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terça-feira, 13 de agosto de 2019

O que pensam os senadores do Paraná sobre o “embaixador” Eduardo Bolsonaro - João Frey (Gazeta do Povo)

O que pensam os senadores do Paraná sobre o “embaixador” Eduardo Bolsonaro

Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)
Para que possa assumir o posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), precisa da aprovação do Senado Federal.  Sem garantia de que tem votos suficientes, o governo tem intensificado a articulação no Senado, especialmente com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). As conversas, entretanto, não têm sido suficientes para debelar as más impressões causadas pela indicação do filho do presidente para um cargo estratégico para os interesses nacionais.
Na bancada paranaense, Alvaro Dias (Podemos), Flavio Arns (Rede) e Oriovisto Guimarães (Podemos), demonstram haver algum desconforto com a escolha do governo.
Alvaro, líder do Podemos na Casa, é o paranaense que critica com mais veemência a indicação. Após o nome de Eduardo Bolsonaro passar a ser cotado para o cargo, ele chegou a apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição que exige que os embaixadores sejam diplomatas de carreira. Para Alvaro, o filho do presidente não apresenta requisitos mínimos para representar o país nos Estados Unidos.
"Esta indicação é um equívoco histórico, uma trombada nas tradições da diplomacia brasileira. Para a embaixada americana, sempre são escolhidos os mais capacitados, pois trata-se de uma função complexa nas relações entre as nações. A história mostra isso”, diz.
O senador indica que fará forte oposição ao nome de Eduardo Bolsonaro.
“A indicação de alguém sem a qualificação necessária é um desestímulo ao preparo, ao talento, ao estudo, à busca pelo conhecimento e à experiência. Não se trata de escolher o mais próximo, e sim o mais qualificado. A aprovação desta indicação diminuiria o Senado”, sustenta.
Também do Podemos, Oriovisto disse que está estudando o assunto e prefere não se posicionar até que a indicação formal chegue ao Senado. O parlamentar, entretanto, subscreveu a PEC de Alvaro Dias que reserva o cargo de embaixadores a diplomatas de carreira.
Flavio Arns, que também assinou a PEC, acredita que os membros do Itamaraty são mais preparados para chefiar missões diplomáticas.
“Apoio que as embaixadas sejam ocupadas por diplomatas de carreira do Itamaraty que são tecnicamente qualificados e preparados para exercer a diplomacia brasileira no exterior. O Instituto Rio Branco é uma escola de excelência respeitada internacionalmente como academia diplomática e deve ser prestigiado quanto à escolha dos nossos embaixadores”, avalia.
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quarta-feira, 24 de julho de 2019

Estrutura, rotina, foco: o que mudou no Itamaraty bolsonarista - Tiago Cordeiro (Gazeta do Povo)

Estrutura, rotina, foco: o que mudou no Itamaraty de Ernesto Araújo

Ernesto Araújo (dir.) e o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, na frente do Palácio do Itamaraty.
Ao anunciar a escolha do diplomata Ernesto Araújo para o posto de ministro das Relações Exteriores, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em sua conta de Twitter: “A política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o Brasil vive hoje”. O primeiro semestre do governo foi marcado, de fato, por uma série de mudanças na política internacional do país. Mas algumas alterações sofreram recuos.
“Bolsonaro entregou mudança profunda em áreas que agradam sua base mais conservadora — sobretudo direitos humanos, meio ambiente, comportamento na ONU. Onde a mudança prometida assustou os interesses de sua base parlamentar, ele recuou. É o caso de Mercosul, da China e da mudança da embaixada para Jerusalém”, afirma Matias Spektor, professor associado e vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da FGV. “Bolsonaro também recuou quando o tema tinha chance de alienar sua base militar: a Venezuela.”
Mas, no dia a dia do Itamaraty, essas transformações estão acontecendo em ritmo bastante acelerado. A estrutura e a rotina dos diplomatas brasileiros mudaram muito, na comparação com o cenário das últimas décadas.

Itamaraty ganha estrutura diferente

A decisão de retirar poder dos diplomatas e aumentar consideravelmente a participação de políticos ligados ao Poder Executivo nas negociações internacionais foi formalizada logo nos primeiros dias do novo governo, quando, no dia 9 de janeiro, um decreto autorizou a concessão de cargos de chefia para não diplomatas. A mudança rompe um paradigma antigo na diplomacia brasileira, o de que o ministro era um posto político, indicado pelo presidente, mas os demais cargos eram organizados considerando a hierarquia interna.
Essa valorização da antiguidade e do currículo foi alterada pelo decreto, que não só permite que os integrantes do gabinete do ministro não sejam diplomatas de carreira, como também possibilita que diplomatas de nível hierárquico mais baixo possam ocupar postos antes ocupados por profissionais mais antigos.
O mesmo decreto extinguiu a Divisão de Mudança do Clima e a Subsecretaria Geral de Meio Ambiente Energia e Ciência e Tecnologia. No lugar, criou um Departamento do Meio Ambiente, subordinado à nova Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania.
Com isso, mudou o posicionamento de duas áreas que, até a gestão passada, eram cruciais para fornecer dados e subsídios para as negociações brasileiras a respeito de questões ambientais e de clima. A mudança foi acompanhada da decisão do presidente Bolsonaro de que o Brasil desistiria de sediar a próxima Conferência do Clima, em 2020.
Além disso, o currículo do Instituto Rio Branco, o centro de formação de diplomatas no Brasil, vem sendo alterado. A disciplina História da América Latina foi extinta e surgiram cadeiras voltadas para o estudo de obras clássicas. Além disso, a ementa do curso de Política Internacional mudou, com o objetivo de, nas palavras do ministério, afastar os futuros diplomatas de “amarras ideológicas eventualmente adquiridas em sua formação anterior”.
Outra mudança expressiva foi a demissão do diplomata Paulo Roberto de Almeida, crítico do filósofo Olavo de Carvalho, da direção do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais.

Itamaraty 'encolhe' na gestão de Ernesto

O Itamaraty também está menor: em maio, o governo reduziu 138 postos, sendo 84 de diplomatas e 54 para oficiais e assistentes de chancelaria. Com isso, o total de vagas para trabalho no exterior vai cair de 1.842 para 1.704.
O presidente também mandou fechar seis embaixadas que ficam na América Central: São Cristóvão e Nevis, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas, Granada, e Dominica. Internamente, o governo avalia que outras três representações poderão ser fechadas, todas na África: Serra Leoa, Libéria e Líbia.
“Os cortes orçamentários para a manutenção de embaixadas, consulados e outros postos dizem respeito, acima de tudo, à situação fiscal de penúria em que se encontra o Estado brasileiro”, afirma o professor Matias Spektor. “O Itamaraty, como o resto da máquina do governo, vem sofrendo sucessivas ondas de ajuste desde o governo Dilma e nada indica que esse quadro dramático vá mudar no curto prazo.”
Já Marco Aurélio Nogueira, coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), considera que os cortes serão acompanhados de um rearranjo interno. “O objetivo alegado é de caráter fiscal: reduzir gastos. Mas, por trás dele, há também uma inflexão política, destinada a afastar diplomatas mais refratários à orientação prevalecente, que inclui um retrocesso no modo como o Itamaraty tratava de questões de direitos e reconhecimento no âmbito internacional”, critica.
Alguns cortes começaram antes mesmo da posse. Apesar disso, em paralelo aos cortes, o governo anunciou em junho a realização de um novo concurso para novos diplomatas, com 26 vagas de diplomatas.

Foco da diplomacia mudou

Outra mudança se manifesta na orientação geral para o foco da diplomacia nacional. Tradicionalmente, o Brasil se mantém neutro em relação a situações de conflitos, como as disputas entre Israel e Palestina. E busca alinhamento com países em desenvolvimento, como as nações africanas e os integrantes dos Brics, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Com a nova orientação, a diplomacia brasileira busca alinhamento com Israel, Estados Unidos e Europa Ocidental – como indica a tentativa de entrar para o chamado clube dos ricos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“O Brasil sempre procurou atuar no sistema internacional como um agente negociador e plural. Na gestão atual, essa linha foi substituída por um alinhamento incondicional aos Estados Unidos de Trump e pela adoção de um unilateralismo inadequado para os tempos atuais”, afirma Marco Aurélio Nogueira.
Para Maurício Santoro, professor-ajunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é a aproximação com os americanos a maior marca do governo atual. “O ponto mais importante do primeiro semestre do governo Bolsonaro são os esforços do governo em se aproximar dos Estados Unidos, com a obtenção do status de aliado extra-OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar do Ocidente) e do apoio de Trump para o ingresso do Brasil na OCDE”.

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Matéria sobre minha demissão referida acima: 

"Diplomata é demitido após republicar textos que debatem crise na Venezuela
Paulo Roberto de Almeida foi demitido do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
Brasília, DF e São Paulo, SPFolhapress[04/03/2019] [18:32]"

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/diplomata-e-demitido-apos-republicar-textos-que-debatem-crise-na-venezuela-6xe3y9t95gd3y4ytbf9gd9r1h/

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"O embaixador Paulo Roberto de Almeida foi demitido nesta segunda-feira (4) do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores. Ele assumiu a direção do instituto em meados de 2016, durante a gestão de Michel Temer (MDB). 


A demissão ocorreu após Almeida republicar, em seu blog pessoal, também nesta segunda-feira (4), três textos recentes sobre a crise na Venezuela, um assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro pelo embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero e o terceiro pelo atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. 


Araújo, em seu texto, critica as posições de FHC e Ricupero sobre a situação venezuelana, afirmando que os dois "escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e desídia cúmplice". 


No texto em seu blog, Almeida diz querer estimular o debate sobre a política externa brasileira com a republicação dos artigos. 


No dia 24 de fevereiro, o embaixador agora demitido havia publicado um texto crítico ao escritor Olavo de Carvalho, que indicou ao presidente Bolsonaro nomes para compor o ministério do atual governo, entre eles, o de Araújo. 


Almeida foi comunicado da dispensa por telefone pelo chefe de gabinete de Araújo, Pedro Wollny. Procurado, não quis comentar os motivos da demissão. 


"Meu blog é um espaço de liberdade, de debate aberto e de interesse público", disse. "Aparentemente vou ter de voltar à biblioteca do Itamaraty para poder trabalhar", afirmou, em referência aos quase 14 anos de governos petistas em que afirma ter sido excluído de qualquer atividade no ministério. 


"Durante todo esse tempo de exílio involuntário, fiz da biblioteca do Itamaraty o meu escritório de trabalho, uma vez que não dispunha de nenhum outro local na Secretaria de Estado das Relações Exteriores", disse Almeida. 


Rubens Ricupero vê na dispensa de Almeida um "ato confessadamente de repressão político-ideológica, de patrulhamento ideológico que lembra os momentos mais sombrios da ditadura militar, da qual o atual presidente é confessadamente admirador". 


Segundo Ricupero, "aparentemente, não é debate que deseja a direção do Itamaraty, pois a simples republicação de artigos lhe inspira medidas repressivas". "À luz desse fato concreto, qual é a autoridade moral que tem esse governo para denunciar a repressão do regime de Maduro?" 


Leia mais: Discreto e rigoroso, substituto de Moro assume Lava Jato após carnaval


O Itamaraty afirmou que a mudança da diretoria do IPRI, "no contexto da troca da grande maioria das chefias do ministério das Relações Exteriores, já estava decidida e foi comunicada ao atual titular". 


Paulo Roberto Almeida é diplomata desde 1977 e já serviu nas embaixadas de Paris e de Washington, entre outros postos de destaque. Em 1984, obteve o doutorado em Ciência Política pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica. 


Fundado em 1987, o IPRI é um instituto voltado ao desenvolvimento e à divulgação de estudos e pesquisas sobre temas relativos às relações internacionais, à realização de cursos, seminários e conferências na área de relações internacionais, entre outras atividades."


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sexta-feira, 21 de junho de 2019

Estado no Brasil: grande demais, segundo estudo - Luan Sperandio (Gazeta do Povo)

Estudo defende que “Estado mínimo” é o ideal para o Brasil

Estudo aponta que carga tributária ideal para o Brasil seria cinco pontos percentuais menor do que a atual.
Luan Sperandio, especial para a Gazeta do Povo, 20/06/2019
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O tamanho ideal do Estado é algo subjetivo e que varia de acordo com a ideologia de cada indivíduo. Há, por exemplo, quem considere o Estado brasileiro já “mínimo”, no sentido de que ele é pouco eficiente na prestação de serviços básicos. Outros grupos e indivíduos defendem uma redução maior no escopo de atuação da administração pública. Eles entendem que a eficiência aumentará na medida em que houver maior espaço da iniciativa privada.
A maior parte dos teóricos políticos e econômicos defende a necessidade de alguma forma de governo para garantir a propriedade privada, o cumprimento dos contratos, a oferta de bens públicos e para a realização de algumas políticas públicas. Eles entendem que a ação do governo pode gerar externalidades positivas para a sociedade. Mas eles também reconhecem que existe uma enorme tendência de os governos serem ineficientes, corruptos e, em última análise, gerarem um impacto negativo na atividade econômica produtiva.
Fora do mundo político e ideológico, a literatura científica possui parâmetros objetivos para delimitar o tamanho do Estado e qual seria o ponto de maior equilíbrio entre carga tributária e o desenvolvimento econômico. Inicialmente, a métrica para analisar o tamanho estatal se dá a partir do nível de despesa governamental em relação ao PIB.
A chamada Curva de Armey reflete a relação entre gasto público e atividade econômica. A metodologia considera que há uma associação positiva entre gasto público e crescimento econômico até determinado nível de despesa pública. Nesse caso, um governo limitado e com uma carga tributária limitada é benéfico para o desenvolvimento econômico e o bem-estar. Dessa forma, no início, a existência de um governo pode ser positiva para o desenvolvimento econômico. É o que se convencionou chamar de “carga tributária ótima”.
A partir de determinado limite, contudo, com um gasto público mais elevado e, portanto, drenando mais recursos da sociedade por meio da tributação, a atuação do Estado passa a ser ineficiente, prejudicando o desenvolvimento econômico.

Estado no Brasil é grande demais, segundo estudo

Com base nesses pressupostos, um estudo publicado na Economic Analysis of Law Review — principal revista de análise econômica do direito do país — analisou qual seria a carga tributária ótima brasileira. Os pesquisadores Cláudio Shikida, Andre Carraro, Rodrigo Nobre Fernandez, Ari Francisco de Araujo Jr. buscaram verificar a relação entre gasto governamental e crescimento econômico no Brasil.
A análise econométrica indicou que a carga tributária ótima seria de 28,38%. no equilíbrio de longo prazo. Nesse caso, a servidão ao Estado seria de 104 dias (do réveillon até 14 de abril de cada ano). O valor destoa em muito da carga tributária brasileira verificada em 2013, calculada em 33,74% (um cenário em que a servidão se arrasta até o dia 3 de maio).
Assim, o “tamanho ótimo do governo” brasileiro seria alcançado com uma redução arrecadatória de aproximadamente R$ 260 bilhões de reais naquele ano.
Para efeito de comparação, em 2018, o brasileiro só começou a trabalhar para si depois de 153 dias, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Isto é, o tamanho do Estado aumentou desde o ano em que o estudo foi feito. Segundo estudo da OCDE de 2016, apenas Cuba, com 41,7% de impostos sobre o PIB, supera a carga tributária brasileira na América Latina.
Ainda segundo o estudo, a carga tributária observada no início dos anos 1990 seria mais próxima do valor de carga tributária ótima. Ocorre que, a partir da segunda metade dos anos 1990, a sanha arrecadatória do fisco ultrapassou o nível ótimo e gradualmente se aproximou de um terço de toda a produção nacional.

O que daria para fazer com o “Estado Ótimo brasileiro”?

Os 28% de gastos em relação ao PIB corresponderiam, segundo os pesquisadores, a uma estrutura que comportaria basicamente os ministérios da Saúde, Educação, Justiça, Previdência Social, Defesa, Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Dessa forma, o Estado Ótimo brasileiro se aproximaria das ideias do intelectual escocês Adam Smith, mas acrescido de um aparato de Estado de bem-estar social enxuto. O “pai da Ciência Econômica” defendia uma atuação estatal restrita ao provimento de educação, defesa e segurança e de um sistema de justiça.

Apesar de grande, Estado brasileiro não prioriza mais pobres

A despeito de os 10% mais pobres pagarem proporcionalmente 44,5% mais impostos do que os 10% mais ricos, grande parte das políticas sociais financiadas com esse dinheiro não beneficia os brasileiros de menor renda. Um levantamento do Banco Mundial estimou que o Brasil gasta apenas 12,1% do PIB com os 40% mais pobres. Ou seja, há um benefício desproporcional aos mais ricos.
Há, portanto, diversas ações patrocinadas pelo Estado brasileiro que, embora vendidas por burocratas como “sociais”, resultam em aumento da concentração de renda. Segundo um estudo do Ipea, um terço da desigualdade nacional se dá em virtude da atuação da administração pública.

Brasileiros preferem estado intervencionista

O tamanho do governo é definido basicamente por três aspectos: econômico, político e ideológico. A depender de cada sociedade e de seus fatores de influência, eles podem fazer com que a arrecadação tributária fique distante do que a literatura considera ser um nível ótimo em termos de bem-estar.
De acordo com uma pesquisa de 2018, realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, para o brasileiro a economia deve ser regulada mais pelo Estado do que pelo mercado. Os entrevistados disseram ainda que as principais empresas devem pertencer ao Estado, considerado o principal agente de redução de desigualdades e de provimento de serviços básicos.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Ernesto Araújo, a batalha de Viena e o choque entre civilizações - Filipe Figueiredo (GP)

O autor desta matéria, muito bem pesquisada e excelentemente bem exposta, Filipe Figueiredo, coloca água no feijão do chanceler, que pretende provar que está em campanha para salvar uma coisa chamada civilização cristã ocidental, mas que na verdade nunca existiu com essa consistência que o patético chanceler beatamente afirma.
Como demonstra Filipe Figueiredo, os que derrotaram os muçulmanos foram mobilizados por algo mais (o vil metal) do que a fé e a religião, e sobretudo não possuíam unidade.
Mais importante: a tal conversa de "política externa sem ideologia" (e comércio exterior idem), nada mais é do que uma conversa fiada, pois o que mais faz o chanceler, e seus patrões, é defender uma ideologia conservadora de extrema-direita, eu até diria reacionária.
Paulo Roberto de Almeida


Ernesto Araújo, a batalha de Viena e o choque entre civilizações
Filipe Figueiredo
Gazeta do Povo, 15/05/2019

A História é uma das mais preciosas matérias-primas da humanidade. Ela serve de sustento para bons argumentos e para falácias; para avaliação e compreensão das sociedades; para derrubar mitos e ilusões. Nesse campo, a História é tanto remédio quanto insumo para essas mesmas mitologias e visões românticas sobre o passado, sobre a cultura e sobre si. E, como já disse o historiador britânico Peter Burke, “o dever do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer”. 

Na última semana, o chanceler Ernesto Araújo postou em seu perfil uma foto defronte uma pintura, com a legenda: “Ontem, no castelo de Varsóvia, com o retrato do rei polonês Jan Sobieski, vencedor da batalha dos portões de Viena em 1683”. A viagem do chanceler passou por Roma, Budapeste e Varsóvia, encontrando-se com representantes desses governos e da Santa Sé. Outro post com Matteo Salvini chamava o político italiano de “grande líder da regeneração europeia”.

A batalha de Viena
A batalha de Viena, em 12 de Setembro de 1683, quando os exércitos otomanos foram derrotados às portas da capital do império Habsburgo, foi de fato um importante evento histórico, uma data que se tornou posteriormente símbolo do fim do avanço otomano na Europa. O “posteriormente” é explicado pelo fato de que, naquele momento, ainda não se sabia do posterior declínio otomano, nem que os avanços de Habsburgos e da Rússia seriam tão rápidos e vastos quanto foram nos séculos seguintes.

Por causa desse significado posterior, de um momento em que os otomanos foram detidos em seu máximo avanço na Europa, a batalha ganhou contornos de um choque de civilizações. A cristandade europeia versus o califado muçulmano. É nesse contexto que o chanceler a celebra seu tuíte; embora não de forma explícita, a postagem por si só é uma celebração. E também congruente com suas ideias e como ele vê o mundo. Algumas dessas visões foram expressas em seu discurso de posse, já comentado neste espaço.  

Essa visão de uma batalha entre Ocidente e Oriente, entre cristãos e muçulmanos, é certamente sedutora, como toda visão romantizada. Uma épica luta entre valores, civilizações que se jogam uma contra a outra em um mesmo dia, em meio a poeira levantada pela maior carga de cavalaria da História, brados retumbantes, o som do choque de espadas e outras armas, o cheiro de pólvora dos mosquetes, onde surgem heróis e vilões. E, claro, assim como toda visão romantizada, uma amostra superficial e estreita.

A batalha de Viena está inserida em um contexto muito mais complexo e contraditório do que um “choque de civilizações”. O combate tampouco foi Islã versus cristianismo, mas parte de uma guerra política e com alianças e lealdades motivadas também por interesses políticos. No cerco de Viena estava em jogo a autoridade de Leopoldo I, imperador Habsburgo da Áustria e Sacro-Imperador Romano Germânico. Essa posição, e a localização geográfica de sua capital, o colocavam como defensor do Papado e de Roma.

Realidade versus idealização
Isso explica o fato de que foi o Papa Inocêncio XI o principal financiador da resistência contra os exércitos otomanos. Independente de defesas da fé, o suprimento do “vil metal” foi de suma importância para as defesas europeias. O pagamento dos soldados poloneses, que só tinham obrigação de servir em defesa de seu território, é o exemplo mais famoso, já que seu rei, o Jan Sobieski III do retrato, não estava exatamente disposto ao custeio de um exército para salvar Viena e o imperador.

Outro exemplo, menos conhecido e tão importante quanto, é o do engenheiro Georg Rimpler, o responsável pela modernização das defesas austríacas. E que ocupava sua posição por ser, sem um julgamento de valor, um mercenário muito bem pago. Claro, o custeio de um exército ou de pessoas treinadas nas artes militares é algo sempre presente, e não seria apenas a existência de um pagamento que diminuiria um eventual caráter civilizacional da batalha.

Ainda assim, é um exercício interessante pensar se tais soldados teriam defendido Viena a troco apenas da fé ou de um eventual butim de guerra. O que torna superficial a visão romântica é o fato de que a suposta cristandade da batalha estava fragmentada. A Europa havia recém saído da Guerra dos Trinta Anos, motivada, dentre outras razões, pelo conflito entre católicos e protestantes; por séculos a Europa foi dividida de forma violenta e amarga por esse cisma do cristianismo.

Contra o católico Leopoldo I estavam os húngaros protestantes liderados por Imre Thököly, aliado do sultão. Seu desejo era a independência, rei de uma Hungria protestante em caso de vitória otomana. Juntando húngaros e valáquios, ao menos cinco mil cristãos protestantes estavam no exército otomano. Outros reinos protestantes europeus fariam poucas objeções ao fim do Sacro Império, mesmo que nas mãos de muçulmanos. Ainda assim, a protestante Saxônia enviou cerca de dez mil homens para a batalha.

Tal exército protestante se retirou imediatamente após o final da batalha. Tensões religiosas e divergências entre nobres impediram que os saxões participassem da pilhagem do rico butim otomano, e também não participaram da ofensiva contra as tropas turcas em retirada. Além disso, uma ausência é bastante significativa. A França recusou pedidos do Papa para enviar seus poderosos exércitos em “socorro da Cristandade”. A França, país onde, até 1789, a Igreja Católica tinha enorme poder social e político.

Essa recusa foi motivada por falta de cristianismo ou por apostasia? Não, apenas interesse nacional. Os franceses não achariam nem um pouco negativo que os austríacos sofressem em mãos otomanas, enfraquecendo seu maior rival europeu pelo controle do continente e pela influência no mundo católico. Dos séculos XV ao XIX, franceses e austríacos estiveram em lados opostos em mais de duas dezenas de guerras, incluindo a citada dos Trinta Anos. O estranho era a paz entre Paris e Viena.

Incluindo mais de um conflito em que franceses e otomanos foram secretamente aliados contra austríacos; o imortal pensamento de que o inimigo do meu inimigo é meu amigo. A questão aqui não é diminuir a batalha de Viena ou apontar que franceses foram traidores, nada disso. Apenas mostrar que é romântico pensar um bloco homogêneo da cristandade em batalha. Cada ator, mais que sua religião, também tinha seus interesses e objetivos políticos em jogo; no ano seguinte, a França se aproveita e anexa a Alsácia dos austríacos.

Contradições e civilizações
O mesmo vale para o outro lado. Não se tratava de um Islã monolítico, mas dos exércitos otomanos. Primeiro, os já citados protestantes que combatiam nas fileiras do sultão. Além disso, as lealdades das hostes cossacas e tártaras também variavam de acordo com o cenário político do período. Líderes cossacos cristãos ortodoxos se aliaram ao sultão contra os católicos poloneses, por exemplo. E, no caso de Viena, um componente essencial da cavalaria europeia era formado por tártaros. Muçulmanos.

Milhares de tártaros sunitas de Lipka combateram pelo exército do rei polonês, usando palhas em seus elmos, como uma forma de diferenciá-los dos seus primos tártaros da Crimeia, que combatiam ao lado do sultão. Posteriormente, a vida de Jan Sobieski III seria salva por um oficial tártaro muçulmano, Samuel Mirza Krzeczowski, promovido por seu feito. O rei polonês, inclusive, é lembrado como um dos mais tolerantes perante seus súditos e aliados muçulmanos, com a construção de mesquitas, por exemplo. 

Outra rachadura no pensamento de dois blocos homogêneos é que vários aliados otomanos eram forçados por laços de vassalagem ao combate, se juntando ao sultão contra sua vontade. E, por isso, não desempenhando suas funções militares da melhor maneira. Os tártaros da Crimeia, por exemplo, se recusaram em atacar os exércitos poloneses. A ideia de uma luta de civilizações, naquele momento, emanava apenas da crueldade do comandante otomano, Kara Mustafa Pasha, executado por sua incompetência.

No saldo final, a batalha de Viena foi, como todo o período moderno europeu, um enlace multicultural, complexo e, novamente, contraditório. Muçulmanos contra o califa, cristãos contra o imperador, tártaros muçulmanos contra tártaros muçulmanos. Nas décadas seguintes, os otomanos ainda governariam boa parte dos cristãos dos Bálcãs, enquanto os austríacos juntariam-se aos protestantes prussianos e os ortodoxos russos para retalhar a Polônia, que por cento e vinte anos deixou de existir como país soberano.

Romantismo e a alt-right
A visão romântica da batalha é cada vez mais resgatada pelo contexto contemporâneo, com atentados terroristas e questões migratórias na Europa. A ideia de que muçulmanos seriam invasores e que essa invasão foi inicialmente repulsa em 1683 por uma suposta cristandade unida. Grupos radicais e a chamada alt-right valorizam a batalha como marco de resistência do “Ocidente”. Exagero? É só olhar para a intensa referência ao confronto em dois atentados terroristas recentes.

Em 2011, na Noruega, 77 jovens do Partido Trabalhista foram assassinados pelo terrorista Anders Behring Breivik. Dentre seus motivos estavam o “marxismo cultural” e a resistência contra a “invasão muçulmana”, um cavaleiro pelos “valores ocidentais”. Tudo isso está em seu manifesto de mil e quinhentas páginas chamado 2083, uma referência aos 400 anos da batalha. O cerco de Viena também está em diversas referências do terrorista de Christchurch, na Nova Zelândia, que deixou 51 mortos em Março de 2019.

Que visões românticas e gloriosas de um passado militar seduzam extremistas e perfis da alt-right não seria novidade, ainda mais com um suposto inimigo em comum. E não se está chamando o chanceler de um representante da alt-right, mas é surpreendente ver um chanceler de um país com profunda tradição de formação de quadros diplomáticos ser seduzido por essa visão romântica, as ideias de um espírito cruzadístico movendo o Ocidente, em meio aos textos laudatórios do discurso de Varsóvia.

A própria batalha de Viena fornece exemplos contrários, de como os interesses nacionais e políticos sobressaiam os interesses ideológicos, religiões inclusas. Chamem de pragmatismo, realismo, ganhos concretos, do que for. Contra os rivais atenienses, Esparta se aliou aos persas, inimigos figadais de anos antes. Não foram apenas as divergências teológicas que sustentaram o movimento de Lutero, mas também a revolta contra o pagamento de vultosas contribuições para a construção da basílica de São Pedro. 

E quais os interesses do Estado brasileiro em uma viagem europeia de seu chanceler que negligencia alguns dos mais importantes parceiros comerciais e econômicos brasileiros no continente, como a Alemanha, a França e os Países Baixos? Ou então, pensando em laços históricos, a mesma Alemanha, assim como Portugal e Espanha. A Itália une os dois fatores, como grande parceiro comercial e origem de cerca de trinta milhões de cidadãos brasileiros.

Relações com a Polônia e a Hungria possuem grande espaço para crescimento, disso não há dúvidas, agora, nessa “política externa sem ideologia”, recortar uma viagem que passa apenas por esses países não faz sentido fora de um discurso ideológico. O discurso de valorizar uma “identidade ocidental” enquanto se desmonta a independência do judiciário e a imprensa livre, temperados por uma narrativa contra a União Europeia; claro, sem deixar de sorver nas polpudas verbas europeias.

Nos casos citados, Hungria é apenas nosso 90º destino de exportações, e 53º principal origem de importações, para uma relação comercial deficitária de 248 milhões de dólares. A Polônia não fica muito na frente, como 42º maior destino e maior origem, para um superávit de 203 milhões de dólares. Cifras que, colocadas em proporção, são uma parcela ínfima do comércio brasileiro. Em um cenário econômico difícil, o chanceler buscar parceiros e investidores deveria ser mais interessante do que cingir elmos para batalhas finais.


terça-feira, 20 de novembro de 2018

Deirdre McCloskey: Brasil tem chance de implementar o liberalismo (Gazeta do Povo)

Grato ao amigo Orlando Tambosi pela transcrição desta matéria em seu blog.

Brasil tem a chance de colocar ideias liberais em prática de forma democrática, diz historiadora do liberalismo.


Em entrevista à Gazeta do Povo, que visitou em Curitiba, a historiadora e economista Deirdre McCloskey (que, infelizmente, não tem nenhuma de suas obras fundamentais sobre a burguesia traduzidas por aqui) fala sobre as perspectivas do Brasil com a ascensão de um governo liberal-conservador:


Nos Estados Unidos, Deirdre Nansen McCloskey, 76, uma dos maiores expoentes vivas do pensamento liberal, é quase sempre apresentada como uma economista “libertária”. Por lá, o termo liberal tornou-se quase um sinônimo das causas da esquerda. Mas McCloskey está em uma cruzada contra esse sequestro. No prefácio do novo livro que prepara, a economista anuncia fazer uma defesa do verdadeiro liberalismo da linhagem de Adam Smith: “igualdade [social], liberdade [econômica] e justiça [legal], com um governo pequeno e moderado ajudando de verdade os pobres”. 

Crítica de autoritários e populistas à esquerda e à direita, McCloskey tem uma carreira pouco óbvia. Formada em Harvard, pupila de Milton Friedman, quando ainda era Donald, antes de mudar de gênero no final dos anos 1990, McCloskey deu aula na Universidade de Chicago, celeiro liberal de Prêmios Nobel, entre 1968 e 1980. “Dei aula para todos os ‘Chicago Boys’, brasileiros e chilenos”, comenta quando perguntada sobre as perspectivas do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que fez seu Ph.D. na universidade entre 1974 e 1978.

Guedes passou dois anos no Chile no início da década de 1980. “Os liberais chilenos ainda são assombrados pelo fato de que o liberalismo no Chile foi posto em prática à força e com base na violência. Agora, vocês têm uma oportunidade no Brasil de pô-lo em prática democraticamente”, diz. 

Desde a década de 1980, McCloskey foi se aproximando cada vez mais da História, da Poesia, da Retórica e da Filosofia, sem nunca se esquecer da Economia. Essa erudição levou-a a escrever sua obra prima, a “Trilogia Burguesa”. Em 1800 páginas, a intelectual procura explicar o milagre do “grande enriquecimento” que o capitalismo trouxe ao mundo desde o século 18 e, ao mesmo tempo, formular uma ética das virtudes para um mundo de comércio. 

Sobre esses temas, McCloskey conversou com a Gazeta do Povo um ano atrás. Nesta semana, a economista esteve novamente no Brasil, visitou a Gazeta do Povo e falou sobre sobre os desafios do liberalismo no país, as eleições nos Estados Unidos, as políticas de Donald Trump e a emergência de movimentos autoritários ao redor do mundo. 

Confira a íntegra da entrevista abaixo:

Gazeta do Povo: Seu novo livro se chamará “Por um Novo Liberalismo: Ensaios sobre Persuasão” (no prelo; tradução livre). Nas últimas eleições aqui no Brasil, as ideias liberais parecem ter ficado mais populares: tivemos candidatos eleitos que defenderam ideias claramente liberais. Mas muitas pessoas acham que o Brasil ainda precisa ser convencido a ser realmente liberal. Como você poderia nos persuadir? 

Deirdre McCloskey: Eu posso usar uma analogia. Um dia já fomos crianças, tínhamos uma mãe e um pai, e isso era muito bom: é ótimo ter uma família. Mas agora somos adultos e não deveríamos ter mães e pais “governamentais”. Quando somos crianças, é bom que nossas mães e pais nos digam o que fazer, mas não acho que esse seja um papel apropriado para o governo, por uma série de razões. Por um lado, diferentemente dos nossos pais, o governo não sabe o que é realmente bom para nós. Eles estão lá longe em Brasília, e a informação que naturalmente está disponível no âmbito de uma família não está disponível em uma grande sociedade. Então, é muito melhor que você deixe isso para o que podemos chamar de “conversa” entre os comerciantes e os consumidores.

Por outro lado, como vocês no Brasil aprenderam bem nos últimos dez anos, quando há um governo grande forçando as pessoas, essa é a oportunidade para a corrupção. O que as pessoas querem dizer com “corrupção” é que um agente privado vai até o governo e paga o governo para forçar uma medida. Agora, eu sou uma liberal cristã, anglicana, e acredito que nós temos obrigações para com os pobres. A obrigação principal é deixar que os pobres tenham um trabalho digno, mas, em casos de emergência, de necessidade premente, eu deveria ser taxada para ajudá-los. Mas o imposto seria pequeno. Veja: com 10% da renda sendo taxada no Brasil, já não haveria mais pobres – você não precisa de 40% de taxação para ajudar os pobres. 

Aqui no Brasil, depois de uma longa crise econômica e com uma bomba fiscal armada, nós elegemos um presidente com um passado estatista e corporativista. Apesar disso, ele diz que, junto com o economista Paulo Guedes, que promete ser um tipo de superministro, quer tornar o Brasil mais liberal. Paulo Guedes fez o Ph.D. em Chicago, onde você deu aula. Se ele foi um bom aluno, que tipo de reformas deveria buscar? 

Elas são bem óbvias: permitir que as pessoas comprem onde queiram comprar e vendam onde queiram vender. Permitir que as pessoas façam as coisas que querem. Comecem os negócios que queiram e se ocupem do que queiram – e comprar onde se queira comprar inclui o comércio exterior. Essa deveria ser a regra de uma economia, porque é assim que conseguimos inovar, e é o livre comércio que melhora a qualidade dos produtos. Nesse caso, você não pode vender uma câmera ruim feita no Brasil – e o Brasil é bom em muitas coisas. Em fazer aviões pequenos, por exemplo, e açúcar. Nós pagamos, nos Estados Unidos, o dobro do preço mundial do açúcar, quando deveríamos estar comprando açúcar do Brasil. Mas nossos fazendeiros são protegidos. Então, eu espero que ele faça este tipo de coisa, como simplificar as tarifas. 

Paulo Guedes passou dois anos no Chile, no começo dos anos 1980, e o Chile é visto como um exemplo por muitos liberais no Brasil... 

Eu dei aula para eles, tanto para os brasileiros quanto para os chilenos. Dei aula em Chicago entre 1968 e 1980. Lecionava o grande curso de microeconomia na pós-graduação. Ensinei todos eles. 

Sim, e como você avalia agora a experiência dos “Chicago Boys” no Chile, com um pouco de distanciamento histórico? 

Eu não os ensinei a colocar as pessoas em estádios de futebol e atirar nelas [referência ao Estádio Nacional do Chile, onde militares chilenos prenderam, torturam e mataram opositores durante a ditadura do general Augusto Pinochet]. Os liberais chilenos ainda são assombrados pelo fato de que o liberalismo no Chile foi posto em prática à força e com base na violência. Agora, vocês têm uma oportunidade no Brasil de pô-lo em prática democraticamente. Elogio vocês por isso. É muito sábio e mostra certa maturidade política.

Mas acho que o liberalismo na economia funcionou [no Chile] – e um caso ainda mais espetacular é a China, que é uma autocracia terrível, um país terrivelmente iliberal na política, mas muito liberal em grande parte da economia, o que lhes trouxe um crescimento econômico fantástico. Um caso muito melhor é a Índia, que é uma democracia vibrante, embora um pouco maluca, e que também adotou o tipo de liberalismo que o Brasil deveria ter. Eu não conheço o Brasil tão bem, mas conheço bem a África do Sul e eles têm as mesmas políticas que o Brasil. É muito difícil começar um negócio por lá, há tarifas protegendo vários setores, e regulações no mercado de trabalho que geram – veja bem – 50% de desemprego entre os jovens negros sul-africanos. É uma catástrofe. 

Você mencionou a China: economia liberal e política iliberal. Há um ano, quando conversamos, você disse que o Partido Comunista Chinês está montado em um tigre, como na velha fábula: se você cai, você é comido pelo tigre. Mas Xi Jinping, o presidente chinês, parece estar segurando bem esse tigre no laço, então eu pergunto novamente: a China inventou uma alternativa às democracias liberais? 

Não. O inventor dessa versão foi Singapura. Se você chupa chicletes em Singapura, eles te batem [risos]. A imprensa não é livre como aqui no Brasil, nos Estados Unidos, na África do Sul e na Índia. Não é uma alternativa, não é algo que o Brasil deveria pensar em pôr em prática, e eu acho que esse modelo não vai durar na China. Veja, eu entendo ainda menos da China do que do Brasil, embora esteja muito empenhada em oferecer conselhos a todos vocês [risos], mas realmente acho que um país rico – o que a China vai se tornar em mais uma ou duas gerações – não vai tolerar esse tipo de controle. 

Lembra a minha metáfora da mãe e do pai? Estive em uma universidade de tecnologia no meio da China uns meses atrás, e eles me mostraram o programa de reconhecimento facial que estão desenvolvendo e que vai permitir vigiar e guardar registros de todo mundo. Um país rico não vai tolerar esse tipo de coisa, e há muitos exemplos disso. A Coreia do Sul era uma ditadura, Taiwan era uma ditadura, e no fim das contas se tornaram democracias. 

Mas não ainda Singapura... 

Não ainda Singapura, e me pergunto por quê. Mas estão fazendo muito dinheiro em Singapura, então talvez continue assim por mais um tempo mesmo. Mas sou otimista em relação ao futuro, tanto na política quanto na economia. 

Então vamos para os Estados Unidos. Os democratas, em geral, eram os entusiastas do protecionismo e do déficit fiscal, mas agora Donald Trump apoio esse tipo de política e se gaba de criar empregos com base nelas, e ainda investe em uma “guerra comercial” com a China. Ao mesmo tempo, assistimos à emergência de movimentos iliberais ao redor do mundo, como na Hungria, na Polônia, nas Filipinas. A ideia do livre comércio e do liberalismo está arrefecendo no mundo e, em particular, nos Estados Unidos? 

Sim, estão sob ataque. O nacionalismo está vindo à tona, temporariamente. Eu, assim como muitas pessoas, acho que é só um movimento pendular. Donald Trump não tem convicções – seu homem [Jair Bolsonaro] é mais perigoso nisso, ele é autoritário e isso me preocupa um pouco. Mas Trump está no negócio Trump. Ponto. Ele só diz as coisas sobre as pessoas trans, essas coisas malucas sobre comércio exterior, porque a base política dele acredita nisso. Não acho que essas coisas vão ter muito efeito.

De fato, o que acho que vai acontecer nos próximos dois anos é que haverá uma recessão econômica [nos Estados Unidos], não necessariamente causada pelas políticas econômicas estúpidas de Trump, mas ele será culpado por ela. Equivocadamente até, porque o presidente não tem muito a fazer sobre as oscilações dos ciclos econômicos. Então, isso talvez marque o fim do populismo. Não me entenda mal: é ruim para o país erigir barreiras tarifárias, tentar conter a imigração, etc., mas o enredo vai se desenvolver assim, com Trump acabando culpado pelos resultados econômicos ruins. 

E você acha que, se isso acontecer nos Estados Unidos, o populismo vai arrefecer no restante do mundo? 

Sim, porque acho que a vitória do Trump foi uma grande inspiração para o populismo. Ele ganhou por muito pouco e, se eleição fosse hoje, ele perderia. De fato, ele perdeu as eleições para o Congresso. 

Os democratas recuperaram a Câmara nas eleições de meio de mandato, mas muitos “socialistas democráticos” foram eleitos, muitos progressistas que investem na política identitária e, ao mesmo tempo, Trump está reinando no Partido Republicano. Ainda existe espaço para o liberalismo de verdade nos Estados Unidos? A esquerda não está respondendo também de forma iliberal? 

Sim, está. Ambos os lados são iliberais, o socialismo e o fascismo são iliberais. Mas há muitos políticos, que se chamam mais de “pragmáticos” do que de “liberais”, que estão dispostos a ouvir. Não acho que o Partido Democrata seja estúpido o suficiente para apoiar uma figura realmente de esquerda, como Elizabeth Warren [senadora democrata reeleita por Massachusetts, às vezes cotada para concorrer à Presidência em 2020] – isso seria um erro terrível, acho que eles não o cometeriam. Eles vão apoiar um moderado e as coisas vão terminar bem. A política americana é importante para vocês. Se houver uma Terceira Guerra Mundial, vocês estarão nela [risos]. Minha solução para isso é permitir que o mundo todo vote para escolher o presidente americano [risos]. 

Sei que você está brincando sobre a Terceira Guerra Mundial, mas você acha que estamos de volta aos anos 1930, em termos de protecionismo e disputas comerciais, etc.? 

Essa é, obviamente, a analogia assustadora, mas os anos 1930 foram muito piores do que agora, em todos os aspectos imagináveis. Um quarto da força de trabalho estava desempregada nos Estados Unidos e na Alemanha. Note: desde o início do século 19, houve cerca de 40 recessões – elas chegam mais ou menos a cada cinco anos –, mas a tendência de longo prazo foi de crescimento. Houve 6 recessões mais graves, a pior das quais a da década de 1930, mas a tendência é sempre de crescimento. 

Mesmo a reação populista de agora é menos violenta do que a dos anos 1930, quando houve o regime do [Getúlio] Vargas, os fascistas na Espanha e na Hungria, os comunistas na Rússia. Havia comunistas e fascistas armados. Agora são só pessoas fazendo barulho. Trump é um exemplo disso, recuou na questão das pessoas trans no Exército e mesmo a tal “guerra comercial” ainda não aconteceu. Quando há fascistas e comunistas armados brigando nas ruas, como era o caso na década de 1930, aí você deve ficar preocupado mesmo. 

Conhecendo a sua trajetória, não poderia deixar de perguntar isto. Talvez por causa das sucessivas crises econômicas pelas quais o Brasil passou, os economistas se tornaram gurus do debate público há muitas décadas, mas me parece que muitos deles só conseguem falar de gráficos e números e se esquecem de falar com a população em geral. O que você diria para as pessoas que acreditam que a economia é tudo que importa? 

A propósito, essa proeminência dos economistas é muito característica dos países da América Latina, onde os economistas se tornaram muito importantes, às vezes trazendo resultados terríveis. Quem acha que só a economia importa está terrivelmente enganado. Defendo o que chamo de “Humanomia”: Economia com os humanos dentro. Isso significa, por exemplo, que temos de conceber a Economia como um campo da linguagem. Nos negócios, falar é crucial. No espírito de uma empresa, no exercício da liderança. Um quarto dos empregados em economias como o Brasil e os Estados Unidos ganha a vida na base do convencimento. Você e eu, por exemplo, trabalhamos com as palavras. Supervisores também, e há muitos deles na força de trabalho. 

Não estamos mais na época da escravidão: você não pode convencer os trabalhadores a fazer as coisas pela ameaça de violência. Na verdade, você mal pode demiti-los, não por causa das leis – embora isso possa ser um problema –, mas porque você quer ensiná-los a fazer o trabalho corretamente, a crescer. Então, é necessária uma Economia mais ampla, que inclua as Humanidades. Uma economia da inovação, que aliás é melhor para os pobres, é uma economia em que a criatividade humana é plenamente empregada. Isso não é, para usar a linguagem técnica, uma questão de “função produção”. Enfim, ainda precisamos de uma Economia bem mais ampla. 

Além de você, tem alguém pensando nisso? 

Umas seis pessoas [risos]. Uma delas é o Vernon Smith, ganhador do Prêmio Nobel, e seu colega Bart Wilson, da Universidade Chapman. Algumas pessoas antes deles, uma das quais bastante conhecida na América Latina, o grande economista Albert Hirschman. Veja: isso não é um pedido para abandonar a matemática. Eu quero mais matemática, mais números, mas quero números inteligentes. Não sou contra os estudos quantitativos, sou contrária a uma maneira desumana de olhar o mundo, e essa é uma tentação na economia, seja na esquerda ou na direita. A economia marxista é tão bárbara e limitada quanto a economia burguesa, e ambas precisam se tornar uma economia verdadeiramente humana.

domingo, 11 de novembro de 2018

Como será a política externa do governo Bolsonaro - Fernando Martins (Gazeta do Povo)

Como será a política externa do governo Bolsonaro 

Fernando Martins

Gazeta do Povo, 11/11/2018

Esvaziamento do Mercosul e de outros blocos “ideológicos” de nações do qual os brasileiros fazem parte dos planos de Jair Bolsonaro para a política externa. | Mauro Pimentel/AFP
Pressão intensa e até mesmo guerra, se for necessário, para derrubar a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Rompimento de relações diplomáticas com Cuba. Forte alinhamento com os Estados Unidos e outros países comandados por conservadores, como Israel e Itália. Extradição de Cesare Battisti. Briga com a China para que ela não “compre o Brasil, mas compre no Brasil”. Esvaziamento do Mercosul e de outros blocos “ideológicos” de nações do qual os brasileiros fazem parte. Mudança da Argentina pelo Chile como parceiro preferencial na América do Sul. Abertura comercial ampla.
Durante a campanha eleitoral e até mesmos nos primeiros dias pós-eleições, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e seus aliados deram a entender que o Brasil dará uma profunda guinada em sua política externa a partir de 2019. Especialistas em relações internacionais dizem que ainda é cedo para saber exatamente como será a diplomacia brasileira sob o comando de Bolsonaro. Mas eles acreditam que uma mudança muito profunda dificilmente vai acontecer. A possibilidade de o país dar um cavalo de pau na cena mundial tende a ser freada pelo risco de haver prejuízo para os interesses nacionais. 
Ou seja, a realidade da geopolítica vai se impor sobre o discurso do presidente eleito. “O Brasil não são os Estados Unidos e o Bolsonaro não é o Trump”, explica Giorgio Romano, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). A nação norte-americana é uma superpotência militar e econômica com instrumentos para impor suas vontades – algo que não está disponível ao Brasil.
Bolsonaro, aliás, parece já ter tomado um choque de realidade ao anunciar que escolherá um profissional do ramo para o Itamaraty. O futuro ministro das Relações Exteriores será um diplomata de carreira .
Giorgio Romano lembra ainda que Bolsonaro, na campanha, buscou se contrapor à política externa do PT. Mas o governo de Michel Temer (MDB) já havia promovido mudanças em relação à diplomacia das gestões petistas, adotando uma visão mais pragmática. Com Temer na Presidência, o Brasil se distanciou da Venezuela, aproximou-se dos Estados Unidos e promoveu uma abertura ao capital externo – caso da permissão para que empresas estrangeiras explorem o pré-sal sem estarem subordinadas à Petrobras. A aproximação com países do Pacífico, como o Chile, tampouco é exatamente uma novidade na agenda brasileira.
O professor da UFABC aposta que Bolsonaro tende a manter as linhas gerais das relações exteriores do governo atual. Mas, para ele, haverá mudança no estilo da diplomacia presidencial: “A diferença entre o Temer e o Bolsonaro é que o Bolsonaro vai cacarejar antes de colocar o ovo”. Ou seja, o presidente eleito tende a ser mais “falastrão” que o antecessor.
Além de falar mais, o país também tende a ser mais falado no mundo. Para o professor de relações internacionais Argemiro Procópio, da Universidade de Brasília (UnB), o alinhamento do governo Bolsonaro com os Estados Unidos, se efetivamente ocorrer, vai dar mais visibilidade internacional ao Brasil, o que não necessariamente será bom. “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim”, resume Procópio.

Especialista diz que país precisa recuperar imagem desgastada

Contudo, Alberto Pfeifer, coordenador do grupo de análise da conjuntura internacional da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o Brasil teria de caminhar justamente na direção de ser “bem falado” no mundo. Segundo ele, a imagem internacional do país está muito desgastada devido aos escândalos de corrupção, ao impeachment de Dilma Rousseff (visto por parte da opinião pública internacional como um “golpe”), à prisão de Lula (interpretada como injusta pela mesma parte da opinião pública externa) e pela própria imagem de Bolsonaro, mostrado no exterior como autoritário, machista, homofóbico, fascista.
Pfeifer aposta ainda que a política externa do governo Bolsonaro vai estar sujeita à agenda econômica: será mais um instrumento para promover o crescimento. E isso tende a ser feito por meio da abertura comercial.
Mas a política de livre comércio internacional também pode esbarrar nas circunstâncias internas. “Bolsonaro vai ter de superar a resistência da Fiesp [a Federação da Indústria do Estado de São Paulo]”, diz Giorgio Romano, professor de relações internacionais da UFABC. Ele alerta que uma abertura comercial unilateral traz o risco de quebrar o que sobrou da indústria brasileira – daí a possível resistência da Fiesp, a principal organização industrial do país.

Venezuela: guerra de palavras não deve virar guerra de fato

O caso da Venezuela é emblemático para mostrar como o discurso de campanha de Bolsonaro pode ser bem diferente do que vai acontecer na prática. 
A ditadura bolivariana de Nicolás Maduro foi usada na propaganda eleitoral de Bolsonaro como exemplo do que o Brasil se transformaria se o PT vencesse a disputa. A retórica pesada, associada a outros fatores, leva muita gente a acreditar que o presidente eleito pode até mesmo declarar guerra se for necessário para tirar Maduro do poder.
Filho do presidente eleito, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), pouco antes do primeiro turno, em uma manifestação a favor de seu pai, em 30 de setembro, sugeriu que o Brasil invadisse a Venezuela para depor a ditadura bolivariana. “O general [Hamilton] Mourão [vice de Bolsonaro] já falou: a próxima operação de paz do Brasil será na Venezuela. O melhor para a crise imigratória que nós vivemos é a saída de Maduro do poder”, disse. 
Não era bem o que Mourão havia dito. Ele apenas havia afirmado que, se a ONU decidisse realizar uma operação de paz na Venezuela, o Brasil poderia participar – descartando a invasão militar pura e simples. O próprio Bolsonaro, pouco antes do segundo turno, disse não querer guerrear com a Venezuela. Ainda assim, o discurso do filho do então candidato serviu para inflamar os eleitores antipetistas. 
A declaração juntou-se a outros fatores que alimentaram a ideia de que, com Bolsonaro no Planalto, haverá a possibilidade de o Brasil compor uma coalização internacional para depor Maduro. Trump – a quem Bolsonaro admira e tenta se aproximar – afirmou publicamente em agosto de 2017 que cogitava a “opção militar” para lidar com o caso venezuelano. O presidente americano também teria conversado com os atuais presidentes do Brasil e da Colômbia sobre o assunto – o que foi negado pelo Planalto.
No dia 29 de outubro, logo após o segundo turno, a Folha de S.Paulo publicou reportagem em que afirma que fontes do governo colombiano diziam que o país estaria disposto a apoiar uma intervenção militar na Venezuela encabeçada pelo Brasil. A Colômbia negou a informação. E um dos principais braços-direitos de Bolsonaro, o general Augusto Heleno, também. “Isso contraria os princípios das nossas relações exteriores. Nós temos como preceito fundamental a não ingerência (...) em assuntos internos de outros países”, disse Heleno.

“O Brasil não vai cometer o suicídio de se meter numa brincadeira armada na Venezuela”

Rumor ou não, o fato é que uma guerra com os venezuelanos seria muito custosa ao país, o que tende a esfriar qualquer ânimo nesse sentido. “O Brasil não vai cometer o suicídio de se meter numa brincadeira armada na Venezuela”, diz Argemiro Procópio. “Eles podem não ter comida nos supermercados; mas têm muita bala”, complementa o professor, lembrando que a Venezuela dispõe de Forças Armadas bem aparelhadas, com equipamentos modernos comprados da Rússia, China e Europa.
Procópio afirma que há outras condições limitantes para uma ação brasileira mais radical em relação à Venezuela. O estado de Roraima não está interligado ao sistema elétrico brasileiro e depende de energia venezuelana. E há grandes empresas brasileiras com negócios no país vizinho, que seriam prejudicados num rompimento radical de relações. “O pragmatismo tende a falar mais alto”, diz.
Isso não significa, contudo, que o governo Bolsonaro não terá uma atitude diplomática dura em relação à Venezuela. Até mesmo porque o Brasil vem sendo afetado diretamente pela crise humanitária na nação vizinha, recebendo grandes levas de refugiados. Isso traz uma série de problemas como segurança, custos de acomodação, deslocamento, saúde.
“O presidente eleito provavelmente apoiará sanções e medidas mais rigorosas para conter o fluxo de refugiados venezuelanos para o Brasil”, escreveu o analista norte-americano Kevin Allison no relatório Signal do último dia 31, publicação de relações internacionais do Eurasia Group.
Para Giorgio Romano, a relação Brasil-Venezuela vai para a geladeira no governo Bolsonaro. Coordenador do grupo de análise da conjuntura internacional da Universidade de São Paulo (USP), Alberto Pfeifer acredita que é possível que haja um alinhamento diplomático do Brasil sob Bolsonaro com a Colômbia para pressionar a Venezuela. Os colombianos também estão recebendo milhares de imigrantes venezuelanos – aliás, muito mais refugiados do que o Brasil.

Estados Unidos: Trump pode ser ‘amigo’ de Bolsonaro, mas negócios à parte

Bolsonaro tem proximidade ideológica com Donald Trump. Ambos são conservadores e de direita. Argemiro Procópio lembra que o americano foi um dos primeiros chefes de Estado a telefonar para cumprimentar Bolsonaro após ele vencer o segundo turno. “Isso é significativo.”
Alberto Pfeifer destaca que a inclinação pró-norte-americana de Bolsonaro ocorre também do ponto de vista pragmático. Os Estados Unidos, afinal, são um parceiro fundamental no comércio, investimentos, transferência de tecnologia. E os brasileiros têm interesse em ampliar essa relação. 
Contudo, Giorgio Romano pondera que a proximidade ideológica entre Bolsonaro e Trump não terá influência nas negociações comerciais quando os interesses dos dois países se chocarem. “Todo amor que o Bolsonaro quer dar aos Estados Unidos não vai ter reciprocidade”, aposta Romano.
Trump vem adotando uma política econômica nacionalista, de proteção da indústria local, que contraria os interesses brasileiros. No fim de setembro, o norte-americano indicou que vai endurecer o jogo comercial com o Brasil. Disse que o país trata as empresas dos Estados Unidos “injustamente” e que esse comércio é “o mais difícil do mundo”. Trump também já havia fixado cotas para a importação de aço brasileiro.

Mercosul e América Latina: além do comércio, Brasil tem outros interesses que vão impedir mudanças profundas 

Logo após Bolsonaro ter sido eleito presidente, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a Argentina e o Mercosul “não são prioridade”. Segundo ele, o bloco tornou o Brasil “prisioneiro de alianças ideológicas”. O anúncio de que o Chile será o primeiro país que o presidente eleito vai visitar após a posse também reforçou a percepção de que haverá um esvaziamento do Mercosul (bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e a hoje suspensa Venezuela). O objetivo seria priorizar o comércio com outros países vizinhos.
Alberto Pfeifer admite que o Mercosul tem problemas e precisa se modernizar. Mas ele acredita que o futuro ministro da Economia desconhece todas as atribuições do bloco. “O que o Paulo Guedes fala de política externa não vale um vintém”, diz. Pfeifer lembra que o Mercosul não é apenas uma união comercial. Os países têm fronteiras e outras questões em comum que são de interesse do Brasil: circulação de cidadãos, tráfico de armas e drogas, vigilância sanitária. 
Argemiro Procópio, contudo, diz que Guedes pecou pela sinceridade. “Às vezes o Mercosul é mais ficção do que realidade.” Procópio diz que o bloco é um grande exportador de commodities agrícolas, essencial para garantir a segurança alimentar mundial. Portanto, teria de ter mais peso. “O Mercosul é uma bela onça que mia como um gato.”
Por isso, Procópio vê o bloco como uma oportunidade para o Brasil. Até mesmo porque há um alinhamento de direita com os governos da Argentina e do Paraguai para promover mudanças mais liberais no Mercosul.
Pfeifer avalia ainda que a Argentina não deixará de ser importante para o país. “A Argentina é grande compradora de manufaturados do Brasil; não é interessante mudar isso.” Ele também acredita que o Brasil pode ampliar a aproximação, que já está ocorrendo, do Mercosul com nações como o Chile, Colômbia e Peru (países que fazem parte da Aliança do Pacífico junto com o México).
Giorgio Romano diz que não é estratégico para o Brasil abrir mão de blocos com os quais pode vir a ter mais peso em negociações internacionais. A partir do ano que vem, aliás, o Brasil vai presidir o Mercosul, a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Cuba é uma incógnita: Bolsonaro diz que pode cortar relações

Na América Latina, há ainda outra incógnita: a relação com Cuba. A ilha comunista, assim como a Venezuela, foi outro país usado na campanha de Bolsonaro para dizer o que aconteceria com o Brasil se o PT vencesse. Após ser eleito, ele disse que poderia cortar relações diplomáticas com o país por desrespeitos aos direitos humanos dos cubanos. Mas o presidente eleito deixou aberta a possibilidade de não fazer isso.

China: Brasil vai perder muito se desafiar seu maior parceiro comercial

Bolsonaro passou a campanha dando a entender que entraria numa briga com a China se fosse eleito. Afirmou que não quer que os chineses “comprem o Brasil, mas comprem no Brasil” – referindo-se a sua rejeição a que os estrangeiros adquiram terras e estatais brasileiras, que pretende privatizar. Além disso, em março ele visitou Taiwan – o que teria irritado a China, considera que esse não é um país independente, mas uma província rebelde.
Pequim esperou a eleição passar para dar uma resposta. E ela foi incisiva. Editorial do China Daily, o principal jornal do governo chinês em língua inglesa, advertiu Bolsonaro. Disse que suas críticas ao país asiático podem “servir para algum objetivo político específico (...), mas o custo econômico pode ser duro para a economia brasileira, que acaba de sair de sua pior recessão da história”. “Ainda que Bolsonaro tenha imitado o presidente dos Estados Unidos ao ser verbalmente ultrajante para captar a imaginação dos eleitores, não existe razão para que ele copie as políticas de Trump [que adotou medidas protecionistas contra a China]”, prossegue o editorial.
A pressão diplomática também foi feita pessoalmente. Na última segunda-feira (5), Bolsonaro recebeu uma comitiva de empresários chineses encabeçada pelo embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang. O embaixador saiu sem dar declarações.
A posição do presidente eleito sobre a China foi alvo de manifestação inclusive do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Se formos por esse caminho, vamos levar o Brasil para uma posição como se fosse os Estados Unidos, mas sem ser os Estados Unidos. Nós não temos esta possibilidade. A China é nosso maior parceiro comercial e, se o Brasil tomar certas medidas, eles vão reagir”, disse FHC. 
Os analistas de política internacional concordam. “O pragmatismo vai falar mais alto; Bolsonaro vai perceber que precisa tratar bem seu principal parceiro comercial”, diz Alberto Pfeifer. Giorgio Romano lembra que Bolsonaro tem apoio dos produtores rurais, que dependem do mercado chinês: “O agronegócio vai pedir para ele baixar a bola”.

Israel: a grande mudança de fato, mas que também esbarra em interesses comerciais

A aproximação do Brasil com Israel talvez seja a principal mudança de fato na diplomacia brasileira no governo Bolsonaro. Especialmente porque Bolsonaro dá sinais de que essa aliança se dará na mesma medida em que haveria um esfriamento das relações com a Palestina.
A intenção do presidente eleito de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, é emblemática nesse sentido. Trata-se do reconhecimento de que a cidade sagrada é a capital dos israelenses. Isso não é aceito pelos palestinos e pelo mundo árabe em geral, que também reivindicam Jerusalém como sua capital. 
Na prática, o gesto de Bolsonaro dá respaldo internacional à política do atual primeiro-ministro de Israel, o conservador Benyamin Netanyahu, que congelou as negociações para a formação de dois Estados no atual território israelense: a Palestina e Israel. Netanyahu inclusive planeja comparecer à posse de Bolsonaro, numa visita que seria inédita de um premiê israelense ao Brasil.
Giorgio Romano afirma, se isso ocorrer, o Brasil rompe com a tradição histórica da diplomacia brasileira, que sempre apoiou a existência dos dois Estados. “É bastante drástico.” A mudança da embaixada, segundo ele, pode ter efeitos ruins e bons para o Brasil.
Do lado positivo, Romano diz que o Brasil pode firmar uma aliança estratégica com Israel, um país com alta tecnologia militar, de irrigação, de informação. Argemiro Procópio concorda. Segundo ele, Israel é um país boicotado no cenário internacional e essa proximidade poderia render bons frutos ao Brasil .
Contudo, há riscos. O principal é a ameaça de que países árabes promovam uma retaliação deixando de comprar produtos brasileiros – sobretudo frango e carne. O mundo árabe, aliás, é um dos principais mercados da indústria de carne brasileira – o que pode fazer com que haja pressão externa e interna sobre Bolsonaro para que ele desista da ideia de mudar a embaixada. 
Autoridades palestinas já criticaram a intenção de Bolsonaro. E o governo egípcio foi o primeiro aliado da Palestina a dar um sinal diplomático de seu descontentamento com a questão da embaixada. Desmarcou em cima da hora a visita que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, faria ao Egito entre os dias 8 e 11 deste mês. Oficialmente, foi um problema de agenda. Mas, nos meios diplomáticos, o gesto foi visto como um recado.
Bolsonaro parece ter percebido os riscos de mudar a embaixada. Recentemente, vem dizendo que ainda não bateu o martelo sobre o assunto.

Itália: Battisti pode ser um símbolo de aproximação, mas jogo comercial será duro

A Itália tende a ser a “ponte” de Bolsonaro com a Europa. É um país com o qual ele pretende se aproximar em função de um alinhamento ideológico de direita entre o presidente eleito com o do atual governo italiano. 
A extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, mantido no Brasil por decisão do ex-presidente Lula, seria um gesto simbólico nessa direção. Bolsonaro já anunciou que, se o Supremo Tribunal Federal autorizar, vai enviá-lo à Itália, onde Battisti foi condenado pelo assassinato de quatro pessoas. 
Mas a possível aliança Brasil-Itália, do mesmo modo que ocorre com a aproximação com os Estados Unidos, pode esbarrar nos interesses econômicos divergentes dos dois países. O professor Giorgio Romano afirma que a direita italiana é nacionalista e o governo italiano vem buscando privilegiar as empresas do país – o que seria uma dificuldade para um comércio mais amplo entre as duas nações.

Meio ambiente será fator de pressão externa sobre o Brasil

A questão ambiental será um fator de pressão internacional sobre o futuro governo brasileiro. “Bolsonaro é um cético da mudança climática. E, embora tenha recuado de promessas anteriores de tirar o Brasil do Acordo Climático de Paris (...), ele prometeu facilitar as exigências de licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura. (...) Não está claro o quanto isso afetaria o já acelerado desmatamento da Amazônia, mas ativistas ambientais estão preocupados”, escreveu o analista norte-americano Kevin Allison, num relatório do Eurasia Group.
Isso pode virar motivo de pressão internacional sobre o Brasil, inclusive com retaliações comerciais. Por exemplo: a fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, que ainda não foi decidida nem completamente descartada, já foi alvo de críticas de fora do país, além das internas.
O professor Argemiro Procópio, da UnB, avalia que Bolsonaro pode até mesmo resgatar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCE) para responder às críticas ambientais que possivelmente sofrerá. Procópio diz que a OTCE, que reúne os países amazônicos, foi usada por muito tempo como fórum de defesa dessas nações contra a pressão internacional sobre a Amazônia.