O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Alexandre Schwartsman. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Alexandre Schwartsman. Mostrar todas as postagens

sábado, 2 de julho de 2016

O "barbaro" da politica monetaria - Alexandre Schwartsman

O Huno
Cheguei a crer que havíamos conseguido criar regras impessoais que reduziriam em muito a dependência de indivíduos excepcionais para conduzir os temas básicos da gestão econômica. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, deveria fazer com que qualquer ministro da Fazenda tivesse que se comportar de maneira rigorosa no trato com as finanças públicas, independemente de suas crenças (até certo ponto, ao menos).
Os acontecimentos dos últimos seis ou sete anos me fizeram mudar de ideia. Na verdade, mais até do que o péssimo desempenho da economia, me preocupa, e muito, o grau de destruição institucional no período. Olho em volta e só vejo terra arrasada.
Numa nota pessoal, por conta do privilégio que tive por trabalhar na instituição, me entristece em particular a deterioração do papel do Banco Central.
Sob a “direção” de Alexandre Pombini houve piora visível do BC, não só no desempenho, mas principalmente na postura. Mesmo antes do salto em 2015, quando o IPCA atingiu 10,7% (para uma meta de 4,5%), o desempenho no que diz respeito ao controle inflacionário foi lamentável. Entre 2011 e 2014 a inflação atingiu 6,2% ao ano, pouco abaixo do limite máximo de tolerância, apesar do controle dos preços administrados, cuja variação ficou apenas em 4,1% ao ano no período.
O BC também se beneficiou da alteração nos pesos do IPCA após 2011: caso a ponderação que valia até aquele momento tivesse sido mantida, a inflação média teria sido 6,5%, ultrapassando o teto tanto em 2012 quanto em 2014. 
Comparado, portanto, em bases congruentes com as de seus predecessores, Pombini não apenas jamais entregou a inflação na meta, mas também estourou seu limite superior ao menos quatro vezes, colocando em sua conta, por mérito, o fiasco de 2016, apesar de suas promessas de convergência ainda este ano feitas até setembro do ano passado.
Assim, coube-lhe também a duvidosa honra de ser o primeiro presidente do BC sob o regime de metas que deixa a seu sucessor taxas de juros mais elevadas do que herdou. Seu afã em obedecer ao voluntarismo do governo para a queda da taxa de juros, enquanto fingia ignorar a piora fiscal, teve como consequência exatamente o oposto da intenção original. 
Quando era mais novo conseguia ainda acreditar no efeito pedagógico destas experiências; hoje sei que é questão de tempo até que outro iluminado resolva tentar o mesmo, na vã ilusão que em sua vez o resultado seja diferente.
Isto dito, se há algo que podemos aprender da “gestão” de Pombini à frente do BC é que a postura submissa da autoridade monetária face aos governantes de plantão não traz crescimento maior; ao contrário, resulta em inflação mais alta e, eventualmente, por conta do descontrole inflacionário, expansão menor do produto do que teria sido possível sob inflação baixa. 
Nada, diga-se, que a literatura a respeito já não alertasse, mas parece que há ainda quem queira testar a lei da gravidade pulando de uma janela, no caso do 22º andar do Banco Central.
Cabe agora a Ilan Goldfajn a imensa tarefa conjunta de recuperar a credibilidade institucional do BC e trazer a inflação de volta à meta. Não há de ser fácil, frente ao estrago cometido por seu antecessor, mas desejo, como brasileiro, bem como amigo, que tenha sucesso neste desafio.
undefined
Onde ele come não nasce grama
(Publicado 15/Jun/2016)

domingo, 3 de janeiro de 2016

A usina de pessimas ideias economicas do governo - Alexandre Schwartsman

Espertezas

Por Alexandre Schwartsman*


…evitar o aumento de juros por meio da elevação da meta para a inflação se baseia na noção que pessoas são incapazes de entender o que está ocorrendo. Não chega a ser surpreendente, pois vem do mesmo tipo de “economista” que acredita que indivíduos têm que ser tratados como crianças, tutelados
 
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 30 de dezembro de 2015
 
Normalmente deixaria para minha última coluna de 2015 alguma reflexão sobre o ano que passou, ou algo sobre o que virá, mas, como a usina de más ideias não parece —diferentemente de tantas outras— estar em férias coletivas, não tenho alternativa que não examinar mais uma bobagem em gestação. Há, segundo Fernando Rodrigues, estudos por parte da equipe econômica para elevar a meta de inflação dos atuais 4,5% para 5,5%.
O motivo não poderia ser menos nobre. O BC já havia deixado claro na ata do Copom do final de novembro (e reiterado a mensagem no Relatório Trimestral de Inflação divulgado na semana passada) que, muito embora tenha (mais uma vez) adiado a convergência da inflação para a meta para 2017, “adotará as medidas necessárias (…) [para] trazer a inflação o mais próximo possível de 4,5% em 2016, circunscrevendo-a aos limites estabelecidos pelo CMN (…)”. Em outras palavras, não quer permitir que a inflação ultrapasse novamente o limite superior do intervalo em torno da meta, 6,5%.
Dado, porém, que as expectativas para 2016 já se encontram em quase 7% (o Banco Central projeta pouco mais que 6%, mas seu histórico de previsões não sugere que devamos acreditar nisto), entre as “medidas necessárias” se encontra muito provavelmente novo ciclo de elevação da taxa de juros, a se iniciar em janeiro.
Assim, ao elevar a meta de 4,5% para 5,5%, o limite superior passaria de 6,5% para 7,5%, esperteza que, de acordo com os idealizadores da proposta, tiraria do BC o ônus de subir a taxa Selic.
Como se costuma dizer, todo problema complexo tem uma solução simples e, obviamente, errada.
A proposta implicitamente pressupõe que as expectativas dos agentes econômicos se manteriam inalteradas, mesmo após o anúncio de nova informação, isto é, que, mesmo sabendo que o BC passaria a perseguir um alvo distinto (e, para deixar claro, o alvo a que me refiro não é a meta, mas seu limite superior), as pessoas passivamente ignorariam esta valiosa informação ao negociarem seus salários ou definirem seus preços.
Posto de outra forma, a ideia de que se pode evitar o aumento de juros por meio da elevação da meta para a inflação se baseia na noção que pessoas são incapazes de entender o que está ocorrendo. Não chega a ser surpreendente, pois vem do mesmo tipo de “economista” que acredita que indivíduos têm que ser tratados como crianças, tutelados pelo “papai Estado”.
A adoção de tal medida, porém, levará justamente ao contrário do esperado pelos autores da proposta. As expectativas de inflação (e não apenas para 2016) irão subir refletindo a nova informação.
Por causa disso, salários e preços subirão mais do que fariam caso a meta tivesse sido mantida, acelerando adicionalmente a inflação e o BC será obrigado a elevar ainda mais a taxa de juros (ou a aceitar inflação mais alta). Um caso clássico de tiro que saiu pela culatra, apenas mais um entre tantos que tivemos o privilégio de testemunhar nos últimos anos.
O regime de metas para a inflação está em vigor desde 1999, tempo mais do que bastante para que o entendimento acerca de seu funcionamento já estivesse suficientemente difundido de forma a evitar que propostas como esta viessem à luz do sol. Mas não: erradicar o analfabetismo econômico é tarefa que não cessa.

• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, agora integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Paradoxos da mao-de-obra e do emprego - Alexandre Schwartsman

Paradoxos heterodoxos 
Alexandre Schwartsman
A Mão Visível, 15/10/2014

A economia não cresce; apesar disto o desemprego tem caído, atingindo 5% em agosto nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, que correspondem a pouco mais de um quinto do emprego no país. Trata-se do menor registro para o mês desde que estas estatísticas começaram a ser coletadas, o que, aliás, tem sido verdade em todos os meses deste ano. Em que pesem questões específicas destas regiões, o resultado desafia o senso comum: como é possível a redução do desemprego em face da economia estagnada?

O resultado se torna menos paradoxal quando examinamos o número mais de perto. Nessas regiões o emprego não cresceu; muito pelo contrário, caiu nos oito meses deste ano, registrando em agosto redução de 85 mil postos de trabalho na comparação com o mesmo mês do ano passado. Este comportamento é consistente com o que seria natural no caso de uma economia cujo crescimento deve ficar ao redor de zero.

Fica claro, portanto, que a evolução positiva do desemprego em 2014 não se deve ao desempenho favorável do emprego, mas sim a desenvolvimentos que afetam a oferta de trabalhadores.

Parte da história reflete a demografia. Há 10 anos a população em idade ativa (PIA) crescia perto de 2% ao ano; hoje o crescimento oscila de 1% a 1,5% ao ano. Isto, porém, não explica o aparente paradoxo: mesmo este ritmo mais modesto de crescimento da PIA supera por larga margem a expansão (negativa!) do emprego. Com mais pessoas chegando ao mercado de trabalho do que empregos sendo gerados, o natural seria observarmos desemprego crescente.

O que tem ocorrido, porém, é uma redução persistente da fração da PIA engajada no mercado de trabalho (a população economicamente ativa, PEA, ou força de trabalho), seja trabalhando, seja na busca por empregos. Entre 2003 e 2013 a PEA foi equivalente em média a 57% da PIA, proporção que hoje se reduziu para pouco menos de 56%.

Parece uma queda pequena, mas não é. Caso a PEA em agosto deste ano atingisse a mesma proporção registrada um ano antes, o total de pessoas engajadas no mercado de trabalho seria algo da ordem de 24,8 milhões; na prática, porém, apenas 24,3 milhões de pessoas participavam dele, uma diferença de quase 500 mil pessoas.

Vista por outra ótica, entre agosto de 2013 e agosto de 2014 a força de trabalho encolheu em 160 mil pessoas, quase o dobro da queda do emprego no período. É este desenvolvimento que explica a redução do desemprego apesar da produção e do emprego estagnados.

Não é claro o que causou este fenômeno. Ele parece mais pronunciado na faixa etária de 18 a 24 anos e pode resultar tanto da busca por maior qualificação por parte dos jovens (que teriam se afastado do mercado para estudar), como do aumento da “geração nem-nem” (nem trabalha, nem estuda). Muita gente boa tem queimado as pestanas para entender o que ocorre.

Embora o debate sobre as origens do fenômeno seja de interesse por si só, prefiro destacar aqui uma conclusão que me parece pouco notada. Se há menos gente disposta a trabalhar (por bons ou maus motivos), nossa própria capacidade produtiva deve ser menor do que imaginávamos.

Em números, com a produtividade crescendo ao redor de 0,7% ao ano, enquanto a força de trabalho encolhe em magnitude parecida, nossa capacidade atual de crescimento não deve ser muito diferente de zero. Isto, contudo, não deve ser persistente, já que em algum momento a força de trabalho voltará a crescer em linha com a população.


Ainda assim, este desenvolvimento parece explicar a resistência da inflação mesmo em face do baixíssimo crescimento deste ano, o que ajuda a esclarecer mais uma aparente anormalidade brasileira. Trata-se apenas de mais uma das contas que pagamos pelo descaso com a produtividade em nome da “nova matriz macroeconômica”, cuja obsessão com a expansão do consumo e com o microgerenciamento da economia minou as bases do crescimento sustentado.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Crimes economicos do lulo-petismo, e o gancho Mantega para o colunista Alexandre Schwartsman

Já prometi aqui escrever sobre os crimes econômicos do lulo-petismo, e na verdade já comecei por um dos maiores, quando a ocasião se ofereceu, ao lere uma matéria sobre o desastre que foi, e está sendo, o Fundo Soberano do Brasil, com imensas perdas para o país.
Prometo voltar ao assunto, pois tenho documentação sobre cada um, e eles são muitos e variados, dos crimes que desviaram bilhões do PIB brasileiro.
Atenção: não estou falando em crimes comuns, tipo fraude, roubo, desvio de dinheiro por métodos criminosos, enfim, tudo aquilo que se enquadra no Código Penal, e eles são incontáveis. Não sendo criminalista, nem penalista, sequer formado em direito, não tenho competência para me ocupar de crimes comuns, embora reconheça a existência de infinitos, na gestão companheira. Esses crimes comuns, por perversos que seja, por mais recursos que tenham desviado das contas nacionais -- na verdade, dos nossos bolsos -- devem ficar na esfera criminal, e não vou me ocupar deles.
Quando falo de crimes econômicos, quero me referir a todas as ações de políticas econômicas, conscientes ou não, voluntárias ou não -- e devemos também considerar que os companheiros são sumamente incompetentes, em qualquer coisa que empreendem -- estou falando de decisões perfeitamente legais (embora algumas estejam no limite da constitucionalidade, como o próprio Fundo Soberano, por exemplo) mas que causaram imensas perdas para o país.
E quando falo de PERDAS, não estou falando só do dinheiro atirado fora, em ações inconsequentes, mas estou falando também daquilo que os economistas chamam de custo-oportunidade, ou seja, todo o rendimento de um investimento alternativo que poderia ter sido feito com a decisão certa.
Mas, o artigo abaixo do meu colega Alexandre Schwartsman me permite relembrar alguns desses crimes econômicos. Onde ele vê sugestões para artigos, eu vejo lembranças para a minha série de crimes econômicos. Já tenho uma lista, e vou conferir para ver se esqueci algum.
Por enquanto fiquem com este artigo do Schwartsman, que também é um agradecimento aos que o apoiaram no caso insano da queixa-crime do bolivariano BC do Brasil.
Só num país fascista essas coisas poderiam acontecer: processo por opinião...
Paulo Roberto de Almeida

Fica, Guido!
Coluna: Alexandre Schwartsman
 Folha de S. Paulo, 10/09/2014

Para colunistas econômicos à busca de temas, presença de Mantega é uma garantia contra bloqueios criativos.

Alexandre Schwartsman, 51, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper. Escreve às quartas nesta coluna.

Passei o fim de semana desnorteado. A presidente antecipou a demissão do ministro da Fazenda, que agora que desfruta da inédita condição de ex-ministro em atividade, com consequências funestas para a temperatura de seu cafezinho (pelo que me lembro, o café da Fazenda já era particularmente abominável; frio então...), assim como para qualquer iniciativa que ainda pretenda tomar no campo da política econômica.
Funestas serão também as implicações para minha vida de colunista. Desde que aceitei o convite para escrever uma vez por semana neste espaço, sempre me angustiei com o tema da coluna. Suores frios, insônia, o tique-taque implacável, o cursor piscando na tela em branco... Nestas horas, porém, sempre pude contar com a contribuição inestimável de Guido Mantega: quase toda semana ele me ofereceu, de forma mais que graciosa, ideias para meus artigos, ideias que, francamente, minha parca imaginação jamais atingiria.
O desmantelamento do tripé macroeconômico, por exemplo, rendeu dezenas de colunas. A possibilidade de avaliar a tal da "nova matriz macroeconômica", em particular prever seu fracasso com anos de antecedência (não estou me gabando: qualquer bom aluno de graduação chegaria às mesmas conclusões), foi imprescindível para o enorme sucesso desta coluna entre todos os meus 18 leitores.
Não foram poucas também as chances de detalhar as várias instâncias de contabilidade criativa: o fundo soberano, os empréstimos para o BNDES, a contabilização da venda de ações da Petrobras em troca de direitos de exploração de petróleo como receita da União e, mais recentemente, a "pedalada", entre tantos outros. Cada uma destas foi objeto de mais de um artigo e, para ser sincero, este veio ainda não se esgotou.
Isso sem contar as oportunidades únicas de comparação de declarações ministeriais prestadas em momentos distintos e geralmente contraditórias. No dia 30 de maio deste ano, por exemplo, ao comentar o pibículo do primeiro trimestre, o ministro disse que "a Copa do Mundo deve ajudar a melhorar a economia do país, e que o resultado do PIB no segundo trimestre provavelmente será melhor que no primeiro".
Confrontado, porém, com a queda do PIB no segundo trimestre e a revisão para baixo do desempenho no primeiro, "o ministro culpou o cenário internacional, a seca (...) e a redução de dias úteis em razão da Copa pelo resultado negativo da economia brasileira". Por outro lado, segundo ele, não devemos nos preocupar, pois "provavelmente vai chover muito em 2015"...
Desconfio ter me empolgado, mas, pelos exemplos acima deve ficar claro que a presença de Guido Mantega no Ministério da Fazenda é garantia contra bloqueios criativos, pelo menos no caso de colunistas econômicos à busca de temas. Não é outro o motivo da minha preocupação com a crônica da demissão anunciada.
Ao contrário da revista " The Economist", que tempos atrás pediu de forma irônica a permanência do ministro, apelando à psicologia reversa, eu sou franco em meu apelo, ainda mais porque se trata, como se viu, de matéria do meu mais profundo interesse.
Acredito, inclusive, que seria caso de mantê-lo como ministro qualquer que seja o resultado da eleição. Não é que eu deseje o mal do país, mas poderíamos deixá-lo na mesma posição que hoje ocupa, isto é, sem qualquer relevância para a formulação ou execução da política econômica; apenas para nosso entretenimento.
Agradecimento
Aproveito o espaço para agradecer às muitas expressões de apoio e solidariedade referentes à tentativa frustrada do Banco Central em abrir queixa-crime contra mim por críticas à política adotada pela instituição, refletida na taxa de inflação acima da meta bem como acima do intervalo de dois pontos percentuais ao seu redor.
Tivesse mais do que os cerca de 3.800 caracteres desta coluna, agradeceria a cada um pessoalmente; na impossibilidade, manifesto aqui minha gratidão a todos.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Pibiculo: o nao-crescimento ridiculo da economia companheira - Alexandre Schwartsman

Pibículo captura extraordinariamente bem a essência -- se esse termo não estiver sendo usado indevidamente -- dos resultados da política econômica companheira, que pode ser assim resumida, segundo Alexandre Schwartsman: "crescimento medíocre, inflação em alta, desequilíbrio externo, queda do investimento e desarrumação geral da economia".
Fiquem com o artigo.
Paulo Roberto de Almeida 

Pibículo
Alexandre Schwartsman
Folha de São Paulo, 4/6/2014

Ouvi (na verdade li) essa expressão de uma amiga e na hora me encantei. Não usamos tanto essa forma de diminutivo (preferimos o “inho”, para diversão dos vizinhos latino-americanos; às vezes o “ito” ou ainda o “ico”), mas, assim como “corpúsculo”, “pedúnculo” e “homúnculo”, “pibículo” captura perfeitamente a dimensão diminuta, não só do ocorrido no primeiro trimestre mas principalmente do que nos espera à frente.
De fato, a expansão de apenas 0,2% na comparação com o final de 2013 (já corrigida a sazonalidade) é reveladora da nossa fraqueza. Mesmo com a revisão para cima do aumento do PIB no ano passado (de 2,3% para 2,5%), pela incorporação de medidas mais atualizadas da produção industrial, o que se observa é a virtual estagnação do país nos últimos nove meses, quando o crescimento médio ficou em 0,1% ao trimestre.
Em que pese a perda de fôlego do consumo das famílias no começo deste ano, o “pibículo” no período mais recente não pode ser atribuído apenas a esse fenômeno, mas, principalmente, ao desempenho lastimável do investimento. Segundo os dados agora revisados, registramos a terceira queda consecutiva da formação de capital, que acumula redução de mais de 5% desde o segundo trimestre do ano passado.
Trata-se de um problema crucial. Em parte porque, no curto prazo, o investimento é um dos elementos cruciais para a determinação do ritmo de expansão da demanda interna; as consequências mais sérias, porém, dizem respeito à nossa capacidade de crescimento de longo prazo.
Medido como proporção do PIB, o investimento, que já não era particularmente brilhante, vem caindo de forma consistente: havia atingido o pico de 19,5% do PIB ao final de 2010 e agora marca 18,1% do PIB nos últimos quatro trimestres. Essa redução implica menor capacidade de crescimento à frente, um impacto negativo da ordem de 0,5% ao ano.
Em que pese a perda de fôlego do consumo das famílias no começo deste ano, o ‘pibículo’ no período mais recente não pode ser atribuído apenas a esse fenômeno, mas, principalmente, ao desempenho lastimável do investimento
Em contraste, o consumo do governo ultrapassou 22% do PIB no período, o nível mais elevado da série histórica iniciada em 1995, consolidando o Brasil como um dos poucos países em que essa grandeza supera o próprio investimento.
Não por acaso, a poupança doméstica atingiu novos recordes de queda, levando a um novo milagre às avessas: apesar do baixo investimento, o deficit externo aumentou, alcançando seu maior valor desde 2001.
Por outro lado, a divulgação do PIB permite novas estimativas da expansão da produtividade do trabalho. Ignorando as flutuações cíclicas dessa medida, chegamos a um número inferior a 1% ao ano (0,8% ao ano, caso queiram saber), também o mais baixo dos últimos 11 anos.
Isso dito, se o passado não nos traz motivo de orgulho, tampouco o faz o futuro imediato. À luz do resultado do primeiro trimestre, assim como indicações de fraqueza nos dados já disponíveis para o segundo trimestre, fica claro que mesmo uma expansão do PIB na casa de 1,5% para este ano, como sugerido pela pesquisa Focus, do BC, parece improvável, pois requereria uma aceleração notável na segunda metade do ano.
Tudo indica que nos encaminhamos para um número mais perto de 1% do que 1,5% em 2014. Se confirmado, o crescimento médio do PIB no governo Dilma ficaria em 1,8% ao ano, o pior desempenho desde a estabilização da economia.
Eis o resultado da “nova matriz econômica”, anunciada com fanfarra há alguns anos, e hoje pouco defendida, seja pelo governo, seja pelos nossos “keynesianos de quermesse”: crescimento medíocre, inflação em alta, desequilíbrio externo, queda do investimento e desarrumação geral da economia.
Pensando bem, meu encantamento pelo “pibículo” vai além do diminutivo pouco usual, ainda que preciso; rima com “ridículo”, esta sim uma expressão que define bem o desempenho do país nos últimos anos, assim como o modelo de política econômica adotada no período, além, é claro, de descrever exatamente o que penso dos formuladores e defensores dessa política.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

GloboNews Painel: economistas debatem beneficios sociais, com 60 milhoes de dependentes

GloboNews Painel

Convidados debatem situação das contas públicas com aumento dos gastos sociais



Alexandre Schwartsman (economista, professor do Insper), Roberto Macedo (economista, professor da FAAP) e Carlos Melo (cientista político, professor do Insper) debatem, com William Waack, o pagamento de benefícios sociais a uma imensa fração da população brasileira, com mais ou menos 60 milhões de pessoas na "folha de pagamentos" do governo, incluindo aposentados e dependentes do Bolsa Família, o que levanta a questão da sustentabilidade das contas públicas.
O Brasil, por uma Constituição esquizofrênica, e pela crença da maioria dos brasileiros, está se condenando à inviabilidade econômica, na medida em que a extração de recursos da sociedade pelo Estado tornam o crescimento econômico uma tarefa inviável.
Paulo Roberto de Almeida 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Economia brasileira: saudades de 2014 - Alexandre Schwartsman

Saudades de 2014
Estima-se que o “pacote do desconforto eleitoral” anunciado pela presidente na semana passada custe algo entre R$ 8,5 bilhões e R$ 9 bilhões em 2015.
Trata-se, é claro, de sinal de irresponsabilidade fiscal, mas, medido relativamente ao valor esperado do produto para o ano que vem, é algo como 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto). Ruim, mas dificilmente a gota d’água que faria transbordar o pote até aqui de mágoa em que se transformaram as contas fiscais brasileiras.
É, na verdade, café pequeno perto dos desafios que esperam qualquer um que se sente na cadeira presidencial no dia 1º de janeiro de 2015.
Para começar, o valor real do superávit primário do país – deduzidas a contabilidade criativa, receitas não recorrentes etc.- não deve alcançar 1% do PIB em 2014, provavelmente bem menos.
Idealmente deveríamos retornar aos patamares que vigoravam antes de 2009, em torno de 3% do PIB, mas não é necessário muito esforço para perceber que se trata de uma impossibilidade tanto política quanto econômica, em face da já conhecida rigidez do Orçamento nacional e das regras de reajuste de salário mínimo.
Há, em segundo lugar, a questão a cada dia mais premente da inflação reprimida. Preços de combustíveis, energia, transportes urbanos, para ficar apenas nos mais visíveis, terão que ser corrigidos a partir de 2015. Resta saber se à vista (conforme recomendado) ou em suaves prestações (no caso colaborando para manter as expectativas inflacionárias devidamente inflamadas), mas não há como escapar dos reajustes sob pena de agravamento das condições financeiras nada confortáveis da Petrobras, bem como das distribuidoras de energia.
O tamanho do esforço requerido para recuperar a estabilidade e nossa capacidade de crescimento sustentável é proporcional ao peso da verdadeira herança maldita, resultado de anos de políticas econômicas equivocadas
E, apesar da repressão dos preços administrados, a inflação corre sério risco de ultrapassar o teto da meta no fechamento de 2014, o que provavelmente forçará o Banco Central (constrangido, claro) a retomar o processo de aperto monetário que, por ora, ameaça interromper sob a argumentação de que… Bom, na verdade, sem argumentação alguma, além do fato óbvio de ser ele quem determina as taxas de juros de curto prazo.
Por fim, a se materializar o cenário em que o Federal Reserve começaria a elevar a taxa de juros em algum momento de 2015, o BC também teria que abrir mão da maciça intervenção sobre a taxa de câmbio e permitir que esta se ajuste a condições internacionais bastante distantes das que vigoraram até há pouco.
Note-se que os itens dessa agenda dizem respeito apenas à questão da recuperação da estabilidade perdida, isto é, trazer a inflação de volta à meta em prazo razoável, eliminar os demais desequilíbrios macroeconômicos e corrigir as imensas barbeiragens setoriais cometidas nos últimos anos.
Há, além dessa, uma agenda adicional, com foco em questões como produtividade, liberalização, redução de entraves burocráticos, avanço na infraestrutura etc., sem a qual continuaremos limitados ao crescimento medíocre, na casa de 2% ao ano, observado recentemente.
O tamanho do esforço requerido para recuperar a estabilidade e nossa capacidade de crescimento sustentável é proporcional ao peso da verdadeira herança maldita, resultado de anos de políticas econômicas equivocadas, cujos efeitos transparecem no crescimento irrisório, inflação persistentemente acima da meta (4,5%, não 6,5%!), desequilíbrios crescentes das contas externas, desarrumação do setor energético, baixo investimento e as demais (in)consequências do experimento heterodoxo a que o país foi submetido.
Quem fizer a coisa certa ainda terá que conviver inicialmente com inflação alta e crescimento baixo, preparando o terreno para recuperação da estabilidade e do crescimento à frente. Caso, porém, não seja feita, o tamanho da conta continuará a crescer, como faz ininterruptamente desde 2010.
Tudo indica que 2015 será um ano que dará saudades de 2014; mas que seja por bons motivos, senão em 2016 nossa saudade será ainda maior.
Fonte: Folha de São Paulo, 7/5/2014 

SOBRE ALEXANDRE SCHWARTSMAN


Alexandre Schwartsman

Colunista fixo do site da Folha de São Paulo, “Folha Press”, Alexandre Schwartsman foi economista-chefe do grupo Santander Brasil e diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) durante o governo Lula. Schwartsman formou-se em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em economia pela Universidade de São Paulo (USP). Cursou doutorado em economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Em sua carreira também constam passagens pelo Unibanco e pelo Bankers’Association (BBA).

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Inflacao: a teoria, os fatos, e os inventores fantasistas - Alexandre Schwartsman

Desde abril de 2013 o BC elevou a taxa Selic de 7,25% para 10,75% ao ano, mas a inflação permanece alta e há receio que possa, inclusive, ultrapassar o máximo permitido (6,5%) ao final deste ano. Em face disto há quem se pergunte se teria havido algum enfraquecimento recente dos mecanismos de transmissão de política monetária, pois no passado uma variação semelhante da Selic foi efetiva para reduzir a inflação.

Neste sentido, o artigo de Yoshiaki Nakano (“Juro alto não derruba a inflação”, Valor Econômico, 18/03/2014) se revela uma contribuição inestimável. Não, é bom deixar claro, por resolver o problema, mas porque é difícil conceber uma coluna que cometa tantos equívocos em tão pouco espaço. São estas atrocidades que, por seu caráter didático, nos permitem iluminar algumas das dificuldades hoje enfrentadas pelo BC.

A principal atrocidade é sua afirmação sobre a ineficácia da política monetária. Segundo Nakano, a causa da desinflação observada entre 2004 e 2006 teria sido apenas a apreciação cambial.

Por outro lado defende que o único critério de verdade é a correspondência da teoria com a realidade, o que nos oferece uma oportunidade reveladora de ver como a teoria que ele critica se comporta na prática.



Assim sendo, o convido a examinar o gráfico aqui exposto, que mostra forte relação negativa entre a taxa real de juros e a inflação, com defasagem de 18 meses. Em linguagem de gente, taxas de juros mais altas estão associadas a inflação futura mais baixa e vice-versa.


 Vale notar que usamos o “núcleo” de inflação, ou seja, uma medida não afetada por preços de alimentos ou pelos preços administrados (muito embora a relação permaneça válida caso usemos a inflação “cheia”). A vantagem desta medida é retirar, a priori, possíveis fontes dos “choques de oferta” que tanto o preocupam (exceto, é claro, quando o governo reduz tarifas de energia ou ônibus e controla os preços dos combustíveis, mascarando a verdadeira inflação).

Esta evidência sobrevive também a testes mais sofisticados, sugerindo que as “versões enviesadas” da teoria que Nakano menciona parecem se corresponder com a realidade muito melhor do que ele imagina. Tão bem, aliás, que oferecem uma pista valiosa para a solução da aparente ineficácia recente.

Com efeito, diz a teoria (e a evidência) que o nívelda inflação depende donível da taxa real de juros. Não há, pois, razão para esperar que um aumento da taxa de juros de 2% para 5% a.a. tenha o mesmo efeito sobre a inflação que a elevação de, digamos, 5% para 8% a.a., ainda que a variação (3 pontos percentuais) seja a mesma, fenômeno devidamente esquecido pelo articulista. Simplesmente a inflação que decorre de juro real de 5% a.a. é mais alta do que a resultante de juro real de 8% a.a.

Deve também ter sido por esquecimento (ou desconhecimento de como operava nosso regime de metas) que Nakano apresenta como “novidade” a ideia de basear as decisões de taxa de juros nas projeções de inflação e não na inflação passada. Como se o BC não fizesse menção às suas previsões de inflação a cada ata, nem publicasse trimestralmente seus valores numéricos (e intervalos de confiança!), projeções que, em outros tempos, eram o principal norte da política monetária.

Já a proposta de ter como meta apenas a inflação de preços livres, descartando os administrados, parece ignorar que os primeiros têm superado os últimos desde 2010. Caso seguisse a sugestão de Nakano, a política monetária teria que ser mais apertada do que foi, certamente não o que ele tinha em mente ao formular a proposta.

Chega a ser surpreendente que, num debate importante como o que hoje se trava, haja intervenções que se revelam primárias no entendimento tanto da teoria como dos fatos que circundam a operação do regime de metas no país. Nada contra palpiteiros, mas um tanto de estudo antes me parece absolutamente essencial.

Eppur si muove...

(Publicado 26/Mar/2014)

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Economicidios: se trata da politica economica companheira - Alexandre Schwartsman

CIFRAS & LETRAS
ENTREVISTA - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Controle de preços e o abandono de iniciativas de reformas estão entre os principais erros na condução do país, afirma ex-diretor do BC
MARIANA CARNEIRODE SÃO PAULO
Nos últimos anos, foram cometidos no Brasil "economicídios", na avaliação dos economistas Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman.
Autores do livro "Complacência" (Campus Elsevier), que será lançado na próxima terça-feira, os dois afirmam que o governo vem incorrendo em alguns "macrocídios" e "microcídios" desde 2011.
O termo, tomado emprestado do argentino Miguel Bein, é usado pelos autores para classificar decisões como o controle dos preços dos combustíveis contra a inflação, a redução das tarifas de energia no ano passado e, sobretudo, o abandono de iniciativas para reformar o país.
Isso relegou o país ao baixo crescimento econômico, que, dizem, não é resultado de um fenômeno passageiro.
Nesta entrevista, Schwartsman, que é colunista da Folha, diz que a inspiração do livro é o inconformismo com a leitura corrente do "se há emprego, está tudo bem".

Folha - Por que crescer pouco é um problema se estamos hoje em pleno emprego e existe uma certa satisfação das pessoas com a economia?
Alexandre Schwartsman - Essa sensação do "já que estamos em pleno emprego, não temos com o que se preocupar" foi resumida em uma frase extraordinariamente cretina da [economista] Maria da Conceição Tavares, de que a gente "não come PIB".
O bem-estar da população não depende só do emprego, as pessoas não querem só estar empregadas. Elas querem ter um padrão de vida melhor, e o Brasil não é um país rico. Nossa renda per capita é uma renda média.
Como a gente crescia num ritmo de 4%, 4,5% ao ano, o crescimento da renda per capita sugeria que a gente dobraria o padrão de vida em uma geração [25 anos]. No ritmo que estamos hoje, vamos precisar de 60/70 anos. Isso não é razoável.
O contentamento com o pleno emprego e com o "não precisamos mais nos preocupar em crescer tão rápido" é ser complacente. Isso é o cerne do nosso livro. Significa que nós deveríamos estar satisfeitos com o atual estado das coisas.
Pode-se até usar esse argumento para reeleger a presidente, mas ficar realmente satisfeito é complicado.


Folha - Depois de uma fase de crescimento mais acelerado, não era de esperar uma moderação do crescimento?
AS - Alguma desaceleração. Mas o fato é que nossa capacidade de crescimento caiu para algo como 2% ao ano. Essa desaceleração não é cíclica.
Na realidade, a desaceleração está mostrando que o ciclo de expansão que tivemos entre 2004 e 2010 foi muito positivo, mas insustentável.
A gente conseguiu crescer fundamentalmente botando mais gente para trabalhar, e não fazendo com que cada um produzisse mais.
Significa que a gente conseguiu crescer porque trouxemos a taxa de desemprego de níveis elevados, 12%, 13%, para 5%. Esse fenômeno é muito positivo, mas sugere que não é sustentável. Não se pode seguir reduzindo o desemprego indefinidamente.
A partir daí, os estrangulamentos começaram a aparecer. Não há mão de obra qualificada, nossa infraestrutura é um gargalo importante, o investimento é baixo.


Folha - Qual o risco de não elevar a produtividade neste momento?
AS - A gente vai continuar crescendo 2% e, daqui a duas gerações, o padrão de vida vai melhorar. Mas antes começam os problemas: teremos um problema previdenciário, êxodo de gente para outros países. Para sustentar as demandas sociais que estão vindo, a gente precisa crescer muito mais do que isso. Como vai crescer a felicidade geral bruta da nação?


Folha - Existe hoje um consenso de que é preciso fazer reformas?
AS - Concretamente, a gente vê alguma iniciativa de endereçar gargalos na questão tributária? Zero. Todas as ações do governo, mesmo quando reduz o imposto, vão no sentido oposto, de complicar o sistema tributário.


Folha - Vocês falam de "macrocídio", sobre o que consideram um manejo errado da macroeconomia, e "microcídio", sobre a gestão da Petrobras. Quando esses erros começaram?
AS - Você tem um determinado regime de política econômica que prevaleceu até 2008, até a crise. E começou a mudar a partir daí. As mudanças que estão na origem dos problemas ocorrem a partir de 2011 e derivam de restrições para lidar com a inflação.

Folha - Por que estão segurando os preços da Petrobras?
AS -  Porque temem o impacto disso na inflação. Não tem outra justificativa para segurar o reajuste de combustíveis. E por que isso acontece? Porque a inflação está consistentemente perto do topo da banda [6,5%].
Se o Banco Central estivesse apontando para o centro da meta, haveria condições de absorver coisas como um aumento de gasolina.
Quando há problemas no controle da inflação é que se começa a recorrer a esse tipo de "microcídio", que é controlar os preços de combustíveis.


Folha - O livro é crítico à política econômica e ao PT. Como esperam ser recebidos neste ano de eleições?
AS - O livro saiu para contribuir para o debate, colocar uma visão crítica ao governo de hoje. Se fosse outro partido que estivesse fazendo as mesmas coisas, poderia receber as mesmas críticas. O livro reflete uma visão que compartilhamos sobre como uma economia deve se organizar, e não uma visão política.


Leia íntegra da entrevista


COMPLACÊNCIA
AUTORES Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman
EDITORA Campus Elsevier
QUANTO R$ 69,90 (255 págs.)

Fonte: Folha de S.Paulo


sábado, 29 de março de 2014

Heranca maldita dos companheiros: barbeiragens eletricas - Alexandre Schwartsman

“Hipocrisia”, dizia Oscar Wilde François de La Rochefoucauld (*), “é a homenagem que o vício presta à virtude”. E, se não lhe faltam homenagens no pacote de medidas para auxiliar o setor elétrico, a verdade é que a virtude propriamente dita não compareceu ao tributo.

É claro, pela formulação do pacote, que o governo não gostaria de ver inflação mais alta, nem de registrar deterioração adicional em suas contas fiscais, dois objetivos sem dúvida virtuosos. O problema, como de hábito, é que, por trás da aparente retidão, as medidas adotadas somente disfarçam os problemas (ou os empurram com a barriga), sem atacar nenhum de suas causas.

A redução a fórceps das tarifas de energia em 2013 e a seca deste ano produziram uma situação delicada no setor elétrico. Como as empresas distribuidoras de energia não conseguiram contratar 100% de suas necessidades no ano passado por conta da truculência governamental no trato com as geradoras, precisam agora comprar energia termoelétrica, mais cara, no mercado à vista, pois a seca não permite o pleno funcionamento das hidroelétricas.

Têm, assim, comprado energia por preço mais alto do que são autorizadas a vendê-la, replicando, em certa medida, a mesma situação pela qual passa a Petrobrás. Não há, porém, milagre de gestão que faça uma empresa, em qualquer ramo, ganhar dinheiro vendendo seu produto por um valor menor que custam seus insumos e as distribuidoras não são exceção à regra.

Note-se que esta situação já ocorria desde o ano passado, quando os níveis dos reservatórios ainda se encontravam em condição razoável. A seca agravou o problema, mas está longe de ser a única causa. Tanto é que já em 2013 o governo foi obrigado a desembolsar R$ 8 bilhões para ressarcir as empresas (outros R$ 4 bilhões vieram de fundos de reserva do setor, agora devidamente esvaziados).

Este aumento de custos precisaria ser repassado ao consumidor. Por menos que gostemos de pagar mais caro por alguma coisa, o funcionamento de qualquer mercado minimamente eficiente requer que preços reflitam custos (tanto quando sobem como quando caem) e isto também vale, aliás, crucialmente, no que se refere à energia.

Caso tivéssemos a inflação (e principalmente suas expectativas) sob controle, esta reação levaria a uma aceleração provavelmente temporária, que poderia ser absorvida pelo intervalo de dois pontos percentuais ao redor da meta. Como, porém, desafiando as melhores práticas, permitiu-se que o intervalo fosse usado para acomodar uma taxa de inflação persistentemente mais elevada, não há espaço para qualquer aumento de preços este ano.

Há também, sem dúvida, receios quanto aos danos políticos que poderiam resultar da elevação de tarifas num ano eleitoral, também presentes na decisão de não reajustar adequadamente os preços de combustíveis.

Assim o governo acena com aumentos apenas em 2015, sendo, pois forçado a auxiliar financeiramente as empresas já em 2014. No entanto, para evitar mostrar o dano em suas contas, decidiu aportar apenas R$ 4 bilhões (além dos R$ 9 bilhões já no orçamento) para este fim. Estima-se que R$ 8 bilhões adicionais seriam necessários, mas estes recursos seriam tomados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), um ente privado, de modo que os empréstimos não apareceriam nas contas do setor público.

Considerando, contudo, que o orçamento para 2013 da CCEE foi da ordem de R$ 150 milhões, parece claro que qualquer empréstimo à empresa ou virá de bancos públicos, ou será garantida pelo Tesouro (ou ambos). A contabilização do empréstimo fora do setor público é mera formalidade, que muda a aparência, mas não a natureza do subsídio.


Esta preocupação é louvável apenas pelo reconhecimento implícito da virtude; como toda instância de contabilidade criativa, porém, serve apenas para erodir a já escassa confiança em qualquer dado que provenha do governo.

(*) Obrigado Sergio Lamucci!

(Publicada 19/mar/2014)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Brasil dos companheiros: Recuando na economia - Alexandre Schwartsman

Imunes

Mencionei rapidamente em coluna recente um dado alarmante: a poupança nacional caiu de 14,6% para 13,9% do PIB entre 2012 e 2013. Mais alarmante, porém, é notar que essa tendência prevalece há alguns anos. Mesmo sem jamais ter atingido níveis particularmente elevados, a poupança, medida como proporção do PIB, caiu praticamente cinco pontos percentuais a partir de 2008, ou seja, um ponto percentual do PIB a cada ano, em média.
Parte dessa queda reflete o estímulo ao consumo das famílias, visto dentro do governo não só como um “motor” do crescimento mas provavelmente também como garantia de apoio político. A bem da verdade, as pessoas derivam satisfação do consumo; a produção, como bem expresso pela Bíblia (“com o suor do teu rosto comerás o teu pão” Gen. 3-19), é a contrapartida necessária, nem sempre bem-vinda, do consumo crescente. Entre 2008 e 2013, o consumo das famílias cresceu a uma taxa média de 4,2% ao ano; já o PIB, apenas 2,6% anuais, reduzindo em três pontos percentuais a taxa de poupança.
Por outro lado, o aumento do consumo do governo “roubou” cerca de dois pontos percentuais da taxa de poupança no período, sem, é claro, nenhuma contrapartida visível (ou mesmo invisível!) na qualidade dos serviços públicos.
Esses dois desenvolvimentos são a expressão mais clara do modelo de crescimento baseado no consumo. Seus limites, porém, também são óbvios. Como o investimento tem sido baixo, pouco inferior a 19% do PIB em média, a criação de capacidade foi modesta.
Some-se a isso a expansão medíocre (e em franca desaceleração da produtividade) e temos o quadro que hoje caracteriza a economia brasileira. Mesmo com crescimento médio que dificilmente superará 2% ao ano no atual mandato, há sinais consistentes de estresse sobre a capacidade produtiva.
A resistência da inflação –apesar de recursos cada vez menos disfarçados a controles de preços– é sintoma claro desse problema. Em que pesem flutuações de curto prazo, expectativas ainda sugerem que esta atingirá algo em torno de 6% neste ano, a despeito da elevação da Selic e das resistências em permitir tarifas públicas realistas.
A recusa em enfrentar os problemas apenas aumenta o custo futuro do ajuste
Já a redução expressiva do saldo da balança é a outra expressão concreta do estresse provocado pela discrepância entre a ênfase ao consumo, público e privado, e as dificuldades à expansão da produção.
E, antes que venham dizer que se trata de um problema associado às importações de petróleo, noto que: 1) mesmo descontando o efeito dessas importações, permanece a redução do saldo comercial; e (mais importante) 2) o aumento das importações de petróleo também reflete, em boa parte, o descompasso entre o consumo e a produção, apesar das promessas de autossuficiência energética divulgadas quando da descoberta das jazidas do pré-sal.
Ainda que esses desenvolvimentos estejam longe de caracterizar uma crise, cresce a percepção de que o atual conjunto de política econômica não poderá ser sustentado por muito mais tempo.
Entre os que compartilham esse diagnóstico, há quem acredite que a mudança de rumo tenha data marcada para 1º de janeiro de 2015, independentemente de quem seja eleito.
Permaneço cético. No cenário político mais provável (a reeleição), tanto as crenças profundamente enraizadas sobre as “virtudes” do atual modelo quanto os interesses econômicos encastelados nas proximidades do governo devem se manter como forças contrárias à mudança.
A tendência, portanto, é de aprofundamento do estresse nos próximos anos, até que o peso dos desequilíbrios acabe por tornar a mudança imperativa. Quando, porém, essa alteração ocorrer, as condições, quase que por definição, serão menos favoráveis que as prevalecentes hoje ou no futuro próximo.
A recusa em enfrentar os problemas apenas aumenta o custo futuro do ajuste. Vimos isso nos últimos anos –quando desperdiçamos nossas chances– e veremos de novo. Imunidade ao aprendizado acaba saindo caro.
Fonte: Folha de S. Paulo, 26/03/2014