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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Argentina atrasada inclusive nas tentativas de corrupcao: denuncia de achaque ilegal, Entre Rios

O que segue abaixo é minha carta de denúncia de três agentes da Policia Caminera do posto de San Jaime, província de Entre Rios, entre Paso de los Libres e Paraná, autoexplicativa, sem sequer necessitar do anexo, ilustrativo.
Esse tipo de achaque, muito rudimentar como diria alguém de quem queremos esquecer, pode ter ocorrido no Brasil muito tempo atrás, quando a Polícia Rodoviária Federal não estava organizada da forma profissional como é hoje. Até na corrupção, a Argentina parece ter parado no tempo.
Em todo caso, esse tipo de achaque já figura inclusive nos guias turísticos vendidos na própria Argentina, e no Brasil, para alertar os turistas justamente acerca de maneira vergonhosa de que se utilizam certos agentes da Gendarmeria Nacional para aumentar os seus rendimentos.
O único efeito dessa tentativa de "coima" foi ter feito me perder algum tempo num pequeno posto perdido na província de Entre Rios. Depois disso, passei a seguir o conselho de Carmen Lícia: apresentar sempre, com os documentos do carro, meu passaporte diplomático. Sou absolutamente contrário a esse tipo de "carteiraço", mas parece que neste caso é necessário.
Paulo Roberto de Almeida 
Santa Fé, 19 de janeiro de 2017


Denuncia de coima por la Policía Caminera de San Jaime, Entre Ríos

Paulo Roberto de Almeida
[Denuncia que presenta al órgano responsable por las infracciones]

Atención: ATER - Administradora Tributaria de Entre Ríos
Dirección: Urquiza 1101 (3100) Paraná
Departamento Automotor

            Muy señores míos,
Yo subscripto, Paulo Roberto de Almeida, diplomático de Brasil, en viaje de vacaciones por Argentina, ingresado en el territorio el lunes 17/01, por la frontera de Paso de los Libres, en mi auto personal, vengo denunciar una tentativa de coima por agentes de la Policía Caminera del puesto de San Jaime (Ruta 127, km 289), a las 11h41 del mismo día, bajo la alegación totalmente fraudulenta de no haber prendido las luces bajas, de conformidad a la regulación pertinente, cuando estas estaban prendidas.
El agente C. Batalla empezó la burla, pensando probablemente tratarse de un turista ingenuo, y me hizo parar el coche, para que se labrara la infracción. El acto fue concurrido por el agente Ariel Marzoratti, quien firma la Acta anexa a esta denuncia. También participó de la fraude el propio jefe del puesto, el agente Sergio Cáceres, y todos los tres se han recusado terminantemente a fornecer la evidencia de la infracción, según ellos registrada en video de la ruta, de hecho manifiestamente falso.
El jefe del puesto, sin presentar cualquier documento legal, inventó una presunta disposición legal exclusiva de la provincia de Entre Rios según la cual habría dos formas de pagar la infracción: (a) la totalidad en el Banco de la Nación; (b) por la mitad en dinero, directamente en el puesto. Yo le pregunté, de manera muy cortés, sobre el dispositivo legal donde figuraba esa forma poco usual de recoger un tributo, pero el agente Cáceres se recusó terminantemente a aclarar lo que era una mentira evidente.
Frente a lo dispuesto, le solicité que preparara la acta de infracción, y me retiré del puesto casi una hora después de ser retenido ilegalmente por la trinca de malos policías, ciertamente no representativos de la Gendarmería Nacional. Desde mi ingreso a la Argentina, me deparé con diversos controles viarios, todos muy corteses por donde pasé, con la excepción de este puesto. Verdad, que a recomendación de mi mujer, que me acompaña en el viaje, a todos, con excepción de San Jaime, presenté, junto a todos los documentos personales y del auto, mi pasaporte diplomático, lo que podrá haber transformado una o otra forma de abordaje.
Sea cual sea la disposición final de este caso, les comunico que NO PRETENDO pagar el montante de este cobro irregular, por considerarlo una coima vergonzosa, indigna de agentes policiales de la provincia de Entre Ríos. Mi dirección personal figura en la Acta, a que agrego al final de esta denuncia mi dirección profesional.
Les agradezco la atención, firma, atenciosamente,

Paulo Roberto de Almeida
Director del Instituto de Pesquisa de Relaciones Internacionales
IPRI – Fundación Alexandre de Gusmão – Ministerio de Relaciones Exteriores
Palacio Itamaraty, Brasilia, DF 70170-900 - Brasil
Tel.: (55.61) 2030-6957 - 99176-9412

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Argentina, segunda etapa: se voce acha o Brasil atrasado, deve ser porque ainda nao visitou a Argentina...

O Brasil, certamente, se atrasou muito durante todo o reino dos companheiros: além da Grande Destruição provocada pela inépcia, incúria, incompetência, teimosia, estupidez, ignorância e burrice do lulopetismo econômico (desculpem a abundância de epítetetos, mas eles merecem), tivemos aquilo que os economistas chamam de custo-oportunidade, ou seja, o que se deixou de fazer de bom, porque se apostou sempre em coisas erradas.
Ok, o Brasil se atrasou sob o regime inepto e corrupto dos companheiros, mas a Argentina simplesmente parou no tempo, não avançou minimamente, ou até recuou, e isso graças a peronistas, antiperonistas, liberais, protecionistas, democratas, autoritários, militares e civis, todos concorreram para a Argentina estacionar na máquina do tempo, ou até recuar em relação ao que ela tinha conseguido antes da segunda presidência Yrigoyen, quando era um dos países mais ricos do mundo.
Leiam, por exemplo, o que disse da Argentina cem anos atrás Rui Barbosa, que compareceu às comemorações do primeiro centenário da independência, em julho de 1916 -- eles acabam, suponho, de comemorar o bicentenário -- e que, como embaixador extraordinários e plenipotenciário às festividades, traçou um verdadeiro panegírico ditirâmbico (desculpem a redundância, mais uma vez) em honra aos progressos, à ordem, à civilização argentina, para ele, irretrocedível, se ouso inventar. Seu discurso, por ocasião da concessão de um doutorado Honoris Causa (um verdadeiro, não esses falsos como o chefão mafioso andou acumulando por aí) pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, em 14 de julho de 1916, encontra-se no opúsculo intitulado "Conceitos Modernos de Direito Internacional" (editado pela Fundação Casa Rui Barbosa, em 1983).
Os peronistas foram os lulopetistas avant la lettre, os corruptos com doutrina, os fascistas com convicção, enfim, tudo o que faltou aos nossos neobolcheviques tupiniquins, sem qualquer formação teórica, sem qualquer princípio, apenas roubo rústico, malversação das mais elementares, falcatruas elementares, corrupção aberta e deslavada, sem vergonha.
Viajando nesta terça-feira entre Uruguaiana e Santa-Fé, com uma parada em Paraná, constatamos, Carmen Lícia Palazzo e eu, como os argentinos e a Argentina pararam no tempo, como eles deixaram de avançar, como as coisas se estiolaram na mesmice, na pasmaceira, na modorra dos costumes imutáveis.

Atravessamos duas das regiões que deveriam ser  as mais ricas da Argentina: Misiones e Entre Rios, graneros do país, com imensos campos propícios ao reflorestamento, ao plantio de grãos, à manutenção de ganados imensos, e no entanto o que constatamos nas paradas foi o subdesenvolvimento em estado clássico, nada comparável ao "MidWest" brasileiro, ou seja, a região equivalente que seria o interior de São Paulo.
O Brasil, mesmo com a ignorância abissal dos companheiros, com todas as suas falcatruas em nível federal, estadual e municipal, não deixou de avançar naquilo que dependia não do governo, mas da própria sociedade: o agronegócio, por exemplo, avançou, e muitíssimo, graças ao tino empresarial e capitalista dos administradores de grandes fazendas comerciais, mais até do que os donos presumidos das terras, e outros setores, como na ampla gama de serviços, também puderam acompanhar alguns dos progressos feitos pelo mundo, mesmo com toda a sabotagem da Receita Federal, esse órgão fascista por excelência, que só vê o lado da arrecadação, não os seus efeitos deletérios sobre o emprego e a atividade econômica.
Na Argentina, desde que pusemos os pés (ou as rodas do carro) nas Aduanas de Paso de Los Libres, pudemos comprovar o peso da burocracia entravada, e que entrava os negócios e a produtividade dos negócios. Até para comprar alguns livros, em Santa Fé, pude sentir o peso da burocracia no registro dos preços, pois além de 1.000 pesos, é preciso tomar os dados do comprador, o que prolonga uma fila inútil no caixa da Livraria.
Como é possível prosperar quando todo o peso do Estado está em cima de cada empresário, de cada pequeno negociante, de cada cidadão?
Portanto, se você acha que o Brasil se atrasou -- e, de fato, ele perdeu muito sob os trezes anos de besteirol e de corrupção lulopetista -- você precisa fazer um tour pela Argentina, não pegar o avião e ir até Buenos Aires, mas passear pelo interior, para constatar a Argentina real, aquela que foi inviabilizada pelo peronismo, bagunçada sob os diversos regimes militares, e terminada de ser destruída sob o regime celerado dos Kirchners.
Memórias do subdesenvolvimento, como poderia dizer algum cineasta...
Paulo Roberto de Almeida
Santa Fé, 17 de janeiro de 2017

Los Argentinos: irrecuperaveis chauvinistas: de Puerto Iguazu a Paso de los Libres - PRAlmeida e CLPalazzo

Mais uma etapa de uma viagem de redescobrimento: percorrendo um longo, mas agradável trajeto entre a famosa tríplice fronteira e uma fronteira bilateral do rio Uruguai, nos deparamos com diversos exemplos da famosa piada sobre o melhor negócio do mundo, que seria, segundo alguns maldosos, comprar um argentino pelo seu valor real de mercado e vendê-lo pelo preço que eles acreditam valer...
Enfim, começamos a segunda-feira saindo de Foz de Iguaçu pela ponte Tancredo Neves, com uma parada no Free Shop argentino da fronteira para comprar um GPS com memória dos mapas do Mercosul, e seguimos pela Ruta Nacional 12, por algumas horas, sob barro e sob chuva, com alguns controles da Gendarmeria pelo caminho.
Paramos, premidos pela fome, no restaurante do Tio Otto, que tinha uma parede absolutamente repleta de latas de cerveja de todos os lugares do mundo, mas proclamando solenemente que a melhor cerveja do mundo era a artesanal de Puerto Rico.
Nunca soubemos que esse "associated state" do Império fabricava a melhor cerveja do mundo, até que descobrimos que o povoado no qual estávamos se chamava, justamente, Puerto Rico, no meio do caminho entre Iguazu e Posadas, no mapa do Google aqui reproduzido:

Assim fomos, numa velocidade compatível com nossa vontade de chegar logo em algum lugar, sem um planejamento prévio quanto a isso. Aliás, o plano era viajar via Corrientes, mas desistimos logo de partida, preferindo seguir encostado no Brasil.
A escolha foi então a de entrar novamente no Brasil para dormir em Uruguaiana, para algumas últimas providências bancárias e outras, do lado brasileiro, antes de penetrar nas terras incógnitas do neoliberalismo macriano.
Depois de desistirmos de atravessar na altura de Santo Tomé-São Borja, caminho que já tinhamos feito em 2009, decidimos fazer o caminho de Itaqui, a primeira e única República Soviética do Brasil.
Sim, pouca gente sabe que naquela tresloucada aventura de 1935 -- mais conhecida como Intentona Comunista, mal dirigida pelo inepto ex-"Cavaleiro da Esperança", o comandante positivista, pessimamente educado no marxismo, Luiz Carlos Prestes (e mais mal orientado ainda pelos ignorantes da III Internacional, o Komintern) --, um punhado de bravos comunistas da cidadezinha de Itaqui, nas barrancas do rio Uruguai, cumpriu rigorosamente as ordens do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (sim, o velho Partidão), e tomou o poder na prefeitura local. Não me lembro agora quantas horas durou esse "poder soviético", mas deve ter sido desbaratado sem muito esforço.
Infelizmente, quando chegamos a Alvear, a última balsa para Itaqui já tinha partido, assim que tivemos de continuar pelo lado argentino até Paso de los Libres, antes de atravessar a fronteira novamente e entrar em Uruguaiana.
No caminho, inevitáveis provas de que os argentinos são os melhores do mundo, e não apenas em matéria de futebol ou Vaticano, mas nessas coisas de produzir o que de melhor existe no mundo, em qualquer área ou setor.
Entre Misiones e Corrientes, inúmeros cartazes de estrada, separados, uns dizendo "Podrán imitarnos", e mais adiante, "Pero igualarnos jamás", ou algo do gênero.

Esta foto, de um caminhão de combustível proclamando o orgulho de ser argentino, confirma o chauvinismo, que deve servir para alguma coisa: compensar as perdas das últimas oito décadas talvez. Mais de um psicanalista argentino (a Argentina possui mais ou menos a metade de todos os psicanalistas de todo o mundo) já analisou esse estranho sentimento de ser argentino, com milhares de livros vendidos a esse respeito, como este aqui, por exemplo:

El atroz encanto de ser argentinos | Marcos Aguinis

Mas vamos descobrir mais a partir de amanhã...
Paulo Roberto de Almeida
com Carmen Lícia Palazzo

domingo, 15 de janeiro de 2017

Argentina: uma viagem de re-observacao - Paulo Roberto de Almeida e Carmen Lícia Palazzo

Já fiz o anúncio da viagem, e do roteiro, nesta postagem:
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/01/em-viagem-de-carro-para-argentina-e.html
Quando digo que é de re-observação é porque já tentamos fazer a mesma viagem sete anos atrás e tivemos de voltar para trás, por falta de gasolina: eram os tempos daquele casal adepto do populismo econômico, os K, que tinham congelado várias tarifas, inclusive eletricidade e, no nosso caso, gasolina.
As consequências de quaisquer intervenções de governantes malucos na economia são sempre as mesmas: distorcem os preços relativos e causam penúrias imediatas nos mercados respectivos. Ou seja, não apenas faltou energia elétrica -- e quando estávamos em Buenos Aires ocorreram vários apagões, que afetaram inclusive hospitais, e aquela viúva maluca foi à televisão pedir pelo amor de Deus aos argentinos não usarem o ar condicionado, num verão de 40 graus -- como sobretudo faltou gasolina, o que nos impossibilitou de seguir adiante.
Desta vez parece que agora vai.
O trajeto até aqui foi tranquilo, a despeito do calor.
Primeira etapa, apenas uma curta esticada de 400 kms de Brasília a Uberlândia, como expliquei na postagem acima.
Segunda etapa, essa que vai acima, atravessando o território paulista, do sul de Minas ao Norte do Paraná. Interiorzão de São Paulo com tarifas de pedágios razoáveis, na faixa de R$ 4,80 na maior parte dos casos. Lamento que não exista um transponder utilizável em vários estados, como nos EUA, com o usuário pagando no seu cartão apenas as passagens efetivamente cruzadas, pois os automáticos em serviço requerem uma assinatura fixa, que não compensa passagens aleatórias como as nossas.
Terceira etapa, já em território paranaense, começou com surpresas: pedágios na altura de R$ 18 ou R$ 21, extorsivos, na suposição de que seja para trajetos mais longos, mas isso deve certamente prejudicar os usuários de curta distância.
Trajeto todo feito em território paranaense, desde Cornélio Procópio (que preciso verificar quem foi, na Wikipedia), como ilustrado no mapa do Google:
Agora em Foz do Iguaçu, aproveitamos para descansar um pouco, visitar uma mesquita nas proximidades do hotel, e preparar a entrada no território de los hermanos, nesta segunda-feira. Ficamos pela segunda vez no Hotel Bela Itália, uma boa opção indo para o centro, antes de tomar o caminho da Argentina, na ponte Tancredo Neves. Falta só comprar repelente, para evitar os mosquitos argentinos, que devem ser mais agressivos do que os brasileiros, sobretudo se forem peronistas...
De Foz a Corrientes são, pela contagem do Google Maps, 625 kms, o que supostamente daria para fazer em sete ou oito horas de viagem, dependendo de quanto tempo se leva no controle alfandegário.
Adelante...




quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Brazil, Argentina and non-proleferation efforts around the word.


Brazil, Argentina, and the Politics of Global Nonproliferation and Nuclear Safeguards
Togzhan Kassenova
Proeferation News, December 1, 2016

Brazil and Argentina influence and are influenced by the global trends in nuclear nonproliferation and nuclear safeguards. This article describes the evolving trends in the global nonproliferation regime, reflects on international nuclear safeguards, and explains how these trends relate to unique challenges and opportunities facing Brazil, Argentina, and ABACC.



As possessors of advanced nuclear technology, Brazil and Argentina bear special responsibility for helping the international community and neighbors in their region feel confident that their nuclear programs are peaceful, secure, and safe.

See the report, in this link.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Divida Externa: relembrando o calote da Argentina em 2001

Argentina declara moratória em 2001 e dá o maior calote da História, de US$ 102 bi
Em meio a suspensão do pagamento da dívida externa, confiscos, saques e violentos protestos de rua, colapso econômico fez país perder 20% do PIB em apenas quatro anos

Fonte: Acervo O Globo

Após uma década de estabilidade e aparente prosperidade alcançadas com o câmbio artificialmente fixo, a Argentina declarou moratória em dezembro de 2001. Era o sinal mais evidente de que a lei da conversibilidade, de 1991, do governo de Carlos Menem, estava ruindo. Instituída pelo Plano Cavallo (elaborado pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, para deter a inflação), a paridade dólar-peso — cada peso respaldado por um dólar — estava com os dias contados. A dívida externa do país, pública e privada, havia disparado: de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 146 bilhões dez anos depois, segundo o instituto Indec. Acumulando déficits externos, com exportações insuficientes para honrar seus compromissos e parcas reservas cambiais (despencaram para US$ 16 bilhões), o país quebrou.

Abalado por uma grave crise econômica e social, o governo argentino anunciou às vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro de 2001, a suspensão por tempo indeterminado do pagamento da dívida externa. A decisão foi tomada pelo novo presidente, Adolfo Rodríguez Saá, do Partido Justicialista (PJ, peronista), escolhido pelo Congresso. O calote da dívida externa pública superava US$ 102 bilhões, o maior da História. O cálculo contabilizava US$ 82 bilhões envolvidos na moratória, além dos juros somados ao principal. Sem conseguir novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina, ao declarar moratória, entrava em rota de colisão com seus credores e o mercado financeiro mundial.

O embate iniciado em 2001 com os credores da dívida externa — renegociada só em 2005 no governo de Néstor Kirchner (sucessor de Eduardo Duhalde) — afeta até hoje a credibilidade do país. Na reestruturação da dívida na gestão Kirchner, o governo acertou pagar só 25% do devido aos banqueiros e fundos internacionais. Não é à toa que, nos últimos anos, o governo argentino se viu em dificuldades para voltar a obter financiamentos externos e estimular a sua economia. O calote também acabou respingando em seus parceiros comerciais no MERCOSUL, como o Brasil.

Após a renúncia do presidente Fernando De la Rúa, e a passagem relâmpago pela Casa Rosada de Ramón Puerta, presidente do Senado, Rodríguez Saá representava a volta do peronismo após dois anos afastado do poder. No dia de sua posse, ele anunciou um pacote de medidas, incluindo a emissão de títulos públicos — o que, na prática, significava a criação de uma terceira moeda (não conversível ao peso e ao dólar). Com isso, também fazia uma desvalorização cambial disfarçada, ao emitir títulos públicos para pagar servidores e impostos. Também anunciou a venda de carros e aviões oficiais, a eliminação de ministérios e o confisco parcial, impedindo o argentino de retirar depósitos bancários a prazo fixo e outros tipos de aplicações. Permitia sacar apenas 250 pesos por semana.

Diante de uma taxa de desemprego que chegava a 18,3%, o pacote, na área social, além de limitar o salário de servidores, previa a criação de 1 milhão de vagas. Após sucessivas greves dos sindicatos, onda de saques a supermercados e protestos de rua, o governo também anunciou a distribuição de alimentos à população. E o Congresso convocou eleições presidenciais para o ano seguinte. Em quatro anos, entre 1998 e 2002, período chamado de “Tragédia Argentina”, o país perdeu 20% do PIB e a renda per capita encolheu em dólares 68%. Em janeiro de 2002, em meio ao colapso econômico, a confusão institucional levou o país a ter cinco presidentes, em apenas duas semanas. Durante os protestos de rua contra o governo, o país registrou mortes e dezenas de pessoas ficaram feridas.

A moratória anunciada pela Argentina em 2001 foi um novo capítulo da história da suspensão do pagamento da dívida externa dos países emergentes, especialmente os da América Latina. Após o salto dos juros nos Estados Unidos, até a metade dos anos 80, a chamada década perdida, a dívida das nações emergentes havia aumentado de US$ 500 bilhões para US$ 800 bilhões, segundo o FMI. A partir dos anos 80, a crise da dívida se alastrou nos países latino-americanos. Em 1983, o México pediu moratória. Também tiveram de renegociar as suas dívidas Chile, Cuba, Honduras e Venezuela. Já o Equador pediu moratória em 1999.

No caso do Brasil, em fevereiro de 1987, no governo Sarney, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, decretou moratória da dívida externa. O país chegava ao fim daquele ano devendo US$ 110 bilhões.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Argentina: a noite dos longos cassetetes, e a fuga de cerebros, depois - Revista Pesquisa Fapesp


50 anos esta noite

Invasão policial na Universidade de Buenos Aires em 1966 foi precursora da fuga de cérebros na Argentina



Revista Pesquisa Fapesp ED. 246 | AGOSTO 2016

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© ARCHIVO GENERAL DE LA NACIÓN
Noche de los Bastones Largos: policiais federais invadiram e prenderam 400 alunos e professores da Universidade de Buenos Aires...
Noche de los Bastones Largos: policiais federais invadiram e prenderam 400 alunos e professores da Universidade de Buenos Aires…
Um grupo de antigos alunos e alguns professores aposentados da Universidade de Buenos Aires (UBA) foi homenageado, no último dia 29 de julho, em um complexo de prédios históricos da capital argentina onde funcionava até 1971 a Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da instituição. Ali, exatos 50 anos antes, os homenageados envolveram-se em uma jornada violenta que é apontada como um ponto de inflexão para a ciência do país, deflagrando a saída de levas de pesquisadores argentinos para o exterior. O 29 de julho de 1966 ficou conhecido como a Noche de los Bastones Largos, quando cinco faculdades da UBA foram tomadas por tropas da Polícia Federal argentina. Munidos de cassetetes compridos (os bastones largos) e bombas de gás lacrimogêneo, os policiais prenderam 400 estudantes e professores que ocupavam desde a manhã os prédios em protesto contra um decreto que suprimia a autonomia das universidades públicas e a forma de administração compartilhada por professores, alunos e ex-alunos. A violência foi um desdobramento de um golpe militar liderado pelo general Juan Carlos Onganía que derrubara um mês antes o presidente civil Arturo Illia.
A imagem de alunos e professores rendidos e ensanguentados depois de passarem por um corredor polonês de policiais tornou-se simbólica. “Aquela noite obscureceu não apenas a universidade, mas também um projeto de desenvolvimento do país”, discursou o atual reitor da UBA, Alberto Barbieri, para os homenageados. Após a ação policial – que não poupou dos cassetetes nem o pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Warren Ambrose, que visitava a UBA –, cerca de 1.400 docentes renunciaram a seus cargos em protesto e pelo menos 300 se exilaram. Metade foi trabalhar em universidades latino-americanas, principalmente no Chile, no México e na Venezuela. Quase uma centena mudou-se para os Estados Unidos e o Canadá e cerca de 40 foram para a Europa. Em alguns casos, grupos inteiros de pesquisa foram desarticulados, como o do Instituto de Cálculo de Ciências Exatas da UBA. Todos os seus 70 pesquisadores renunciaram e deixaram o país. Casos semelhantes ocorreram em institutos dedicados ao estudo de raios cósmicos e à psicologia evolutiva. Muitos dos cientistas que emigraram fizeram carreira no exterior, caso do historiador marxista Sergio Bagú, que morreu no México em 2002. Outros retornaram, como o matemático Manuel Sadosky (1914-2005), pioneiro da ciência da computação no país, que se tornou secretário de Ciência e Tecnologia em 1989, após a redemocratização.
© BIBLIOTECA DIGITAL/PROGRAMA DE HISTÓRIA DE LA FCEN/UNIVERSIDAD DE BUENOS AIRES
...deixando feridos como o matemático Juan Merlos
…deixando feridos como o matemático Juan Merlos
A partir de 1966, a Argentina se tornou conhecida como um país exportador de profissionais qualificados. Uma segunda grande onda de pesquisadores e jovens profissionais recém-graduados emigrou por razões políticas a partir de 1976, quando um novo golpe militar deu início a uma ditadura sangrenta que levou à morte ou ao desaparecimento de 30 mil pessoas – nessa fase, que durou até a redemocratização da Argentina em 1983, o Brasil recebeu vários pesquisadores argentinos. Em tempos recentes, a fuga de cérebros se deu por razões eminentemente econômicas, como após a profunda crise econômica que levou à renúncia do presidente Fernando de la Rúa em 2001. Um estudo feito pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), divulgado em 2006, mostrou que na virada para o século XXI a Argentina era o país da América espanhola que, proporcionalmente, mais fornecia mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho norte-americano, na forma de engenheiros, técnicos especializados e cientistas. A cada mil argentinos que haviam emigrado para os Estados Unidos, 191 eram altamente qualificados, ante 156 do Chile, 100 do Peru e 26 do México.
O trauma da fuga de cérebros transformou a repatriação de pesquisadores em política de Estado nos últimos anos. Em 2008, uma lei federal criou o programa Rede de Pesquisadores e Cientistas da Argentina no Exterior (Raíces, em espanhol), que estabelece um fundo para pagar as passagens de volta de pesquisadores argentinos radicados no exterior e trabalha em conjunto com empresas na oferta de vagas para fixá-los no país. O Raíces conseguiu atrair de volta cerca de 1,2 mil pessoas, entre cientistas que haviam deixado a Argentina há muitos anos e ex-bolsistas de pós-graduação no exterior que queriam voltar, mas não encontravam emprego. O programa também estabeleceu vínculos com 5 mil cientistas argentinos residentes em vários países, financiando visitas à Argentina durante as quais colaboram com universidades e empresas.
© MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DA ARGENTINA
Ação deixou um rastro de destruição
Ação deixou um rastro de destruição
“O impacto da Noche de Los Bastones Largos foi enorme para um país que tinha grande tradição universitária e em pesquisa científica e sofreu com a expulsão de núcleos científicos inteiros por ondas autoritárias”, observa o historiador José Alves de Freitas Neto, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp), um estudioso da história da Argentina. A formação do sistema de ensino superior e de pesquisa na Argentina teve uma trajetória diferente da dos demais países da América Latina. Ainda na segunda metade do século XIX, dedicou-se a universalizar a educação básica e, no século XX, investiu pesadamente no acesso ao ensino superior. Ostentava em 2014 uma taxa bruta de escolarização superior de 54,5% – o indicador é a porcentagem de matrículas no ensino superior em relação à população de 18 a 24 anos de idade. No Brasil o índice era de 34% no mesmo ano. Todos os que concluem o ensino médio têm o direito de ingressar nas universidades públicas, embora uma parte deles deixe o curso ao final de um ciclo básico de estudos. Com mão de obra bem formada, o país obteve um sucesso singular no campo científico, simbolizado pela conquista de dois prêmios Nobel de Medicina e Fisiologia, com Bernardo Houssay, em 1947, e Cesar Milstein, em 1984, e um de Química, com Luis Federico Leloir, em 1970.
A partir dos anos 1940, bons pesquisadores argentinos eventualmente eram atraídos por oportunidades de trabalho em outros países – o que não chegava a configurar uma fuga de cérebros. Um exemplo é o do neurofisiologista Miguel Covian (1913-1992), que formou um grupo de pesquisa na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) a partir de 1955. Em 1961, Cesar Milstein transferiu-se para a Universidade de Cambridge e acabou se naturalizando inglês.
© ARCHIVO GENERAL DE LA NACIÓN
Estudantes tomam a Universidade de Córdoba em 1918: mobilização levou à reforma universitária
Estudantes tomam a Universidade de Córdoba em 1918: mobilização levou à reforma universitária
Se a circulação internacional dos pesquisadores argentinos não era incomum, os efeitos da instabilidade política na universidade já eram frequentes. Autor do livro Vizinhos distantes: Universidade e ciência na Argentina e no Brasil (EdUERJ, 2000), o sociólogo argentino Hugo Lovisolo, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, observa que a perseguição política a professores tinha antecedentes. “O próprio Bernardo Houssay foi posto para fora”, afirma, referindo-se a um episódio de 1943, quando o fisiologista perdeu sua cátedra na UBA após um golpe militar que derrubou o presidente Ramon Castillo. Houssay retornou à UBA em 1955.
Na primeira metade do século XX, as universidades argentinas se tornaram ambientes fervilhantes e politizados. O marco foi a Reforma Universitária de 1918, que serviria de inspiração para outros países do continente. A reforma seguiu-se a uma intensa mobilização estudantil na Universidade Nacional de Córdoba, que teve início em 1916 e conseguiu reformar o estatuto da instituição, ampliando a participação política dos alunos e reduzindo a influência dos jesuítas no comando da universidade. Em 1918, os estudantes rebelaram-se novamente, agora contra a escolha de um novo reitor ligado à Igreja Católica, feita por uma assembleia de docentes. O governo federal interveio, nomeou como reitor provisório o ministro da Justiça, José Salinas, e promoveu uma reforma baseada nas reivindicações dos estudantes, entre as quais autonomia política e administrativa para as universidades; um regime de administração compartilhada que previa a eleição dos mandatários por representantes de professores, alunos e ex-alunos; a seleção de docentes por concurso; a gratuidade do ensino superior; e a liberdade para os alunos assistirem ou não às aulas. “O que aconteceu em 1966 foi um marco porque quebrou o pressuposto da Reforma de Córdoba”, diz o historiador Freitas, da Unicamp.
© GALIO/WIKI MEDIA COMMONS
Sede atual da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais e alunos da UBA...
Sede atual da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais e alunos da UBA…
O Brasil acolheu cientistas argentinos principalmente a partir dos anos 1970, época em que o governo militar buscava consolidar o sistema de pós-graduação voltado para a formação de pesquisadores criado em 1966. O neurocientista Ivan Izquierdo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), deixou a Argentina por motivos políticos em 1971 e se transferiu para o Brasil.
A Unicamp contratou dezenas de pesquisadores argentinos. O físico portenho de nascimento e criado na cidade de Mendoza Fernando Alvarez, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, deixou Buenos Aires em 1976, um mês após o golpe que destituiu a presidente Isabelita Perón, para fazer doutorado na Universidade de Delaware, nos Estados Unidos. Ele trabalhava como pesquisador no Instituto de Tecnologia Industrial e foi demitido pelo interventor militar que assumiu o comando da instituição após o golpe. Alvarez ainda tentou convencer o irmão, um físico que trabalhava na Comissão Nacional de Energia Atômica, e a cunhada, matemática, a deixarem o país, mas eles não quiseram. O casal foi sequestrado e seus nomes integram a lista de desaparecidos políticos.
© CRISTIAN O. ARONE /WIKI MEDIA COMMONS
...acesso amplo ao ensino superior
…acesso amplo ao ensino superior
Após vários anos morando nos Estados Unidos, encontrou-se num congresso na França com o físico argentino Ivan Chambouleyron, também um exilado político, que formava um grupo de pesquisa em energia solar na Unicamp e o convidou a vir ao Brasil. “Montamos um grupo forte, que hoje se dedica ao desenvolvimento de materiais avançados e dispositivos para uso de microeletrônica e já formou cerca de 40 doutores”, diz Alvarez, que fez sua carreira no Brasil. “Continuei a colaborar com pesquisadores argentinos e ajudei a formar vários deles em meu laboratório.” Já Ivan Chambouleyron voltou para a Argentina depois de trabalhar três décadas no Brasil. “Hoje, após mais de 30 anos em um país que me acolheu generosamente, considero que o Brasil é o meu lugar.”
Outro exemplo é o de Luis Bahamondes, especialista em reprodução humana da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-Unicamp). “Eu era estudante de medicina na Universidade Nacional de Córdoba em 1966 e lembro que entramos em greve contra o golpe militar. Acabamos perdendo o ano letivo”, conta. “Os militares diziam que a universidade era um antro de comunistas, mas a verdade é que o movimento estudantil tinha simpatizantes de várias correntes políticas.” Bahamondes participaria de outras duas revoltas contra os militares, em 1969 e 1971, que ficaram conhecidas como Cordobazo e Viborazo.
Graduado em 1971, deixou o país dois anos mais tarde para trabalhar no Uruguai. Depois passou uma temporada no México e veio para o Brasil com um convite para trabalhar numa clínica particular em 1977, mas não se adaptou ao emprego, e foi atraído para a Unicamp em 1978. “O reitor da universidade na época, Zeferino Vaz, recebia até professores estrangeiros que ainda não tinham documentos para ficar no Brasil”, recorda-se. “A ditadura brasileira não era tão burra quanto a argentina e conseguia entender que o desenvolvimento do país passava pelas universidades públicas.” Voltou para a Argentina em 1983, mas não se satisfez com o ambiente de trabalho no país e aceitou um convite para retornar à Unicamp em 1988. “Hoje minhas raízes estão aqui. Tenho um filho, um genro e quatro netos brasileiros.”

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Rui Barbosa e o direito internacional - Sergio E. M. Lima, Paulo Roberto de Almeida (Correio Braziliense)

Mais recente artigo publicado, pequeno, mas simbólico, pois hoje se comemora, justamente, além da queda da Bastilha -- que é um episódio menor da vida internacional --, os cem anos do famoso discurso de Rui Barbosa na Faculdade de Direito de Buenos Aires, em 14 de julho de 1916, quando ele condena a violação da neutralidade da Bélgica pelo Império alemão.
Paulo Roberto de Almeida


Rui Barbosa e o direito internacional

Sérgio Eduardo Moreira Lima
Paulo Roberto de Almeida
Correio Braziliense, 14/07/2016
  
            Há cem anos, quando a Argentina comemorou o primeiro centenário de sua independência, o governo brasileiro designou o senador Rui Barbosa como seu representante nos festejos. Além de participar das cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado a palestrar na Faculdade de Direito de Buenos Aires, ali pronunciando uma das mais importantes alocuções da história do direito internacional no Brasil. Dada a contribuição de suas reflexões para a construção da doutrina jurídica que sustenta a essência da política externa brasileira, bem como para a afirmação de valores e princípios da diplomacia defendida pelo Itamaraty, vale relembrar alguns conceitos fundamentais dessa conferência, ainda válidos em nossos dias.
            Em 1983 a Casa de Rui Barbosa publicou o texto definitivo, traduzido do espanhol, dessa palestra, “Os Conceitos Modernos do Direito Internacional”, durante muito tempo denominada como “O Dever dos Neutros”. Rui já era conhecido na Argentina, onde vivera entre 1893 e 1894, fugindo da perseguição que lhe movia o governo de Floriano por sua posição em defesa dos revoltosos da Armada. Depois de repassar os episódios mais relevantes do itinerário independentista argentino – iniciado em 1806, avançando em 1810 e consagrado definitivamente no Congresso de Tucuman, em 9 de julho de 1816, quando se proclamou a autonomia do país em face da Espanha –, Rui Barbosa cita Juan Bautista Alberdi, que condenava, no panfleto “A Onipotência do Estado”, o culto ao Estado como “a negação da liberdade individual”.
Ele chega então ao cerne de sua exposição: a condenação formal do uso da força, representada pela violação da neutralidade da Bélgica por tropas do Império alemão, em total desrespeito aos princípios discutidos poucos anos antes na Segunda Conferência da Paz da Haia, na qual Rui fora o chefe da delegação brasileira. Suas palavras, em defesa desse princípio, foram muito claras: “Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) O direito não se impõe... com o peso dos exércitos. Também se impõe, e melhor, com a pressão dos povos. (...) Não há duas morais, a doutrinária e a prática. A moral é uma só: a da consciência humana, que não vacila em discernir entre o direito e a força.”
            Essa conferência de Rui Barbosa foi relembrada pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, no exato momento em que o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o país a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e em consonância com os deveres da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, como jovem estudante no Rio de Janeiro, quando o jurista desembarcou em sua volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinária iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela. 
            Vinte anos depois, o chanceler San Tiago Dantas, um dos grandes tribunos do pensamento jurídico da diplomacia brasileira, defende o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, que estava então em causa nas conferências e reuniões pan-americanas em torno do caso de Cuba. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos e Araújo Castro, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que se reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi um dos responsáveis pela contribuição das grandes diretrizes políticas e jurídicas que hoje integram plenamente o patrimônio da diplomacia brasileira.

Sérgio Eduardo Moreira Lima, embaixador, é presidente da Fundação Alexandre de Gusmão; Paulo Roberto de Almeida é ministro da carreira diplomática e professor nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Uniceub.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

OCDE: Argentina passa na frente do Brasil na aproximacao

Argentina OCDE

Argentina formaliza su interés por incorporarse a la OCDE

BRASILIA (BRASIL), 04/11/2015- EFE/Fernando Bizerra Jr.
El secretario general de la OCDE, Ángel Gurría, subrayó que la petición "ha sido muy bien recibida" por los países miembros.
Infolatam/Efe
París, 2 de junio de 2016
Argentina ha formalizado, con una carta presentada con ocasión de la reunión ministerial de la OCDE, su interés por convertirse en miembro para que eso sea tenido en cuenta en el debate que se va a mantener en los próximos meses sobre su ampliación.
El secretario general de la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE), el mexicano Ángel Gurría, precisó en conferencia de prensa el sentido de esa misiva argentina que, subrayó, “ha sido muy bien recibida” por los países miembros.
Gurría, que precisó que la solicitud, que no es todavía una demanda de adhesión, “será tomada en consideración” y analizada en los debates que están previstos sobre futuras ampliaciones en el conocido como el “Club de los países desarrollados”.
Hizo notar que esta semana han estado en la sede de la OCDE en París tanto la canciller, Susana Malcorra, como los ministros de Finanzas, Alfonso Prat Gray, y de Producción, Francisco Cabrera.
Gurría también recordó que cuando un país solicita el ingreso, los Estados miembros (ahora van a pasar a ser 35, con la incorporación de Letonia) analizan si puede ser considerado candidato, lo que da lugar a un intercambio de informaciones y al establecimiento de una hoja de ruta para la adaptación de sus normas y sus prácticas a los estándares de la organización.
El ministro chileno de Exteriores, Heraldo Muñoz, cuyo país ejerció este año la presidencia de la ministerial, consideró “muy importante” la carta de la canciller a la OCDE e hizo hincapié en que Chile apoya “plenamente” las intenciones de su vecino.
Malcorra dijo, tras entrevistarse el pasado lunes con Gurría, que confiaba en que el trabajo en común avanzara para poder formalizar una demanda de adhesión “en un par de meses máximo”.
Hay tres países en proceso de ingreso, Colombia -el que está en un estadio más avanzado-, Costa Rica y Lituania.

domingo, 29 de maio de 2016

Argentina: um papa peronista e um presidente liberal (?) - Carlos Malamud

Sempre achei o papa peronista. Não assim por acaso, pois no início, sendo jesuíta, achei que seria mais um intelectual no comando de uma instituição necessitada de renovação sobretudo mental. Mas, à luz de suas muitas declarações "econômicas" antimercado, conclui que se tratava de mais um peronista mental, com todas as implicações do que isso significa de negativo.
Não tenho razões para mudar de opinião, e um dia vou fazer uma análise mais detalhada do anti-liberalismo econômico debilóide desse papa, que promete assim contribuir para a preservação da miséria no mundo, ao se opor ao capitalismo e aos livres mercados.
Agora vejo que meu amigo Carlos Malamud também faz uma análise crítica das posições desse papa, que parece ter esgotado sua veia reformista, e se rendido à burocracia do Vaticano. Vamos continuar acompanhando o papa peronista...
Paulo Roberto de Almeida

Carlos Malamud: Argentina y el Papa

La compleja relación de Macri con el populismo papal

Infolatam, Madrid, 29 mayo 2016
Por Carlos Malamud
Las claves
  • Hebe Bonafini era una conspicua exponente de esa línea confrontacional. En 2007 señalaba que: "La basura va junta, Macri, [el general] Bendini y Bergoglio. Son de la misma raza y de la misma ralea. Son fascismo, son la vuelta de la dictadura.
En marzo pasado el historiador italiano Loris Zanatta publicó en Il Mulino el artículo “Un Papa populista”, reproducido en abril por la revista argentina Criterio . Zanatta insistía no sólo en el carácter peronista de Jorge Bergoglio sino también en la deriva populista de su pensamiento. Así señalaba que “para Bergoglio el peronismo encarna la saludable conjugación entre pueblo y nación en la defensa de un orden temporal basado en los valores cristianos, e inmune a los liberales… Bergoglio es hijo de una catolicidad embebida de antiliberalismo visceral, que se erigió a través del peronismo en guía de la cruzada católica contra el liberalismo protestante, cuyo ethos se proyecta como una sombra colonial en la identidad católica de América Latina”.
La publicación de este artículo en Argentina prácticamente se ha superpuesto con la audiencia de casi dos horas que el papa Francisco concedió a Hebe Bonafini, dirigente de las Madres de Plaza de Mayo. Este encuentro suscitó una intensa discusión en torno a dos cuestiones: ¿cuánto influye Bergoglio en la política argentina? y ¿cuál es su relación con el gobierno de Mauricio Macri?
Mientras la respuesta a la primera pregunta es intuitiva y depende del punto de observación, la segunda está llena de claroscuros, y desde que los dos compatriotas ocupan sus actuales cargos el vínculo no está siendo precisamente fluido. No ha habido ni una llamada de felicitación ni una carta cariñosa de un argentino a otro después de la elección presidencial. En el único encuentro oficial en el Vaticano, de 22 minutos de duración, la cara de circunstancia de Bergoglio era la suma de la elocuencia frente a un sorprendido Macri. Fue tal el clima vivido en esa reunión protocolaria que muchos no dudaron en calificarla cuanto menos de fría.
Esta falta de sintonía contrasta con los contactos más estrechos y constantes de Bergoglio con la ex presidente Cristina Fernández, que no perdía ocasión de peregrinar a Roma o a cualquier otro lugar del mundo, como La Habana, donde viajara Francisco. Y si bien tras el Cónclave que lo eligió Papa, tanto Fernández como todo el núcleo duro kirchnerista insistieron en sus acusaciones de complicidad con la dictadura militar, rápidamente se produjo una rectificación luego convertida en obsecuencia.
Hebe Bonafini era una conspicua exponente de esa línea confrontacional. En 2007 señalaba que: “La basura va junta, Macri, [el general] Bendini y Bergoglio. Son de la misma raza y de la misma ralea. Son fascismo, son la vuelta de la dictadura. Son la dictadura misma. Los tres representan la dictadura”. Pese a aceptar a regañadientes la postura oficial, rechazó una relación más fluida con su encarnizado enemigo de ayer. Sin embargo, a la vista de la actitud crítica del Papa con el actual gobierno decidió viajar a Roma y capitalizar políticamente el encuentro.
Eduardo de la Serna, coordinador de Opción por los Pobres, un grupo de curas cercanos a Francisco y a Cristina Fernández, pidió recientemente la renuncia de Macri. La comparación posterior del Papa entre los conflictos sociales, económicos y políticos de Argentina y Venezuela (junto a Brasil y Bolivia) también debió ayudar a Bonafini a decidir sobre la conveniencia de su peregrinaje. Ya en Santa Marta le advirtió al Papa que “En cinco meses este Gobierno destruyó lo que hicimos en 12 años, hay mucha violencia institucional. Nosotros tenemos miedo, mucho miedo, a que algún loco suelto responda a esa violencia que nos están imponiendo”. Más tarde, en otras declaraciones, dijo que encontró triste al Papa por la situación actual de su país, que le recordaba el golpe que derrocó a Juan Domingo Perón en 1955, y esperaba que no se repitiera algo parecido.
El encuentro papal con Bonafini ha originado una intensa discusión. Jorge Fernández Díaz insistía en el daño que los gestos y palabras de Bergoglio hacen a Argentina. Y si bien en el debate se enfrentan los que rescatan al actual gobierno con los defensores a ultranza de la gestión anterior, también están los que reivindican la labor de la Iglesia en el combate contra la pobreza o su rol pastoral frente a los que insisten en la laicidad del Estado y la primacía del individuo.
Luis Alberto Romero, un referente de la historiografía argentina actual, expuso su opinión en el artículo “Macri en el camino de Canossa”, que compara el peregrinaje del emperador Enrique IV para solicitar el perdón papal con la situación argentina. De modo concluyente señala que “Francisco… ha asumido muchas causas loables, pero siempre con un discurso anticapitalista y antimoderno que recuerda a Pío IX. Pero además, sigue siendo el padre Jorge, peronista, con más madera de político de provincia que de pastor curador de almas… Hoy, el padre Jorge confronta con Macri para medir quién tiene mayor peso en los barrios y en el discurso. En San Pedro atiende el juego grande y en Santa Marta, el chico. Allí quiere verlo a Macri jugando bajo sus reglas. Quiere que Macri haga su camino de Canossa”.
Tras el triunfo de Macri surgió la pregunta de si iba a ser el primer presidente no peronista que terminara su mandato constitucional. Entre los distintos argumentos que esgrimí entonces para optar por una respuesta positiva estaba la existencia de un Papa argentino que, llegado el momento, optaría por el mantenimiento del orden institucional más allá de sus inclinaciones políticas y partidarias. Por ahora, y a la vista del escaso interés de Bergoglio por respaldar al gobierno democrático de su país, parecería que los hechos me llevan la contraria, aunque su anuncio en el Vaticano de que en julio próximo el partido de fútbol por la Paz se jugará en Argentina podría significar lo contrario. Por eso, hoy más que nunca es necesario un claro pronunciamiento del Papa en defensa de la democracia argentina, aunque no apoye a su gobierno.

Carlos Malamud: 
Catedrático de Historia de América de la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), de España e Investigador Principal para América Latina y la Comunidad Iberoamericana del Real Instituto Elcano de Estudios Internacionales y Estratégicos. Ha sido investigador visitante en el Saint Antony´s College de la Universidad de Oxford y en la Universidad Torcuato Di Tella de Buenos Aires y ha estado en posesión de la Cátedra Corona de la Universidad de los Andes, de Bogotá. Entre 1986 y 2002 ha dirigido el programa de América Latina del Instituto Universitario Ortega y Gasset, del que ha sido su subdirector. Actualmente compatibiliza su trabajo de historiador con el de analista político y de relaciones internacionales de América Latina. Ha escrito numerosos libros y artículos de historia latinoamericana. Colabora frecuentemente en prensa escrita, radio y TV y es responsable de la sección de América Latina de la Revista de Libros.

Samuel Pinheiro Guimaraes: entrevista a Pagina 12 (Argentina): sobre política externa, integracao, etc.

SPG, o ex-SG do Itamaraty na gestão Lula (durante sete anos), é muito conhecido para ser apresentado. Ressalto apenas que ele continua um persistente defensor do antigo regime lulopetista, ignorando por completo as acusações de corrupção contra o ex-presidente e sua sucessora, e repetindo seus mesmos conceitos sobre política externa, política econômica, integração regional e temas afins.
Suas considerações sobre estas questões objetivas mereceriam, por certo, muitos outros argumentos de natureza econômica ou sobre opções de integração regional e de inserção na economia mundial, que não me cabe fazer aqui, neste momento, tanto porque teriam de ser muito longos, como porque desvirtuariam a transcrição de sua entrevista, neste espaço.
Ele pode ter razão em algumas alegações -- sobre as negociações entre o Mercosul e a União Europeia, por exemplo -- mas continua insistindo numa velha concepção do desenvolvimento brasileiro derivada diretamente de suas teses cepalianas e nacionalisteiras atrasadas, que, repito, teriam de ser longamente rebatidas. Já o fiz em diversas oportunidades, como posso fazer novamente em próxima ocasião.
No momento cabe registrar sua insistência nas mesmas teses mentirosas da presidente afastada e dos blogueiros mercenários sobre o processo de impeachment, e sua total negação das realidades do regime hiper-corrupto do lulopetismo, uma quadrilha mafiosa que simplesmente destruiu a economia brasileira.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29/05/2016


ENTREVISTA A SAMUEL PINHEIRO GUIMARAES, EX VICECANCILLER DE LULA

“En Brasil hubo una conspiración”
El ex vicecanciller de Lula y ex número uno del Mercosur niega que Lula y Dilma hayan desplegado una diplomacia “ideológica” y advierte contra acuerdos de libre comercio.

Martín Granovsky
Página 12, 20 mayo 2016

–¿El de Michel Temer es un gobierno legítimo?

–El gobierno de Michel Temer es interino. Y es el resultado de una conspiración. Participaron de ella, en forma coordinada, distintos sectores: los políticos involucrados en denuncias de corrupción; los políticos y partidos de oposición, como el Partido de la Socialdemocracia Brasileña, desconformes con la para ellos inesperada derrota por escaso margen de 2014; los políticos conservadores desde el punto de vista social, como los evangélicos; los medios de comunicación en especial el sistema Globo, con decenas de canales de televisión, de radios, diarios y revistas; el Poder Judicial, desde el juez Sergio Moro, mesiánico y dispuesto a practicar en su lucha contra la corrupción actos ilegales de todo tipo, hasta los ministros de la Corte Suprema que, pudiendo y debiendo hacerlo, no lo disciplinaron; los intereses extranjeros que vieron en las dificultades económicas la oportunidad de revertir políticas de defensa de los capitales nacionales para promover la reducción del Estado y la apertura hacia los bienes y capitales extranjeros, como en el caso de Petrobrás y los riquísimos yacimientos de petróleo del pré-sal, o como en el caso del Banco Nacional de Desarrollo; el mercado financiero, estos es, los grandes inversores y millonarios que abarcan a 71.440 brasileños cuya renta mensual media es de 600 mil dólares; los rentistas, temerosos de una política de reducción de tasas de interés; las asociaciones empresarias como la Fiesp, la Febraban, la CNI y la CNA; los defensores de las políticas de austeridad que quieren la reducción de los programas sociales, la revisión de derechos de los trabajadores, el equilibrio fiscal mediante la reducción del Estado y de los programas sociales y el fin de la fiscalización de los abusos de las empresas; y, finalmente, los diputados, senadores, economistas y periodistas que fueron intérpretes, portavoces o beneficiarios de los intereses que acabo de describir. Tomemos un nombre como ejemplo: Eduardo Cunha.

–El presidente de la Cámara de Diputados durante la votación de la admisibilidad del juicio político.

–Sí. Corrupto. Luego fue alejado del cargo por el Supremo Tribunal Federal, que podría haberlo apartado antes. Sin que hubiera ninguna prueba de acto ilícito practicado por la presidenta, votaron por el juicio político 367 diputados y eventualmente lo harán 54 senadores, todos ellos representantes de los sectores sociales más conservadores y de los individuos más ricos en una de las sociedades más desiguales del mundo. Defendieron a los intereses extranjeros más voraces y podrían llegar a anular el resultado de elecciones en las que 54 millones de brasileños eligieron a Dilma Rousseff. Quieren terminar con la continuidad de un proceso de desarrollo social, político y económico de Brasil que se inició en 2003 con la derrota de un proyecto neoliberal, sumiso y reaccionario. La composición del gabinete de Temer, sus lazos ostensibles y públicos con los intereses económicos conservadores y las acusaciones de corrupción que pesan sobre ellos indican perfectamente el carácter de conspiración que derribó a Dilma Rousseff. El objetivo final de esa conspiración es la recuperación total del poder en las elecciones de 2018.

–¿Qué posibilidades tiene Dilma de no ser desplazada definitivamente por el Senado?

–Hay grandes posibilidades de que no sea separada. Deben votar su alejamiento dos tercios de los senadores, 54 sobre un total de 81. Las manifestaciones populares, de personalidades y de sectores significativos contra el gobierno de Temer y contra sus primeras políticas, en favor de la democracia y contra el golpe, se están haciendo más amplias e intensas a pesar de que los grandes medios buscan minimizarlas. Los elementos fundamentales para evitar un desplazamiento son la participación del Presidente Lula al frente de las manifestaciones populares, la resistencia a cada iniciativa que el gobierno interino presente en el Congreso y la movilización coordinada de las organizaciones sociales.

–Al asumir como canciller, José Serra indicó diez líneas de acción de su gestión futura y dijo que la diplomacia brasileña no sería “ideológica” ni estaría al servicio de un partido político. Usted fue vicecanciller, presidente del Mercosur y secretario de asuntos estratégicos. ¿La diplomacia era “ideológica”?

–La política exterior de Brasil tiene que basarse en los objetivos de soberanía, integridad territorial, desarrollo económico, social y político y debe guiarse por la Constitución, que en su artículo 4 define los principios de la política externa. Entre ellos, el objetivo de promover la integración latinoamericana. Por un lado, la política exterior de Brasil tiene que considerar la localización geográfica del país, con sus doce naciones vecinas, las asimetrías entre Brasil y los vecinos, sus extraordinarias dimensiones territoriales, de población y de desarrollo económico, pero también sus disparidades de todo orden. Debe tener en cuenta sus enormes recursos naturales y simultáneamente las circunstancias de un mundo en el que se verifica una gran concentración del poder económico, político y mediático, con gigantescas multinacionales, con políticas de restricción del desarrollo económico y tecnológico, con las grandes potencias en crisis económica prolongada y con una velada disputa por la hegemonía entre los Estados Unidos y China. La política exterior de los gobiernos del PT se guió con firmeza y coherencia según los principios de autodeterminación, de no intervención, de cooperación entre países subdesarrollados, de integración sudamericana y por los objetivos de lucha por la desconcentración del poder a nivel mundial y por la multipolarización, contra la unilateralidad de las grandes potencias. Los gobiernos buscaron la defensa de la paz y el desarme de los países fuertemente armados, lucharon por el derecho al desarrollo y contra el calentamiento global y la pobreza. Por eso en Sudamérica Brasil sostuvo relaciones de cooperación y de respeto político con gobiernos tan distintos como los de Colombia, Perú, Chile, Venezuela, Argentina, Uruguay, Paraguay, Ecuador, Bolivia, etcétera.

–¿Y con Estados Unidos?

–Brasil mantuvo una política de cooperación, como en el caso del etanol. De respeto mutuo, como en la Ronda de Doha. Y de divergencia siempre que fuese necesario, como sucedió con el ALCA. De los comentarios del Presidente Obama sobre el Presidente Lula puede inferirse que las relaciones con Brasil siempre fueron consideradas importantes por los Estados Unidos. Con la Unión Europea hay un acuerdo de asociación estratégica, cosa que la UE firmó con muy pocos países. Brasil acordó la construcción y la transferencia de tecnología de un submarino nuclear y la compra, construcción y transferencia de aviones de combate Grippen. China se convirtió en el primer socio comercial de Brasil y aumentó sus inversiones. Los acuerdos prevén operaciones por 54 mil millones de dólares, además de la participación conjunta en los Brics, en el Banco de los Brics, en el Acuerdo de Reservas y en el Banco Asiático de Infraestructura. Toda la política exterior se basó en la cooperación respetuosa, sin el intento de enseñar a ningún Estado, país o sociedad cómo debía organizarse política o económicamente. Todo esto prueba cabalmente, para quien conoce un mínimo de política internacional y quiere ir más allá del prejuicio mediático o de los preconceptos partidarios, que la política desarrollada desde 2003 no fue ni ideológica ni partidaria, y tampoco buscó beneficiar los intereses de un partido. Ni siquiera del principal partido de gobierno, el PT.

–¿Sudamérica tiene que empezar a firmar acuerdos de libre comercio?

–El centro de la política exterior brasileña debe ser América del Sur. En América del Sur, Mercosur. Dentro de Mercosur, la Argentina. No comprender eso significa una enorme miopía y cultivar el fracaso. El desarrollo de un país como Brasil debe basarse en la industrialización. Brasil tiene un 85 por ciento de su población urbana, una agricultura que no emplea mano de obra en gran escala, un sector de servicios subdesarrollado, con gran necesidad de generar empleos para absorber el crecimiento de la fuerza de trabajo y dar empleo pleno a los subempleados y a los 50 millones de beneficiarios del plan Bolsa Familia, cuyo ingreso mensual es inferior a 20 dólares por día. Con esos datos, pensar en la construcción de una economía y una sociedad con base agrícola es un absurdo técnico, político y social. Bien: la industrialización necesita de mercados seguros, como los regionales, a través de acuerdos que estimulen el desarrollo de empresas de capital nacional y atraigan empresas extranjeras, y también a través de la acción del Estado para construir infraestructura y completar la iniciativa privada. Ese mercado, en América del Sur, es el Mercosur, con su arancel externo común. Los países industrializados que desean escapar de sus crisis a través de aumentar sus exportaciones lo que quieren hoy es eliminar ese arancel externo común. La celebración de acuerdos de libre comercio sería el fin del Mercosur. Si esto es así, el acuerdo Mercosur-Unión Europea funcionaría, en realidad, como el primero de una serie de acuerdos de libre comercio con los Estados Unidos, China y Japón. Los países del Mercosur, en especial Brasil y la Argentina, terminarían abriendo totalmente sus mercados para los productos industriales europeos y luego para los norteamericanos, chinos y japoneses, darían concesiones asimétricas por ejemplo en compras gubernamentales y a cambio recibirían concesiones irrisorias en materia agrícola. Incluso las mayores concesiones serían irrisorias si a cambio se pierden las posibilidades de industrialización. Los acuerdos de libre comercio tan defendidos por los grandes medios, académicos e importadores significarían el fin del Mercosur como instrumento de industrialización y desarrollo.
  
Diplomático de carrera y ensayista, Samuel Pinheiro Guimaraes fue uno de los diseñadores de la diplomacia de Lula y Dilma junto con Celso Amorim y Marco Aurélio García. Aceptó contestar las preguntas de Página/12 al final de una semana que empezó con la visita del canciller de Michel Temer, José Serra, el ex candidato a la presidencia derrotado en 2002 y 2010.