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segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Dois artigos sobre a desumanidade da esquerda: Eduardo Affonso e Pablo Ortellado (O Globo)

 O fanatismo político pode cegar, e como…

PRA


O horror, o horror

Eduardo Affonso, O Globo (14/10/2023)

São monstros que relativizam crimes de guerra. Desalojaram do cérebro todo senso de humanidade, para acomodar uma ideologia

Cerca de 3 mil jovens se divertem num festival de música eletrônica. Em poucos minutos, ao menos 260 estarão mortos. Haverá estupros. Transeuntes serão baleados, aleatoriamente, nas estradas, nas ruas. Famílias, chacinadas dentro de casa. Pessoas torturadas serão exibidas como troféus. Pelo menos 150 civis — entre eles, idosos e crianças —, levados como reféns.

Talvez tenha havido um tempo em que a simples leitura desse parágrafo fosse suficiente para definir quem são os algozes, quem são as vítimas. Não mais. Um filósofo contemporâneo terá material de sobra — nos jornais, nas conversas, nas redes sociais — para desenvolver uma teoria sobre a relatividade do mal.

Poderá começar com as notas do PCO, presidido pelo jornalista Rui Costa Pimenta. Com os cadáveres ainda insepultos, ali se festejava: “Ontem foi um dia histórico não só para o povo palestino, mas para todos que querem ver o mundo livre da opressão, da tirania e do terrorismo. Todo apoio ao Hamas! Fim de Israel!” e “A violência e a guerra pode [sic] ser um espetáculo repugnante, mas elas são parte da política”.

E prosseguir com as declarações do jornalista Breno Altman, para quem “A guerra de um povo subjugado contra um Estado colonial é sempre justa. Esse é um marcador essencial para ler a situação palestina”. Quem precisa da Convenção de Genebra quando está do lado progressista da Força?

“O que o Hamas fez contra Israel é condenável e repudiamos. Mas nesta guerra não há inocentes”, ecoou o teólogo, filósofo e defensor dos pobres e excluídos, o ex-frei Leonardo Boff. Do seu ponto de vista, as crianças mortas no ataque de 7 de outubro carregariam o pecado original de ser judias.

Todos ignoram, por conveniência, que, além dos mais de mil assassinados em Israel, o Hamas também condenou à morte milhares de palestinos, ao fazê-los de escudo humano. Que, para o grupo terrorista, vidas palestinas importam tão pouco quanto quaisquer outras.

Soubemos, por fotografias e relatos, das tragédias do colonialismo, da escravidão, do Holodomor, do Holocausto. Pela televisão, tomamos contato com as atrocidades no Vietnã, na Bósnia, no Camboja, no Iraque, em Ruanda e Burundi. No que parecia ser o limite, assistimos aos vídeos da degola de prisioneiros, feitos por jihadistas. Chegamos agora a outro patamar: a transmissão, ao vivo, das execuções e dos abusos, orgulhosamente gravados pelos criminosos. Nossa geração não precisa estar no campo de batalha para ter uma experiência imersiva no horror.

“A ocasião faz o furto; o ladrão já nasce feito”, escreveu Machado de Assis. Esses que olham o horror nos olhos e não se horrorizam — ao contrário, debocham das vítimas em rede social, celebram nas universidades, abusam das conjunções adversativas, transbordam em eufemismos — há pouco bradavam por vacinas para salvar vidas, se comoviam com o drama dos ianomâmis, tinham na ponta da língua slogans para preservar o planeta.

São monstros que sempre estiveram, mais ou menos despercebidos, à nossa volta. Bastou a ocasião, e ei-los relativizando crimes de guerra, em negacionismo do pacto civilizatório. Monstros que desalojaram do cérebro todo senso de humanidade, para acomodar uma ideologia.

A sabedoria judaica ensina que quem salva uma vida salva o mundo inteiro. Mundos inteiros se perdem, neste instante, em Israel, na Faixa de Gaza. Os monstros comemoram.

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Perdemos a decência?

Pablo Ortellado, O Globo (14/10/2023)

Em nome do anti-imperialismo, jogamos fora o respeito aos mais fundamentais princípios de humanidade

Logo após o ataque do Hamas a Israel, mensagens de apoio à causa palestina tomaram as mídias sociais. Primeiro, vieram as chocantes imagens de jovens massacrados num festival de música, famílias inteiras assassinadas em fazendas e kibutzim, sequestros de crianças e idosos. Minutos depois, chegaram mensagens entusiasmadas de apoio à causa palestina — vindas de ativistas, de lideranças políticas e de parlamentares de esquerda. Como chegamos ao ponto em que pessoas de bem celebram, como um ato justo de resistência, o terrorismo, o assassinato frio de civis?

Podemos supor que essas mensagens apoiaram apenas a “resistência palestina”. Mas o Hamas não são os palestinos. O Hamas nem representa os palestinos — nem sequer os da Faixa de Gaza. O Hamas é um agrupamento político teocrático, não democrático, que não reconhece o Estado de Israel e pratica o terrorismo como forma de luta. Governa de fato a Faixa de Gaza, mas não se pode dizer que é um governo legítimo. O Hamas chegou ao poder por meio da via eleitoral em 2006, expulsou seu concorrente secular (o Fatah) e governa o território desde então sem eleições periódicas.

O movimento que vimos não foi uma explosão espontânea de revolta da população civil palestina, foi uma ação militar friamente planejada por um agrupamento político-religioso para atingir propósitos políticos. Ao apoiar a ação “de resistência”, não se apoiam os palestinos, mas o Hamas.

Tampouco se apoiam os palestinos ao apoiar uma ação contrária a Israel. A crítica às políticas de Israel para a Palestina inclui muitas posições, e o terrorismo teocrático do Hamas é a pior delas. Há um sem-número de motivos para criticar a política israelense que transformou a Faixa de Gaza numa espécie de prisão a céu aberto e que aos poucos ocupa todo o território da Cisjordânia com sucessivos assentamentos ilegais. Todas essas críticas são necessárias. E nenhuma delas precisa levar a apoiar o terrorismo.

Isso posto, podemos discutir por que, afinal de contas, precisamos nos importar com o apoio ao Hamas se estamos no Brasil, tão longe da guerra. Importa pouco para o desenlace do conflito se o MST, o PT ou algum parlamentar brasileiro faz ou deixa de fazer uma declaração de apoio às ações do Hamas. A importância dessas declarações está noutro lugar.

As declarações sinalizam uma complacência com a violência e com o terrorismo quando se considera que o adversário ou as ações do adversário são ilegítimas. O que preocupa nas declarações de apoio é que uma ação bárbara que assassinou friamente centenas de civis possa ser considerada legítima ou aceitável porque se entende que Israel oprime os palestinos.

O raciocínio que leva a apoiar a ação do Hamas porque se condena a política de Israel não é diferente daquele que leva a apoiar as violações de direitos humanos na Venezuela porque se condena o golpismo da oposição. Também não é diferente daquele que apoia a invasão do Congresso brasileiro porque se considera que o STF e o TSE são parciais.

Toda essa chocante onda de apoio à causa palestina no contexto das ações do Hamas preocupa porque, em nome do anti-imperialismo, jogamos fora o respeito aos mais fundamentais princípios de humanidade. E nada disso muda — na verdade, se agrava — se, nos próximos dias, viermos a testemunhar, do outro lado, apoio aos abusos das Forças de Defesa de Israel contra a população civil na Faixa de Gaza. Para enfrentar os adversários políticos, não estamos apenas fechando os olhos aos abusos — estamos renunciando à nossa decência.




segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Uma chance no Brics - Irapuã Santana (O Globo)

 Opinião Irapuã Santana


Irapuã Santana

Doutor em Direito

Uma chance no Brics

O ingresso de novos integrantes no grupo abre brecha para entrada de outros mais democráticos

O GLOBO, 11/09/2023 


No fim de agosto, o Brics — grupo formado por países em desenvolvimento até formado por Brasil, RússiaÍndiaChina e África do Sul — convidou ArgentinaEgitoEtiópiaIrãArábia Saudita e Emirados Árabes Unidos para se unirem a ele.

Nesse novo cenário, o bloco detém hoje 72% dos minerais de terras raras, 75% do manganês do mundo, 42% do abastecimento mundial de petróleo, 50% do grafite global e 28% do níquel do planeta. O Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais sinaliza que o novo Brics conta tanto com grandes produtores de petróleo e gás, como com dois dos maiores importadores do mundo, China e Índia.

Em entrevista ao portal g1, o ex-diplomata Paulo Roberto de Almeida afirma que a posição não favorece o Brasil, tendo em vista que “a China sempre foi o país preeminente no Brics e agora no Brics+. O Brasil se revela caudatário de uma grande potência, que quer constituir um grupo antiocidental”. Por outro lado, complementa que sempre “existem benefícios em desenvolver laços econômicos e comerciais com quaisquer países, dentro das regras normais do sistema multilateral de comércio, usando moedas conversíveis, de maneira a potencializar a amplitude dos pagamentos externos”.

Para o professor do MIT Daron Acemoglu, “o mundo não precisa que mais países caiam sob a influência chinesa e russa ou que se alinhem contra os Estados Unidos; em vez disso, precisa de um terceiro grupo genuinamente independente para fornecer um contrapeso tanto ao eixo China-Rússia como ao poder dos EUA”.

Ao adicionar Arábia Saudita, Etiópia, Egito, Irã e Emirados Árabes Unidos, o Brics sinaliza que a democracia não é um valor prioritário. Lembrando que o agrupamento não é considerado para relações meramente comerciais.

Em artigo intitulado “Democracia gera crescimento”, publicado pela Universidade de Chicago, conclui-se que a democratização, historicamente, criou condições para os países alcançarem um crescimento econômico em torno de 20% entre 5 a 10 anos, refletindo no aumento dos investimentos na educação, saúde e outros serviços públicos.

Outra preocupação que surge é referente ao desemprego, considerando que tanto os trabalhadores administrativos quanto os operários do mundo podem acabar por competir não com mão de obra cara e altamente qualificada nos países ricos, mas com software, maquinaria e robótica avançados alimentados por inteligência artificial.

No livro “Poder e progresso: nossa luta de mil anos pela tecnologia e prosperidade”, aponta-se que a tecnologia sempre foi usada pela elite para explorar os mais fracos. No entanto não precisa ser assim, e os avanços tecnológicos de ponta podem se tornar ferramentas de capacitação e democratização, contanto que as decisões importantes não permaneçam nas mãos de poucos líderes tecnológicos.

O ingresso de novos membros abre brecha para a entrada de outros mais democráticos para formar um bloco verdadeiramente independente, dando ao mundo emergente uma voz necessária nos debates sobre o futuro da globalização e da tecnologia.

 

 

sábado, 9 de setembro de 2023

A corrupção do Petrolão NÃO EXISTIU, decretou monocraticamente um tiranete de toga - Carlo Alberto Sardenberg (O Globo)

 O que fazer com o dinheiro?

Carlos Alberto Sardenberg

O Globo (09/09/2023)

Aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem? Foi tudo uma ilusão?

O que a Petrobras fará com os R$ 6,28 bilhões que recebeu de empresas e executivos, inclusive da própria estatal, a partir dos acordos de leniência firmados no âmbito da Operação Lava-Jato? Se foi tudo uma “armação”, se os pagamentos foram indevidos, a Petrobras tem de devolver esses bilhões.

Parte do dinheiro pago pela Odebrecht foi para o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Procuradoria-Geral da Suíça. Colaboraram nas investigações que chegaram ao famoso sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da empresa para controlar os pagamentos de propina a autoridades e políticos.

Mas, se não aconteceu nada disso, os acionistas da Odebrecht têm o direito de reclamar de volta esse dinheiro enviado para os gringos.

A Petrobras teve de pagar indenizações a acionistas que negociavam seus papéis na Bolsa de Wall Street. Foi um acordo por meio do qual a estatal brasileira reconheceu a má gestão — ou, mais exatamente, a corrupção, o petrolão —, circunstância que, obviamente, influiu negativamente no valor de suas ações.

Mas, se foi “armação”, todas essas indenizações foram indevidas. E então, que órgão do governo brasileiro organizará as cobranças aqui e lá fora?

Ou vai ficar tudo por isso mesmo?

Ocorre que o ministro Dias Toffoli encaminhou outras providências. Determinou que todos os órgãos envolvidos nos acordos de leniência sejam alvo de investigação para apurar eventuais danos à União. É uma longa lista. Vai da Lava-Jato de Curitiba até a Advocacia-Geral da União, Ministério Público e mais — centenas de gestores.

Um deles está ali mesmo, ao lado de Toffoli, numa cadeira do Supremo. Trata-se de André Mendonça, ex-chefe da AGU. O órgão foi parte ativa nos acordos de leniência, como o próprio Mendonça confirmou e elogiou numa entrevista em abril de 2019. Disse ainda que a AGU continuava patrocinando outros acordos.

No total, os acordos de leniência levaram a pagamentos de R$ 25 bilhões a diversas empresas estatais e instâncias de governos estaduais e federal. Também há complicação no âmbito do Judiciário. Em 23 de abril de 2019, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade manter a condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá. O mesmo STJ permitira a prisão de Lula, em abril de 2018, com base no entendimento de que o réu poderia começar a cumprir a pena depois da condenação em segunda instância. E o plenário do STF, em 4 de abril daquele ano, negara habeas corpus que livraria Lula da prisão. A decisão foi apertada, 6 a 5, mas tomada pelo plenário. “Armação”?

A recente decisão de Dias Toffoli foi monocrática, assim como fora a de Edson Fachin, quando, em 8 de março de 2021, anulou todas as condenações de Lula na Lava-Jato. Argumentou que o processo deveria ter sido aberto em Brasília, e não em Curitiba — “descoberta” feita cinco anos depois da abertura do caso. A decisão foi confirmada pelo plenário do Supremo — o que denota um tipo de corporativismo. Você não mexe na minha sentença, eu não mexo na sua.

Depois disso, o então ministro Ricardo Lewandowski tomou várias decisões monocráticas anulando as delações da Odebrecht nos processos de Lula. Toffoli completou o serviço, anulando toda a delação. Então ficamos assim: um erro processual, primeiro, e uma sequência de decisões monocráticas, depois, determinaram que as delações foram irregulares, o que dispensa, nessa grande “armação”, a verificação das provas. Quer dizer: aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem, foi tudo uma ilusão.

Tudo considerado, há uma conclusão que se pode tirar para preservar a democracia e a segurança jurídica. Como já sugeriu o advogado, jurista e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho, as decisões monocráticas deveriam ser simplesmente vetadas. Abolidas. Do jeito como está, não temos uma Corte, mas 11 capitanias que decidem cerca de 90% dos casos. Dá nisso.

Agora, quem quiser saber a história real, está no livro de Malu Gaspar “A organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”.

Suas Excelências deveriam ler.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

A Cúpula Amazônica e a liderança do Brasil - Sérgio E. Moreira Lima (O GLobo)

A Cúpula Amazônica e a liderança do Brasil 

 

rgio E. Moreira Lima*

O Globo, 8/08/2023

 

            A Cúpula dos Países Amazônicos acontece hoje e amanhã em Belém. Anunciada pelo Presidente Lula, após sua eleição, em discurso na COP-27, no Egito, a reunião simboliza o reencontro do Brasil com sua agenda ambiental e a retomada da liderança do país nas questões de mudança de clima e desenvolvimento sustentável. Como Belém sediará ainda a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em novembro de 2025, a Cúpula Amazônica servirá para tratar das questões regionais, sem perder de vista os preparativos para a COP-30, que poderá tornar-se a maior conferência sobre o futuro do planeta e da humanidade. 

 

    A Cúpula Amazônica deverá reforçar a concertação entre os países da região, colocando em foco também o papel da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) na coordenação das políticas regionais com vistas ao cumprimento das decisões tomadas em Belém. Única entidade intergovernamental com sede em Brasília, a OTCA é fruto de uma iniciativa diplomática brasileira, o Tratado de Cooperação Amazônico (TCA), firmado em Brasília, em 1978, com Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O encontro em Belém permitirá melhor conhecer essa instituição que tanto tem a contribuir para a articulação e a consistência das políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Embora a França não participe do Tratado, o Presidente Lula, num gesto histórico, convidou o Presidente Macron a participar da Cúpula Amazônica.  Essa atitude reflete a importância do desafio ambiental e a necessidade de somar esforços com a comunidade internacional para compreendê-lo e enfrentá-lo. 

 

        O Brasil já integrava o Tratado da Bacia do Prata, em vigor desde 1970, mas, até 1978, a maior parte do território nacional estava fora de qualquer arranjo cooperativo com países vizinhos. O pacto amazônico supriu essa lacuna, aproximou a região, reforçou o apoio ao Brasil e consolidou o paradigma da política externa brasileira de autonomia e universalismo a partir de um regionalismo robusto, lastreado no Direito Internacional, com o propósito de tornar a geografia em fator de aproximação e integração. Nesse imenso território, o princípio orientador da política externa brasileira, desde Rio Branco, de fazer da geografia a melhor política, promoveria o diálogo e a cooperação.  A lógica do entendimento deveria prevalecer em meio a diferenças sobre programas de desenvolvimento nuclear, como ficaria ainda mais claro, na década de 1990, com a criação do Mercosul.

 

        A realização no Brasil, em 1992, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92) colocou o país numa posição de contribuir para a harmonia entre aqueles dois temas antípodas no conceito de desenvolvimento sustentável, que concilia a  preservação do planeta e a erradicação da pobreza e da fome. Com o agravamento da questão ambiental e das mudanças do clima,  a posição do atual governo brasileiro recobra o protagonismo histórico e o respeito da comunidade internacional. Ao fazê-lo,  resgata a tradição da diplomacia brasileira com seu compromisso em favor do regionalismo e do multilateralismo e de um ordenamento fundado no direito num mundo em que a lógica do conflito voltou a ameaçar o paradigma do entendimento, da cooperação e da paz. 

 

* Embaixador de carreira e advogado.





quinta-feira, 20 de julho de 2023

A novela do acordo Mercosul-UE ainda não acabou - Eliane Oliveira (O Globo)

 Governo vai propor à UE vantagens para firmas brasileiras em licitação 


Brasil vai propor à UE vantagem para firmas brasileiras em licitação
Governo fecha contraposta para avançar com o acordo de livre comércio e envia texto aos outros parceiros do Mercosul
Por Eliane Oliveira — Brasília e Bruxelas
O Globo, 20/07/2023 

O governo Lula decidiu que vai exigir dos europeus ao menos três alterações nas chamadas “compras governamentais” para prosseguir com a negociação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE).

Em primeiro lugar, o Brasil quer que empresas da Europa que ganharem concorrências para fornecer ao governo brasileiro sejam obrigadas a oferecer algum tipo de contrapartida, como investimentos no país e transferência de tecnologia.

Em segundo, o governo propõe, nas disputas, uma margem de até 20% no preço do bem ou serviço em favor das empresas brasileiras. Ou seja, elas ganhariam a licitação mesmo com preço até 20% mais alto que o de europeias. Por fim, a ideia é que essa seja uma vantagem também para empresas de médio e grande porte do Brasil, não só para pequenas.

As compras feitas pelas Forças Armadas e, em alguns casos pontuais, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) já eram exceções no texto fechado há três anos por negociadores dos dois blocos. A ideia agora é retirar do acordo todas as aquisições do SUS.

A isonomia a empresas brasileiras e europeias nas disputas por contratos do governo é um dos pontos de maior discordância entre o Brasil e a União Europeia para que o acordo entre em vigor. Ontem, em Bruxelas, o presidente Lula afirmou que o Mercosul vai enviar sua contraproposta aos europeus em um prazo “de duas a três semanas”.

Segundo interlocutores envolvidos diretamente no assunto ouvidos pelo GLOBO, a contraproposta já foi encaminhada pelo Brasil aos demais integrantes do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) e deverá ser apresentada aos europeus na primeira quinzena de agosto. Os termos também valerão para as concorrências públicas destes países.

— Nós fizemos a resposta brasileira. Está sendo discutida com os quatro países e, daqui a duas semanas, três semanas, vamos entregar definitivamente a proposta para a UE — disse Lula, em entrevista sobre a reunião de líderes da América Latina e UE.

Pela nova proposta, quanto mais sustentáveis ambientalmente forem as empresas brasileiras, mais altos os percentuais que elas poderiam ter como vantagem em uma licitação, até esse teto de 20%. No documento fechado em 2019, não havia previsão desse tipo de compensação nas compras governamentais, apenas uma margem de 10% restrita a micro e pequenas empresas, explicou um técnico do governo.

Aprovado na sexta-feira por Lula, o documento é uma resposta ao instrumento adicional ao acordo apresentado pela UE em março ao Mercosul. O texto prevê sanções em caso de descumprimento de compromissos ambientais.

A contraproposta não fala em retaliações, reforça os compromissos assumidos pelo Brasil — como o fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 — e sugere parcerias.

O novo texto elaborado pelo Brasil está literalmente nas mãos dos demais sócios do país no Mercosul. Não foram feitas versões digitais, apenas de papel, para evitar vazamentos, ressaltou uma fonte.

No caso do SUS, um dos argumentos é o de que as negociações entre Mercosul e UE foram concluídas em meados de 2019, antes da Covid-19. O Brasil se viu refém da importação de insumos para vacinas e equipamentos de respiração artificial, o que reforçou a avaliação de que o setor é estratégico. As compras públicas são um instrumento para incentivar a produção local de insumos médicos.

A única exceção prevista no texto atual é para parcerias de desenvolvimento tecnológico com o setor privado. Com as novas regras propostas, o Brasil espera fortalecer a indústria nacional.

Em entrevista ao GLOBO, o assessor para assuntos internacionais de Lula, Celso Amorim, reforçou a motivação:

— Há um desejo de reindustrialização. Não é uma repetição do modelo antigo, mas mais adequada ao meio ambiente, ao clima. Isso tem que ser com algum apoio do Estado.

Em compras governamentais, o governo quer desenvolver uma política nacional de offset (compensações ou contrapartidas) e margens de preferência, que se estenderia tanto à UE como a outros parceiros internacionais. São mecanismos previstos na nova Lei de Licitações (14.133), que vai substituir a 8.666 a partir de 2024, explicou um interlocutor do governo.

As hipóteses de execução dessa política são variadas. Em uma pandemia, por exemplo, o fornecedor de respiradores teria de transferir tecnologia a fabricantes nacionais. Ou um grupo escolhido para construir uma rodovia teria de contratar empresas de determinado município para reflorestar as margens da estrada.

A expectativa é que as negociações entre Mercosul e UE sejam concluídas até o fim deste ano. O governo avalia que os europeus não devem criar problemas em compras governamentais, pois “o mundo inteiro está indo nessa direção”, priorizando a economia verde. A avaliação é que haverá maior dificuldade na aprovação do tratado nos 27 parlamentos. A equipe de Lula viu a carta adicional ao acordo (side letter, em inglês) da UE como “ameaçadora”. Para integrantes do governo, é preciso equilíbrio, para que os dois lados ganhem. (Colaborou Paola de Orte, especial para O GLOBO)

terça-feira, 4 de julho de 2023

Brasil vai sugerir ao Mercosul resposta à UE, diz chanceler (O Globo)

 Brasil vai sugerir ao Mercosul resposta à UE, diz chanceler 


O ministro das Relações Exteriores confirmou nessa segunda-feira, 3, que o Brasil vai apresentar ao países-membros do Mercosul, “em alguns dias”, uma sugestão de contraproposta à carta da União Europeia (UE), como parte das discussões sobre o acordo entre os dois blocos. A previsão foi feita em meio à pressão da chancelaria do Uruguai, que criticou a demora nas negociações e cobrou uma resposta do bloco sobre o caso da China, com quem os uruguaios estão discutindo fechar um acordo bilateral separadamente, ou seja, à revelia do Mercosul.

“Pretendemos trabalhar intensamente com aqueles parceiros cujas negociações se encontram em etapa avançada, como com a União Europeia. Em alguns dias, pretendemos apresentar para exame de todos uma contraproposta de reação à carta adicional da União Europeia, com o intuito de destravar a negociação birregional”, explicou Vieira, na abertura 62ª cúpula de chefes dos Estados do bloco, que acontece na cidade de Puerto Iguazú, na Argentina, região da tríplice fronteira.

As discussões continuam nesta terça-feira, quando acontecerá uma reunião dos próprios chefes de Estado do Mercosul sobre o mesmo tema. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem presença confirmada no encontro porque irá receber, das mãos da Argentina, a presidência temporária do bloco. O governo brasileiro quer aproveitar essa liderança justamente para tentar viabilizar o acordo com os europeus.

Apesar dessa intenção, Mauro Vieira criticou indiretamente a UE por, na visão dele, ter usado a questão ambiental como “pretexto” para praticar adotar “medidas de caráter protecionista”. “As preocupações internacionais com o meio ambiente, que compartilhamos, não podem servir de pretexto para adoção de medidas comerciais de caráter protecionista”, disse.

A afirmação do chanceler brasileiro tem relação com a decisão dos países europeus de apresentar, no último mês de maio, um documento adicional à mesa de negociação que contém, por exemplo, exigências de maior rigor no combate à derrubada de florestas. Essas colocações não agradaram, porém, os países sul-americanos.

Alinhado com o Brasil, o ministro das Ministro de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto da Argentina, Santiago Cafiero, foi mais enfático e disse que a carta europeia é “parcial” e coloca um enfoque “excessivo” na questão ambiental.

A ‘Side Letter’ apresenta uma visão parcial do desenvolvimento sustentável”

“A ‘Side Letter’ [documento adicional] apresenta uma visão parcial do desenvolvimento sustentável, excessivamente focada na questão ambiental, com escassa consideração sobre o desenvolvimento econômico”, criticou. De acordo com o chanceler argentino, nesta área, a União Europeia teria, inclusive, feito exigências que estão acima do patamar estabelecido em organismos multilaterais.

“O texto sobre o meio ambiente nos coloca novas obrigações sobre mudança climática, desmatamento ou biodiversidade que vão, inclusive, além do acordado em fóruns multilaterais, mas se omite sobre os meios de implementação. Como vamos implementar isso? Isso é indispensável para saber como vamos cumprir com compromissos ambientais”, enfatizou.

Por conta desse impasse, Cafiero também criticou o “esforço desigual” que estaria sendo feito por Mercosul e União Europeia para a conclusão do acordo comercial entre os dois continentes. Neste sentido, ele salientou a importância de que se façam ajustes no texto negociado até 2019, que já este estaria desatualizado agora.

Como exemplo, o ministro argentino afirmou que, se o acordo estivesse em vigor hoje, os países sul-americanos teriam que reduzir o volume de exportações para a Europa, o que não seria necessário no sentido contrário.

“Enquanto o Mercosul libera tarifas para 95% das exportações europeias de bens agrícolas, a União Europeia libera somente para 82% das suas importações agrícolas. Para o restante, oferece cotas e preferências fixas. Algumas dessas cotas ficaram desatualizadas e hoje comercializamos acima do que foi acordado até 2019.”

Ainda assim, integrantes do Ministério de Relações Exteriores argentino deixaram claro que o país não deseja reabrir as negociações com a União Europeia de maneira oficial, pois isso poderia atrasar ainda mais o acordo, já que as diplomacias teriam que revisar cada ponto do acordo.

A voz dissonante do encontro foi o Uruguai. O ministro das Relações Exteriores do país, Francisco Bustillo, criticou duramente o “imobilismo” do Mercosul em relação a acordos com as principais potências econômicas. Neste sentido, o chanceler vizinho voltou a pressionar os outros países-membros do bloco e disse que o Uruguai está “esperando” uma resposta sobre um possível acordo com a China, país com o qual o presidente do Uruguai, Lacalle Pou, está negociando um tratado bilateral.

Além disso, Bustillo ironizou a chamada Tarifa Externa Comum (TEC), taxa comercial padronizada para os países da região e usada como união aduaneira. Segundo o ministro, as taxas nacionais continuam prevalecendo no comércio entre os países.

“O Uruguai avançou e finalizou um estudo de viabilidade conjunto com a República Popular da China. Informamos isso no âmbito da presidência temporária do Paraguai. Na ocasião, os demais membros manifestaram sua preocupação de que também gostariam de realizar um estudo no mesmo sentido. Bem, a China está esperando, o Uruguai está esperando”, enfatizou.

De acordo com ele, o Uruguai prefere estar acompanhado de outros países sul-americanos na negociação com a China, mas não irá aceitar uma posição de “imobilidade”. “É sempre melhor estar acompanhado de Argentina, Brasil e Paraguai em qualquer mesa de negociação. No entanto, a única coisa que não nos vamos permitir é a imobilidade”, defendeu.

https://valor.globo.com/google/amp/brasil/noticia/2023/07/04/brasil-vai-sugerir-ao-mercosul-resposta-a-ue-diz-chanceler.ghtml

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Lula assume presidência do Mercosul com desafio de destravar negociação com a União Europeia (O Globo)

Lula assume presidência do Mercosul com desafio de destravar negociação com a União Europeia

O Globo, 3/07/2023


  1. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência rotativa do Mercosul a partir desta terça-feira, com o desafio de tentar destravar o acordo entre o bloco e a União Europeia. No comando da organização, o presidente brasileiro terá que tentar construir uma posição unificada no continente, diante das novas exigências dos europeus. Outro obstáculo é o processo de aproximação da China junto à Argentina e ao Uruguai.

    Presidido por Luis Lacalle Pou, líder da direita no país, o Uruguai cogita construir um acordo bilateral com os chineses separadamente. Mas o governo brasileiro argumenta que qualquer negociação desse tipo precisa primeiro da concordância dos demais sócios do Mercosul.

    A 62ª cúpula de presidentes do Mercosul começa oficialmente nesta segunda-feira, quando acontecerá uma reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), que reúne os ministros das Relações Exteriores e da Fazenda de cada país. Os chefes de Estado só devem entrar em cena na terça-feira, quando a Argentina passará o comando temporário para o Brasil pelos próximos seis meses. A reunião será realizada em Puerto Iguazú, cidade argentina localizada na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.
    De acordo com secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Mauricio Carvalho Lyrio, o Brasil está “muito próximo” de fazer uma proposta ao Mercosul sobre qual deve ser a resposta do bloco à União Europeia. Isso porque, no último mês de maio, os países da UE apresentaram um documento adicional que contém novas exigências, como, um maior rigor no combate à derrubada de florestas.

    Do lado brasileiro, a principal preocupação diz respeito às compras governamentais. O motivo é que o texto do acordo, construído até 2019, prevê a abertura de licitações para empresas estrangeiras em condição de igualdade com as locais. Além disso, causa preocupação no Itamaraty o fato de a União Europeia sugerir que o acordo traga também a possibilidade de sanções ao Mercosul, caso os países sul-americanos não cumpram com exigências ambientais.

    — Tem umas preocupações específicas sobre o conjunto de textos herdados de 2019 [quando o acordo quase foi concluído] mais o documento adicional no que se refere às compras governamentais — explicou o embaixador. — Numa relação de países de confiança não cabe abordagem por meio de sanções comerciais. Então este é outro tema que temos que discutir.

    Um dos aspectos que podem pesar contra o esforço da diplomacia brasileira para que essas questões sejam solucionadas já nesta semana é o fato de que dois dos quatro países do bloco estão passando por processos eleitorais. A Argentina terá novo presidente em outubro e o atual chefe de Estado do país, Alberto Fernández, sequer irá concorrer à reeleição. Já o Paraguai elegeu, recentemente, o economista Santiago Peña, mas este assumirá o cargo apenas em agosto. Portanto, não participará das negociações em relação à resposta do Mercosul neste momento.
    Na prática, isso colocará foco justamente sobre os presidentes Lula e Lacalle Pou, que têm adotado posições divergentes no bloco. O Valor apurou que a chancelaria brasileira pretende insistir no argumento de que, caso o Uruguai continue reivindicando a possibilidade de negociar diretamente com a China, estará optando também por abdicar de privilégios comerciais aduaneiros da região, como é o caso da Tarifa Externa Comum (TEC).
    O Itamaraty diz que o Mercosul tem a seu favor os números do comércio na região. Após uma queda substantiva nas relações comerciais entre os países-membros por conta da pandemia, o volume de negócios voltou a crescer no bloco em 2021 (US$ 35 bilhões) e 2022 (US$ 40 bilhões). Além disso, o Mercosul tem negociações “avançadas”, segundo o secretário Mauricio Carvalho Lyrio, com a “Efta”, como é conhecida a área de livre comércio formada por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.

    Outro assunto que tem colocado Brasil e Uruguai em lados opostos é a questão venezuelana. Lula defende o retorno da Venezuela ao bloco, mas, recentemente, Lacalle Pou criticou duramente o brasileiro por amenizar as denúncias de violação de direitos humanos no país de Nicolás Maduro. Neste contexto, o governo brasileiro deve ignorar o assunto na cúpula.
    — O Brasil pretende levar [este tema para a reunião do Mercosul]? Não. É do interesse do Brasil ter a Venezuela [no bloco]? Sim, mas precisa discutir as condições — disse a embaixadora Gisela Padovan, secretária para América Latina e Caribe do Itamaraty. — A razão da suspensão [da Venezuela] foi o não cumprimento do calendário de ações de qualquer país que queira ingressar [no Mercosul] e evidentemente a questão democrática é importante.

    https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/07/lula-assume-presidencia-do-mercosul-com-desafio-de-destravar-negociacao-com-a-uniao-europeia.ghtml

terça-feira, 13 de junho de 2023

Diplomacia partidária da China acena ao PT - Marcelo Ninio (O Globo)

 Diplomacia partidária da China acena ao PT

A diplomacia partidária da China é uma forma de promover o modelo de governança do país para ampliar sua influência

Por Marcelo Ninio — Pequim
O Globo, 13/06/2023

Uma delegação do Partido dos Trabalhadores (PT) com 20 integrantes desembarcou nesta segunda-feira em Pequim para uma visita de 12 dias, a convite do governo chinês. É a reabertura de mais um canal na aproximação com o Brasil, após o aquecimento das relações obtido com a visita do presidente Lula à China em abril. A viagem se encaixa na diplomacia partidária praticada pelo Partido Comunista da China desde a década de 1950, para reforçar os laços com grupos políticos afinados ideologicamente.

É uma das maiores delegações partidárias do Brasil que já participaram desse tipo de viagem, em novo sinal da importância que Pequim tem dado ao país desde a volta ao poder do “velho amigo” da China, como a mídia estatal chama Lula. Chefiado pelo secretário-geral nacional do PT, Henrique Fontana, o grupo inclui vários dirigentes do partido e o senador Humberto Costa (PE), além de três deputados federais e um estadual.

Em Pequim, o grupo irá conhecer “a formação política dos quadros e da base e o processo de organização” do PC chinês, informou em suas redes sociais Camila Moreno, da Direção Executiva Nacional do PT, que integra o grupo. O roteiro inclui ainda cidades que são vitrines do milagre econômico chinês, como Cantão e o polo tecnológico de Shenzhen.

A política partidária chinesa ganhou novo impulso com a chegada de Xi Jinping à liderança, em 2012, como forma de promover o modelo de governança do país e ampliar sua influência global. O projeto é uma das principais atribuições do Departamento de Ligação Internacional (DLI), criado em 1951 para articular as relações com partidos comunistas ao redor do mundo. O leque se ampliou e, hoje, o PCC mantém “contato regular” com mais de 600 partidos de 160 países, segundo a mídia estatal.

Enquanto no Ocidente a política externa de Xi Jinping é cada vez mais vista como um instrumento agressivo da ascensão chinesa, com os países em desenvolvimento há meios mais sutis de interação, além da oferta de investimentos em infraestrutura. Um deles é a diplomacia partidária. Sem precisar representar o governo em atritos com outros países, o DLI pode se concentrar no lado positivo do modelo chinês, cativando os países emergentes com o que eles mais necessitam: eficiência e desenvolvimento.

Um exemplo são os treinamentos oferecidos a políticos de outros países. Milhares de estrangeiros já passaram pelas escolas do PC chinês, em cursos com previsível teor doutrinário, mas empacotados em linguagem pragmática, que enfatiza a importância do planejamento central para atingir as metas desenvolvimentistas. No ano passado, o conceito cruzou as fronteiras da China e se instalou na Tanzânia, onde foi inaugurada uma escola de liderança construída com aporte de US$ 40 milhões oferecido pela China.

O PC chinês insiste que não almeja exportar seu modelo de governança. Mas ao compartilhar histórias de sucesso, como no combate à pobreza, o objetivo implícito é oferecer uma alternativa descolada do Ocidente. Apesar da admiração que Lula tem demonstrado pelas conquistas do sistema chinês, o país é motivo de divergências históricas no PT, devido ao descaso com os valores democráticos.

Em 1989, o partido aprovou a moção “Não ao massacre do povo chinês”, após a brutal repressão ao movimento pró-democracia da Praça da Paz Celestial. Desde então a China virou referência em desenvolvimento, mas continua longe de ser modelo em direitos humanos.


quinta-feira, 1 de junho de 2023

Chances de um encontro entre Lula e Zelensky diminuem sensivelmente, depois de entrevista de ucraniano - Eliane Oliveira, Alice Cravo (O Globo, Estadão)

 Itamaraty rebate Zelensky e diz que foram oferecidos três horários para reunião com Lula no Japão

Em entrevista publicada nesta quinta-feira, presidente da Ucrânia afirmou que desencontro com Lula não foi culpa dos ucranianos. Ele insinuou que o presidente brasileiro não tinha tempo para a reunião
Eliane Oliveira — Brasília
O Globo, 01/06/2023 13h13 

O Itamaraty rebateu as declarações do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, publicadas em entrevista a sete veículos de imprensa da América Latina, incluindo a "Folha de São Paulo", de que o encontro que havia sido acertado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante uma reunião do Grupo dos Sete (G7), não aconteceu por causa do brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores reafirmou ao GLOBO que foram oferecidos três horários a Zelensky, que não foram aceitos pelos ucranianos.

A reunião do G7 aconteceu em Hiroshima, no Japão, no mês passado. Ao chegar ao evento, Zelensky pediu uma audiência com o presidente Lula. De acordo com uma fonte que acompanhou as negociações, o governo brasileiro tem registradas todas as mensagens trocadas pelos respectivos chefes de cerimonial dos dois países.

Na entrevista publicada nesta quinta-feira, Zelensky afirmou que "definitivamente não foi por nossa causa" que a reunião bilateral não ocorreu. Brasil e Ucrânia estavam entre os convidados para o encontro do G7, formado por Estados Unidos, Reino Unido, França, Japão, Itália, Alemanha e Canadá.

A ida do presidente ucraniano a Hiroshima já era esperada pelo governo brasileiro, que foi comunicado pelo menos duas vezes no dia 10 de maio: pelos japoneses, anfitriões do evento; e durante uma reunião, em Kiev, entre Zelensky e o assessor para assuntos internacionais de Lula, Celso Amorim.

Momentos antes de deixar o Japão, Zelensky foi irônico, ao dizer que Lula deveria estar "desapontado", porque o encontro não aconteceu. Na entrevista desta quarta-feira, ele afirmou que "Lula quer ser original", com sua ideia de criar um clube de paz para negociar a paz entre Rússia e Ucrânia. Ele insinuou que o presidente brasileiro não teve tempo para a reunião.

— Ele encontrará tempo para responder a essa questão [se Lula concordaria com a punição dos assassinos na guerra]? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta — afirmou Zelensky.


'Lula acha que assassinos em massa deveriam ser condenados e presos?', questiona Zelenski
O Estado de S. Paulo, 01/06/2023

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, cobrou nesta quinta-feira, 1, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo uma posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma posição sobre os crimes de guerra cometidos pela Rússia em seu país.

“Lula precisa responder a algumas perguntas muito simples. O presidente acha que assassinos devem ser condenados e presos? Creio que, se tiver a oportunidade, ele dirá que sim. Ele encontrará tempo para responder a essa questão? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta”, questionou Zelenski, em referência aos relatos de execução em massa e tortura de civis nas cidades de Bucha e Mariupol. A Rússia também é acusada de roubar crianças ucranianas e tirá-las do país.

“Se milhares de pessoas foram assassinadas na Ucrânia —não sabemos quantas dezenas de milhares foram mortos e torturados nas partes de nosso território ocupadas pelos russos—, os assassinos estavam cumprindo ordens? Se foi um assassinato em massa, deveria ser presa a pessoa que mandou outras pessoas fazerem isso? Acho que [Lula] dirá: bom, provavelmente, os assassinos em massa são sádicos. E, portanto, deveriam estar na prisão”, prosseguiu Zelenski.

“Se o presidente quiser ser original, ele pode dizer: ‘O tribunal que a Ucrânia propõe não é adequado, mas eu sei –dirá o presidente Lula– como colocar os assassinos atrás das grades de uma maneira mais rápida, sem tribunal’. Bom, aí a Ucrânia ficará muito contente em receber este conselho do presidente Lula de como colocar os assassinos do Kremlin na prisão de forma ainda mais rápida. Estamos sempre abertos a qualquer inovação na aplicação das leis.”

Desencontros no G-7
Lula tem tentado desde que tomou posse intermediar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia e o Brasil tem adotado uma posição de neutralidade no conflito. Declarações públicas do presidente que responsabilizam Kiev pelo conflito, no entanto, foram interpretadas como um sinal de apoio ao Kremlin.

Lula e Zelenski chegaram a conversar por videoconferência no começo do ano e o presidente enviou seu assessor especial de política externa Celso Amorim para encontrar o líder ucraniano em Kiev. Apesar disso, na cúpula do G-7 em Hiroshima, no mês passado, os dois não se reuniram.

Segundo o Itamaraty, os ucranianos não apareceram ao encontro no horário sugerido, mas Zelenski deu outra versão. “No G-7, tive várias reuniões bilaterais. Disseram que a gente não havia tentado nem se esforçado para encontrá-lo, isto não é verdade. Não é gente séria, substantiva, que está dizendo isso”, disse o presidente da Ucrânia. “Reitero que quero me encontrar com ele. Já ofereci a realização de uma reunião em qualquer formato. Já convidei várias vezes o presidente Lula para vir à Ucrânia. Estivemos em contato com a equipe dele quando ele estava na Espanha e em Portugal, pensei naquele momento porque a distância era menor e talvez ele conseguisse encontrar um tempo.”


Lula recebe presidente da Finlândia, aliada da Ucrânia, e critica invasão do país pela Rússia
Presidente participa de uma bilateral com o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö
Alice Cravo — Brasília
O Globo, 01/06/2023

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da da Finlândia, Sauli Niinistö, discutiram nesta quinta-feira, durante uma reunião bilateral, sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia. Em declaração à imprensa, Lula reforçou as críticas à ocupação territorial da Ucrânia e afirmou que o Brasil faz parte de um grupo de países que "quer se manter neutro" para construir possibilidade do fim da guerra.

— O Brasil desde que começou essa guerra fez crítica a ocupação territorial da Ucrânia — afirmou, completando: — Estamos tentando formular a oportunidade, quando convier aos dois presidentes, da Rússia e da Ucrânia, colocar uma proposta de paz na mesa que tem que ser combinada com os dois. Não acontecerá nada enquanto Ucrânia e Rússia não tomarem a decisão de que querem a paz. O Brasil, portanto, faz parte de um grupo de países que querem se manter neutro para construir a possibilidade do fim da guerra.

Em seu pronunciamento, Lula afirmou que ouviu com "interesse" as considerações do outro presidente sobre o conflito e que reafirmou a posição em defesa da integridade territorial da Ucrânia.

— Ouvi com muito interesse as considerações do presidente Niinisto sobre a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, país este com o qual a Finlândia partilha mais de mais de mil e trezentos quilômetros de fronteira. Reiterei a posição do Brasil de defesa da integridade territorial da Ucrânia e de condenação da invasão. Afirmei também nossa convicção sobre a necessidade de criar espaços de diálogo, que contribuam para a busca de solução pacífica para o conflito.

O presidente da Finlândia, por sua vez, afirmou que está "plenamente com a mesma opinião" do presidente Lula e que a "paz é a coisa mais importante".

— Estamos plenamente com a mesma opinião. A paz é a coisa mais importante e toda tentativa pela paz é muito valiosa. O nosso pensamento é que a Ucrânia foi atacada ilegalmente pela Rússia e a Ucrânia precisa de uma paz que a Ucrânia tem que aceitar, mas é bastante óbvio que hoje a paz precisa chegar, mas precisa estar de acordo e é preciso discutir como garantir uma paz na região.

Lula ainda afirmou que assinou com Niinistö um acordo sobre serviços aéreos na reunião bilateral realizada no Itamaraty.

-- Estou certo de que a delegação empresarial que acompanha o presidente encontrará excelentes oportunidades de negócio e investimento no Brasil. O acordo sobre serviços aéreos que assinamos hoje reforça nossa vontade de aproximação.


domingo, 28 de maio de 2023

Guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: uma entrevista sincera do chefe dos mercenários, Yevgeny Prigojin (O Globo)

 Mundo 

Por O Globo, com agências internacionais 

 


Yevgeny Prigojin, fundador do grupo Wagner
Yevgeny Prigojin, fundador do grupo Wagner AFP

O líder do Grupo Wagner, unidade paramilitar que combate ao lado das tropas russas na Ucrânia, Yevgeny Prigojin, afirmou que a invasão ordenada por Moscou contra seu vizinho do oeste falhou no objetivo de desmilitarizar Kiev, transformando as forças armadas inimigas em uma das "mais poderosas do mundo". A declaração de Prigojin foi feita em uma entrevista ao blogueiro militar russo Konstantin Dolgov, publicada em uma plataforma de vídeos russa nesta quarta-feira, na qual ele também admitiu ter perdido 20 mil homens durante os confrontos em Bakhmut. 

— No que diz respeito à desmilitarização... se eles tinham 500 tanques no início da operação especial, [agora] eles têm 5 mil tanques. Se eles tinham 20 mil pessoas capazes e treinadas para lutar, agora 400 mil pessoas sabem como lutar. Como nós os desmilitarizamos? Acontece que o oposto é verdadeiro - nós os militarizamos — disse o chefe do grupo Wagner. 

Prigojin ainda descreveu o Exército do país vizinho como forças com "alto nível de habilidades organizacionais, um alto nível de treinamento e um alto nível de inteligência", além de terem sido capacitados a utilizar uma vasta gama de equipamentos militares, aos quais tiveram acesso. 

— Eles têm diferentes tipos de armas e, o que é mais importante, eles podem trabalhar com facilidade e sucesso com todos os sistemas: soviético, Sistemas da Otan... você escolhe. 

Risco de revolução

Diante das dificuldades no campo de batalha e vendo os objetivos militares estabelecidos no início da operação especial para desnazificar a Ucrânia (como o Kremlin oficialmente de refere à invasão) cada vez mais distantes, o líder mercenário também fez previsões catastróficas sobre o possível futuro da Rússia, apontando a possibilidade de rebeliões internas desestabilizarem o país. 

— Estamos em uma situação em que nós podemos simplesmente perder a Rússia — disse Prigojin, defendendo que o governo decrete Lei Marcial enquanto durar o conflito — Nós precisamos introduzir a lei marcial. Nós, infelizmente, precisamos anunciar novas ondas de mobilização militar; nós precisamos colocar todo mundo que é capaz de trabalhar para aumentar a produção de munição. A Rússia precisa viver como a Coreia do norte por alguns anos, no sentido de fronteiras fechadas e trabalho duro. 

O líder paramilitar também aproveitou a entrevista para alfinetar integrantes da alta cúpula do poder militar russo, como o Ministro da Defesa, Serguei Shoigu — com quem discutiu publicamente outras vezes durante a guerra, pedindo mais apoio e munição a suas tropas. 

De acordo com Prigojin, a elite russa continua a esbanjar um padrão de vida muito acima dos cidadãos comuns, que estão sendo diretamente afetados pela guerra e pelas sanções impostas à Rússia. 

— Os filhos da elite fecham ficam calados na melhor das hipóteses, e alguns se permitem uma vida pública, farta e despreocupada. Esta divisão pode terminar como em 1917, com uma revolução, quando primeiro os soldados se levantarem e depois seus entes queridos o seguirem. 

Perdas no campo de batalha 

O líder do grupo mercenário também afirmou que a conquista de Bakhmut cobrou um preço alto em vidas, causando uma baixa de aproximadamente 20 mil homens em suas tropas. Segundo Prigojin, cerca de 10 mil dos prisioneiros recrutados nas prisões russas morreram na linha de frente, enquanto uma proporção semelhante de combatentes profissionais também tombou. 

— Selecionei 50 mil detentos, dos quais 20% morreram — disse Prigozhin na entrevista, que teve mais de uma hora de duração. 

Apesar disso, garantiu, o número de baixas no grupo Wagner foi inferior às registradas no lado ucraniano: — Tenho três vezes menos mortos (...) e cerca de duas vezes menos feridos — disse.