Introdução a um texto de 2018, sobre política externa nas campanhas presidenciais
Em 2018, como aliás em todas as campanhas eleitorais presidenciais que acompanhei – geralmente apenas fazendo o seguimento dos temas de política externa de todos, ou dos principais, candidatos presidenciais –, nunca sequer pretendi seguir qualquer candidato, pois permaneço invariavelmente infenso a associar-me a qualquer partido movimento, candidato, preferindo seguir o pleito como acadêmico, não como torcedor.
Obviamente, tenho minhas preferências de POLÍTICAS, não de candidatos, sendo que considero ser melhor uma política centrada única e exclusivamente nos interesses nacionais do Brasil, arredio a qualquer partidarização da política externa, o que geralmente NÃO se encontra em candidatos muito ideológicos ou com afiliações externas a correntes de alguma tendência radical, de esquerda ou de direita.
Vale dizer que em 2018, esperava que vencesse não qualquer um dos dois extremos em disputa, mas algum candidato centrista, moderado, ponderado, racional e inteligente. Havia alguns, mas nunca teve chance de sequer chegar ao segundo turno. Em meados do ano eu era consultado por um ou outro jornalistas sobre algum tema de política externa: expressava minha opinião, mas ficava apenas nisso.
Imaginei, porém, fazer um texto com algumas ideias sensatas para TODOS os candidatos, expressando a minha opinião sobre como a política externa deveria ou poderia ser tratada naquelas entrevistas com jornalistas em canais de TV. Esse é o texto que figura abaixo. Mas, ele permaneceu rigorosamente inédito em toda a campanha eleitoral de 2018, e sequer me lembrei dele em 2022.
Em 2018, eu já sabia qual seria a política externa do PT, pois havia seguido o partido desde os anos 1980 e sabia exatamente quais eram suas posições em todos os assuntos diplomáticos, com críticas fortes a suas posturas em artigos e livros. Mas eu não tinha a menor ideia de como seria, e do horror que seria a política externa do candidato da extrema-direita. Só percebia que seria algo bizarro, de aliança com Trump e de críticas fortes à China (como já tinha feito no começo do ano). E foi um horror, pior o que se suspeitava.
Mas, em meados de 2018 tudo era muito incerto. Como meu documento ficou desconhecido em 2018, e fiquei esquecido desde então, e como eu o "descobri" só agora, resolvi colocar o texto neste meu espaço de liberdade, e esquecer depois, pois os candidatos mudam, a política externa também muda.
Mas, como se verifica por minhas opiniões – sobre a Venezuela, por exemplo – não se pode dizer que eu concorde com a política do PT (antes e agora) nesse quesito e em vários outros mais.
O texto segue como foi escrito, agora publicado pela primeira vez, sem que eu mexa numa vírgula. Apenas registro em minha lista de originais que não é mais inédito, mas não "publicado". Em 2022, eu sequer le lembrei desse texto.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de maio de 2024
Simples recomendações em matéria de política externa
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de agosto de 2018
Introdução
Em época eleitoral, as perguntas mais surpreendentes, e desafiadoras, podem emergir nos debates de campanha e, sobretudo, nas entrevistas abertas e interrogatórios comandados por jornalistas e curiosos em geral. Normalmente, a política externa é um tema secundário, marginal mesmo, às preocupações dos políticos, assim como da população em geral, sobretudo em épocas caracterizadas por problemas mais prementes para os eleitores na frente interna: desemprego, queda na renda, diminuição dos serviços públicos, insegurança, corrupção, desesperação, desejo de emigrar. Êpa! Aqui já se fala de um tema que tem a ver com a interface externa do Brasil, um país que acolheu imigrantes durante um largo período de sua história, mas que a partir de certo momento – a crise dos anos 1980, que marca o início de uma longa fase de declínio econômico – começou a “exportar” seus nacionais (para a Europa, para o Japão, para os EUA). Mais recentemente, essa emigração alcançou não apenas cidadãos de baixa educação e de qualificações laborais mais modestas, mas também famílias de classe média e quadros qualificados nos mercados de trabalho (desgostosos com o ambiente negativo no país).
Mas não se podem excluir, a priori, questões relativas à política externa e à diplomacia do Brasil, à sua inserção internacional, ou a problemas da agenda mundial, de forma geral, dos questionamentos dirigidos aos candidatos nesses debates eleitorais, razão pela qual alinho alguns comentários e sugestões nos parágrafos a seguir.
Posicionamento genérico
De preferência, evitar debater, por sua própria iniciativa, as questões de política externa; elas são muito mais complicadas do que as respostas simples que se oferecem para temas da política doméstica, nos quais pequenas mentiras, subterfúgios, ou mesmo grandes promessas populistas podem servir para conquistar alguns votos a mais. Se questionado sobre a política externa de forma geral, reafirmar a confiança no Itamaraty, como um órgão de Estado comprometido com a defesa de uma diplomacia equilibrada, posições sensatas correspondendo ao interesse nacional, muita competência na defesa desse interesse e banalidades do gênero. Enfim, evitar expor-se inutilmente.
Se questionado mais especificamente sobre que tipo de política externa será a sua, responder, uma vez mais, que tem plena confiança na capacidade do Itamaraty para oferecer as melhores respostas aos desafios que se colocam ao Brasil na frente externa e que o ministério sempre demonstrou total domínio de todos os pontos relevantes da agenda internacional, e que ele saberá continuar a oferecer a mesma competência sob o seu governo. Se questionado ainda mais especificamente se o candidato já pensou em quem seria o seu chanceler, pode dizer que a classe política, mas o próprio Itamaraty também, dispõe de bons nomes capazes de assumir com proficiência o cargo de ministro das relações exteriores, e que ele saberá escolher o melhor nome.
Pode ser que isso não seja suficiente, e que o candidato seja interrogado sobre questões específicas da agenda regional e mundial – Mercosul, Venezuela, acordos comerciais, EUA de Trump, China, Brics, Conselho de Segurança, política migratória e questões ainda mais cabeludas – em face das quais tentará, uma última vez dar respostas genéricas e sempre otimistas, enrolando um pouco na velha conversa da diplomacia universalista, aberta a todas as possibilidades de cooperação internacional, expandir o quadro de acordos e relações comerciais, promover o desenvolvimento sustentável, de acordo com os compromissos assumidos no plano internacional no combate e mitigação do aquecimento global, e outras coisas politicamente corretas.
Mas, pode ser que tudo isso não seja suficiente, e que algum jornalista chato insista em saber o que o candidato pretende fazer com a Venezuela, com os acordos entre o Mercosul e outros parceiros, entre o bloco e a UE, a atração de investimentos, o que fazer com a China, com o Brics, com todas aquelas embaixadas abertas pelo Lula, se pretende continuar com a orientação Sul-Sul ou se deseja aproximar a diplomacia mais perto dos países ricos e outras bobagens do gênero. Nesse caso, não se pode mais escapar de respostas mais consistentes, ainda que elas possam continuar sendo persistentemente evasivas nos temas mais delicados, como podem ser a questão nuclear, a China, o que fazer com a ditadura venezuelana, as ameaças de “internacionalização da Amazônia”, a abertura comercial ou a preservação de empregos na indústria nacional e outros temas mais complexos ainda, num quadro de certa paralisia política ou de perda de credibilidade do Brasil no plano internacional. Algum jornalista petista poderá até provocar o candidato, indicando o grande prestígio alcançado pela “ativa e altiva”, ou seja, a diplomacia lulopetista, apontando o sucesso anterior do presidente Lula nos grandes foros internacionais, e o seu relacionamento especial com grandes líderes de países emergentes e até de países ricos. Nesse caso, impossível evitar respostas precisas.
O que fazer com a Venezuela?
A Venezuela é uma tragédia antes de mais nada para o seu próprio povo, confrontado a níveis extremos de penúria material – alimentos, medicamentos, serviços de saúde, delinquência generalizada, destruição completa da poupança doméstica por níveis alucinantes de inflação, além da violência geral nos cenários sociais – e, mais do que a qualquer outro problema, uma extrema violência política por parte do próprio governo, que desde muitos anos não pode mais ser classificado no campo das democracias. Não seria, aliás, inútil lembrar que foi a diplomacia lulopetista que ajudou a criar e a sustentar essa tragédia, uma vez que Chávez e depois Maduro sempre contaram com o apoio irrestrito de Lula e dos petistas em geral, sem deixar de mencionar que muitos negócios, legais e ilegais, mas certamente com “retornos” suspeitos para ambos os lados, permearam essas relações de amizade incontida entre um regime autocrático e um governo aliado incondicional das mais execráveis ditaduras do continente e de outras partes do mundo. Tudo isso pode e deve ser lembrado.
Agora o que fazer com a Venezuela no momento atual, com a tragédia que é o afluxo maciço de refugiados na fronteira norte do Brasil? Em primeiro lugar, o Brasil precisa honrar o sentido humanitário de sua política migratória, e não fechar as portas a pessoas desesperadas que fogem de uma situação propriamente inaceitável, feita de penúria absoluta em elementos essenciais a uma existência normal, sendo que muitas outras pessoas correm um real perigo de vida. Não cabem, no momento, sanções unilaterais contra o regime venezuelano, além e acima daqueles que normalmente já devem estar ocorrendo: embargo da venda de armas ou de equipamentos e materiais relativos à repressão de movimentos populares e manifestações de protesto. Não se pode impedir, obviamente, empresários privados de vender ao governo venezuelano produtos normalmente comercializados no Brasil e em seu comércio exterior, mas não caberia estender novos financiamentos ao regime atual. Pode-se, aliás, lembrar adicionalmente que os governos lulopetistas estenderam um volume ainda indefinido de financiamentos e créditos, em condições altamente duvidosas, como são ainda mais duvidosos os termos desses acordos e as possibilidades de amortização adequada, sem descurar os juros em condições normais vinculados a esses créditos externos.
Toda e qualquer ação em relação ao regime ditatorial venezuelano não poderá ser unilateral ou diretamente bilateral (além das questões consulares e outras medidas típicas de um relacionamento que sempre foi importante para ambos os países, como é o fornecimento da energia elétrica de Guri para o norte do Brasil, e o comércio local de fronteiras e outras questões humanitárias, como o nomadismo indígena). A política em relação à ditadura bolivariana tem de continuar a ser concertada nos foros regionais ou multilaterais (OEA, ONU, por exemplo) ou em esquemas concertados com os vizinhos latino-americanos (como o Grupo de Lima). Os países podem continuar a fazer pressão sobre o governo chavista, mas sem qualquer ilusão de que ele cederá a essas demandas por eleições limpas e abertas, a uma conciliação necessária abrindo caminho a uma nova fase da vida política venezuelana. Isso aparentemente não ocorrerá, e a única coisa que se pode prever, de imediato, é uma agravação constante e progressiva da situação, até um possível desenlace trágico.
O Brasil e a sua diplomacia devem fazer de tudo para minimizar o sofrimento da população venezuelana, e contribuir para a pacificação daquele país, por todos os meios que se encontram ao alcance de nossa diplomacia e do governo brasileiro. Enquanto isso não puder ser feito, nosso dever é o de solidariedade integral com a população da Venezuela. Outras medidas serão avaliadas pela diplomacia profissional do Brasil.
China, Brics e a Ásia Pacífico
A China é, sem qualquer dúvida, o experimento de transformação econômica mais extraordinária da histórica econômica mundial em todos os tempos. Ela é tão importante para o Brasil quanto o é para quase todos os demais países, inclusive para os EUA, cujo presidente deslanchou uma “guerra comercial” tão inútil quanto desastrosa, não só para os dois países, como para o resto do mundo. Ela é tão importante que, pelo seu peso específico, representa mais da metade do Brics, ou seja, esse grupo não fará absolutamente nada que seja contra os interesses da China. Cabe ao Brasil adotar uma postura pragmática na defesa dos seus interesses, e não adotar uma atitude principista, como foi a dos lulopetistas, movidos mais por supostas simpatias ideológicas do que por uma análise isenta quanto ao interesse em torno de certas opções ou relações. Tanto o Brics, quanto o Ibas, ou a Unasul, e outras iniciativas canhestras dos lulopetistas, junto com essa miragem geograficamente determinista do Sul Global, escolhendo parceiros e aliados ditos “estratégicos”, mais porque eles eram considerados, até preventivamente, como “anti-hegemônicos” – numa nova demonstração simplória de sectarismo político e de miopia ideológica – do que por uma real avaliação dos interesses brasileiros, e todos esses foros e grupos foram estimulados e sustentados pelo lulopetismo com base nesses critérios duvidosos de racionalidade diplomática.
Pois bem, a China é e continuará a ser importante para o Brasil, mais certamente em economia, comércio, investimentos e grandes temas do multilateralismo do que, cabe dizer, nos temas de democracia e de direitos humanos, que figuram entre nossos princípios e valores constitucionais e até morais. Não por isso deixaremos de considerar a China como relevante sob vários aspectos das relações bilaterais e multilaterais, sem que se deva renunciar a uma visão própria do enquadramento global da diplomacia brasileira. Caberia explicitar que uma diplomacia sensata deveria partir do princípio que alianças e parcerias não devem nunca devem ser feitas com base em pressupostos ideológicos, como feitas durante o lulopetismo, mas sempre com base numa avaliação estritamente técnica dos interesses nacionais, sem quaisquer a prioris adotados com base nessas simpatias supostamente anti-hegemônicas.
Toda a região da Ásia Pacífico é a mais dinâmica da economia internacional, mobilizando outras economias emergentes em outros continentes, como os membros da Aliança do Pacífico, uma realidade que o Brasil não pode ignorar ao seu próprio risco. O que falta para o Brasil aderir a essa esfera de prosperidade? Simples: abertura econômica e liberalização comercial, se preciso até unilateral, pois o protecionismo brasileiro prejudica em primeiro lugar os brasileiros e as empresas nacionais. A China é um parceiro comercial agressivo? Certamente. Mas não é com antidumping duvidoso e com políticas contrárias às regras da OMC – como esse patético Inovar Auto – que o Brasil vai se qualificar no comércio internacional, e estabelecer os fundamentos de uma relação mutuamente proveitosas com todos os países que fazem parte do grande arco de prosperidade da Ásia Pacífico. O que estão fazendo esses países? Acordos de livre comércio, de aceitação de padrões comuns nos regulamentos comerciais, de facilitação de investimentos e outras medidas convergentes com a interdependência global, em parte representadas pelas políticas setoriais recomendadas pela OCDE. É isso, e mais um pouco, que o Brasil precisa exatamente fazer, se não quiser ficar atrasado como ficou na última década e meia, cujos governos nos levaram à maior recessão de toda a nossa história, um quadro lamentável que pode ser chamado de Grande Destruição econômica lulopetista.
Mercosul, Unasul e outros projetos de integração regional
O Mercosul é um projeto de ABERTURA COMERCIAL, e de INTEGRAÇÃO à ECONOMIA MUNDIAL. Infelizmente, nos últimos anos, especialmente na gestão companheira, o Mercosul deixou de ser uma plataforma de integração do Brasil à economia mundial e de liberalização recíproca e ampliada ao mundo para se converter num palanque político, no qual a retórica supostamente social substituiu os propósitos eminentemente comercialistas do projeto original. Ele precisa voltar aos seus objetivos originais e servir à integração regional e mundial, do contrário precisará ser revisto e reformado, ou então modificado profundamente. Quanto à Unasul, trata-se de mais um desses projetos canhestros do lulopetismo diplomático, adotados por um tipo de anti-imperialismo primário e um antiamericanismo infantil, que só serviu aos objetivos políticos do bolivarianismo e do chavismo, esses anacronismos patéticos. Que ela esteja paralisada atualmente, pode até ser interessante para fazer um balanço: serviu para qualquer coisa útil, para impulsionar a integração física, por exemplo, como era a intenção original da Iniciativa de Integração Sul-Americana, lançada pelo governo FHC em 2000? Serve ela para qualquer objetivo economicamente significativo? Não e não!
Conselho de Segurança, questão nuclear, Amazônia, etc.
Quando, e se, ocorrer uma reforma da Carta da ONU, com eventual ampliação do número de membros permanentes do seu Conselho de Segurança, o Brasil estará necessariamente na mira dos eleitos, sem precisar fazer qualquer pirotecnia diplomática como foi o caso sob o lulopetismo. Mas é preciso enfatizar que essa NÃO É uma questão prioritária, seja para a diplomacia, seja para o Brasil, seja, principalmente, para o povo brasileiro. O compromisso do Brasil está, em primeiro lugar, com o seu próprio povo, com os investimentos internos e a melhoria das condições sociais internas. Da mesma forma, política nuclear é uma questão resolvida no Brasil, depois da adesão ao TNP e os demais acordos feitos no âmbito bilateral, com a Argentina, e no regional, com a adesão plena ao tratado de Tlatelolco. Amazônia é um patrimônio brasileiro, mas ela precisa ser mobilizada para o seu correto aproveitamento econômico, inclusive com investimentos estrangeiros (no turismo por exemplo, mas também na exploração adequada dos recursos da biodiversidade), mas sem qualquer xenofobia ou paranoias indevidas, como se potências estrangeiras pretendessem internacionalizar a região. Isso é ridículo e nem deveria ser objeto de qualquer consideração séria num debate normal.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de agosto de 2018; inédito.
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