Política externa brasileira:
passado, presente e futuro
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: notas para palestra; finalidade: colóquio no IRel-UnB]
Cabe em primeiro lugar
fazer a tradicional distinção entre diplomacia e política externa, se os dois
conceitos não estão suficientemente claros e diferenciados entre si. A
diplomacia é um mero instrumento, ou ferramenta, para implementar uma
determinada política externa, qualquer que esta seja. A diplomacia brasileira está,
por acaso, sendo submetida ao que eu já designei de “revolução cultural”. Como
no exemplo precedente da Revolução Cultural chinesa, na segunda metade dos anos
1970, trata-se, como no caso do Itamaraty, de uma luta pelo poder, ainda que
mais, neste caso, de poder ideológico, ou poder cultural, antes que o poder político
em si. Também, como no caso da Revolução Cultural chinesa, aqueles considerados
dissidentes, ou indesejados, ou os opositores da “linha correta” do partido
hegemônico – no caso do Brasil, a coalizão olavista-bolsonarista – esses
elementos revisionistas, sabotadores, ou simplesmente alternativos à linha
ideológica em ascensão estão sendo afastados dos postos de comando e condenados
ao ostracismo, quando não ao deserto, antigamente conhecido, no Itamaraty, como
DEC, ou “Departamento de Escadas e Corredores”, onde eu mesmo estacionei
durante longos anos, elegendo então a Biblioteca como meu habitat natural.
Diferentemente, porém, da Revolução
Cultural chinesa, só não estamos ainda, na Casa de Rio Branco, só não estamos
ainda sendo enviados às províncias do interior para limpar latrinas nas comunas
populares ou recolher esterco para adubar as plantações. No meu caso, como já
tenho experiência nesse tipo de travessia do deserto, já fiz da Biblioteca meu
local de trabalho, onde passei excelentes anos durante o período do lulopetismo
diplomático, o que me permitiu escrever dois ou três livros, um deles sobre o Moderno
Príncipe, ou Maquiavel revisitado, e um outro apropriadamente intitulado “Nunca
Antes na Diplomacia”, que eu pensava não ter de revisar, senão no conteúdo (que
parou em 2014), pelo menos no título. Parece que vou ter de fazê-lo, pois a Lei
de Murphy é implacável, aquela que diz que o que pode dar errado, dará, da pior
forma possível; essa lei, das mais efetivas, segue exemplarmente seu curso no
Itamaraty atual, e ela não precisa de muito esforço para dar certo, da pior
forma possível. Mas, enquanto não reviso o meu título equivocado de “Nunca
Antes na Diplomacia”, eu me dediquei a recolher meus escritos diplomáticos e
políticos do período 2014 a 2018 e coloquei neste novo livro, que acaba de ser
publicado: Contra a Corrente: ensaios
contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018
(Appris), e encontra-se disponível aos interessados. Haverá um novo, pois o
material já disponível em 2019 é suficiente para encher dois ou três novos volumes.
Eles virão.
Não é o caso, porém, de
discorrer sobre a diplomacia enquanto tal, com ou sem revolução cultural – que
se manifesta na quebra de hierarquia e na desorganização institucional do
Itamaraty feita pelo alto, autoritariamente –, mas sim de uma outra revolução
cultural, a que ocorre atualmente no âmbito da política externa. De fato, também
a política externa está sendo submetida a uma grande revolução cultural, uma
que desconstrói os fundamentos de todas as políticas anteriores, e tenta
colocar em seu lugar uma política externa que não sabemos ainda em que consiste
exatamente, uma vez que não tivemos, até aqui, uma exposição clara, completa,
abrangente, sobre seus fundamentos e elementos constitutivos, a não ser que está
identificada a uma pequena tropa de iluminados da extrema direita que comanda
partes do atual governo. O que tivemos até aqui foram repentes, slogans, intenções,
invectivas, em lugar de uma explanação sistemática, cristalina, definidora do
que seria essa nova diplomacia, sem ideologia, que foi proclamada desde antes
da assunção do governo.
O que ouvimos, o que
lemos, o que assistimos até o presente momento? Nada de muito esclarecer, mas
coisas assim: uma política externa sem ideologia, justamente, um comércio
exterior idem, sem ideologia, a luta contra um tal de globalismo, esse monstro
metafísico que parece estar atacando nossa soberania e reduzindo o Brasil a um
estado de prostração antes poderosas forças de megabilionários unidos a
esquerdistas marxistas e outros elementos suspeitos. Tem ainda a luta contra o
comercialismo, o climatismo, o multilateralismo, o marxismo cultural, a
ideologia do gênero, e invectivas desse tipo.
Convenhamos que tudo isso pode
conformar bandeiras de luta, chamados à resistência e ao combate, à mobilização
de forças comprometidas com o salvamento do Brasil em face de tantos inimigos
internos e externos, mas isso dificilmente conforma uma política externa explícita,
no sentido estrito ou mesmo no sentido lato. Eu, como muitos outros, estamos
sinceramente à espera dessa definição de uma política externa, qualquer uma,
para poder atender à demanda de muitos jornalistas, os mesmos que, desde a
minha exoneração, ocorrida numa chuvosa manhã de Carnaval, me solicitaram uma avaliação
desse arremedo de política externa que encontra-se em curso em meio a muitas dúvidas,
indefinições teóricas, recuos práticos, muitas idas e vindas, hesitações,
balbuciamentos, um pouco como têm sido as poucas intervenções do atual
chanceler, a maior parte bastante difíceis de serem compreendidas, tal a confusão
mental que as caracteriza e uma gestualização sofrível de se ver. Coisa de
psiquiatria, sem dúvida.
A todos os que me demandam
essa avaliação, eu respondo da mesma forma: não posso avaliar o que não existe.
Seria necessário primeiro mostrar-me qual é essa política externa, onde ela se
esconde, em qual documento definidor, ou discurso esclarecedor, ela encontra-se
expressa, de forma clara, inteligente, para então eu me pronunciar a respeito,
se conseguir, claro. Até aqui, não tenho muitas coisas inteligentes, sequer compreensíveis,
apenas invectivas, o que não me permite exercer meu divertissement mais
frequente: a leitura, a reflexão e reações escritas ao que leio ou observo. Quem
mais se dedicou a isso, aliás desde antes do início do presente governo, e
dessa diplomacia que se desenhava em escritos confusos, e por isso mesmo objeto
de acerbas críticas do atual chanceler, foi o embaixador Rubens Ricupero, entrevistados
por vários jornalistas e autor de uma palestra, no Cebri e na Casa das Garças,
do Rio de Janeiro, em 25 de fevereiro último, na qual ele tentou discernir os
traços principais do presente arremedo de diplomacia ideológica.
Postei sua palestra,
intitulada “Política Externa: desafios e contradições”, em meu blog Diplomatizzando, exatamente um dia depois
que ela foi pronunciada, e ela está disponível neste link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/02/rubens-ricupero-palestra-sobre-politica.html.
Por absoluta falta de tempo, não tive ainda a oportunidade de resumir e
comentar essa palestra seminal, pois que sintetizadora de todos os problemas
atuais e futuros da diplomacia e da política externa brasileira, na atual
confusão de conceitos e práticas. No final da semana, mais exatamente no
domingo 3 de março, foi publicado um outro artigo, do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, sobre o tema maior da agenda diplomática brasileira, o test-case
da Venezuela, sob o título de “A vez da Venezuela”, concentrando-se exatamente nesse problema crucial
da diplomacia bilateral, regional, hemisférica e até mundial do Brasil, e que
está longe de ser encaminhado de forma satisfatória pelo governo atual, daí a
mobilização do “Comitê de Tutela”, de origem militar, que se exerce em torno do
Itamaraty, e mais exatamente sobre o chanceler atual.
Nessa mesma noite, num daqueles
arroubos que têm sido típicos em seu blog pessoal, o chanceler atual publicou
um pequeno texto em seu blog, Metapolítica
17: contra o globalismo, chamado “Contra o consenso da inação”, no qual ele
atacava em tom acerbo os dois autores anteriores, o ex-ministro Rubens Ricupero
e o ex-presidente FHC. Encontrei ali uma oportunidade que julguei adequada para
lançar um debate sobre a atual política externa, se ela existe, já que tínhamos
três textos razoavelmente explícitos sobre a política externa, muito embora,
tanto o ex-presidente FHC como o atual chanceler tivessem se dedicado bem mais ao
problema da Venezuela do que à política externa de forma geral, como o tinha
feito o embaixador Rubens Ricupero em sua palestra feita no Cebri e na Casa das
Garças. Convido a todos para lerem essa palestra no link referido acima.
O texto do atual chanceler foi publicado
numa hora tardia desse domingo, 3 de março, e eu decidi reunir os três textos
num único documento, e oferece-lo ao escrutínio dos interessados, fazendo uma
pequena introdução e convidando a debate aberto sobre a questão. Meu documento,
em 18 páginas, contendo esses três textos e minha introdução, chamado de “A política
externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo”, foi publicado na
madrugada de 4 de março de 2019, aproximadamente às 2 horas dessa noite, e fiz
dele o seguinte registro em minha lista de trabalhos originais, com o devido registro
dos links disponíveis para consulta: “Introdução, em 2 p., à transcrição de três
textos relativos à política externa do governo Bolsonaro, de Rubens Ricupero
(25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto
Araújo (3/03/2019). Postado no blog Diplomatizzando
(4/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html);
disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/70710c9869/a-politica-externa-brasileira-em-debate-ricupero-fhc-e-araujo).”
Isso foi, portanto, na madrugada da segunda-feira de Carnaval, dia 4 de março. Às
8:00hs da manhã eu fui acordado por um telefonema em meu celular por parte do
chefe de gabinete do chanceler atual, dizendo que este estava muito descontente
com a minha postagem. Bem, o resto é história, e foi devida e integralmente
registrada em diversas postagens em meu blog ao longo das últimas semanas. Por
razões de espaço, não vou comentar ou discutir aqui a magnífica palestra feita
pelo embaixador Ricupero em 25 de fevereiro, apenas registrando que ela toca em
todos os pontos essenciais do que passa por política externa e diplomacia no
atual governo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de abril de 2019
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