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terça-feira, 21 de maio de 2019

Rubens Ricupero: contra a submissao aos EUA - InfoMoney

“É um equívoco ver os EUA como o país que deve nos liderar”, diz Rubens Ricupero

Diretor da Faap e ex-embaixador avalia que Brasil tem melhores chances de se desenvolver se reforçar suas relações com a Ásia

InfoMoney, 10/05/2019

Assim como os demais países da América Latina, o Brasil não conseguiu crescer suficiente e ininterruptamente durante 30 anos, tempo necessário para estreitar a distância que o separa das nações desenvolvidas. Agora, o mundo passa por um movimento em que as oportunidades de desenvolvimento, até pouco tempo concentradas às margens do Atlântico (Estados Unidos e Europa Ocidental), derivam para o Pacífico, e, por isso, o País deve direcionar suas relações comerciais e tecnológicas para a Ásia, de acordo com o diretor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), diplomata aposentado, ex-embaixador em Washington e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, Rubens Ricupero.
Em entrevista ao UM BRASIL, Ricupero diz que a política externa brasileira deve “auscultar o que vai pelo mundo, saber captar quais são as tendências, para onde vai o mundo e, em seguida, adaptar o País a essas tendências”. Nesse sentido, ele destaca que a China, a qual chama de “estrela do futuro”, segue os passos de outras nações asiáticas – Japão, Hong-Kong, Coreia do Sul, Singapura, Malásia e Tailândia.
“A posição brasileira deve ser de buscar o seu desenvolvimento aproveitando as oportunidades criadas por esse movimento da história, que é um movimento que nós não podemos deter ainda que quiséssemos. É um movimento em que nós pouca influência temos. Então, qual é o caminho? Temos que investir cada vez mais e procurar ter relações econômicas, comerciais e tecnológicas com os países asiáticos”, afirma o ex-embaixador.
Ricupero comenta que, no século passado, a agenda internacional brasileira foi bastante pautada pela norte-americana, inclusive tendo o Brasil, muitas vezes, assumido uma postura “política de alinhamento automático” com os Estados Unidos. Hoje, ele diz que o País precisa ter precaução ao se aproximar da maior potência da América como fez ao longo do século 20.
“Os dirigentes da época [da Guerra Fria] consideravam que a agenda internacional americana e a agenda internacional brasileira coincidiam, porque o inimigo era o mesmo, o comunismo internacional. Hoje, não. Hoje, a agenda internacional americana tem pouquíssimos pontos de contato com a agenda brasileira”, avalia. “Qual é a agenda americana nesse momento? Primeiro ponto: contenção da China. Se possível, evitar que a China se torne a maior superpotência tecnológica do mundo, porque os chineses têm esse propósito. Por que o Brasil conteria a China? O Brasil tem na China o seu principal mercado. O Brasil vende para a China mais de 25% das suas exportações”, complementa.
De acordo com Ricupero, outras questões internacionais as quais um eventual alinhamento com os Estados Unidos prejudicaria o Brasil envolvem o Irã – país responsável por 7% das exportações de carne brasileira – e uma desavença sem sentido com a Rússia.
“Que interesse o Brasil teria em ter qualquer tipo de confronto com a Rússia?”, questiona o diretor da Faap. “O que eu quero dizer é que as nossas agendas interna e externa não coincidem com a americana, por isso é um equívoco ver nos Estados Unidos o país que deve nos liderar”, assegura.
Ex-embaixador em Genebra, Washington e Roma, Ricupero argumenta que a diplomacia brasileira sempre se destacou por uma vocação “construtiva de moderação e equilíbrio, sem comprar brigas que não são nossas”. Ele ainda lembra que, caso não haja nenhum conflito armado com a Venezuela, o Brasil completará 150 anos de paz com seus vizinhos em 2020, tendo o último conflito internacional sido a Guerra do Paraguai.
“Você pode dizer até que em parte é uma ideologia, é verdade, mas é melhor ter uma ideologia positiva do que se imaginar um povo belicoso, conquistador, militarmente forte. Não é essa a nossa tradição. A nossa tradição é uma em que a glória está muito mais na diplomacia do que na guerra”, pontua.

Politica externa brasileira: selecionada pelo Google Alerts

Não sou responsável pela seleção: é o Google quem me envia. Eu apenas indico as palavras-chave:


NOTÍCIAS 
O grande historiador Rocha Pombo, em sua básica HISTÓRIA DO BRASIL, ... Esse pragmatismo sem ideologia foi a marca da diplomacia brasileira ...
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Para dar maior clareza ao que hoje acontece na relação Brasil-Estados Unidos, voltemos a nove décadas na história da diplomacia brasileira.
[Não disponível]

terça-feira, 23 de abril de 2019

Um alerta sobre os rumos da política externa brasileira - Rubens Ricupero

No Dia do Diplomata, um alerta sobre os rumos da política externa brasileira

Ricupero é um dos mais respeitados diplomatas brasileiros, cuja carreira no Itamaraty se estendeu de 1961 a 2004, e alia à sólida formação intelectual a experiência da representação exterior do País, tendo ocupado os mais altos postos da carreira diplomática.

por Arnaldo Cardoso

Jornal GGN, 22/04/2019

Assista à palestra: 

A destruição da política externa brasileira

por Rubens Ricupero

Neste link do YouTube:
No último sábado (20), Dia do Diplomata, o Tapera, Taperá, espaço cultural inaugurado em 2016 na Galeria Metrópole, no centro de São Paulo, recebeu o embaixador Rubens Ricupero em evento que reuniu de jovens estudantes de relações internacionais a experientes observadores da política externa brasileira. Na data em que se celebra o nascimento do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, os presentes que lotaram o espaço foram brindados com uma abrangente e consistente palestra sobre a função da política externa de um país, culminando com uma arguta análise do crítico momento vivido pelo Brasil no que tange à condução de suas relações exteriores.
Arnaldo Cardoso, Rubens Ricupero e Marcelo Fernandes no Tapera.
Ricupero que é um dos mais respeitados diplomatas brasileiros, cuja carreira no Itamaraty se estendeu de 1961 a 2004, alia a sólida formação intelectual a experiência da representação exterior do País, tendo ocupado os mais altos postos da carreira diplomática. Além disso, enfrentou também, por duas vezes, os desafios e dissabores da política, na condição de Ministro de Estado, nos governos Sarney e Itamar Franco. Em organismos internacionais, ocupou entre os anos de 1995 e 2004, o prestigioso cargo de Secretário Geral da Unctad, órgão da ONU sediado em Genebra, que tem por missão a promoção da integração de países em desenvolvimento na economia mundial.
Na palestra no Tapera, intitulada A destruição da política externa brasileira, Ricupero expôs mais uma vez sua contundente crítica ao discurso e às ações do atual governo brasileiro no campo das relações exteriores, consubstanciada em detalhado apontamento do descolamento da política externa do interesse nacional e dos reais problemas que afetam a sociedade brasileira, cujo necessário enfrentamento poderia ser potencializado por uma bem informada e responsável concepção e execução de política externa.
Logo no início de sua palestra, o embaixador citou o seguinte trecho de discurso do Presidente da República proferido em recente jantar em Washington “O Brasil é um terreno em que nós precisamos desconstruir muita coisa” como emblemático da mentalidade que orienta a ação do governo, não só em política externa, mas também em áreas como a do meio ambiente, educação, direitos humanos, entre outras. Ricupero manifestou sua perplexidade e grande preocupação com o fato de ser um discurso que fala em destruição e não em construção, contrastando com a história de todos os governos anteriores que se pautaram, mesmo situados em diferentes campos do espectro político, por projetos de construção do País e de fortalecimento de suas relações exteriores.
Lembrou que a política externa brasileira vinha se orientando desde muito pela busca da autonomia pela participação em diferentes fóruns onde se constroem as agendas internacionais.
No campo do meio ambiente, Ricupero que já foi Ministro do Meio Ambiente, apontou o equívoco das declarações do governo ameaçando sair do Acordo do Clima de Paris, quando já no governo anterior se tinha anunciado o cumprimento antecipado das metas de redução de desmatamento. O embaixador mencionou também a suposta perda de soberania do país refutando-a com o fato de que a delegação brasileira participou ativamente do processo de definição de diferentes obrigações e direitos para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Citou ainda o risco de perda de linhas de financiamento internacional, em caso de abandono do Acordo, que são importantes para o País, e por fim a dilapidação do capital político do Brasil na área, acumulado ao longo das últimas décadas.
Quanto às escolhas dos primeiros países visitados, Ricupero manifestou preocupação com o fato de que o critério evidente foi o da ideologia. Ainda segundo o embaixador, a agenda das viagens revelou “prioridades erradas” estimulando antagonismos e criando constrangimentos com países que são importantes mercados para as exportações brasileiras.
Lembrando que em 1º de março do próximo ano o Brasil completará 150 anos de paz – data em que se celebra o fim da Guerra da Tríplice Aliança –, feito que ganha especial admiração por ter o Brasil fronteira com dez países. Ricupero expôs seu entendimento de que, num mundo marcado por instabilidade e conflitos, nosso País se fortalece ao reafirmar os valores da solução pacífica de conflitos e da não intervenção, valores que passaram a emoldurar a identidade internacional do País desde o fim do referido conflito. 
Consonante com a mensagem contida nas mais de 700 páginas de seu mais recente livro “A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016” e também com o conteúdo da extensa entrevista concedida recentemente à Jamil Chade da Folha de S. Paulo, donde extraio o parágrafo abaixo, a palestra de Rubens Ricupero no Dia do Diplomata repôs para o público presente a importância de a política externa ser entendida como parte indissociável da própria política do Estado para o desenvolvimento nacional, e da importância da diplomacia para o desenvolvimento das nações e para a construção de uma paz com justiça entre as nações. 
Como avalia Ricupero “Hoje em dia, o que caracteriza um governo admirado, merecedor de prestígio internacional, é seu comportamento nos domínios que integram o conjunto de aspirações da humanidade: direitos humanos, meio ambiente, promoção de igualdade entre mulheres e homens, tolerância e respeito pelas minorias, combate à desigualdade social e racial. Cada sociedade será julgada em última instância pela maneira como trata seus membros mais frágeis e vulneráveis.”
Arnaldo Cardoso é cientista político, pesquisador e professor universitário.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Lancamento de Contra a Corrente: ensaios contrarianistas - Paulo Roberto de Almeida

Livro de Paulo Roberto de Almeida: Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as RI do Brasil; 22/04, 19h30hs, Carpe Diem

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, a Editora Appris e o restaurante Carpe Diem (SCLS 104) convidam para o lançamento do livro, Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018, na segunda-feira, 22 de abril, a partir de 19:30hs. Estarão igualmente disponíveis exemplares de dois de seus livros precedentes: Nunca Antes na Diplomacia: a política externa em tempos não convencionais (2014) e O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (2017). 
   
O livro Contra a Corrente também pode ser adquirido diretamente junto à Editora Appris, em formato impresso ou digital, no seguinte link: https://www.editoraappris.com.br/produto/2835-contra-a-corrente-ensaios-contrarianistas-sobre-as-relaes-internacionais-do-brasil-2014-2018
O livro Nunca Antes na Diplomacia está disponível, também em dois formatos, no link seguinte: https://www.editoraappris.com.br/produto/126-nunca-antes-na-diplomacia-a-poltica-externa-brasileira-em-tempos-no-convencionais
O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos; no link: https://www.editoraappris.com.br/produto/1513-o-homem-que-pensou-o-brasil-trajetria-intelectual-de-roberto-campos
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Paulo R. de Almeida
Professor de Economia Política - Programas de Mestrado e Doutorado em Direito
Centro Universitário de Brasília (Uniceub)

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Politica externa brasileira: passado, presente e futuro - Paulo Roberto de Almeida


Política externa brasileira: passado, presente e futuro


Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: notas para palestra; finalidade: colóquio no IRel-UnB]

Cabe em primeiro lugar fazer a tradicional distinção entre diplomacia e política externa, se os dois conceitos não estão suficientemente claros e diferenciados entre si. A diplomacia é um mero instrumento, ou ferramenta, para implementar uma determinada política externa, qualquer que esta seja. A diplomacia brasileira está, por acaso, sendo submetida ao que eu já designei de “revolução cultural”. Como no exemplo precedente da Revolução Cultural chinesa, na segunda metade dos anos 1970, trata-se, como no caso do Itamaraty, de uma luta pelo poder, ainda que mais, neste caso, de poder ideológico, ou poder cultural, antes que o poder político em si. Também, como no caso da Revolução Cultural chinesa, aqueles considerados dissidentes, ou indesejados, ou os opositores da “linha correta” do partido hegemônico – no caso do Brasil, a coalizão olavista-bolsonarista – esses elementos revisionistas, sabotadores, ou simplesmente alternativos à linha ideológica em ascensão estão sendo afastados dos postos de comando e condenados ao ostracismo, quando não ao deserto, antigamente conhecido, no Itamaraty, como DEC, ou “Departamento de Escadas e Corredores”, onde eu mesmo estacionei durante longos anos, elegendo então a Biblioteca como meu habitat natural.
Diferentemente, porém, da Revolução Cultural chinesa, só não estamos ainda, na Casa de Rio Branco, só não estamos ainda sendo enviados às províncias do interior para limpar latrinas nas comunas populares ou recolher esterco para adubar as plantações. No meu caso, como já tenho experiência nesse tipo de travessia do deserto, já fiz da Biblioteca meu local de trabalho, onde passei excelentes anos durante o período do lulopetismo diplomático, o que me permitiu escrever dois ou três livros, um deles sobre o Moderno Príncipe, ou Maquiavel revisitado, e um outro apropriadamente intitulado “Nunca Antes na Diplomacia”, que eu pensava não ter de revisar, senão no conteúdo (que parou em 2014), pelo menos no título. Parece que vou ter de fazê-lo, pois a Lei de Murphy é implacável, aquela que diz que o que pode dar errado, dará, da pior forma possível; essa lei, das mais efetivas, segue exemplarmente seu curso no Itamaraty atual, e ela não precisa de muito esforço para dar certo, da pior forma possível. Mas, enquanto não reviso o meu título equivocado de “Nunca Antes na Diplomacia”, eu me dediquei a recolher meus escritos diplomáticos e políticos do período 2014 a 2018 e coloquei neste novo livro, que acaba de ser publicado: Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Appris), e encontra-se disponível aos interessados. Haverá um novo, pois o material já disponível em 2019 é suficiente para encher dois ou três novos volumes. Eles virão.
Não é o caso, porém, de discorrer sobre a diplomacia enquanto tal, com ou sem revolução cultural – que se manifesta na quebra de hierarquia e na desorganização institucional do Itamaraty feita pelo alto, autoritariamente –, mas sim de uma outra revolução cultural, a que ocorre atualmente no âmbito da política externa. De fato, também a política externa está sendo submetida a uma grande revolução cultural, uma que desconstrói os fundamentos de todas as políticas anteriores, e tenta colocar em seu lugar uma política externa que não sabemos ainda em que consiste exatamente, uma vez que não tivemos, até aqui, uma exposição clara, completa, abrangente, sobre seus fundamentos e elementos constitutivos, a não ser que está identificada a uma pequena tropa de iluminados da extrema direita que comanda partes do atual governo. O que tivemos até aqui foram repentes, slogans, intenções, invectivas, em lugar de uma explanação sistemática, cristalina, definidora do que seria essa nova diplomacia, sem ideologia, que foi proclamada desde antes da assunção do governo.
O que ouvimos, o que lemos, o que assistimos até o presente momento? Nada de muito esclarecer, mas coisas assim: uma política externa sem ideologia, justamente, um comércio exterior idem, sem ideologia, a luta contra um tal de globalismo, esse monstro metafísico que parece estar atacando nossa soberania e reduzindo o Brasil a um estado de prostração antes poderosas forças de megabilionários unidos a esquerdistas marxistas e outros elementos suspeitos. Tem ainda a luta contra o comercialismo, o climatismo, o multilateralismo, o marxismo cultural, a ideologia do gênero, e invectivas desse tipo.
Convenhamos que tudo isso pode conformar bandeiras de luta, chamados à resistência e ao combate, à mobilização de forças comprometidas com o salvamento do Brasil em face de tantos inimigos internos e externos, mas isso dificilmente conforma uma política externa explícita, no sentido estrito ou mesmo no sentido lato. Eu, como muitos outros, estamos sinceramente à espera dessa definição de uma política externa, qualquer uma, para poder atender à demanda de muitos jornalistas, os mesmos que, desde a minha exoneração, ocorrida numa chuvosa manhã de Carnaval, me solicitaram uma avaliação desse arremedo de política externa que encontra-se em curso em meio a muitas dúvidas, indefinições teóricas, recuos práticos, muitas idas e vindas, hesitações, balbuciamentos, um pouco como têm sido as poucas intervenções do atual chanceler, a maior parte bastante difíceis de serem compreendidas, tal a confusão mental que as caracteriza e uma gestualização sofrível de se ver. Coisa de psiquiatria, sem dúvida.
A todos os que me demandam essa avaliação, eu respondo da mesma forma: não posso avaliar o que não existe. Seria necessário primeiro mostrar-me qual é essa política externa, onde ela se esconde, em qual documento definidor, ou discurso esclarecedor, ela encontra-se expressa, de forma clara, inteligente, para então eu me pronunciar a respeito, se conseguir, claro. Até aqui, não tenho muitas coisas inteligentes, sequer compreensíveis, apenas invectivas, o que não me permite exercer meu divertissement mais frequente: a leitura, a reflexão e reações escritas ao que leio ou observo. Quem mais se dedicou a isso, aliás desde antes do início do presente governo, e dessa diplomacia que se desenhava em escritos confusos, e por isso mesmo objeto de acerbas críticas do atual chanceler, foi o embaixador Rubens Ricupero, entrevistados por vários jornalistas e autor de uma palestra, no Cebri e na Casa das Garças, do Rio de Janeiro, em 25 de fevereiro último, na qual ele tentou discernir os traços principais do presente arremedo de diplomacia ideológica.
Postei sua palestra, intitulada “Política Externa: desafios e contradições”, em meu blog Diplomatizzando, exatamente um dia depois que ela foi pronunciada, e ela está disponível neste link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/02/rubens-ricupero-palestra-sobre-politica.html. Por absoluta falta de tempo, não tive ainda a oportunidade de resumir e comentar essa palestra seminal, pois que sintetizadora de todos os problemas atuais e futuros da diplomacia e da política externa brasileira, na atual confusão de conceitos e práticas. No final da semana, mais exatamente no domingo 3 de março, foi publicado um outro artigo, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sobre o tema maior da agenda diplomática brasileira, o test-case da Venezuela, sob o título de “A vez da Venezuela”, concentrando-se exatamente nesse problema crucial da diplomacia bilateral, regional, hemisférica e até mundial do Brasil, e que está longe de ser encaminhado de forma satisfatória pelo governo atual, daí a mobilização do “Comitê de Tutela”, de origem militar, que se exerce em torno do Itamaraty, e mais exatamente sobre o chanceler atual.
Nessa mesma noite, num daqueles arroubos que têm sido típicos em seu blog pessoal, o chanceler atual publicou um pequeno texto em seu blog, Metapolítica 17: contra o globalismo, chamado “Contra o consenso da inação”, no qual ele atacava em tom acerbo os dois autores anteriores, o ex-ministro Rubens Ricupero e o ex-presidente FHC. Encontrei ali uma oportunidade que julguei adequada para lançar um debate sobre a atual política externa, se ela existe, já que tínhamos três textos razoavelmente explícitos sobre a política externa, muito embora, tanto o ex-presidente FHC como o atual chanceler tivessem se dedicado bem mais ao problema da Venezuela do que à política externa de forma geral, como o tinha feito o embaixador Rubens Ricupero em sua palestra feita no Cebri e na Casa das Garças. Convido a todos para lerem essa palestra no link referido acima.
O texto do atual chanceler foi publicado numa hora tardia desse domingo, 3 de março, e eu decidi reunir os três textos num único documento, e oferece-lo ao escrutínio dos interessados, fazendo uma pequena introdução e convidando a debate aberto sobre a questão. Meu documento, em 18 páginas, contendo esses três textos e minha introdução, chamado de “A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo”, foi publicado na madrugada de 4 de março de 2019, aproximadamente às 2 horas dessa noite, e fiz dele o seguinte registro em minha lista de trabalhos originais, com o devido registro dos links disponíveis para consulta: “Introdução, em 2 p., à transcrição de três textos relativos à política externa do governo Bolsonaro, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019). Postado no blog Diplomatizzando (4/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html); disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/70710c9869/a-politica-externa-brasileira-em-debate-ricupero-fhc-e-araujo).” Isso foi, portanto, na madrugada da segunda-feira de Carnaval, dia 4 de março. Às 8:00hs da manhã eu fui acordado por um telefonema em meu celular por parte do chefe de gabinete do chanceler atual, dizendo que este estava muito descontente com a minha postagem. Bem, o resto é história, e foi devida e integralmente registrada em diversas postagens em meu blog ao longo das últimas semanas. Por razões de espaço, não vou comentar ou discutir aqui a magnífica palestra feita pelo embaixador Ricupero em 25 de fevereiro, apenas registrando que ela toca em todos os pontos essenciais do que passa por política externa e diplomacia no atual governo.
Como já referido acima, convido todos os interessados a lerem e a refletirem sobre esse texto seminal, pois é ele que vai orientar meus futuros comentários: “Política Externa: desafios e contradições”, transcrito no blog Diplomatizzando (no seguinte link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/02/rubens-ricupero-palestra-sobre-politica.html). Voltarei a ele assim que puder.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de abril de 2019

sexta-feira, 29 de março de 2019

O risco de uma política externa patética - Vinicius Muller

Entre os mitos e o pragmatismo: o risco de uma política externa patética

Ao representar o interesse nacional, a Política Externa carrega em si um elemento que torna sua configuração ainda mais complexa.

por Vinícius Müller
Estado da Arte, O Estado de S. Paulo, 29/03/2019

A formulação de qualquer política, no sentido de manifestação de certa intenção amparada em planejamento, em uma ideologia ou em uma simples reconfiguração eleitoral, é fundada em um modo como se escolhe, hierarquiza e reconta a História. Os elementos que orientam esta reorganização da História variam ao gosto de quem a conta e conforme suas limitações do presente. Ou seja, é no presente, com todas as suas determinações, que escolhemos qual história vamos contar de modo a justificar aquilo que imaginamos estar preparando para o futuro. 
A confusão pode ser exemplificada. Há uma quase unânime opinião, ao menos entre aqueles que têm o mínimo de responsabilidade, acerca da necessidade de um ajuste das contas públicas brasileiras. Um dos elementos que compõem esse quadro é a dificuldade de estados e municípios em equilibrar seus orçamentos e cumprir com suas responsabilidades. Entre elas, o pagamento de seus funcionários. Como resolver esse problema? Para alguns, diminuindo o número de funcionários, criando, inclusive, mecanismos formais que permitam a demissão de alguns deles. Para outros, reformando as regras da aposentadoria dos futuros inativos. Para outros tantos, aumentando os impostos para ampliar a receita dos estados e municípios. Ou ainda reorganizando as relações de direitos e deveres entre municípios, estados e união, de modo a redefinir o que chamamos, grosso modo, de pacto federativo.
É no presente que escolhemos qual história vamos contar de modo a justificar aquilo que imaginamos estar preparando para o futuro
Em geral, essa última proposta é defendida por aqueles que entendem ser a centralização excessiva. Também, em geral, são aqueles que se identificam com abordagens mais liberais sobre a economia, a política e a sociedade. São os mesmos que, muitas vezes, reconhecem na trajetória dos EUA elementos de sucesso, riqueza e desenvolvimento, justificando-os pela inovação e precocidade do modelo federativo que o país adotou desde sua independência no final do século XVIII. E, também, aqueles que, por isso, buscam na trajetória brasileira os elementos constitutivos da centralização, apontando para os males que nos legou. Assim, são críticos ao legado da centralização imperial, assim como do governo Vargas, e insistem em identificar na Constituição de 1988 um desequilíbrio relacionado ao pacto federativo que, em tese, teria ampliado a descentralização sem, em contrapartida, viabilizar financeiramente os estados e municípios. Em outras palavras, ao identificarem um problema presente (a falência de estados e municípios), propõem uma política esperando que no futuro o problema acabe. Mas, tal proposta é justificada pelo modo como enxergam e reconstroem a História, ou ao menos, aquela que destaca os itens que confirmam o modo como definem os problemas. 
Outros tantos exemplos podem ser dados. Política externa é um deles. Isso porque ela carrega um elemento que torna sua configuração ainda mais complexa, dado que deve, entre suas funções, representar interesses baseados em uma possível unidade. Ou seja, representa os interesses do país como se fosse possível defini-los em meio à diversidade que o configura. Por isso, busca sempre algum tipo de embasamento mais subjetivo: interesse nacional, patriotismo, defesa de valores universais, valores culturais, tradições morais, etc. Não que esta subjetividade unificadora seja simplória por definição. Ao contrário, pode ser bastante complexa em sua construção. E isso envolve o modo como recuperamos nossa História. 
Sobre isso, Demétrio Magnoli, na obra O Corpo da Pátria (Editora Unesp/Moderna, 1997) retoma  uma parte desta História ao analisar como a geografia, especialmente o que chama de “imaginação geográfica”, moldou parte considerável da política externa brasileira no século XIX. A imaginação, no caso, relaciona-se ao modo como construímos certa identidade a partir da definição do território. E essa identidade esteve tanto na maneira que entendemos o gigantismo territorial como parte essencial de nossa “brasilidade”, como também na formulação das posições externas, principalmente nas definições das fronteiras do norte (Amazônia e a compra do Acre em 1903) e na relação com a África Atlântica sob a pressão britânica ao longo do debate sobre o tráfico de escravos. Além, certamente, das definições das fronteiras do sul, envolvidas pelas disputas e interesses argentinos e paraguaios. 
O interessante nesse caso é que a justificativa de uma política externa amparada na identidade territorial foi amplamente vista como uma simples definição de algo que o Brasil teria uma espécie de direito histórico. Este direito, na narrativa construída, derivava das definições territoriais da época colonial. Tanto, em caso específico, das fronteiras organizadas pelo Tratado de Madri de 1750, como também – e especialmente – de um certo mito criado como um elo entre um Brasil colonial e um Brasil definido como um Estado Nacional soberano. Um mito romântico, portanto, como foi o do indianismo. Ou como foi e, para muitos ainda é, aquele que identifica a abertura econômica como sendo inimiga dos reais interesses nacionais. 
Neste sentido, a projeção relativa ao papel do país em seu posicionamento externo deve-se não só aos problemas identificados no presente, mas também a como o passado é reconstruído de modo a justificar tal projeção. Já foi assim em outros episódios, quando uma certa narrativa que nos incluía na tradição ocidental foi parcialmente responsável pelo posicionamento do país na Segunda Grande Guerra. Ou quando, logo depois, um antigo entusiasta da ‘germanização’ optou por recuperar uma inexistente trajetória democrática para justificar a aproximação entre o Brasil e os EUA. Ou ainda, quando a defesa dos interesses nacionais foi confundida com certo anticapitalismo juvenil. Assim como, logo depois, um perigoso anticomunismo lustrava a ideia de que ‘o que é bom para os EUA é bom para o Brasil’. Por fim, a heroica política que se sustentava pela perspectiva de que negócios internacionais que envolvem países com níveis diferentes de desenvolvimento resultam, invariavelmente, em prejuízo aos menos desenvolvidos. Uma espécie de imperialismo contemporâneo. Assim, toda a política externa deveria buscar certo isolamento em relação aos países ricos e, ao contrário, aproximação com países em desenvolvimento. 
Vale destacar que nenhuma delas era mentirosa. Todas tinham alguma referência histórica pertinente. Mas, mesmo diferentes em suas propostas e justificativas, superestimavam os itens que as constituíam. E se justificavam por uma visão mitológica sobre o passado. Mitos não são mentirosos. Só exageram e romantizam o tempo pretérito em nome de uma ligação entre o passado e o presente. E ajudam a criar narrativas que, em tese, nos unem em um passado e um futuro comum. Por isso, os exageros românticos que amparam as políticas externas tendem a criação de mitos como o da grandiosidade geográfica, o da essência ocidental, o da exploração pelo imperialismo, o da superioridade racial, entre outros. 
Se tais mitologias nos ajudam a resgatar um passado que nos une, até pela própria necessidade da política externa em representar de modo coerente um país que, internamente, apresenta tantas variações, também ajudam a captura por questões ideológicas de parte importante de nossa representação internacional. Manter o que seria o equilíbrio entre tais formulações românticas e ideológicas, de um lado, e o pragmatismo, de outro, parece ser o ideal. Muitos já conseguiram, conforme a leitura do grande José Honório Rodrigues nos revela (Uma História Diplomática do Brasil, 1531 – 1945. Com Ricardo Seitenfus. Civilização Brasileira, 1995). Mas, a dificuldade está exatamente em manter esse equilíbrio. Nesse caso, o pendor, que muitos apresentam, favorável à idealização de um passado que nos une,  que explica o presente e justifica o que projetamos em matéria de política externa pode nos tornar mais do que irrelevantes no plano internacional: coloca-nos em risco de sermos verdadeiramente patéticos. A Venezuela comprova. O Brexit idem. O Brasil desta quadra da História parece correr esse risco também.

Vinícius Müller  é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper.