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domingo, 7 de junho de 2015

O desmantelamento do Brasil pelo lulo-petismo - Fernando Henrique Cardoso

Um dos problemas do ex-presidente -- não sei se por ingenuidade, ou legítima crença em qualquer qualidade política do chefe dos mafiosos -- é que ele parece acreditar que o que ele chama de erros do lulo-petismo deriva apenas de exageros de populismo e de equívocos na dosagem das políticas macroeconômicas e setoriais, quando eu acredito que muitas das decisões foram tomadas deliberadamente para roubar, assaltar, defraudar o Estado (e todos nós), para montar uma máquina de controle permanente das instituições, para sua perpetuação no poder político como totalitários e mafiosos que são.
Ou seja, ele acha que se trata apenas de um partido a mais, apenas que inepto para governar, quando eu considero que são pessoas totalmente diferentes do que se chama jogo democrático normal, facínoras políticos e pervertidos morais.
Acho que o ex-presidente é um ingênuo, ou acredita que pode aplicar a lógica cartesiana aos petralhas.
Paulo Roberto de Almeida

O ponto a que chegamos
Fernando Henrique Cardoso
O Estado de S. Paulo e O Globo, domingo, 7 de junho de 2015

• Em política econômica, tão importante quanto o rumo é a dosagem. O rumo foi perdido; o limite da prudência na dosagem, ultrapassado

Os brasileiros sentem a dor das oportunidades perdidas. Olhando em retrospectiva, não há dúvidas de que nos últimos anos houve uma guinada. Para a esquerda? Não, para o despropósito. O que havia sido penosamente reconstruído na década de 1990, o Plano Real; a responsabilidade com as finanças públicas; o incentivo à iniciativa privada (sem subsídios descabidos); a manutenção do setor produtivo e financeiro estatal longe do alcance dos interesses clientelísticos; em suma, o início da reorganização do Estado e, ao mesmo tempo, a reformulação e universalização do atendimento à saúde e à educação, bem como do acesso à terra, perdeu-se por “desmesura”. Em política econômica tão importante quanto o rumo é a dosagem. No caso, o rumo foi perdido e o limite da prudência na dosagem, ultrapassado.

Até quase o fim do primeiro mandato de Lula, o mantra de uma política econômica adequada (o tripé metas de controle inflacionário, flutuação da taxa de câmbio e política monetária sem interferências políticas) se mantivera, embora sinais preocupantes já começassem a aparecer. Beneficiado o País pelo boom mundial a partir de 2004, especialmente pelo alto preço das commodities e pela abundância de capital, até aquele momento muito havia a louvar na expansão das políticas sociais. Abandonado o Fome Zero, houve a aceitação silenciosa do programa “neoliberal” de transferências de rendas (bolsas sem contrapartida). Na ação internacional do governo era de esperar mais de um país que, desde 1999, se elevara à categoria de um dos Brics, nos quais os mercados viam um futuro promissor e as potências, um parceiro a considerar.

O início da derrapada se deu com a substituição de Palocci por Mantega, com a falta de dosagem e com as concessões populistas que jogaram fumaça no escândalo do mensalão. A partir daí, a penetração partidária na máquina pública, que sempre esteve no DNA do PT por ele se considerar “herdeiro histórico” e principal agente do progressismo, se ampliou para abrigar a “base aliada”. Aos poucos, surgiu outra formulação “teórica” para o descontrole financeiro do governo: a dita “nova matriz econômica”.

Esta substituiu a visão do governo do PSDB, que era social-democrática contemporânea, isto é, entendia que o bom governo, para atender ao longo do tempo às demandas sociais, requer previsibilidade na condução das políticas econômicas.

O processo de erosão simultânea do “presidencialismo de coalizão” e do bom senso na economia, embora originário do governo Lula, tornou-se mais claro no primeiro mandato de Dilma: o “presidencialismo de coalizão” - no qual se supõe a aliança entre um número limitado de partidos para apoiar a agenda do governo no Congresso - transformou-se em “presidencialismo de cooptação”. Nele, grandes e pequenos partidos (meros agregados de pessoas que visam o controle de um pedaço do Orçamento) ideologicamente díspares passam a tão somente carimbar as decisões do Executivo no Congresso em troca de penetração cada vez maior na máquina governamental e participação nos contratos públicos.

Tão grave quanto o desvio das políticas macroeconômicas saudáveis foi o desmazelo nas políticas setoriais, do petróleo ao etanol, passando pelo setor elétrico. Não me refiro à corrupção desvendada pela Lava Jato - em si já muito grave -, mas aos erros de decisão: refinarias e complexos petroquímicos projetados com megalomania (Comperj, Abreu e Lima, etc.) ou sem viabilidade econômica (no Ceará e no Maranhão), assim como um conjunto de estaleiros (11!) construídos para fornecer a custos altíssimos e por meio de engenharias financeiras duvidosas, do tipo Sete Brasil, navios, plataformas e sondas para a Petrobrás, com o sacrifício dos interesses da própria empresa e do País.

O mesmo exagero na dosagem se viu no Fies (deixando agora as universidades e os alunos na rua da amargura), no falecido trem-bala, nas concessões de aeroportos à custa do BNDES e também na política de “campeões nacionais”, financiada à custa da emissão de dívida cara pelo Tesouro para empréstimo a juros subsidiados de centenas de bilhões de reais a algumas empresas, sem transparência alguma.

Políticas em si justificáveis e preexistentes, de estímulo ao “conteúdo nacional” e apoio ao empresariado brasileiro, foram deturpadas. Os erros são inumeráveis, como o controle do preço da gasolina, que levou usinas de cana à ruína, ou a redução demagógica das tarifas de energia elétrica quando a escassez de água já se desenhava no horizonte. Tudo isso revestido de uma linguagem “nacionalista” e de grandeza.

Em suma: não houve apenas roubalheira, mas uma visão política e econômica equivocada, desatenção ao bê-á-bá do manejo das finanças públicas e erros palmares de política setorial. Sabemos quais foram os responsáveis pelo estado a que chegamos. Cobra-se agora das oposições: o que fazer?

É preciso primeiro reconhecer que, dada a reeleição de Dilma e do PT, há que dizer: quem pariu Mateus que o embale. Tudo bem, é verdade. Mas o Brasil não é do governo ou da oposição, é de todos. A oposição de hoje será governo amanhã. Portanto, não deve escorregar para o populismo, e sim apontar caminhos para superar os problemas acima citados. O fator previdenciário, por exemplo, é indispensável, no longo prazo, para o equilíbrio das finanças públicas. Se for para mudá-lo, que se encontre um substituto à altura. Pensando no Brasil, não cabe simplesmente fazer o seu funeral. Não nos aflijamos eleitoralmente antes do tempo.

Neste momento o que importa é que o povo veja quem foram os verdadeiros responsáveis pelo desastre que aí está. Ele é fruto de decisões desatinadas do lulopetismo e da obsessão pela permanência no poder, com a ajuda da corrupção e de medidas populistas que nada têm a ver com desenvolvimento econômico e social ou com os interesses nacionais e populares.

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*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República

segunda-feira, 19 de maio de 2014

FHC: alternancia no poder sempre deve ocorrer - Entrevista a Roberto D'Avila - GloboNews

Edição do dia 11/05/2014
11/05/2014 07h07 - Atualizado em 11/05/2014 07h07

'A alternância é sempre boa', diz FHC sobre tempo no poder

Em entrevista a Roberto D’Avila, Fernando Henrique falou sobre reforma constitucional, rotatividade no poder, contexto atual e governos FHC e Lula.


Roberto D’Avila conversou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo. FHC falou sobre reforma constitucional, rotatividade no poder, contexto atual, governo FHC e governo Lula, entre outros assuntos.

Sociólogo, um dos intelectuais mais respeitados do país, às vésperas de completar 83 anos, Fernando Henrique Cardoso conserva o mesmo humor ferino, sua marca registrada, mas sempre com muito amor pela vida.
FHC costuma dar entrevistas no instituto que leva seu nome, mas desta vez escolheu sua casa. Fernando Henrique governou o Brasil por oito anos: de 1995 a primeiro de janeiro de 2003.
A primeira vez que Roberto D’Avila entrevistou Fernando Henrique foi em 1979, em Paris.
Ele dava aulas na escola de altos estudos da Sorbonne e já era uma das figuras centrais das discussões políticas que reunia centenas de exilados brasileiros que ainda viviam no exterior. Em 1996, já presidente, recebeu Roberto D’Avila no Palácio da Alvorada, em Brasília.
Confira destaques da entrevista a Roberto D’Avila:
Reforma constitucional
Roberto D’Avila: O senhor escreveu um artigo no Globo e na Folha neste fim de semana, em que faz uma chamada aos ex-presidentes, pedindo a reforma política, uma mudança.
Fernando Henrique Cardoso: Esse sistema não está funcionando. Um país que tem mais de 30 partidos, vinte e poucos operando no Congresso. Agora não são dois ou três partidos que se juntam. É todo mundo que se organiza em partido para poder tirar um pedacinho do governo, para ter uma diretoria. E isso é a mola fundamental para aumentar a corrupção. Estamos vendo que esse negócio não vai dar certo. O que vai dar certo? Acho que de cara não dá pra fazer um parlamentarismo, mas dá pra começar a mexer no modo de votar. A presidente Dilma está lá apertada por causa desse sistema também, como todos foram. No meu tempo foi mais fácil, porque não havia tantos partidos. E eu tinha um propósito: reformar a Constituição. Então a aliança era pra isso. Depois, o presidente Lula veio pra nada, porque não reformou constituição nenhuma! O que ele queria? Hegemonia, dominar tudo. E deu o mensalão! Ele diz que não aconteceu. Todo mundo sabe que houve o mensalão.
Roberto D´Avila: O senhor acha que aconteceu aquilo porque tinha muitos pequenos partidos e tinha que distribuir e tal?
Fernando Henrique Cardoso: É! E com a ambição de ter o controle! Pra que ter 80%? Porque como eu disse neste mesmo artigo, na democracia, a maioria são, em geral, eventuais. Não é pra você ter sempre o controle de tudo, mas a visão prevalecente a partir do presidente Lula, do PT, foi essa, de ter hegemonia. Piorou tudo. Não começou, não foi ele que inventou essas práticas, elas vêm de longe. Elas foram se deteriorando com o tempo. Segundo: tem que ter regra de limitar o que é partido. Agora não tem regra: o sujeito junta 20, 30 deputados, assina não sei o que lá, vai no cartório.
Rotatividade no poder
Roberto D´Avila: Se olharmos o mundo, o François Mitterrand ficou 14 anos, o Felipe González, 13 anos, a Margaret Thatcher, acho que 12 anos, Getúlio aqui no Brasil 15. E sempre a corrupção vai aumentando no final. Agora, se não houver uma mudança de governo, vamos para 16 anos. Como é que o senhor vê essa questão da rotatividade?
Fernando Henrique Cardoso: Eu acho imprescindível! Porque é o seguinte, você não pode. Corrupção, você pode dizer: sempre tem sempre.
Roberto D´Avila: Aliás, no último ano aparece mais! Com a eleição.
Fernando Henrique Cardoso: É uma coisa individual, mas quando você institucionaliza, ou seja, quando você tem um sistema, que você pra ter apoios políticos, você vai dar cargos, você sabe que esses cargos vão ser usados para fazer caixinha, aí é um caminho para a corrupção. Quando você fica muito tempo no poder, os compromissos são muitos. Você não consegue mexer na máquina, mesmo querendo. Veja a presidente Dilma: tentou várias vezes. Agora está lá, nomeando tesoureiro de partido para ter posição no governo. Não consegue. Com o tempo, você perde a capacidade de renovar realmente. A alternância é sempre boa. Você vai dizer: "E vocês em São Paulo?". A regra vale. É preciso que haja alguém para quem você passe o poder que seja confiável, que o povo creia nesse alguém. Por enquanto em São Paulo isso não apareceu.

Contexto atual
Roberto D´Avila: O senhor vê que, não por causa do PT ou do governo, o Brasil está vivendo um momento estranho. Essa moça que foi linchada pelas redes sociais, entre outras coisas.
Fernando Henrique Cardoso: Entre outras coisas, mas é uma coisa preocupante. O que é que há hoje no Brasil? No mundo todo você tem movimentos, a internet mobiliza as pessoas, salta as estruturas, é uma coisa muito rápida. Mas aqui há um certo rancor que não era habitual. O Brasil sempre foi violento lá pro Nordeste, pra Amazônia, por causa da terra.
Roberto D´Avila: No Rio Grande do Sul.
Fernando Henrique Cardoso: No Rio Grande do Sul. O que dizer? No Rio Grande do Sul degolavam, mas com o tempo, fomos criando condições mais civilizadas de vida. Agora, você percebe que há uma raiva. Queimam ônibus. Toda noite se queima ônibus no Brasil. Ônibus, viaturas, não sei o que lá. Quebram bancos, quebram edifícios públicos. Há raiva, isso é preocupante, há um mal-estar. Não é uma coisa dirigida contra um partido, contra um governo, a favor. Não é só isso, não. Há um mal-estar, e esse mal estar está indo para a justiça pelas próprias mãos. Mataram uma moça. Ainda disse um dos que foram acusados: "Eu não sabia que ela era inocente". E se fosse culpada, ele podia matar? Quer dizer, é um clima ruim. Aí vem com o problema: o que vai acontecer na Copa. Ninguém sabe, ninguém sabe. Deverá haver manifestações, porque hoje é um movimento de internet. Agora, eu tenho medo da junção de vários fatores desse tipo assim que vão azedando o clima. Se houver um sentimento de mal-estar, todos os que estão no governo sofrem.

O Plano Real
Roberto D´Avila: Estamos comemorando os 20 anos do Real, que foi importantíssimo. A população brasileira nunca perdeu tanto quanto com a inflação. Era um horror. O senhor tem esse mérito. Aliás, o presidente Itamar tem esse mérito, já que o senhor era o ministro da Fazenda. Como é que foi aquele momento?
Fernando Henrique Cardoso: Aquele momento era o seguinte: você tinha uma inflação em média de 20% ao ano.
Roberto D´Avila: Os jovens nem sabem, não é?
Fernando Henrique Cardoso: Não têm ideia. Agora, nós aprendemos com os planos anteriores, inclusive o plano Cruzado, que ensinou, e eu consegui juntar as pessoas. O governo, os amigos do presidente Itamar desconfiavam muito. Ele próprio: “O que é isso?”. Não entendia. Economia é complicado. Geralmente você tem que fazer o contrário do que parece o óbvio.
Roberto D´Avila: Aliás, o senhor confiou no pessoal.
Fernando Henrique Cardoso: Eu não sou economista, mas eu sei. Fui da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), conheço razoavelmente para acompanhar. É muito difícil juntar gente com muito talento. A visão prevalecente era a seguinte: isso é fruto da especulação. Enquanto o pessoal do governo me dizia: "Olha aqui, prende o Abílio - o Abílio Diniz, dono do Pão de Açúcar -, prende o Abílio, porque é especulador e controla os preços, segura os preços". Era essa a visão comum. Nós tivemos que mostrar o contrário, explicar ao presidente Itamar. O Bacha foi muito importante na explicação ao presidente Itamar, que não entendia muito dessa dinâmica. O Itamar sempre me deu força naquela época. Depois, quando ele foi eleito governador, ele esqueceu o que era o Real. Ele achou que podia fazer uma moratória de Minas e não podia.
Roberto D´Avila: O senhor deve a ele dois ministérios importantes.
Fernando Henrique Cardoso: Devo dois ministérios e o apoio durante aquele período. Fizemos o plano Real. O plano Real, de imediato, beneficiou o salário, porque quando você tem uma inflação de 20, 30 no mês, você na média perdeu 15, que vai perder no dia a dia.
Roberto D´Avila: Os ricos se defendiam, não é?
Fernando Henrique Cardoso: Os ricos tinham uma conta no banco, o banco corrigia automaticamente, correção monetária.
Governo FHC e governo Lula
Roberto D´Avila: Todo mundo, os grandes historiadores, dizem que o seu período e o do Lula vão ficar na história mais ou menos como de continuidade.
Fernando Henrique Cardoso: Porque foram momentos que você teve estabilização e políticas sociais.
Roberto D´Avila: Ele distribuiu mais a riqueza, não é?
Fernando Henrique Cardoso: Porque ele tinha mais condições, porque a economia estava mais... Eu peguei cinco crises, mas as bolsas foram criadas por mim, todas. A reforma agrária eu fiz mais, duas, três vezes mais, do que o governo atual. Educação, o acesso à escola primária foi no meu tempo, e o SUS praticamente foi montado no meu governo. O Globo fez uma síntese de tudo isso muito interessante, publicada há um tempo atrás, comparando os governos. Itamar e FH e Lula e Dilma. Indiscutivelmente, houve uma melhoria maior da situação, porque o mundo também favoreceu isso, porque o Lula tinha um compromisso forte com isso também. Eu nunca faço injustiças como ele faz comigo, mas no conjunto nós aprendemos a manejar as políticas para o mundo atual, que é de globalização, onde os nossos interesses nacionais têm que ser defendidos num plano global.

domingo, 2 de março de 2014

Diplomacia inerte, com erros estrategicos - Fernando Henrique Cardoso

COLUNA

Diplomacia inerte

 El País, Brasil, 1 MAR 2014 - 19:42 BRTO Estado de S.Paulo, 2/03/2014


Domingo de Carnaval, convenhamos, não é o melhor dia para ler artigo sobre política internacional. Mas, que fazer? Coincidiu que o dia de minha coluna fosse hoje e não tenho jeito nem vontade de escrever sobre as alegrias de Momo. Por mais que nos anestesiemos no Carnaval, o meio circundante não alenta alegrias duráveis.
Comecemos do princípio. Acho que houve um erro estratégico desde o governo Lula na avaliação das forças que predominariam no mundo e da posição do Brasil na ordem internacional que se transformava. Não me refiro ao que eu gostaria que ocorresse, mas às tendências que objetivamente se foram configurando. Nossa diplomacia guiou-se pela convicção de que um novo mundo estava nascendo e levou o Presidente, em sua natural busca de protagonismo, a ser o arauto dos novos tempos. A convicção implícita era a de que pós-Muro de Berlim, depois de breve período de quase hegemonia dos Estados Unidos, pregada pelos seus teóricos do neo-conservadorismo, e da corte de equívocos da política externa daquele país (invasão do Iraque, do Afeganistão, isolamento da Rússia, apoio acrítico a Israel em sua política de assentamentos de colonos etc.) e dos desastres provocados por estas atitudes, assistiríamos a uma correção de rumos.
De fato, houve essa correção de rumos, mas a direção esperada pela cúpula da diplomacia brasileira e por setores políticos sob influência de alas antiamericanas do PT era a do “declínio do Ocidente”, com a perda relativa do protagonismo americano e a emergência das forças novas: a China (o que ocorreu), o mundo árabe, em especial os países petroleiros, a África e, naturalmente a América Latina, como parte deste “terceiro mundo” renascido. Esta visão encontra raízes em nossa cultura diplomática desde os tempos da “política externa independente”, de Jânio Quadros, e encontra eco nos sentimentos de boa parte dos brasileiros, inclusive de quem escreve este artigo. Sempre sonhamos com um mundo multipolar no qual “os grandes” tivessem que compartilhar poder e nós, brasileiros, pouco a pouco nos tornássemos parceiros legítimos do grande jogo de poder global.
Contudo, uma coisa é desejar um objetivo, outra é analisar as condições de sua possibilidade e atuar para que, dentro do possível, buscando ampliar seus limites, nos aproximemos do que consideramos o ideal. Nisso é que o governo Lula calculou mal. Se a Europa, sobretudo depois da crise financeira de 2008, perdeu tempo em tomar decisões e está até hoje embrulhada na indefinição sobre até que ponto precisará integrar-se mais (compatibilizando as políticas monetárias com as fiscais), ou voltar, na linguagem de De Gaulle, a ser a “Europa das Pátrias”, nem a China se perdeu nos devaneios maoístas, nem os Estados Unidos no neoconservadorismo que acreditava que a América poderia agir como se fosse uma hiperpotência. Pelo contrário, a China lançou-se às reformas para inverter o polo investimento/consumo, diminuindo aquele e aumentando este, e os americanos deixaram de lado a ortodoxia monetarista, recalibraram a sua política externa e se jogaram à inovação das fontes de energia. Hoje propõem uma coexistência competitiva, mas pacífica com a China, baseada no comércio, e lançam cordas para que a Europa saia do marasmo e se incorpore aos Estados Unidos, que funcionariam como dobradiça entre a China e a Europa, formando um formidável tripé.
Enquanto isso, o Brasil faz reuniões com países árabes, que não deixam de ter sua importância, propõe negociações sobre o Irã em coordenação com a Turquia (imagine-se se os turcos fariam o mesmo, propondo-se a ajudar o Brasil para resolver o litígio das papeleiras entre Uruguai e Argentina...), abre embaixadas nas mais remotas ilhas para, com o voto de países sem peso na mesa das negociações, chegar ao Conselho de Segurança. Por outro lado, comporta-se timidamente quando a Petrobrás é expropriada pela Bolívia, interfere contra o sentimento popular em Honduras, se abstém de entrar em bolas divididas, como no conflito argentino-uruguaio, além de calar diante de manifestações anti-democráticas quando elas ocorrem nos países de influência “bolivariana”.
Noutros termos: escolhemos parceiros errados, embora, em si mesma a relação Sul/Sul seja desejável, e menosprezamos os atores que estão saindo da crise como principais condutores da agenda global, exceção parcial feita à China (neste caso, não há menosprezo, mas falta de estratégia). Perdemos liderança na América Latina, hoje atravessada pela cunha bolivariana que parte da Venezuela com apoio de Cuba, estende-se acima até a Nicarágua, passa pelo Equador, abaixo, desce direto à Bolívia e chega à Argentina. No outro polo, se consolida o Arco do Pacífico, englobando Chile, Peru, Colômbia e México e nós ficamos encurralados no Mercosul, sem acordos comerciais bilaterais e, pior, calados diante de tendências anti-democráticas que surgem aqui e ali.
Ainda agora, na crise da Venezuela, é incrível a timidez de nosso governo em fazer o que deve: não digo apoiar este ou aquele lado em que o país rachou, mas pelo menos agir como pacificador, restabelecendo o diálogo entre as partes, salvaguardando os direitos humanos e a cidadania. O Mercosul, desabridamente se põe do lado do governo de Maduro. O Brasil, timidamente, se encolhe enquanto o partido da Presidente apoia o governo venezuelano, sem qualquer ressalva às mortes, aprisionamento de oposicionistas e cortinas de fumaça que querem fazer crer que o perigo vem de fora e não das péssimas condições em que vive o povo venezuelano.
Agindo assim, como esperar que, chegada a hora, a comunidade internacional reconheça os direitos que cremos ter (e de fato poderíamos ter) de tomar assento nas grandes decisões mundiais? Fomos incapazes de agir, ficamos paralisados em nossa área de influência direta. A continuar assim, que contribuição daremos a uma nova ordem global? Chegou a hora de corrigir o rumo. Que a crise venezuelana nos desperte da letargia.
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

sábado, 1 de março de 2014

Plano Real e suas licoes: site do Jose Roberto Afonso

Bons papers, estudos, artigos, no site do economista José Roberto Afonso.
Foi duro, chegar à estabilidade, e parece que ela está sendo erodida pelos companheiros...
Paulo Roberto de Almeida



Hyperinflations - The experience of the 1920s reconsidered a revised version of Ph.D Dissertation originally presented by Gustavo Franco (1986). "Its main purpose was to join my interest in economic history and the ambition to extend and develop some of the new ideas and insights produced in connection with the recent experience with high inflations ands stabilization policies in Latin America."

20 anos depois do Plano Real: um debate sobre o futuro do Brasil evento promovido pelo iFHC que irá discutir os rumos do Brasil depois de vinte anos da estabilização da moeda, com a participação do presidente Fernando Henrique Cardoso e de seus principais colaboradores no Plano Real. O evento ocorrerá no dia 12 de março na Livraria Cultura, São Paulo. 

Reformas fiscais e os fins de quatro hiperinflações por Gustavo Franco. "A maioria das explicações para o fim das hiperinflações europeias da década de 20 atribui papel central a 'reformas' fiscais implementadas de modo mais ou menos simultânea às respectivas estabilizações. Entretanto, poucos tem sido os esforços no sentido de detalhar a natureza e o conteúdo dessas reformas."

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Um sociologo na Academia: os outros nao perdem por esperar...

O sociologuês é uma língua chata; eu, por exemplo, por ter começado a ler sociologia muito cedo, adquiri um horrível estilo florestânico, feito de frases muito longas, apostos, predicados, complementos, interfrases, perifrases e outros expletivos que não me levaram a nada, a não ser escrever frases longas, prolixas, bref, ilísiveis.
Mas, nem tudo está perdido. A Academia nos prova que mesmo os melhores (quem sabe os piores também?) sociólogos também podem aspirar ser imortais.
Longe de mim pretender qualquer coisa, inclusive porque eu estou mais para Guilherme Figueiredo do que para FHC. Eu acho que, se ele não falou aquela famosa frase -- "Esqueçam o que escrevi" -- deveria ter dito, pelo menos em relação à parte menos nobre de sua sociologia, e a que ficou mais tristemente famosa, a tal da teoria da dependência (que dizem que foi mais falettiana do que fernandiana).
Em todo caso, valem cumprimentos e honrarias. Por outras coisas.
Por exemplo, por ter feito o Brasil um país melhor do que era antes. Bem antes do mito da "herança maldita", cujo  autor está deixando uma herança miserável, que vai pesar sobre o Brasil durante décadas a fio.
Quem sabe a gente consegue um outro sociólogo, dentro de mais dez anos para consertar o estrago?
Paulo Roberto de Almeida

ABL elege o sociólogo e professor Fernando Henrique Cardoso para a sucessão do jornalista João de Scantimburgo

Academia Brasileira de Letras elegeu hoje, quinta-feira, dia 27 de junho, o novo ocupante da Cadeira nº 36, na sucessão do jornalista João de Scantimburgo, falecido no dia 22 de março deste ano, em São Paulo. O vencedor, com 34 votos,  foi o sociólogo e professor Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República em dois mandados consecutivos (1995 a 1998 e 1999 a 2002). O eleito, imediatamente após o resultado, recebeu seus confrades e convidados na Fundação Eva Klabin, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. O novo Acadêmico recebeu 34 dos 39 votos possíveis. Votaram 24 Acadêmicos presentes e 14, por cartas. Houve uma abstenção.
"Essa eleição é um ato de respeito da Academia Brasileira de Letras à inteligência brasileira. A grande obra de Fernando Henrique Cardoso de sociólogo e cientista dá ainda mais corpo à Academia", afirmou o ex-presidente da ABL, Acadêmico Marcos Vinicios Villaça, logo depois da eleição, ainda no Petit Trianon.
Saiba mais
O novo Acadêmico
Fernando Henrique Cardoso foi Presidente da República em dois mandatos sucessivos (1995-1998 e 1999 - 2002). Doutor em Sociologia e Professor Emérito da Universidade de São Paulo, a obra de Cardoso abrange os campos da sociologia, ciência política, economia e relações internacionais.
Dentre outras instituições acadêmicas, foi professor nas universidades de Stanford, Berkeley e Brown, nos Estados Unidos, Cambridge, no Reino Unido, Paris-Nanterre, Collège de France e Maison des Sciences de L’Homme, na França, FLACSO e ILPES/CEPAL, em Santiago do Chile, bem como na Universidade do Chile. Ex-Presidente de Associação Internacional de Sociologia, é autor ou coautor de 23 livros e de mais de cem artigos acadêmicos. Seu livro Dependência e Desenvolvimento, publicado originalmente em espanhol em 1969, em coautoria com Enzo Falletto, é um marco nos estudos sobre a teoria do desenvolvimento, com dezenas de edições em 16 idiomas.
Participante ativo dos movimentos pelo restabelecimento do Estado de Direito no Brasil, envolveu-se com a política no final dos anos 70. Foi Senador pelo estado de São Paulo, Ministro das Relações Exteriores e Ministro da Fazenda, elegendo-se Presidente no primeiro turno da eleição de 1994. Sua trajetória como político foi consistente com sua vocação de intelectual comprometido com a defesa da liberdade, promoção da democracia e construção de uma ordem internacional mais justa. Ao término do mandato presidencial, Cardoso dedicou-se até hoje à promoção da paz, democracia e justiça em escala global. É membro do The Elders, grupo de dez líderes globais criado por Nelson Mandela para defender a paz e os direitos humanos.
Seus livros mais recentes são O presidente e o sociólogo (1998), A arte da política (2006),The accidental president of Brazil (2006), Cartas a um Jovem Político (2008) e A soma e o resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos (2011). Seu último livro é Pensadores que inventaram o Brasil. Recebeu inúmeras honrarias e condecorações, sendo de destacar, no Brasil, a Ordem do Mérito, e no exterior, a Grã Cruz da Legião de Honra da França, o grau de cavaleiro na Ordem de Bath, na Inglaterra, as várias distinções recebidas de Portugal (Grão Cruz da Ordem Militar da Torre e da Espada, além da Ordem da Liberdade) e da Espanha (Grã Cruz e Colar de Isabel, a Católica). Quase todos os países da América Latina, do mesmo modo, distinguiram-no no mais alto grau.
Dentre os doutorados Honoris Causa que recebeu, contam-se os das Universidades de Bolonha, Salamanca, Cambridge, Oxford, London School of Economics e Lyon, na Europa, Rutgers e Brown, nos Estados Unidos, Quebec e London, no Canadá, bem como as Universidades do Chile e de Moscou. Em 2012 Cardoso foi agraciado com o Kluge Prize da U.S. Library of Congress for Lifetime Achievement in the Study of Humanity, a mais prestigiosa distinção na área das ciências humanas.
Academia Brasileira de Letras, 27/6/2013

domingo, 23 de junho de 2013

Fernando Henrique Cardoso e os Pensadores do Brasil - livro, entrevista (Estadao)

Formação do Brasil

Fernando Henrique Cardoso mostra a importância que ainda tem a obra dos grandes intelectuais nacionais

O Estado de S.Paulo, 22 de junho de 2013
Fernando Henrique Cardoso conversou com o Estado na tarde de quinta-feira, em seu apartamento, em São Paulo. Ele acabara de chegar de um evento promovido pelo governo da Dinamarca. O cansaço logo se dissipou quando começou a falar sobre seus mestres.
'Processo saturou', diz Fernando Henrique Cardoso sobre o lulismo - Evelson de Freitas/Estadão
Evelson de Freitas/Estadão
'Processo saturou', diz Fernando Henrique Cardoso sobre o lulismo
Qual característica mais forte de cada um desses pensadores que marcou sua carreira?
Fernando Henrique Cardoso - 
Começo por Joaquim Nabuco. Era um sujeito capaz de combinar um estilo aristocrático com forte preocupação social. Ele era um sociólogo de fato, o que era raro na época. Apesar de ter um certo pendor pela monarquia e esteticamente ser conservador, Nabuco era um democrata. Por isso que o comparo a Tocqueville, que era um reacionário mas compreendia as mudanças de tempo. Também gosto de Nabuco por considerar a democracia inglesa superior à americana por causa da noção da igualdade perante à lei.
O senhor vê alguma semelhança com a sua trajetória?
Fernando Henrique Cardoso - 
Em alguns pontos, sim, pois ele, como eu, conciliou uma vida intelectual com outra política, e também porque enfrentou todo o drama envolvido (risos).
É curiosa a diferença apontada pelo senhor entre a visão que Nabuco tinha do Império comparada com a de Sergio Buarque de Holanda.
Fernando Henrique Cardoso - 
A análise do Sergio é brilhante e tem menos repercussão que merece - Raízes do Brasil é o livro que o fez entrar para história. É um belo ensaio, mas o outro também é genial. E, na contraposição entre o democrata Sérgio Buarque e o aristocrata Joaquim Nabuco, esse se deixava enrolar pelos meandros do Império, enquanto Sérgio via nesse Império a dominação escravocrata. Ele desmistifica a tradição de que aquele governo era civilizador. Acho que, entre todos os pensadores, é o mais explicitamente democrático. Afinal, Sérgio escreve Raízes do Brasil nos anos 1930, marcados pela ascensão do comunismo e do integralismo. Assim, a aposta que ele fez era rara, pois, na época, comunista é que era democrata e ele era basicamente liberal, acreditava que a ascensão das classes populares resultaria na democracia. E seu livro foi lido ao contrário, como se portasse uma visão tradicional, uma outra maneira de ser Gilberto Freyre. Algumas de suas frases ainda são atualíssimas, como "só existe democracia com a lei da universal". O Sérgio seria um analista ideal para o que está acontecendo hoje.
Como assim?
Fernando Henrique Cardoso - 
Ele veria que a ascensão do sindicalismo não resultou necessariamente em democracia - ao contrário, vem reforçando a matriz tradicional, corporativista, patrimonialista, da discricionariedade. O instinto democrático tornou-se clientelista. Foi absorvido pela cultura tradicional brasileira.
Por falar em Gilberto Freyre, um dos destaque do livro é a forma como o senhor reavalia sua obra, dando-lhe mais importância.
Fernando Henrique Cardoso - 
Tive pouca convivência com ele, mas, quando li sua obra pela primeira vez, desenvolvi um horror pela sua posição política. Eu tinha muita resistência por dois motivos - a primeira porque, em São Paulo, tentávamos fazer uma sociologia empírica, científica, e a visão que se tinha dele (precipitada, na verdade) era de que se tratava mais um ensaísta (e conservador) que um analista. Quando reli sua obra, descobri um grande intelectual, a despeito de ser conservador.
O senhor deixou nomes de fora?
Fernando Henrique Cardoso - 
Sim. José Bonifácio, por exemplo, primeiro pensou o Brasil. Cito muito sua importância, mas não me aprofundo. Também não falo de Rui Barbosa, ícone do liberalismo, mas que não me influenciou. Nunca li sua obra, embora merecesse. Talvez seja um preconceito, pois venho de uma família de militares positivistas. Enquanto meu bisavô era monarquista, meu avô era a favor da abolição e meu pai participou das revoluções de 1922 e 24. Todos tinham horror do Ruy Barbosa, que era mais liberal enquanto eles apoiavam o Estado. E confesso que herdei um pouco dessa aversão.
E como foi a relação com Caio Prado Jr.?
Fernando Henrique Cardoso - 
Era um escritor seco, mas moderno, que notou detalhes importantes na relação do Brasil colonial com a metrópole portuguesa, no latifúndio e na escravidão. Um livro que considero pouco valorizado é A Revolução Brasileira, no qual é revisionista com relação às teses do Partido Comunista. Ao mesmo tempo em que era militante, tinha uma importante formação intelectual. Não se saiu bem na filosofia, na dialética, mas era bom nas análises concretas, além de revelar uma noção sólida de geografia - ele não viajava como turista, mas em busca de aprendizado.
É visível sua admiração por Celso Furtado.
Fernando Henrique Cardoso - 
Porque ele inaugura uma nova tradição. Celso via o Brasil como um país subdesenvolvido em relação aos demais, apontando o crescimento econômico como principal solução para esse problema. Ele introduziu o viés da análise econômica na compreensão do retrato do Brasil. Se Caio tinha uma visão marxista, mas um tanto mecânica, Celso fez análise do processo de formação do mercado interno. Ele explica a dinâmica do processo ao mesmo tempo em que oferecia um projeto nacional com fundamento econômico. A minha geração cresceu lendo Celso Furtado. Nossa paixão, na época, anos 1950 e 60, era o desenvolvimentismo. Só depois, com regime autoritário, veio a paixão pela democracia, movimentos sociais, já nos anos 70.
É nesse momento que acontece uma mudança?
Fernando Henrique Cardoso - 
Sim, pois a ideia da formação do Brasil vai até minha geração. A partir daí, começa a ser diferente, pois começa a integração, a globalização, palavra, aliás, que ainda nem existia. Começávamos a entender que havia algo novo, a periferia do mundo estava se industrializando e buscava caminhos diferentes. Era preciso entender o interesse nacional de cada país em um contexto global. Caio dizia que não se entendia a colônia sem entender o vínculo com o império. Já Celso afirmava que era preciso romper o vínculo e desenvolver o mercado interno. Hoje, sabemos que o certo não é romper, mas refazer.
Esses pensadores funcionam como um farol para o senhor?
Fernando Henrique Cardoso - 
Sim, formataram meu pensamento atual. Mas hoje, com as ruas agitadas, não se sabe para onde ir. Antes, esses pensadores diziam o que fazer. O farol está agora na popa e só vamos para frente porque o mar está empurrando. Não quero personalizar, mas, desde o governo Lula, a visão do futuro está errada. Não se percebeu que a crise terminaria, como deve acontecer. Acreditava-se que os EUA entrariam em decadência e não vão. O Brasil fez o caminho contrário da China, que se concentrou na exportação para acumular capital e investir, enquanto aqui se montou a base a partir do consumo, uma solução trôpega. O consumo cresceu, mas quem consome não está feliz e protesta na rua. Quer outras coisas, sem saber exatamente o quê. Basta ver os cartazes de protesto: tarifa, PEC, saúde, corrupção. Por trás disso, surge uma mensagem poderosa: quero viver melhor e isso não significa apenas consumir. O processo lulista deu o contrário. Saturou rapidamente. 

Veja também:

Farol da sabedoria

Fernando Henrique Cardoso reúne textos sobre intelectuais que formaram seu pensamento

"São textos sobre autores que me influenciaram. Uma leitura sobre como aprendi a olhar o Brasil" - Evelson de Freitas/Estadão
Evelson de Freitas/Estadão
"São textos sobre autores que me influenciaram. Uma leitura sobre como aprendi a olhar o Brasil"
UBIRATAN BRASIL - O Estado de S.Paulo
Em seu processo de formação, o sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso alimentou-se das ideias de intelectuais que ajudaram a forjar e solidificar seus conceitos sobre a identidade e as grandes questões do País. Obras de Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha despertavam sua atenção, assim como de mestres com quem teve a honra de conviver, como Sergio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Antonio Candido, Caio Prado Jr., Raimundo Faoro e Celso Furtado, entre outros.
São autores que ele interpreta como faróis, no sentido de ser um facho de luz que pode iluminar um caminho. Ao longo da vida acadêmica e política, Fernando Henrique escreveu sobre seus mestres, tanto na forma de ensaio como na de discurso. É esse material que forma Pensadores Que Inventaram o Brasil, seleção de textos escritos entre a década de 1970 e a atual, que será lançada oficialmente pela Companhia das Letras na terça-feira, no Masp, às 19 horas, quando começa um debate entre Fernando Henrique e o historiador José Murilo Carvalho, autor do posfácio do livro, com mediação da professora Lilia Schwarcz.
"Não se trata de uma obra pretensiosa, que pretende contar a história da cultura", avisa o sociólogo. "São textos sobre autores que me influenciaram. Uma leitura pessoal sobre como aprendi a olhar o Brasil."
Nos 18 artigos escolhidos - alguns foram publicados na extinta revista Senhor Vogue em 1978, outros, como o que analisa Raimundo Faoro, foram especialmente escritos para esse volume -, Fernando Henrique Cardoso trata de assuntos que sempre lhe foram caros, na carreira política ou na acadêmica, como a relação entre Estado e sociedade civil, os percalços do desenvolvimento econômico, a herança da colonização, a dificuldade em promover a justiça social.
Apesar de utilizar o mesmo rigor intelectual para todos, o sociólogo deixa transparecer sua simpatia pelos intelectuais com quem manteve uma relação próxima, como Florestan Fernandes, de quem foi aluno e assistente, ou Antonio Candido, também professor e mais tarde colega. E, apesar do viés econômico ter caracterizado mais a sua obra, Celso Furtado faz parte da seleção pela lucidez com que sempre apontou o melhor caminho para o desenvolvimento do País.
Fernando Henrique aproveita também para apresentar um mea culpa e, em um texto de 2010, recolocar Gilberto Freyre, antes apontado como reacionário, no panteão dos grandes pensadores do Brasil.

CRÍTICA: a identidade do País por um fluente professor

Capítulos mais saborosos são aqueles que misturam interpretação analítica com testemunhos e evocações pessoais

Elias Thomé Saliba - Especial para o Estado
"Clássico é um livro que as gerações dos homens, urgidos por razões diversas, leem com prévio fervor e com uma misteriosa lealdade." Esta notável definição de Jorge Luis Borges poderia servir de epígrafe para as leituras e releituras dos clássicos brasileiros que Fernando Henrique Cardoso realiza em Pensadores Que Inventaram o Brasil. Escritos por razões diversas e cobrindo um extenso período, que vai de 1978 a 2013, são 18 ensaios que revelam não apenas as obras daqueles pensadores que inventaram o Brasil, mas também muito da trajetória intelectual do próprio autor. Pertencente à geração imediatamente posterior aos clássicos da ciência social brasileira, Fernando Henrique publicou suas primeiras obras naqueles anos de questionamento das grandes interpretações do Brasil, nos quais as "visões gerais" começavam a ceder espaço àquelas investigações mais pontuais e, ao mesmo tempo, mais especializadas e mais inovadoras, como foram, aliás, os próprios livros do sociólogo Fernando Henrique. 
Embora irregulares, alguns dos capítulos mais saborosos são aqueles que misturam interpretações analíticas com testemunhos e evocações pessoais, pois Fernando Henrique conheceu - e em alguns casos conviveu - com autores como Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Antonio Candido e Celso Furtado. Recorda os bons tempos de quando entrou na Faculdade de Filosofia, em 1949 - localizada ainda no prédio da Praça da República e com classes que não tinham mais do que 12 alunos. Relembra, ainda, fazendo referência aos seus colegas, que todos queriam mesmo ser socialistas e não sociólogos. E que de repente se viram frente a um grupo de jovens professores que vestiam aquele obrigatório avental branco de cientistas de laboratório, como Florestam Fernandes e, mais discretamente, Antonio Candido - que lhes ensinaram a nunca transigir com o rigor da análise, com a solidez da pesquisa ou com qualquer coisa que prejudicasse a fluência dos argumentos. 
Além de ensaios menores sobre Euclides da Cunha, Paulo Prado, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque, e de uma primorosa resenha de Os Parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido, as análises mais detalhadas recaem sobre Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Celso Furtado e Raymundo Faoro. O ensaio sobre Nabuco, de difusa inspiração freudiana, recupera os episódios da infância do grande abolicionista, incluindo a afetiva convivência com os escravos e as dramáticas perdas familiares. Já ao discorrer sobre a trajetória política de Nabuco, Fernando Henrique parece indiretamente falar um pouco de si - do intelectual que participa da política, se entrega inteiramente a ela em dados momentos, mas não quer se despersonalizar e nem perder seus mais caros valores existenciais.
Já os ensaios mais longos sobre Gilberto Freyre constituem uma espécie de desabafo de consciência culpada do autor, que pertenceu a uma geração que, durante os anos 1950 e 1960, tratou de rotular o autor de Casa Grande & Senzala como o reacionário criador e propugnador de uma (ilusória) democracia racial brasileira. Rótulos que nasceram menos de uma discutível "escola paulista de Sociologia" e mais da primeira leitura de um sociólogo militante, ansioso por cobrar dos outros uma posição de recusa da ordem estabelecida. Sem deixar de apontar os deslizes e os devaneios literários de Freyre, Fernando Henrique - desta feita escrevendo já em 2010 - ressalta a força mítica da obra do pernambucano: a sociedade patriarcal; as relações desiguais, mas próximas, entre as raças; o repúdio do racismo como guia heurístico (sem prejuízo dos deslizes racistas) e a afirmação de uma cultura singular, acabaram se tornando parte tácita e indistinguível da realidade brasileira. Mito é muito simplesmente a narrativa de uma história que não aconteceu, mas também daquela história que gostaríamos de acreditar que aconteceu - ou que ainda virá a acontecer, a qual fruímos, à maneira de Borges, com "prévio fervor e misteriosa lealdade". De qualquer forma, ao definir o estilo de Freyre como encantatório, cheio de reveladoras epifanias, Fernando Henrique não se esquece ainda de apontá-lo como um inesperado precursor daqueles estudiosos que criaram um método todo particular, no qual as sutilezas do estilo narrativo substituem os modelos teóricos e os conceitos abstratos.
Também se destacam as observações sobre Caio Prado Jr: um autor no qual "o método e os achados interpretativos caminham juntos, sem que ele esteja a cada instante batendo no peito para fazer o ato de contrição dos marxistas acadêmicos". 
Se apenas o epílogo do livro reproduz uma aula magna, ministrada pelo então ministro das Relações Exteriores aos alunos do Instituto Rio Branco, poderíamos dizer que o estilo de quase todos os ensaios é menos do político e mais aquele de um fluente professor - que também nos dá a deixa para uma outra definição de um clássico: "quando o livro é grande, os andaimes pesam menos e é preciso ver menos a maquinaria utilizada e mais a beleza da obra construída, mesmo que, às vezes, sem muito rigor". Nesta elegante e ponderada releitura da pedagogia da brasilidade, talvez seja mesmo possível reconhecer o que há ainda de atual e de inatual naqueles clássicos - todos eles um tantinho angustiados em pensar o futuro do País a partir de um retrato panorâmico de seu povo e de sua história. Se alguns daqueles retratos panorâmicos envelheceram, outros ainda fazem falta, sobretudo num país que vivencia - como, aliás, todo o mundo contemporâneo - uma crise de perspectivas de futuro.
* ELIAS THOMÉ SALIBA É HISTORIADOR, PROFESSOR DA USP E AUTOR DE RAÍZES DO RISO, ENTRE OUTROS

domingo, 2 de junho de 2013

As lesmas petralhas e os tucanos trapalhoes: eles se merecem... - FHC vai aos fatos...

O que o ex-presidente descreve abaixo são fatos, embora ele não tire todas as consequências desses fatos. Apenas faz um apelo patético para mudar as coisas em 2014, o que obviamente não ocorrerá, e se ocorrer não será por mérito da oposição -- incompetente, confusa, sem rumo, sem programa, totalmente destrambelhada -- e sim por falta de mérito de quem governa, que será suplantado por quem apoia esse governinho confuso que está aí.
Que os petralhas sejam desonestos, isso é sabido; que eles sejam os mestres do engano também; que eles não tenham nada de inteligente, que seja eficiente e positivo para o país também é café passado. Mas que a oposição tucana tampouco tem algo de novo a dizer, isso também já se sabe.
Em 2014, continuaremos no pântano, apenas trocando um pouco os personagens, já que a classe política brasileira ainda não se convenceu de que todas as políticas governamentais -- e eu sublinho TODAS -- são desadaptadas às necessidades atuais do Brasil. Eles -- todos os políticos -- continuam a construir o Estado opressor, perdulário, extrator, gastador, incompetente; eles continuam a oprimir os empresários e os trabalhadores, e a fortalecer o exército de assistidos transformado em curral eleitoral de todos eles, mais dominado, é claro, pelos aprendizes de feiticeiro do partido totalitário.
Temos ainda longos anos de decadência pela frente, até que sobrevenha uma fronda empresarial com sentido de libertação, ou seja, uma revolta dos barões com sentido capitalista. Vai ser difícil...
Paulo Roberto de Almeida


Beijar a cruz

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO * 
 Estado de S.Paulo, 02 de junho de 2013 | 2h 04
Já passou da hora de o governo do PT beijar a cruz. Afinal, muito do que ele renegou no passado e criticou no governo do PSDB passou a ser o pão nosso de cada dia da atual administração. A começar pelos leilões de concessão para os aeroportos e para a remodelação de umas poucas estradas.
No início procuravam mostrar as diferenças entre "nós" e "eles", em seu habitual maniqueísmo. "Nossos leilões", diziam, visam a obter a menor tarifa para os pedágios. Ou, então, afirmavam: nossos leilões mantêm a Infraero na administração dos aeroportos. Dessas "inovações" resultou que as empresas vencedoras nem sempre foram as melhores ou não fizeram as obras prometidas. Pouco a pouco estão sendo obrigados a voltar à racionalidade, como terão de fazer no caso dos leilões para a construção de estradas de ferro, cuja proposta inicial assustou muita gente, principalmente os contribuintes. Neles se troca a vantagem de a privatização desonerar o Tesouro pela obsessão "generosa" de atrair investimentos privados com o pagamento antecipado pelo governo da carga a ser transportada no futuro...
Ainda que renitente em rever acusações feitas no passado (alguns insistem em repeti-las), a morosidade no avanço das obras de infraestrutura acabará por levar o governo petista a deixar de tentar descobrir a pólvora. Já perdemos anos e anos por miopia ideológica. O PT não conseguiu ver que os governos do PSDB simplesmente ajustaram a máquina pública e as políticas econômicas à realidade contemporânea, que é a da economia globalizada. Tomaram a nuvem por Juno e atacaram a modernização que fizemos como se fosse motivada por ideologias neoliberais, e não pela necessidade de engajar o Brasil no mundo da internet e das redes, das cadeias produtivas globais e de uma relação renovada entre os recursos estatais e o capital privado.
Sem coragem para fazer autocrítica, o petismo foi pouco a pouco assumindo o programa do PSDB e agora os críticos do mais variado espectro cobram deste o suposto fato de não ter propostas para o Brasil... Entretanto, a versão modernizadora do PT é "envergonhada". Fazem mal feito, como quem não está gostando, o que o PSDB fez e faria bem feito, se estivesse no comando.
Agora chegou a vez dos portos. Alberto Tamer - e presto homenagem a quem faleceu deixando um legado de lucidez em suas colunas semanais -, na última crônica que fez no jornal O Estado de S. Paulo, Foi FHC que abriu os portos (17/2), recordava o esforço, ainda no governo Itamar Franco, quando Alberto Goldman era ministro dos Transportes, para dinamizar a administração portuária, abrindo-a à cooperação com o setor privado, pela Lei 8.630, de 1993. Caro custou tornar viável aquela primeira abertura quando eu assumi a Presidência. Foi graças aos esforços do contra-almirante José Ribamar Miranda Dias, com o Programa Integrado de Modernização Portuária, que se conseguiu avançar.
Chegou a hora para novos passos adiante, até porque o Decreto 6.620 do governo Lula aumentou a confusão na matéria, determinando que os terminais privados só embarcassem "carga própria". Modernizar é o que está tentando fazer com atraso o governo Dilma Rousseff. Mas aos trancos e barrancos, sem negociar direito com as partes interessadas, trabalhadores e investidores, sem criar boas regras de controle público nem assumir claramente que está privatizando para aumentar a eficiência e diminuir as barreiras burocráticas. Corre-se o risco de repetir o que já está ocorrendo nos aeroportos e estradas: atrasos, obras mal feitas e mais caras, etc. No futuro ainda dirão que a culpa foi "da privatização"... Isso sem falar do triste episódio das votações confusas, tisnadas de suspeição, e de resultado final incerto no caso da última Lei dos Portos.
A demora em perceber que o Brasil estava e está desafiado a dar saltos para acompanhar o ritmo das transformações globais tem sido um empecilho monumental para as administrações petistas. No caso do petróleo, foram cinco anos de paralisação dos leilões. Quanto à energia em geral, a súbita sacralização do pré-sal (e, correspondentemente, a transformação da Petrobrás em executora geral dos projetos) levou ao descaso no apoio à energia renovável, de biomassa (como o etanol da cana-de-açúcar) e eólica. Mais ainda, não houve preocupação alguma com programas de poupança no uso da energia. Enfim, parecem ter assumido que, já que temos um mar de petróleo no pré-sal, para que olhar para alternativas?
Acontece, entretanto, que a economia norte-americana parece estar saindo da crise iniciada em 2007-2008 com uma revolução tecnológica (de discutíveis efeitos ambientais, é certo) que barateará o custo da extração dos hidrocarburetos e colocará novos desafios ao Brasil. A incapacidade de visão estratégica, derivada da mesma nuvem ideológica a que me referi, acrescida de um ufanismo mal colocado, dificulta redefinir rumos e atacar com precisão os gargalos que atam nossas potencialidades econômicas ao passado.
Não é diferente do que ocorre com a indústria manufatureira, quando, em vez de perceber que a questão é reengajar nossa produção nas cadeias produtivas globais e fazer as reformas que permitam isso, se faz uma política de benefícios esporádicos, ora diminuindo impostos para alguns setores, ora dando subsídios ocultos a outros, quando não culpando o desalinhamento da taxa de câmbio ou os juros altos (os quais tiveram sua dose de culpa) pela falta de competitividade de nossos produtos.
As dificuldades crescentes do governo em ver mais longe e administrar corretamente o dia a dia para ajustar a economia à nova fase do desenvolvimento capitalista global (como o PSDB fez na década de 1990) indicam que é tarde para beijar a cruz, até porque o petismo não parece arrependido. Melhor mudar os oficiantes nas eleições de 2014.   
* SOCIÓLOGO,  FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

domingo, 24 de março de 2013

Entrevista de FHC, o politico acidental - Revista Epoca

Meus comentários iniciais:
De fato, FHC permanece um grande pensador. Mas por vezes me parece politicamente ingênuo, ou muito leniente com o projeto político lulo-petista. Ele pensa que se trata apenas de uma das alternativas para o desenvolvimento do Brasil, com um pouco mais de “bondades sociais”, de distributivismo. Não percebeu ainda que se trata de um projeto de poder, não de um projeto de governo. Não percebeu a natureza profunda dos companheiros, e acha que eles apenas erraram um pouco ao fazer certas coisas que ele não aprova, por não serem “racionais”, do seu ponto de vista.
FHC, e com ela toda a “burguesia” brasileira — como gostam de dizer os companheiros — se enganam redondamente quanto ao projeto lulo-petista e os caminhos que o Brasil percorre atualmente.
Vejo o Brasil na mesma trajetória (por modalidades diferentes) de sociedades passadas (China) ou presentes (Argentina, Venezuela) que se precipitaram na ou se arrastam em direção à decadência estrutural, não simplesmente setorial, conjuntural, econômica ou política, mas uma decadência de ordem moral, em primeiro lugar, de perda de visão, a mesma cegueira que conduziu Roma ao abismo, a China dos Qing (manchus) a uma secular decadência, e que ainda arrasta a Argentina para o abismo…
Infelizmente, FHC não vê isso, e com ele a maior parte da elite dita pensante no Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

ENTREVISTA - Revista Época, 22/03/2013

Fernando Henrique Cardoso: "Há um sentimento mudancista"

O ex-presidente diz ser bom para o país o florescimento de alternativas ao PT nas pré-candidaturas de Aécio Neves, Marina Silva e Eduardo Campos. Segundo ele, José Serra não quer ser candidato ou presidir o PSDB



PROJETO O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fotografado em seu apartamento, em São Paulo, na semana passada. “Na política, não adianta só ter ideia. Tem de fulanizar” (Foto: Jairo Goldslus/ÉPOCA)

GUILHERME EVELIN, JOÃO GABRIEL DE LIMA E HELIO GUROVITZ

Aos 81 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é uma das cabeças mais privilegiadas do país. As características que o tornaram um dos principais intérpretes do Brasil contemporâneo continuam intactas: arsenal teórico de cientista social, experiência de político e governante, invejável rede de contatos mundo afora e inesgotável curiosidade para perscrutar o que pode vir por aí. FHC foi o escolhido para estrear a série de entrevistas que ÉPOCA começa a fazer, a partir desta semana, com líderes brasileiros. Antenado nos movimentos da política, da economia e da sociedade, no Brasil e no mundo, FHC, ao falar da eleição presidencial, diz que “um sentimento mudancista” começa a ganhar corpo no país, a despeito dos índices de aprovação recordes da presidente Dilma Rousseff. Em meio a críticas à gestão econômica do governo – por tentar reviver o modelo nacional-desenvolvimentista do passado –, FHC afirma que o desafio da oposição nas eleições será dar a esse sentimento um conteúdo e uma mensagem capaz de atingir os eleitores.
ÉPOCA – Como o senhor vê o cenário atual, com Eduardo Campos,
Marina Silva e Aécio Neves praticamente já colocados como candidatos, além da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição?
Fernando Henrique Cardoso –
Estão se desenhando aí quatro candidatos. Provavelmente, segundo turno. Sempre houve segundo turno depois que saí. É provável que haja de novo. Como vai ser, sabe Deus! Falta muito tempo. Porque isso foi precipitado, não entendo. Nunca vi o governo precipitar a eleição.
ÉPOCA – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou Dilma para abafar, no PT, as expectativas de que ele pudesse ser candidato?
FHC –
Ele não precisaria. Fez porque gosta de campanha.
ÉPOCA – Por que ninguém tem um projeto alternativo?
FHC –
Projeto é uma ideia complicada. O que está aí está se esgotando. Começam a despontar críticas. Há um sentimento mudancista, mas ainda sem dar conteúdo à mudança. Não sei se no povo. Mas entre as pessoas que leem jornal, sim. Inclusive empresários. Para vencer a eleição, tem de chegar embaixo.

ÉPOCA – O povo sente que o desemprego está em baixa, e a renda aumentou. Não há sensação de crise.
FHC –
Nem sei se é necessário crise. De vez em quando, as pessoas querem aerar. Querem mudar. Meio irracionalmente. Quando tem uma basezinha que não é irracional, o problema se agudiza. Como você vence a eleição? Numa situação em que o eleitorado é fluido e os partidos não seguram nada, depende do desempenho. Depende da mensagem. Na política, não adianta só ter ideia. Tem de fulanizar. Não adianta sentar aqui três meses com um clube de sábios e escrever um projeto. Tem de tocar nas pessoas. E a pessoa tem de ser capaz, ela mesma, de inspirar isso. Precisa ter alguém que expresse esse sentimento e diga: “Vou fazer isso, me sigam”.
ÉPOCA – Como foi Fernando Henrique num momento e Lula noutro?
FHC –
Exatamente. Dilma não precisou. Agora precisa. Não só porque começa a haver cansaço. É porque o mundo está indo muito depressa.
ÉPOCA – O senhor acha que Aécio pode cumprir esse papel?
FHC –
Se não achasse, não o teria apoiado.
“Dilma recuperou até uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é irritante. Quem tem de ser justo
não é o mercado, é o Estado” 
ÉPOCA – E o Eduardo Campos?
FHC –
A pior coisa que pode acontecer no país é não haver alternativa. Ainda que seja contra minha escolha, é preciso haver a possibilidade de mudar. Quanto mais pessoas digam alguma coisa, melhor. Independentemente de ser bom ou mau para meu partido, é melhor para o Brasil. Não sei o que Eduardo fará. Está pintando que será candidato. Se for, acho bom para o país. Porque ele e a Marina dizem coisas. Quem será capaz de galvanizar, veremos. No ponto de partida, Aécio tem uma base maior. Tem apoio em Minas e tem uma estrutura partidária mais ampla que o Eduardo. Veremos o que acontece.
ÉPOCA – O PSDB paulista ficará com Aécio? E José Serra?
FHC –
De tudo que ouço do Serra, ele diz que não tem essa pretensão. Nem mesmo de ser presidente do partido. Tenho de acreditar no que ele me diz. O candidato do PSDB será apoiado pelo PSDB de São Paulo. Não tem muita alternativa.
ÉPOCA – O senhor não teme que Serra saia do partido?
FHC –
É especulação. Ele nunca me disse isso.
ÉPOCA – Qual será a mensagem de Aécio?
FHC –
Não posso falar por ele. Ele é que dará a mensagem.
Aécio transmite uma coisa importante, a contemporaneidade. É jovem. Isso você não fala. Você é.
ÉPOCA – Que mensagem hoje seria inspiradora neste momento mudancista?
FHC –
Perguntaram-me uma vez qual seria um bom slogan para o PSDB. Não dá para falar como o Obama: “Yes, we can”. Tem de ser: “Yes, we care”. Nós prestamos atenção a você. Não é que farei mais hospitais. Meu hospital terá cuidado com você. É preciso insistir que o governo olhará para toda essa gente que está melhorando de vida. Isso não é palavra. Tem de ter também imagem e gesto.
ÉPOCA – O governo Lula expandiu os programas sociais de seu
governo. Por que o senhor não fez essa expansão?
FHC –
Não tínhamos recursos. E atacamos tudo: reforma agrária, educação, saúde. As grandes mudanças estruturais estavam lá.
ÉPOCA – Mas o Bolsa Família virou marca do governo seguinte.
FHC –
Sim. Mas aí tem o jogo político. E talvez um pouco de timidez de usar a política social como base da política eleitoral.
ÉPOCA – O senhor se arrepende dessa timidez?
FHC –
Não posso dizer que me arrependo. É meu jeito. Dizem que sou vaidoso, arrogante e não sei o quê. Tudo conversa... Na verdade, sempre tive muito acentuado o sentido do que é público, do que é privado, do que é partido.
ÉPOCA – O senhor não reconhece que, além de uma questão eleitoral, havia também um impulso para responder ao anseio social?
FHC –
Lula simboliza isso. Ele vem de baixo, é um líder operário. Sem dúvida. Não estou tirando o mérito dele. A César o que é de César. Desde que eu também tenha meu cesarzinho (risos).
ÉPOCA – O que há de errado na economia do país?
FHC –
Todo mundo reiterou que, no governo Lula, houve continuidade na política econômica. Até a crise de 2008, sim. Com a crise, a política anticíclica adotada foi correta. Aí o governo pressentiu que havia uma espécie de licença para fazer o que quisesse. E isso se agravou nos anos Dilma, com a volta da ideia de que você pode fechar mais a economia, apoiar certas empresas, promover uma política industrial apoiando certas áreas. Voltamos a uma visão nacional-estatista. A política fiscal foi abandonada, como se fosse uma persistência do que eles chamavam de neoliberalismo. Essa incompreensão do que acontecia no mundo já ocorrera antes. Nos anos 1990, quando se tratava de ajustar a economia para lidar com a globalização, eles entendiam que era uma questão de ideologia, o tal neoliberalismo. Não foi só o PT, mas quase todo mundo, por uma posição mais antiquada que propriamente ideológica. Confundiram uma mudança do sistema produtivo, com novas tecnologias e novos métodos de transporte, com ideologia. Meu governo ajustou a economia brasileira à situação do globo. Agora, também está havendo um equívoco de percepção. Quando houve a crise de 2008, eles disseram: “Então vamos voltar. A crise nos dá o direito de fazer o que nós queríamos ter feito antes”.
ÉPOCA – Voltar para onde?
FHC –
Para um Brasil anterior a 1990. Estamos agora na realidade do Ernesto Geisel (presidente brasileiro entre 1974 e 1979). No momento em que o mundo vai sair da crise, o Brasil está voltando nas suas concepções quanto ao desenvolvimento da economia. Isso me preocupa. Novamente, os Estados Unidos sairão na frente, sobretudo com a revolução energética que estão fazendo.
ÉPOCA – Neste momento, Dilma está voltando atrás em algumas políticas e começou com algumas privatizações.
FHC –
Pela força das circunstâncias. Ela é capaz de entender o erro. Vê o número e se assusta. Mas aí, quando vai consertar, tem de fazer coisas que não são da alma dela. Então, tem uma inconsistência. Ela não fala que é privatização, nem fala que é concessão. Fala que é PPP (Parceria Público-Privada). Ela até recuperou uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é irritante. Qualquer pessoa sente raiva disso aí. Mas essa é a lógica do sistema – tem de acumular mais, senão não cresce. O capitalismo não é justo. Quem tem de ser justo não é o mercado, é o Estado. Se você é neoliberal, deixa por conta do mercado e comete injustiças. Se você não é, usa o Estado para tentar evitar que o capitalista arrase tudo.
ÉPOCA – Por que o brasileiro é tão relutante em reformar o Estado?
FHC –
O livro do Raymundo Faoro Os donos do poder diz que isso vem de longe. Claro que Faoro exagera. Fala que tudo é o Estado, a corporação, o privilégio, desde Portugal. Não é bem assim. Há uma luta permanente entre mais e menos Estado. E ganha sempre o lado do mais Estado. De certa maneira, meu período foi quase um ponto fora da curva. A gente estava modernizando o Estado e aceitando algumas regras do mercado. Agora, o Estado ficou mais resistente. Quanto mais você vai para lugares de menor desenvolvimento no Brasil, mais tem Estado. Mas as pessoas não percebem algo também verdadeiro: quando o Estado intervém demais, aumenta a concentração. A concentração de renda, provavelmente, cresceu muito recentemente.
ÉPOCA – Mas há duas maneiras de o Estado intervir. No desenvolvimentismo, ele subsidia empresas e cria estatais. A partir dos anos 1990, o Estado passou a tratar mais de saúde, educação e políticas sociais. Essa mudança é inexorável ou voltaremos ao passado?
FHC –
Acho que não. Sabe por quê? No meio dessa mudança, está a democracia. Com a Constituição de 1988, foi desenhado um futuro social-democrata. Nenhum governo pode olhar apenas para a economia. O que tentou resolver só a economia foi o Fernando Collor – e não deu certo. Os governos têm de olhar para os dois lados. Tem de olhar para educação, saúde, reforma agrária. Há uma massa demandante, que tem voto. No fundo, qual a base ideológica do governo Dilma? É o desenvolvimentismo. É crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha. É um pouco a volta do capitalismo selvagem. Ela parece não perceber que o crescimento do PIB não depende só do governo, mas tem ciclos. Infelizmente, tocou a ela um ciclo mau. Como tocou a mim também. Ao Lula, tocou um ciclo bom.
ÉPOCA – Como será esse embate entre essas forças contraditórias?
FHC –
A linha de força aponta na direção de que esses elementos de corporativismo perderão força. Levaremos mais tempo para fazer o que poderíamos fazer mais depressa. Mas temos caminhos. Temos uma sociedade forte. Somos mais ricos em termos relativos e mais fortes que nossos irmãos aqui da região. Temos um sistema empresarial vigoroso. A ideologia não prevalece sobre a realidade. Ela atrapalha.
ÉPOCA – O governo Dilma elegeu como prioridade, até para efeito de propaganda, a erradicação da miséria. Mas não é uma vergonha um país como o Brasil ainda ter tantos analfabetos?
FHC –
O Brasil vem numa conquista progressiva da redução da miséria. Segundo o (economista) Ricardo Paes de Barros, a virada começou em 1999. Foi resultado da estabilização, em alguma medida da melhoria da educação e de outras políticas. Claro que um pouco disso também é jogo de palavras. Tem muita miséria ainda. Sobretudo, o emprego oferecido é de baixa qualidade. Com a ascensão da China, não houve o cuidado necessário com o desenvolvimento tecnológico e a indústria. Ela passou de 28% do PIB, nos anos 1980, para 20% no meu governo. Agora caiu para 12%. Isso é uma coisa preocupante, pela qualidade do emprego que a manufatura gera, apesar de extração de petróleo, da produção de soja também dependerem de saber.
“A base do governo Dilma
é o desenvolvimentismo.
É crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha.
É um pouco a volta do capitalismo selvagem” 
ÉPOCA – Por que nossa classe política resiste a entender que o valor da economia moderna não está, necessariamente, no produto em si, mas no conhecimento que o gera? Parece que tudo se resolve com mais dinheiro, mais emprego, mais fábrica, mais máquina...
FHC –
Tem razão. Pega a indústria do petróleo. Do jeito que estava indo, não ia mal não. Estava criando, também, base tecnológica. A Petrobras tem geólogos, cria gente preparada, exporta tecnologia. A grande revolução agrícola brasileira dependeu de quatro fatores: Embrapa, tecnologia, empresários e mudanças no sistema de financiamento. Estas últimas fui eu que fiz. Foi uma luta danada, para separar a agricultura da dívida do Banco do Brasil. A base foi a capacidade tecnológica da Embrapa para aproveitar solos antes não usados, desenvolver sementes e técnicas de plantio. A ideia de economia primária ou secundária é antiga. Em lugar de se preocupar com os 12% da indústria no PIB, devíamos nos preocupar com o resto. Qual o coeficiente tecnológico da indústria? Essa é a chave da questão. E isso leva à educação de novo. O governo percebeu isso. Criou o programa Ciência sem Fronteiras. Mas, entre perceber e fazer, há uma distância. Há a mania de grandiosidade. Tínhamos nos Estados Unidos, no ano passado, 8.500 bolsistas. O governo disse que vamos passar para 100 mil em quatro anos. Claro que não conseguiremos. Isso é mania de grandeza.
ÉPOCA – Estamos perdendo a oportunidade do pré-sal?
FHC –
Para que mudar a lei? Estava funcionando. Para obter mais recursos? Por que o pré-sal é mais fácil de obter? Era só mudar o que a lei permitia quanto à participação. Foi mudada a legislação com o propósito de aumentar o controle do governo sobre tudo. Mudaram para se apropriar politicamente. O Bolsa Escola virou Bolsa Família. Dizem que o PSDB não tem programa. Mas não é isso. O programa do PSDB foi apropriado. Quem não tem programa mais é o PT, porque o programa que eles tinham, de socialismo no século XXI, ética na política, acabou. É de espantar que o Congresso jamais tenha discutido o pré-sal. Quando fiz a quebra do monopólio, houve um debate imenso. Agora, tudo foi feito a frio.
ÉPOCA – Por quê?
FHC –
Primeiro, porque a expansão da economia e das políticas sociais anestesiou muita coisa. Segundo, porque o governo Lula tomou, implicitamente, a decisão de não mexer com o Congresso. Ele não precisava do Congresso para praticamente nada. Não fez nenhuma mudança constitucional. Nunca entendi uma coisa: para que uma base de sustentação tão grande? Para não fazer nada? Eu precisava da base porque precisava de três quintos do Congresso para as reformas. O governo Lula só precisava de 51%. Não precisava de mensalão. Foi um erro de cálculo.
E, claro, também havia vontade de domínio, de hegemonia.
ÉPOCA – Mas, politicamente, os petistas foram espertos.
FHC –
Fazendo o advogado do diabo, respondo que não sei se foram espertos apenas politicamente.

ÉPOCA – Há alguns anos, o Brasil tinha condições de assumir algum tipo de protagonismo na economia verde. Por que não aproveitamos a oportunidade?
FHC –
Não entendemos o que significava essa questão do aquecimento global e da ecologia. O Lula inventou o diesel de etanol. Quando veio o pré-sal, esqueceram tudo. O Lula fingiu que o país tinha conquistado autonomia, botou a mão no petróleo, imitou o Getúlio. Não existe autossuficiência até hoje. Preocupa-me essa facilidade de ver um futuro grandioso e abandonar tudo. Não é assim. Tem de ter método, mais constância.
ÉPOCA – Falta uma estratégia para nós?
FHC –
Não temos nenhuma. Apostamos, mesmo na política externa, em alvos que não eram os principais. O governo disse: “Vamos ter uma cadeira no Conselho de Segurança”. Só que não haveria mudança. Vamos fazer diplomacia Sul-Sul? Tudo bem. Mas e o resto? E a América Latina? Perdemos espaço no mundo. A gente tem de pensar como será o mundo daqui a 20 anos. Os americanos fazem isso a toda hora, e os chineses devem fazer igual. Levam a sério e fazem escolhas.
ÉPOCA – Qual deveria ser a estratégia do Brasil?
FHC –
É difícil imaginar, assim, de repente. Num mundo globalizado, dificilmente você poderá ter a posição de autarquia, de fazer tudo, como nosso passado. Nossa economia ainda é fechada. Vamos abrir mais? E o que vamos preservar? Será que não dava para repensar nossa estratégia pelo menos na América do Sul? Vamos abrir e não ter medo da competição?
ÉPOCA – O Mercosul foi uma roubada?
FHC –
Tornou-se isso, mas não era inicialmente. Não avançou. Também não ousamos. Quando veio a Alca, ficamos todos com medo. Eu inclusive, porque o Brasil não sabia o que queria. Quando os americanos desistiram, fingimos que não queríamos. Mas eles é que não queriam mais. Fizeram acordos bilaterais com todo mundo, menos com a gente. Hoje, não temos nada.
ÉPOCA – É uma questão de definir claramente: teremos menos indústria e mais agronegócio?
FHC –
Nosso problema, não só na indústria, é passar da quantidade para a qualidade. O grande X da questão é a educação. É o “software”. Porque o “software” é mais difícil que o “hardware”. Dominamos o “hardware”, mas não o “software”. O X da questão é como ser mais competitivo, ter mais qualidade. É preciso melhorar a produção. Tem de investir mais na educação, na ciência, na tecnologia. O mundo moderno é do conhecimento e da inovação. Nunca entendi por que nós nunca discutimos, a sério, o que se ensina no Brasil. E quanto tempo se leva para ensinar. Ou para aprender. Uma aula antes levava 50 minutos. A criança agora se concentra em sete. Quando vai para a aula, ela não aguenta. Está errada a criança ou está errado o modo de ensinar?
“Nunca entendi por que
o PT precisava de uma base
de sustentação tão grande no Congresso. Para não fazer nada? Não precisavam de mensalão.
Foi um erro de cálculo” 
ÉPOCA – A equação americana mistura um ambiente favorável a negócios, conhecimento e capital. Nosso problema já foi o capital. Agora está em criar o ambiente favorável a negócios e conhecimento...
FHC –
E entender que esse ambiente precisa de regras. Agora estão mudando a regra dos portos. Mudam do dia para a noite com medida provisória. Não deve ser esse o processo de mudança. O Estado tem de regular. Mas não pode mudar a regra do jogo a toda hora. Isso gera instabilidade. Não temos uma cultura de longo prazo. Tem um aperto qualquer, o governo fica nervoso, a presidente fica aflita e muda as regras.
ÉPOCA – O senhor disse que o segredo da prosperidade americana está nas universidades. Quão distantes estamos desse modelo?
FHC –
Muito. Aqui, você tem ilhas não corporativas. E instituições como a Fapesp e, até certo ponto, o CNPq. Mas é uma confusão. O tempo todo, a universidade brigava comigo porque não tenho mentalidade corporativa. Vetei a criação de universidades onde não era necessário, apenas para dar emprego. Dei mais atenção ao ensino fundamental. Não adianta criar mais do mesmo. Tem de melhorar. Em várias partes, houve mudanças boas no sistema educacional primário e secundário. Mas os sindicatos são contra. Aqui em São Paulo, foi criado um modelo em que, dependendo do desempenho dos alunos, a escola, no conjunto, ganha mais. O sindicato é contra, porque não quer distinguir pelo mérito.
ÉPOCA – Como implantar a meritocracia?
FHC –
Só brigando muito. É até curioso: o PT nasceu contra o corporativismo. Lula dizia que a verdadeira anistia do trabalhador era acabar com a CLT. Mas criou uma tremenda burocracia sustentada pelo governo. É fascinante ver como, em vez de mudar a cultura dominante, ele foi absorvido por ela. No clientelismo, no corporativismo, no jogo da política.
ÉPOCA – O senhor disse que o PT se apropriou do discurso e das políticas do PSDB. Como o PSDB deve se colocar daqui para diante?
FHC –
Vamos fazer melhor. É da quantidade para a qualidade. Tem de assegurar, para essa gente que está subindo, mais.
ÉPOCA – Como se faz para essa mensagem chegar ao eleitor?
FHC –
Pergunte aos políticos. Estou aposentado.
ÉPOCA – Que diferenças o senhor vê entre seu modo de lidar com a política quando presidente e o do PT?
FHC –
Eu tinha um propósito: fazer reformas. Meu objetivo era esse. Você tem de fazer escolhas. Fiz a escolha, fiquei com o PFL. Não era suficiente. Forcei o PMDB a entrar. Mas escolhi quem do PMDB eu iria nomear. No segundo mandato, quando você perde força, tem de entrar mais nas negociações com os partidos.
ÉPOCA – O senhor questionou por que o PT queria uma base tão grande. Não havia uma paranoia de que o governo fosse derrubado?
FHC –
A paranoia vem com o desejo de hegemonia. Para eles, as elites vão derrubar, a imprensa vai derrubar. O tempo todo eles estão tomando o Palácio de Inverno. É patético.