Ora a ação se for além de uma provável pressão sobre a Guiana, provocará reações contrárias de muitos governos. A começar pelos USA, GB, Colômbia e Brasil.
Está previsto no Acordo de Genebra de 1966 (Reino Unido, Venezuela e Guiana) que serão as Nações Unidas através da CIJ a resolver o suposto litígio.
Portanto a Venezuela NÃO pode não reconhecer a jurisdição da Corte.
Ela acatou a jurisdição em 1966 e agora em razão de uma possível derrota jurídica não respeitar a Corte.
A decisão da CIJ não é simbólica! Ela será o sustentáculo do Direito para a ação política e talvez caso necessário militar dos países aliados da Guiana, leia-se USA e Reino Unido (2 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU).
Duas observações finais:
A. O Brasil não deveria somente propugnar uma solução pacífica mas também denunciar a ilegalidade da « consulta » deste domingo.
B. Caso insista em uma solução de força a margem do Direito, Nicolas Maduro poderá vir a ser o futuro Leopoldo Galtieri o ditador militar argentino que não somente perdeu os anéis - as Malvinas/Falkland - mas também perdeu os dedos - o poder."
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