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quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Simon Schwartzman homenageia José Murilo de Carvalho, um grande historiador

 

Nova postagem no blog de Simon Schwartzman
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José Murilo de Carvalho

By Simon on Aug 13, 2023 10:54 am

Triste a perda de José Murilo hoje. Fomos colegas do curso de sociologia e política da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, completamos os estudos de doutorado na mesma época, convivemos por anos como professores do IUPERJ no Rio de Janeiro, com ele se vai mais um pedaço importante de nossa história. De um jeito tímido, calado, Murilo olhava com desconfiança as pretensões e devaneios teóricos e filosóficos dos colegas, e se aferrava ao chão firme dos fatos. Sua tese de doutorado, na Universidade de Stanford, foi uma pesquisa histórica sobre a formação das elites imperiais brasileiras, e a partir daí foi se desenvolvendo com um dos principais historiadores do país. Quando, nos anos 70, eu coordenava uma pesquisa sobre a história da ciência no Brasil, lhe pedi que fizesse um trabalho sobre a Escola de Minas de Ouro Preto, e o resultado foi, como tudo que fazia, uma joia de documentação e interpretação histórica.

Murilo escreveu muito sobre a República brasileira, que sempre via com olhar crítico, e admirava os grandes estadistas do Brasil imperial, dos quais falava como se os tivesse conhecido pessoalmente. Escreveu um livro dedicado ao Imperador D. Pedro II, de cujos méritos (do Imperador, não do livro) nunca chegou a me convencer. Quando, em 1993, houve o plebiscito para que o país escolhesse entre parlamentarismo e presidencialismo, ele foi um dos poucos que defenderam a monarquia. Perguntei a ele, na época, por que a defendia, e resposta foi que, afinal, alguém precisava fazer isso.

O monarquismo de Murilo não passava, nem de longe, pela defesa da escravidão, nem era uma crença tola das virtudes do regime imperial. O que ele buscava destacar, nestes como em outros escritos, era o valor do espírito público e a admiração pelas pessoas que trabalhavam sem concessões pelas ideias e causas que julgavam justas. Como ele.

Que descanse em paz, Zé.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Genocídio racial estatístico - José Murilo de Carvalho (2004, mas ainda muito atual)

 

Genocídio racial estatístico

O Globo (Rio de Janeiro) 27/12/2004

Está em andamento no Brasil uma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da estatística. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólogos, economistas, demógrafos, organizações não-governamentais, órgãos federais de pesquisa. A tática é muito simples. O IBGE decidiu desde 1940 que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos, pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos e decretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. Escravizada e vitimada por práticas genocidas nas mãos de portugueses e bandeirantes, a população indígena é objeto de um segundo genocídio, agora estatístico. A não ser pelos trezentos e tantos mil índios, a América desaparece de nossa composição étnica. Restam Europa e África. 

O problema da cor ou raça persegue nossos demógrafos e estatísticos desde 1849. Haddock Lobo, organizador do censo do Rio de Janeiro desse ano, rejeitou o item cor por considerar essa classificação odiosa, além de inconfiável pela “infidelidade com que cada indivíduo faria de si próprio a necessária declaração”. O primeiro censo nacional, feito em 1872, enfrentou o problema e dividiu as raças (não se diferenciava raça de cor) em branca, preta, parda e cabocla (indígena). Os responsáveis pelo censo de 1890 substituíram pardo por mestiço, argumentando, corretamente, que a cor parda “só exprime o produto do casamento do branco com o preto”. O censo de 1920 eliminou o item raça porque “as respostas ocultavam em grande parte a verdade”, sobretudo as respostas dos mestiços. O registro de cor foi reintroduzido no censo em 1940, quando voltaram os pardos e se estabeleceu o padrão atual, com a única diferença que hoje se separam amarelos (asiáticos) e indígenas. 

Retrocedeu-se a 1872, ignorado o alerta feito em 1890. Os descendentes de indígenas ficaram embutidos na classificação de pardos, da qual são agora definitivamente enxotados. Ora, é óbvio para qualquer um que os 39% de pardos do censo de 2000 se compõem em boa parte de descendentes de indígenas. Aí está, aliás, a razão de ser do tribunal racial da Universidade de Brasília, destinado a apontar entre os pardos os afro-descendentes. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, de 1998, mostrou que as pessoas classificadas como pardas pelos critérios impostos, quando deixadas livres para se autoclassificarem se disseram morenas e morenas claras em 60% dos casos. Apenas 34% dos pardos concordaram com essa classificação e apenas 2% se disseram mulatos. Pesquisa feita na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1997 revelou que 50% dos que foram classificados de pardos pelos entrevistadores se disseram morenos ou brancos. Outra pesquisa no Rio, de 2000, mostrou que 48% dos pardos diziam ter antecedentes indígenas. Nos estados do Norte, onde foi fraca a presença da escravidão africana, os descendentes de indígenas formam sem dúvida a grande maioria dos pardos. 

A inspiração do genocídio vem naturalmente dos Estados Unidos. Mas a operação é falaciosa. Para corrigir os males de uma sociedade em preto e branco, os americanos começaram a valorizar todas as etnias. Como se sabe, não existem mais americanos. Lá, as pessoas são euro, afro, latino, nativo, asiático-americanas. Professores brasileiros quando vão dar aulas por lá têm que se autoclassificar racialmente. Eu sou latino. Importou-se essa valorização das etnias. A falácia consiste em ter sido ela importada não para acabar com a polarização, mas para implantá-la num país em que ela não existia. Valorizam-se duas cores, raças, etnias, seja lá o que for, com exclusão das outras. Viramos um país em preto e branco, ou melhor, em negro e branco. 

Deixados livres para definir sua cor, os brasileiros exibem enorme variedade e grande ambigüidade. Essa riqueza foi aprisionada no leito de Procusto das cinco categorias pré-codificadas do IBGE. Os americanizantes querem mutilá-la ainda mais, reduzindo-a à polarização branco-negro. Se é para valorizar as etnias, vamos copiar direito os americanos. Vamos incluir todas as etnias, sem esquecer a dos primitivos habitantes do país, instaurando entre nós a sociedade hifenizada. Para isso, nenhuma das opções dos censos, de 1872 a 2000, é satisfatória. 



segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

José Murilo de Carvalho sobre o Bicentenário

 Basicamente correto, com alguns deslizes econômicos: a desigualdade certamente é uma das tragédias brasileiras mais relevantes, consequências do regime oligárquico transformado, no qual vivemos há 509 anos. Mas a desigualdade seria certamente menor se tivéssemos mais educação e menos pobreza e oligarquias.

Alta taxação sobre os rendimentos dos muito ricos pode não significar maior redistribuição de renda e menor desigualdade social se o padrão oligárquico-corporativista do Estado brasileiro continuar como é hoje o nosso caso, no qual o antigo patrimonialismo de extração lusitana se converteu praticamente num patrimonialismo gangsterista.

Paulo Roberto de Almeida 

200 anos de Independência do Brasil: pouco a celebrar, muito a questionar 

JOSÉ MURILO DE CARVALHO 

O Estado de S. Paulo,  2/01/2022


Olhando para a frente, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza      

O Brasil não tem sorte com seus centenários. O primeiro, em 1922, teve de conviver com os restos da devastação causada pela gripe espanhola, chegada ao País em 1918. Calculam-se em cerca de 35 mil as mortes causadas no País, concentradas no Rio de Janeiro e São Paulo. Entre elas não estava, como se costuma afirmar, o presidente eleito, Rodrigues Alves, embora tenha morrido antes de assumir. O ano de 1922 foi ainda marcado pela primeira revolta tenentista e pela decretação do estado de sítio pelo presidente Epitácio Pessoa, destinada a garantir a posse do presidente eleito, Artur Bernardes. Nas celebrações, destacou-se a Exposição Internacional de que participaram 14 países. O segundo centenário, a ocorrer ano que vem, virá na cauda de outra pandemia, a da covid-19, chegada ao País em 2020 e que já matou cerca de 620 mil brasileiros, embora também sem matar presidente. Junto com a pandemia, temos hoje um país às voltas com um tumultuado mandato presidencial que gerou dúvidas sobre a solidez de nossa jovem democracia e, mais ainda, com o imenso drama social do desemprego, da desigualdade, da exclusão, da fome. Até agora, não há indicação de que haverá alguma importante celebração oficial, ficando os registros da efeméride a cargo da mídia, das instituições e do meio acadêmico.

Nesses registros, naturalmente, haverá retomadas de temas estritamente históricos, mas é importante que sejam também usados como oportunidade para uma avaliação dos 200 anos de nossa vida independente. Quero dizer com isto examinar a natureza do percurso feito, verificar onde acertamos, onde erramos e como chegamos à situação atual. Baseados neste exame podemos também perguntar sobre o que nos pode esperar no futuro próximo. Mao Tsé-tung dizia ser ainda cedo para avaliar adequadamente o impacto da Revolução Francesa. Para nós, no entanto, que sofremos de Alzheimer coletivo, dois séculos já são tempo suficiente para fazermos um balanço do que fizemos e perscrutarmos nosso futuro próximo.

As mudanças nesses 200 anos foram enormes. Passamos de um país de cerca de 5 milhões de habitantes, dos quais um milhão de escravos e 800 mil indígenas, para outro de 214 milhões; de um país com cerca de 10% de população urbana em 1822 para outro de 85% hoje; de um país de economia totalmente agrícola em 1822 para outro com larga participação industrial hoje; de uma população formada exclusivamente por indígenas, africanos e lusos para outra muito mais diversificada pela entrada de italianos, espanhóis, alemães, sírios, libaneses, japoneses; de uma população concentrada na região costeira para outra que cobre todo o território nacional. No entanto, todos os analistas que se encarregaram do tema de nossa trajetória, como Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Viana, Nestor Duarte, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre, Roberto DaMatta, entre outros, reconhecem que há mais continuidades do que rupturas. Somos um país sem revoluções. O que chamamos de revolução, como a de 1930, não passou de ajustes entre grupos dirigentes. O povo só entrou no sistema político a partir da segunda metade do século 20, tendo sido logo contido por uma ditadura.

Quando falo do drama social que desautoriza celebrações me refiro, naturalmente, ao problema da  desigualdade, que é de todos conhecido, mas sobre o qual, a meu ver, mais se fala do que se faz. Lembro alguns dados de amplo conhecimento. Segundo dados do IBGE, o auxílio emergencial criado para atender os mais necessitados, adicionado aos recursos do agora extinto Bolsa Família, abrangeu cerca de cem milhões de pessoas, quase a metade da população. Somos o oitavo país mais desigual do mundo e ocupamos a 84.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2010, o 1% mais rico da população detinha 44% da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, há três décadas, estamos crescendo a taxas medíocres incapazes de gerar os empregos necessários e viabilizar políticas sociais mais substanciais. No entanto, apesar de termos uma das mais altas franquias eleitorais do mundo ocidental (16 anos), temos sido incapazes de aprovar no Congresso medidas redistributivas de renda, como o aumento do imposto sobre heranças, a taxação de dividendos, a alteração nas faixas do Imposto de Renda. Distribuímos, mas não redistribuímos.

Nossa faixa mais alta de Imposto de Renda é de 27,5%. Nos Estados Unidos, ela é de 37%, no Chile, é de 40%, em Portugal, de 48%, no Japão, de 56%. Estamos acumulando uma enorme massa de desempregados, subempregados e não empregáveis sem perspectiva realista de solucionar o problema. Olhando agora para a frente, mesmo que em prazos mais curtos do que os dos chineses, digamos uns 30 anos, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza.

A hipótese pode soar apocalíptica, mas talvez estejamos a brincar, ou a brigar, na praia, alheios ao tsunami que se delineia no horizonte.


sábado, 9 de novembro de 2019

Em busca de novos horizontes: economia e disciplinas afins - ABL

O Acadêmico e historiador José Murilo de Carvalho e o Acadêmico e economista Edmar Bacha serão os convidados da segunda conferência do Ciclo “Em busca de novos horizontes: economia e disciplinas afins”

A Academia Brasileira de Letras dá continuidade ao seu Ciclo de Conferências do mês de novembro, intitulado Em busca de novos horizontes: economia e disciplinas afins, com palestra dos Acadêmicos José Murilo de Carvalho e Edmar Bacha. O tema escolhido é Economia e História. A coordenação é do Acadêmico e economista Edmar Bacha. O evento será realizado no dia 14 de novembro, às 17h30, no Teatro R. Magalhães Jr., Avenida Presidente Wilson, 203 – Castelo, Rio de Janeiro. Entrada franca.
A Acadêmica e escritora Ana Maria Machado é a coordenadora-geral dos Ciclos de Conferências de 2019.
Os Ciclos de Conferência, com transmissão ao vivo pelo Portal da ABL, têm o patrocínio da Light.
Serão fornecidos certificados de frequência.
A intitulação Em busca de novos horizontes: economia e disciplinas afins, segundo o Acadêmico Edmar Bacha, refere-se à relação da Economia com outras disciplinas, como História, Literatura e Direito.
Acadêmico Edmar Bacha convida para o ciclo " Em Busca de Novos Horizontes"
O Ciclo Em busca de novos horizontes: economia e disciplinas afins terá mais duas palestras, às quintas-feiras, no mesmo local e horário, com os conferencistas e temas, respectivamente: dia 21, Gustavo Franco, Economia e Literatura, e dia 28, Elena Landau, Economia e Direito.

Os Acadêmicos

José Murilo de Carvalho é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Stanford e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. Foi professor da UFMG, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, e da UFRJ. No exterior, lecionou nas universidades de Stanford, Oxford, Londres e Leiden, entre outras. É também membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB.
Prêmios Internacionais
Prêmio Casa de las Américas, Cuba, para o livro A Cidadania no Brasil: o Longo Caminho; Prêmio SCOPUS, da Elsevier América Latina em parceria com a CAPES. Entre as muitas publicações, destacam-se: A formação das almas: O imaginário da República no BrasilA cidadania no Brasil: o longo caminhoForças armadas e política no BrasilD. Pedro II: ser ou não ser e O pecado original da República.
Edmar Lisboa Bacha é sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças, um centro de estudos e debates no Rio de Janeiro. O acadêmico é também membro da Academia Brasileira de Ciências. Formou-se em Economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. É um dos primeiros economistas brasileiros com doutorado no exterior, pela Universidade de Yale, em 1968. Em 1974, publicou uma fábula sobre o reino de Belíndia, junção de Bélgica com Índia, que se tornou, desde então, uma imagem recorrente do Brasil. Integrou a equipe econômica que dominou a hiperinflação com o Plano Real, em 1994. Foi presidente do BNDES e do IBGE, e professor em diversas universidades brasileiras e americanas.
Autor de 12 livros, organizou 19 livros sobre temas econômicos, políticos e sociais do Brasil e da América Latina. Publicou cerca de 200 artigos em periódicos especializados, no Brasil e no exterior. Seu último livro autoral é Belíndia 2.0: Fábulas e Ensaios sobre o País dos Contrastes (Civilização Brasileira, 2012), agraciado com o Prêmio Jabuti em 2013. O último livro que organizou, em conjunto com Joaquim Falcão, José Murilo de Carvalho, Marcelo Trindade, Pedro Malan e Simon Schwartzman, é 130 Anos: Em Busca da República (Intrínseca, 2019). Livro em sua homenagem, com o título De Belíndia ao Real: Ensaios em Homenagem a Edmar Bacha com textos apresentados por colegas e ex-alunos em seminário na Casa das Garças, foi publicado em 2018 pela Civilização Brasileira.

Leitura complementar

Biblioteca Rodolfo Garcia disponibiliza seu acervo para pequisa e leitura de obras relacionadas ao tema desta conferência, como "Belíndia 2.0 [texto] : fábulas e ensaios sobre o país dos contrastes""Como reagir a crise? [texto] : políticas econômicas para o Brasil" e "Rachel de Queiroz : cadeira 5 - ocupante 5".
Para consultar mais materiais como os citados, acesse o link abaixo e visite os "Levantamentos bibliográficos" realizados para este evento.
07/11/2019

quinta-feira, 20 de junho de 2019

130 anos: em busca da República - lançamento de livro, convites Casa das Garças

CONVITE - Lançamento livro "130 anos: em busca da República"

É com satisfação que comunicamos e anexamos os convites para o lançamento do livro “130 anos: em busca da República”, na Casa Firjan, Rio de Janeiro, na 3ª feira, 25 de junho, às 19h. E no Shopping JK Iguatemi, São Paulo, na 3ª feira, 27 de junho, às 19h.

IEPE/Casa das Garças

segunda-feira, 13 de maio de 2019

José Murilo de Carvalho: populismo de Bolsonaro, na linha de Janio Quadros e de Fernando Collor

Historiador vê o Brasil ‘se distanciando de ser um país viável’


JOSÉ MURILO DE CARVALHO. FOTO: TASSO MARCELO/ESTADÃO
O Estado de S.Paulo, 13/05/2019

Para José Murilo de Carvalho, riscos de fragmentação
política são reais 
e Bolsonaro pode ir “pelo mesmo
caminho” dos governos breves de Jânio e Collor.
.
O desafio central da democracia brasileira, hoje, é “incorporar à sociedade e ao mercado as massas incluídas na política via governos republicanos”. E essa é uma tarefa urgente porque, até aqui , o sistema “não tem sido capaz de absorver a invasão de povo que se deu após a década de 1930”.
É com esse olhar panorâmico de historiador que José Murilo de Carvalho faz suas contas sobre os 100 dias de governo Bolsonaro. O País, diz ele, tem um presidente “com precário suporte partidário, visão estreita do mundo e um governo errático”. As incertezas de hoje lhe trazem à memória os curtos períodos dos presidentes Jânio Quadros (janeiro a agosto de 1961) e Fernando Collor (1990 a 92). O cientista político da UFRJ vê Jair Bolsonaro indo “pelo caminho desses antecessores”. E aonde isso vai dar? “Os problemas tendem a se acumular e vamos nos distanciar da meta de um país viável”.
Nesta entrevista a Gabriel Manzano, o autor – com mais de 20 livros publicados –, que integra a Academia Brasileira de Letras e também a de Ciências, afirma que “o tsunami das redes sociais aumentará a fragmentação política”. Mas pondera, também, que “há sempre espaço para as recomposições políticas, dependendo da criatividade e da qualidade das lideranças”. A seguir, os principais trechos da conversa.
De que modo definiria a experiência política que o País viveu nestes 100 dias sob o governo Bolsonaro? 
Já passamos por Jânio Quadros e Fernando Collor, os breves. Ambos foram impulsionados por eleitorado, em boa parte de classe média, insatisfeito com os padrões éticos vigentes na política, o primeiro brandindo uma vassoura, o segundo atacando marajás. Descuidados, ambos, do apoio parlamentar e partidário. Jânio governou por bilhetinhos, proibiu brigas de galo e biquínis, tentou um autogolpe, falhou e renunciou. Collor congelou a poupança dos outros, rivalizou com os marajás no trato com a coisa pública e renunciou sob a ameaça de impeachment.
Qual a comparação entre os dois e atual presidente?
Bolsonaro também surfou na onda anticorrupção – no caso, levantada pela Operação Lava Jato. Como seus dois antecessores, ele tem precário suporte partidário, postura autocrática na política, uma visão em preto e branco do Brasil e governo errático. Vai pelo caminho dos dois antecessores.
A nova equipe no Planalto revela falta de projeto nacional e uma escassa familiaridade com os processos do poder. Acredita que a força da ideologia – alardeada pela direita agora no poder – basta para garantir sua solidez no governo? Ou ele se desgasta aí pela frente?
Desgasta-se e se enfraquece. É um capitão cercado de generais (ainda bem) e por uma prole turbulenta, com visão estreita do mundo, sem plano geral de governo, com algumas propostas que podem ser desastrosas para o País, como as que se referem à política externa, à educação, ao meio ambiente, aos direitos humanos. Ele parece esquecer-se de que boa parte dos votos que o elegeram não foi a seu favor, mas contra o partido de seu adversário. Com pouco tempo na Presidência, já viu o apoio a seu governo cair a níveis mais baixos que os de seus antecessores. Seus dois ministros mais respeitados, o da Fazenda e o da Justiça, veem-se com frequência desautorizados e podem desembarcar do governo.
Como a esquerda sumiu do mapa, pode-se dizer que o País vive um novo momento? Como compara a atual “virada política”, que foi pelo voto, a rupturas como as de 1930, 1946, 1964? 
Como sugeri acima, comparo a eleição do atual presidente com as de Jânio e de Collor. Todas as três democráticas e legítimas – ponto que nunca se deve esquecer, sob pena de se cometerem sérios erros de diagnóstico provocados pela ênfase excessiva em personalidades. Nenhuma dessas eleições configurou propriamente virada política. Foram antes sintomas de problemas com nosso sistema representativo, que não tem sido capaz de absorver a invasão de povo que se deu após a década de 1930.
Como explica esses sintomas? 
Quer dizer que convivemos com um sistema que tem absorvido eleitoralmente grandes massas populares sem ter sido capaz de produzir politicas que atendam aos interesses dos novos cidadãos. No caso atual, os sinais de mal-estar já eram visíveis em 2013. Trata-se, a meu ver, do problema central do País: incorporar à sociedade e ao mercado as massas incluídas na política via exercício de governos republicanos.
É marcante o papel dos militares no novo governo. Focados, comedidos, têm hoje uma forte identificação com a sociedade. Como avalia isso? 
Já de início não me preocupou a presença inédita de tantos militares no governo. Ela não me pareceu, como a muitos outros observadores, representar um perigo para nossa democracia, ou ameaça de retorno aos tempos da ditadura. A realidade tem sido ainda mais surpreendente. Os generais que ocupam alguns dos postos mais importantes do governo, inclusive a Vice-Presidência, têm-se revelado fator de equilíbrio e bom senso, evitando a adoção de algumas medidas desastrosas defendidas pelo ex-capitão, sobretudo na área da política externa.
É uma imagem bem diferente da que se formou em 1964. 
Embora não representem as Forças Armadas no governo, eles têm consciência de que um fracasso teria repercussão negativa para a imagem da corporação. E um êxito ajudaria a melhorar essa mesma imagem perante setores da sociedade tradicionalmente críticos de seu envolvimento político.
O cenário fora do governo também é incerto. A bipolaridade PT-PSDB se esvaziou, as redes sociais ampliam espaço no debate. Para onde isso aponta? 
Alguma reestruturação terá que haver. Mas o tsunami provocado pelas redes sociais aumentará a fragmentação política. A redução legal do número de partidos poderá facilitar um pouco a governança, mas não vai melhorar a representação. Poderemos estar condenados a surtos de instabilidade e ao surgimento de outras lideranças carismáticas.
A esquerda, especificamente, é a grande derrotada dos novos tempos. Qual caminho ela deveria buscar para se recompor?
Há sempre espaço para recomposições políticas, dependendo da criatividade e da qualidade das lideranças – embora a tarefa seja difícil, como mostra o exemplo espanhol. O PT, sobretudo, está diante de um dilema. De um lado, precisa do carisma de Lula para manter peso eleitoral. De outro, essa dependência dificulta, se não inviabiliza, qualquer possibilidade de renovação – que teria que passar por uma autocrítica, opção rejeitada por seu líder.
Alianças eleitorais com outros partidos poderiam ser um caminho para revalidar o petismo? 
Muitos analistas concordam que, no ano passado, uma aliança eleitoral do PT com Ciro Gomes, sendo este o cabeça de chapa, teria tido boas possibilidades de ganhar as eleições. A ideia foi vetada por Lula. Desde meus tempos de estudante aprendi que, entre nós, as esquerdas brigavam mais entre si do que contra a direita. Mas o tema da desigualdade social está no centro dos problemas nacionais, exigindo políticas de inclusão, que são típicas da agenda da esquerda. Mas terá que ser uma nova esquerda, não clientelística e capaz de produzir desenvolvimento econômico com governos republicanos.
A “onda Bolsonaro” é também a onda das redes sociais e da direita em muitos outros países. Acredita que é só uma coincidência?
A onda das redes é universal, só tende a crescer. A arena política expande-se enormemente, colocando todos os cidadãos dentro dessa nova ágora que não exclui ninguém e que desafia a sempre problemática representação política feita por delegados escolhidos em eleições. Com isso, produz-se imensa cacofonia e se volta ao sentido primitivo de democracia como um perigoso governo das massas.
E de que modo o Brasil se encaixa nesse contexto?
O Brasil não foge a isso, nem pode fazê-lo enquanto houver liberdade de expressão. As razões do descontentamento de amplos setores sociais varia de país para país, mas uma delas é universal: o estreitamento da inclusão social via mercado de trabalho, que pode ser produzido pela imigração, pelo avanço tecnológico (a chamada quarta revolução industrial) e pela falta de crescimento econômico. Só escapamos da primeira dessas razões, considerando que o êxodo venezuelano não deva ter impacto nacional. Fica o problema: sermos um país com ampla participação política nas urnas e nas redes sem que se produza inclusão no mercado.
Há mudanças mais profundas pelo mundo – entre elas uma crescente crítica “aos limites da democracia”. Diz-se que ela não combina com os tempos de alta tecnologia. Que eleitores desinformados não estão preparados para escolher bons governos. O que pensa disso?
Em história, tudo passa. A engenhosa combinação de democracia e liberalismo também passará, como passaram o feudalismo, as teocracias, as monarquias absolutas, as aristocracias, as ditaduras de esquerda e de direita, para ficar só no Ocidente. Os sintomas da crise da democracia liberal estão sendo anunciados há algum tempo em democracias liberais maduras, como EUA, Espanha, Itália, Áustria. Em nosso caso, não chegamos a amadurecer nossa democracia liberal nem consolidar a nossa república – que é a forma de governo que a viabiliza. Houve tempo em que se falava das vantagens do atraso. Não apostaria nisso. O mais provável, no Brasil, é que acumulemos os problemas das duas fases e nos distanciemos da meta de um país viável.


sábado, 1 de setembro de 2018

Criticas do alto da torre de marfim (2003) - Jose Murilo de Carvalho, Paulo Roberto de Almeida

Em 2003, houve um sentimento de frustração geral por parte de acadêmicos, no sentido em que os progressos "sociais" do governo transformador eram considerados muito lentos. O historiador José Murilo de Carvalho efetuou uma dessas críticas, reproduzida no Globo, e reproduzida no Jornal da Ciência. Eu me permiti responder à crítica: 

Críticas do alto da torre de marfim

Paulo Roberto de Almeida
Filadélfia, 30 de junho de 2003


Comentários a entrevista transcrita no Jornal da Ciência (JC E-Mail), Edição 2309, de 30 de junho de 2003, publicada, sob o título “Sociólogo comenta entrevista de José Murilo de Carvalho”, na edição nº 2311, de 2 de julho de 2003 (matéria 25)
Mensagem do sociólogo e diplomata Paulo Roberto de Almeida:

Apenas um comentario de ordem geral a respeito da entrevista de Jose Murilo de Carvalho ao Globo(29.06), transcrito no JC de 30.06.
Sua entrevista é bastante equilibrada e denota alto senso de realismo em relação aos problemas da governança, sempre difíceis em países vulneráveis à ação de forcas externas, sobre as quais não se tem controle, como o Brasil.
Mas, como muitos de seus colegas de academia (vide o manifesto dos economistas, por exemplo), ele se permite formular julgamentos a partir de uma posição relativamente confortável, pois que não assumindo funções executivas no governo.
Ele diz, por exemplo: 'Estabilizado o sistema, como já está, não há mais desculpas para a falta de resultados na área social.'
Permito-me apenas chamar a atenção para o fato de que muitos acadêmicos, num total isolamento dos problemas reais de governabilidade, estipulam metas, fixam prazos, cobram resultados, em total abstração dos problemas reais de administração da economia, como se orçamentos fossem elásticos, como se a vontade política bastasse para produzir resultados, e como se a indignação moral fosse um bom substituto da racionalidade econômica.
Ajudar o governo a cumprir as metas anunciadas durante a campanha eleitoral, quando todas as liberdades com a realidade são permitidas, implica igualmente fazer uma avaliação realista das possibilidades e limites da gestão econômica e procurar colaborar no que for possível.
Cobranças do alto da torre de marfim conseguem tão somente aumentar o grau de frustração social.

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 From: Jornal da Ciência <jcemail@jornaldaciencia.org.br
 Date: Mon, 30 Jun 2003 15:33:28 -0300

 Subject: JC e-mail 2309, de 30 de junho de 2003.
 José Murilo de Carvalho sobre o Governo Lula: 'Não há mais desculpas para a 
 falta de resultados'

 O historiador diz que o governo Lula está diante do mesmo desafio que  enfrentava ao assumir: conciliar a ortodoxia econômica com avanços sociais.  Embora diga que era preciso acalmar a "banca internacional", ele cobra  atitudes concretas, pois o desempenho no social tem sido pífio.

 Eis a entrevista com José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de 
 Ciências, feita por Carter Anderson para 'O Globo':

 - O governo Lula sofre pressões cada vez maiores para mudar a política  econômica. Acabou a lua-de-mel e começou o inferno astral? 
José Murilo de Carlaho - A lua-de-mel está acabando, o inferno astral não  começou. O presidente ainda é popular entre o povão e ainda tem cacife no  mundo político. O que está havendo é o que observadores menos parciais, ou  menos românticos, previram: a eleição de Lula não levaria à refundação do  Brasil. A forte proposta de renovação, ancorada sobretudo no carisma do  presidente, teria que enfrentar sérios obstáculos, como a resistência do  privilégio, a impaciência dos radicais e os constrangimentos dos mecanismos  democráticos de decisão. É o que está havendo.
  - Ao avaliar o primeiro mês, o senhor disse que Lula teria que juntar duas cabeças: a da ortodoxia econômica e a da reforma social. Está conseguindo? 
  José Murilo - Não está. É óbvio para todos que, por enquanto, o governo tratou  de segurar a economia recorrendo à mesma política do governo anterior, presa à  receita do FMI, em prejuízo quase total da agenda social. A frustração é  grande. Mas deve-se concluir que Lula e o PT se transmudaram em neoliberais,  traíram o eleitor, cometeram estelionato eleitoral? Tirar tal conclusão é tão  precipitado como foi esperar mudanças radicais. Com razão ou não, a banca  internacional estava em pânico, o real despencava, o risco Brasil disparava. E  isso em boa parte devido a posições defendidas pelo próprio PT quando  oposição. Seria muito arriscado alterar o rumo sem antes estabilizar o  sistema. Há ainda três anos e meio para fazer pender a balança para o lado  social. 
  - O governo briga com setores que sempre estiveram ligados ao PT. Esses setores buscarão outras formas de representação política? 
  José Murilo - Algum realinhamento de forças deverá acontecer. Alguns petistas  sairão ou serão saídos do partido. A CUT já se dividiu entre os sindicatos do  setor privado e os do setor público. Lula arriscaria ser vaiado se aparecesse  nas universidades, onde a senadora Heloísa Helena é ovacionada. Tudo isso era  de se esperar e não é necessariamente mau. Aliás, é bom, sacode ortodoxias,  abala corporativismos. Má tem sido a atitude dos caciques do PT quando acusam  correligionários que se mantiveram fiéis ao programa do partido de fazerem o  jogo da direita. A atitude denuncia mentalidade ainda não totalmente afeita ao  jogo democrático. 
  - O desempenho na área social decepcionou? 
  José Murilo - Lula e o PT prometeram reorientar a economia e priorizar o  social para eliminar, ou pelo menos reduzir substancialmente, a persistente  desigualdade social que amarra, atrofia e envergonha o país. Os resultados até  agora são pífios. Em parte, pelas razões mencionadas acima, mas também por  erros de concepção e incompetência gerencial. O que se passa com o  assistencialista Fome Zero, lançado com tanto estardalhaço? Alguém sabe o que  faz no governo a ministra da Assistência e Promoção Social? Quais são os  planos para a melhoria da qualidade do ensino fundamental? Por que o MST  continua invadindo terras? Estabilizado o sistema, como já está, não há mais  desculpas para a falta de resultados na área social. Por eles será julgado o governo Lula. 
 - Que outros aspectos estão aquém do esperado? 
  José Murilo - Há alguma movimentação na área da segurança pública, mas ainda  muito aquém do exigido pela gravidade do problema. As propostas enviadas ao  Congresso não tocam em pontos chaves para acabar com a impunidade, como a  reforma das polícias e do Judiciário, cujos lobbies sempre derrotaram medidas  reformistas. A trombada com os artistas, sobretudo os ligados ao cinema, foi  mistura de inabilidade política com concepção stalinista do que deva ser  contrapartida social. Os improvisos do presidente, em especial aquele em que  se colocou logo abaixo de Deus, acima do Judiciário e do Congresso, também não  têm ajudado. 
  - Lula diz que o Brasil nunca foi tão respeitado no exterior. 
  José Murilo - No governo passado, o Brasil também era respeitado. O que há de  novo agora é generalizada expectativa internacional em relação ao programa de  reformas do governo e grande simpatia pela pessoa do presidente. Mas há  deslumbramento da parte de Lula. As expectativas da turma do Fórum Social, dos  grupos anti-globalização, estão murchando e os membros do G-8 já demonstraram  que simpatia não é amor. Ouviram com polidez a proposta levada pelo presidente à sua reunião mas a ignoraram na declaração final. O apoio do governo ao  início da Alca em 2005 também vai gerar muito desgaste interno, inclusive no  próprio governo. Mas, no geral, a política externa foi bem. Ajudou o fato de a Venezuela ter saído das manchetes.
  - Que outros aspectos são positivos? 
  José Murilo - O que desapontou foi em parte bom. O Brasil é muito complexo  internamente e muito frágil externamente para ter agüentado uma guinada na  política econômica, sem prévia estabilização. Os custos políticos da ortodoxia  econômica têm sido muito altos, mas seis meses de arrumação não comprometerão  necessariamente o resto do mandato. A guinada brusca é que poderia ter  comprometido tudo. O que irritou também não tem sido de todo mau. Foi corajoso  da parte do governo enfrentar de saída reformas difíceis como a da Previdência  e a tributária. Sem discutir o mérito das propostas (a da Previdência pode  atingir alvos errados) pode-se concordar que nessas áreas se localizam alguns  dos focos de nossas desigualdades, alguns dos mais resistentes núcleos de  privilégios arraigados. O exemplo mais gritante disso é sem dúvida o do  Judiciário, cujo corporativismo e apego a privilégios ofendem o país. 
 (O Globo, 29/6)