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Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
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O Globo (Rio de Janeiro) 27/12/2004
Está em andamento no Brasil uma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da estatística. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólogos, economistas, demógrafos, organizações não-governamentais, órgãos federais de pesquisa. A tática é muito simples. O IBGE decidiu desde 1940 que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos, pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos e decretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. Escravizada e vitimada por práticas genocidas nas mãos de portugueses e bandeirantes, a população indígena é objeto de um segundo genocídio, agora estatístico. A não ser pelos trezentos e tantos mil índios, a América desaparece de nossa composição étnica. Restam Europa e África.
O problema da cor ou raça persegue nossos demógrafos e estatísticos desde 1849. Haddock Lobo, organizador do censo do Rio de Janeiro desse ano, rejeitou o item cor por considerar essa classificação odiosa, além de inconfiável pela “infidelidade com que cada indivíduo faria de si próprio a necessária declaração”. O primeiro censo nacional, feito em 1872, enfrentou o problema e dividiu as raças (não se diferenciava raça de cor) em branca, preta, parda e cabocla (indígena). Os responsáveis pelo censo de 1890 substituíram pardo por mestiço, argumentando, corretamente, que a cor parda “só exprime o produto do casamento do branco com o preto”. O censo de 1920 eliminou o item raça porque “as respostas ocultavam em grande parte a verdade”, sobretudo as respostas dos mestiços. O registro de cor foi reintroduzido no censo em 1940, quando voltaram os pardos e se estabeleceu o padrão atual, com a única diferença que hoje se separam amarelos (asiáticos) e indígenas.
Retrocedeu-se a 1872, ignorado o alerta feito em 1890. Os descendentes de indígenas ficaram embutidos na classificação de pardos, da qual são agora definitivamente enxotados. Ora, é óbvio para qualquer um que os 39% de pardos do censo de 2000 se compõem em boa parte de descendentes de indígenas. Aí está, aliás, a razão de ser do tribunal racial da Universidade de Brasília, destinado a apontar entre os pardos os afro-descendentes. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, de 1998, mostrou que as pessoas classificadas como pardas pelos critérios impostos, quando deixadas livres para se autoclassificarem se disseram morenas e morenas claras em 60% dos casos. Apenas 34% dos pardos concordaram com essa classificação e apenas 2% se disseram mulatos. Pesquisa feita na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1997 revelou que 50% dos que foram classificados de pardos pelos entrevistadores se disseram morenos ou brancos. Outra pesquisa no Rio, de 2000, mostrou que 48% dos pardos diziam ter antecedentes indígenas. Nos estados do Norte, onde foi fraca a presença da escravidão africana, os descendentes de indígenas formam sem dúvida a grande maioria dos pardos.
A inspiração do genocídio vem naturalmente dos Estados Unidos. Mas a operação é falaciosa. Para corrigir os males de uma sociedade em preto e branco, os americanos começaram a valorizar todas as etnias. Como se sabe, não existem mais americanos. Lá, as pessoas são euro, afro, latino, nativo, asiático-americanas. Professores brasileiros quando vão dar aulas por lá têm que se autoclassificar racialmente. Eu sou latino. Importou-se essa valorização das etnias. A falácia consiste em ter sido ela importada não para acabar com a polarização, mas para implantá-la num país em que ela não existia. Valorizam-se duas cores, raças, etnias, seja lá o que for, com exclusão das outras. Viramos um país em preto e branco, ou melhor, em negro e branco.
Deixados livres para definir sua cor, os brasileiros exibem enorme variedade e grande ambigüidade. Essa riqueza foi aprisionada no leito de Procusto das cinco categorias pré-codificadas do IBGE. Os americanizantes querem mutilá-la ainda mais, reduzindo-a à polarização branco-negro. Se é para valorizar as etnias, vamos copiar direito os americanos. Vamos incluir todas as etnias, sem esquecer a dos primitivos habitantes do país, instaurando entre nós a sociedade hifenizada. Para isso, nenhuma das opções dos censos, de 1872 a 2000, é satisfatória.
Basicamente correto, com alguns deslizes econômicos: a desigualdade certamente é uma das tragédias brasileiras mais relevantes, consequências do regime oligárquico transformado, no qual vivemos há 509 anos. Mas a desigualdade seria certamente menor se tivéssemos mais educação e menos pobreza e oligarquias.
Alta taxação sobre os rendimentos dos muito ricos pode não significar maior redistribuição de renda e menor desigualdade social se o padrão oligárquico-corporativista do Estado brasileiro continuar como é hoje o nosso caso, no qual o antigo patrimonialismo de extração lusitana se converteu praticamente num patrimonialismo gangsterista.
Paulo Roberto de Almeida
200 anos de Independência do Brasil: pouco a celebrar, muito a questionar
JOSÉ MURILO DE CARVALHO
O Estado de S. Paulo, 2/01/2022
Olhando para a frente, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza
O Brasil não tem sorte com seus centenários. O primeiro, em 1922, teve de conviver com os restos da devastação causada pela gripe espanhola, chegada ao País em 1918. Calculam-se em cerca de 35 mil as mortes causadas no País, concentradas no Rio de Janeiro e São Paulo. Entre elas não estava, como se costuma afirmar, o presidente eleito, Rodrigues Alves, embora tenha morrido antes de assumir. O ano de 1922 foi ainda marcado pela primeira revolta tenentista e pela decretação do estado de sítio pelo presidente Epitácio Pessoa, destinada a garantir a posse do presidente eleito, Artur Bernardes. Nas celebrações, destacou-se a Exposição Internacional de que participaram 14 países. O segundo centenário, a ocorrer ano que vem, virá na cauda de outra pandemia, a da covid-19, chegada ao País em 2020 e que já matou cerca de 620 mil brasileiros, embora também sem matar presidente. Junto com a pandemia, temos hoje um país às voltas com um tumultuado mandato presidencial que gerou dúvidas sobre a solidez de nossa jovem democracia e, mais ainda, com o imenso drama social do desemprego, da desigualdade, da exclusão, da fome. Até agora, não há indicação de que haverá alguma importante celebração oficial, ficando os registros da efeméride a cargo da mídia, das instituições e do meio acadêmico.
Nesses registros, naturalmente, haverá retomadas de temas estritamente históricos, mas é importante que sejam também usados como oportunidade para uma avaliação dos 200 anos de nossa vida independente. Quero dizer com isto examinar a natureza do percurso feito, verificar onde acertamos, onde erramos e como chegamos à situação atual. Baseados neste exame podemos também perguntar sobre o que nos pode esperar no futuro próximo. Mao Tsé-tung dizia ser ainda cedo para avaliar adequadamente o impacto da Revolução Francesa. Para nós, no entanto, que sofremos de Alzheimer coletivo, dois séculos já são tempo suficiente para fazermos um balanço do que fizemos e perscrutarmos nosso futuro próximo.
As mudanças nesses 200 anos foram enormes. Passamos de um país de cerca de 5 milhões de habitantes, dos quais um milhão de escravos e 800 mil indígenas, para outro de 214 milhões; de um país com cerca de 10% de população urbana em 1822 para outro de 85% hoje; de um país de economia totalmente agrícola em 1822 para outro com larga participação industrial hoje; de uma população formada exclusivamente por indígenas, africanos e lusos para outra muito mais diversificada pela entrada de italianos, espanhóis, alemães, sírios, libaneses, japoneses; de uma população concentrada na região costeira para outra que cobre todo o território nacional. No entanto, todos os analistas que se encarregaram do tema de nossa trajetória, como Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Viana, Nestor Duarte, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre, Roberto DaMatta, entre outros, reconhecem que há mais continuidades do que rupturas. Somos um país sem revoluções. O que chamamos de revolução, como a de 1930, não passou de ajustes entre grupos dirigentes. O povo só entrou no sistema político a partir da segunda metade do século 20, tendo sido logo contido por uma ditadura.
Quando falo do drama social que desautoriza celebrações me refiro, naturalmente, ao problema da desigualdade, que é de todos conhecido, mas sobre o qual, a meu ver, mais se fala do que se faz. Lembro alguns dados de amplo conhecimento. Segundo dados do IBGE, o auxílio emergencial criado para atender os mais necessitados, adicionado aos recursos do agora extinto Bolsa Família, abrangeu cerca de cem milhões de pessoas, quase a metade da população. Somos o oitavo país mais desigual do mundo e ocupamos a 84.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2010, o 1% mais rico da população detinha 44% da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, há três décadas, estamos crescendo a taxas medíocres incapazes de gerar os empregos necessários e viabilizar políticas sociais mais substanciais. No entanto, apesar de termos uma das mais altas franquias eleitorais do mundo ocidental (16 anos), temos sido incapazes de aprovar no Congresso medidas redistributivas de renda, como o aumento do imposto sobre heranças, a taxação de dividendos, a alteração nas faixas do Imposto de Renda. Distribuímos, mas não redistribuímos.
Nossa faixa mais alta de Imposto de Renda é de 27,5%. Nos Estados Unidos, ela é de 37%, no Chile, é de 40%, em Portugal, de 48%, no Japão, de 56%. Estamos acumulando uma enorme massa de desempregados, subempregados e não empregáveis sem perspectiva realista de solucionar o problema. Olhando agora para a frente, mesmo que em prazos mais curtos do que os dos chineses, digamos uns 30 anos, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza.
A hipótese pode soar apocalíptica, mas talvez estejamos a brincar, ou a brigar, na praia, alheios ao tsunami que se delineia no horizonte.
CONVITE - Lançamento livro "130 anos: em busca da República"
É com satisfação que comunicamos e anexamos os convites para o lançamento do livro “130 anos: em busca da República”, na Casa Firjan, Rio de Janeiro, na 3ª feira, 25 de junho, às 19h. E no Shopping JK Iguatemi, São Paulo, na 3ª feira, 27 de junho, às 19h.
IEPE/Casa das Garças