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sábado, 3 de fevereiro de 2024

Chanceler de Lula 3 respondeu a Celso Lafer sobre acusação de genocídio contra Israel, mas não sabemos o que - Painel (FSP)

 

Vieira responde a carta de Lafer que criticou apoio do Brasil a ação que acusa Israel de genocídio

Atual chanceler mandou mensagem a ex-ministro em que reafirma posicionamento do país de que crime estaria em curso nos ataques a Gaza


Painel, Folha de S. Paulo, 1/02/2024


O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, respondeu por escrito no último final de semana a um de seus antecessores no cargo, Celso Lafer, que havia divulgado uma carta com críticas à decisão do Brasil de apoiar uma ação da África do Sul na Corte de Haia que apontava genocídio cometido por Israel em Gaza.

"Ele [Vieira] apresentou seus argumentos de maneira circunstanciada e com muito cuidado, apontando a possibilidade de um genocídio potencial. Eu mantenho minha opinião de que o genocídio não se aplica à discussão de temas humanitários e do direito de guerra", disse Lafer.

Chanceler durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Lafer argumentou em sua mensagem a Vieira que não é possível invocar a Convenção para a Prevenção ao Genocídio nos ataques israelenses a Gaza.

"O ilícito do genocídio pressupõe o dolo intencional, de destruir em parte ou em todo um grupo religioso ou étnico, e não creio que isso se configura nesse caso", afirma o ex-ministro.

Entre a mensagem enviada por ele a Vieira e a resposta do chanceler, a Corte de Haia determinou que Israel tome medidas cautelares necessárias para proteger civis palestinos, mas não entrou no mérito se os ataques do Estado judeu configuram genocídio.

Lafer, que preferiu não divulgar a carta de Vieira, disse que não pretende replicar e que considera o caso encerrado. O Itamaraty também não fez comentários.


segunda-feira, 24 de julho de 2023

“NÃO SOMOS CANDIDATOS À MEDIAÇÃO”, DIZ CHANCELER MAURO VIEIRA SOBRE GUERRA NA UCRÂNIA - CARLOS LINS e EDSON SARDINHA (Congresso em Foco)

 


ENTREVISTA

“NÃO SOMOS CANDIDATOS À MEDIAÇÃO”, DIZ CHANCELER MAURO VIEIRA SOBRE GUERRA NA UCRÂNIA

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não se propõe a assumir o papel de mediador na guerra entre Rússia e Ucrânia. Em entrevista ao Congresso em Foco, o chanceler diz que o presidente vem apenas postulando a “necessidade urgente de se falar na paz, e não só na guerra” – e que, segundo ele, esse objetivo vem sendo alcançado.

“NÃO SOMOS CANDIDATOS À MEDIAÇÃO. O QUE TEMOS DITO É QUE ESTAMOS DISPOSTOS A APOIAR QUALQUER ESFORÇO DE PAZ, E QUE A GUERRA NA UCRÂNIA REQUER UM ESFORÇO COLETIVO, DE VÁRIOS PAÍSES. NÃO É TAREFA PARA UM PAÍS SÓ”

O presidente vem recebendo críticas nos últimos meses por não se posicionar de forma mais contundente contra a Rússia e a invasão comandada por Vladimir Putin, que já dura um ano e meio. Em 25 de abril, quando estava em Portugal, Lula já disse que o conflito é uma “violação da integridade territorial” da Ucrânia. Mas também já chegou a falar que, para que a guerra acabe, “cada um vai ter que ceder um pouco”. Em 19 de julho, Lula disse ainda que o presidente do Chile, Gabriel Boric, estaria sendo “sequioso” e “apressado” por cobrar uma postura anti-Rússia dos países da América Latina.

De acordo com o chanceler Mauro Vieira, no entanto, há progresso: “Nosso objetivo, que é esse, de que se fale também de paz, está sendo atingido. Basta ver o recente engajamento dos países africanos, que enviaram delegação de alto nível a Kiev e Moscou para dialogar com as partes. E também outras lideranças globais têm atuado nesse mesmo sentido. […] Eventuais críticas na mídia fazem parte do processo, mas o importante é que já contribuímos para que o debate sobre a paz ocupe também o primeiro plano”.

Vieira ainda não descarta um encontro presencial entre Lula e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Os dois líderes estiveram na Cúpula do G-7 em Hiroshima, no Japão, mas não chegaram a se reunir. “Não há qualquer ansiedade a respeito”, diz Mauro Vieira. “Os canais estão abertos e estão funcionando, e o encontro pessoal entre os presidentes ocorrerá quando houver uma próxima oportunidade”.

Na entrevista ao Congresso em Foco, Mauro Vieira definiu o atual momento da política externa como uma “volta do Brasil ao mundo”. Segundo ele, a prioridade do Itamaraty no primeiro semestre do governo Lula 3 foi “reconstruir pontes com o mundo”, buscando compensar os danos produzidos pelo isolamento diplomático nos quatro anos de Jair Bolsonaro.

Nessa toada, o presidente Lula vem adotando agenda intensa de viagens. No Brasil, nenhum presidente pós-ditadura militar viajou tanto nos 6 primeiros meses de mandato quanto Lula em seu terceiro mandato. “A demanda desses primeiros meses foi muito grande, porque todos querem conversar com o Brasil e com o presidente Lula”, diz Mauro Vieira. Segundo ele, o presidente realizou reuniões bilaterais com chefes de Estado e de Governo de mais de 40 países nesse período.

Leia abaixo o que o chanceler falou ao Congresso em Foco a respeito de outros assuntos:

  • política externa na gestão Bolsonaro – “Estamos trabalhando para repará-los [os danos], já a partir do processo eleitoral, quando as instituições democráticas brasileiras foram ameaçadas por discursos e orquestrações autoritárias e souberam dar a resposta adequada. O Brasil mostrou que é uma democracia madura e sólida, em um momento turbulento no mundo”;
  • agenda para o segundo semestre de 2023 – “É natural que a confirmação de algumas viagens ocorra mais perto das datas de cada compromisso”. Citou a cúpula dos BRICS em Joanesburgo, na África do Sul (agosto), a cúpula do G20 em Nova Délhi, na Índia (setembro), e a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York (setembro), ambas em setembro, além da COP 28 do clima, nos Emirados Árabes Unidos (novembro);
  • Congresso – “Boa parte da sociedade brasileira, e também do Congresso, já está convencida dos prejuízos do isolamento diplomático dos últimos anos […] Desde o início da legislatura, temos contado com o apoio e com a compreensão de ambas as Casas do Congresso Nacional em relação ao nosso esforço de reconstruir pontes”;
  • Venezuela – “Para mim o mais importante foi a retomada das relações diplomáticas entre dois países vizinhos, após um afastamento que durou três anos, determinado pela decisão equivocada do governo anterior de fechar a embaixada e os consulados brasileiros naquele país. […] Isso é a antidiplomacia, com prejuízos evidentes para o Brasil”;
  • governo Maduro e violações à democracia – “Faremos chegar ao governo venezuelano nossas preocupações e críticas por meio de um diálogo diplomático franco, mas que será mantido pelos canais diplomáticos adequados, e não pela mídia ou pelas redes sociais”.

ÍNTEGRA

Leia abaixo a íntegra da entrevista concedida por Mauro Vieira ao Congresso em Foco. As perguntas e as respostas foram enviadas por e-mail.

Congresso em Foco: O presidente Lula tem priorizado a agenda internacional desde a sua posse, depois de quatro longos anos de isolamento internacional do Brasil. Nenhum outro presidente viajou tanto quanto ele nos seis primeiros meses do mandato. O que o governo espera conseguir ainda neste ano com esta agenda de viagens? O que já conseguimos até agora?
Mauro Vieira: Para um país da importância que o Brasil tem na sua região e no mundo, a agenda internacional se impõe entre as prioridades, até porque a política externa e a diplomacia presidencial são ferramentas indispensáveis para a promoção do País e dos seus produtos, para a atração de investimentos e para a defesa de regras internacionais que levem em conta os interesses da sociedade brasileira. Nestes seis primeiros meses, o que o Presidente Lula tem feito é reconhecer essa necessidade, atender a inúmeros convites e atuar para que o Brasil supere o isolamento que marcou o período anterior. Posso sintetizar esse momento novo, de volta do Brasil ao mundo, com uma frase do chanceler de um de nossos principais parceiros na Europa: “Como é bom poder voltar a conversar com o Brasil”, me disse ele, e outros parceiros disseram frases parecidas, na mesma linha, de que o mundo esperava pela volta do Brasil com saudades, para usarmos uma expressão bem nossa.

Com isso, a demanda desses primeiros meses foi muito grande, porque todos querem conversar com o Brasil e com o Presidente Lula. Ao final desse período inicial, o Presidente Lula tem um balanço de reuniões bilaterais com Chefes de Estado e de Governo de mais de 40 países, e em todas elas são discutidos assuntos de interesse do Brasil, seja na atração de investimentos, seja no fortalecimento de laços econômico-comerciais com nossos vizinhos, ou, para ser mais específico, na venda de aviões brasileiros para a China ou na atração de novos parceiros para o Fundo Amazônia, como ocorreu com os Estados Unidos e o Reino Unido, entre outros países. É uma política externa pragmática e que prioriza as necessidades de geração de oportunidades no nosso país, por meio dos laços econômicos e políticos com o mundo.

Já conseguimos sair do isolamento, logramos recuperar o lugar do Brasil como um país que é respeitado e lidera discussões relevantes no mundo, e que defende suas posições a partir do diálogo com a sociedade brasileira e de uma clara noção do interesse nacional em cada questão. O desenvolvimento sustentável e o combate à desigualdade, por meio da geração de oportunidades para todos, estão sempre entre essas questões. 

Há algum dano irreparável que o Brasil tenha sofrido com esse isolamento internacional ao longo dos últimos quatro anos?

Os danos, tanto de imagem quanto na defesa de interesses concretos, foram muito grandes. Estamos trabalhando para repará-los, já a partir do processo eleitoral, quando as instituições democráticas brasileiras foram ameaçadas por discursos e orquestrações autoritárias e souberam dar a resposta adequada. O Brasil mostrou que é uma democracia madura e sólida, em um momento turbulento no mundo, e mais uma vez se credenciou como um ator responsável para a comunidade internacional. A partir da posse do Presidente Lula, a tarefa que ele me delegou foi a de reconstruir pontes com o mundo. A expressão “reconstruir pontes” dá a exata noção dos muitos danos a reparar, e temos trabalhado nesse sentido desde o primeiro dia de gestão.

Quais países o presidente pretende visitar ainda em 2023?

O Presidente tem uma série de convites para visitas bilaterais e para eventos multilaterais no segundo semestre, e temos definido a agenda de viagens em diálogo com o Planalto, e em sintonia com as demandas da agenda doméstica, que são prioritárias para o governo. Com isso, é natural que a confirmação de algumas viagens ocorra mais perto das datas de cada compromisso. Mas, no segundo semestre, entre outros compromissos, o Presidente já participou da cúpula do Mercosul, em Puerto Iguazú, na Argentina, no começo de julho, está participando da cúpula CELAC-União Europeia em Bruxelas, e ainda terá a cúpula dos BRICS em Joanesburgo, na África do Sul, em agosto, a cúpula do G20 em Nova Délhi, na Índia, e a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, ambas em setembro, além da COP 28 do clima, nos Emirados Árabes Unidos, entre o final de novembro e o início de dezembro.

Na cúpula do Mercosul o Brasil assumiu a Presidência pro tempore do bloco, e o Brasil também assumirá a Presidência do G20 no ano que vem, o que torna indispensável a presença no encontro em Nova Délhi. Além disso, na COP 28 do Clima será oficializada a escolha de Belém (PA) para sediar a COP 30, em 2025. Belém também sediará outro importante evento de política externa do segundo semestre, a cúpula da Amazônia, que reunirá os presidentes dos oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e mais alguns convidados, em agosto, com o objetivo de debater soluções e articular políticas para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável na região.

Uma das questões colocadas como prioridade pelo presidente da República na política externa é o meio ambiente. O Brasil não envia sinais contraditórios ao mundo quando uma das Casas do Congresso aprova medidas como o marco temporal para as terras indígenas ou diminui as atribuições do Ministério do Meio Ambiente, como já foi feito?

Não vejo contradição aí, vejo apenas os Três Poderes da República desempenhando suas funções, e o Executivo também já reagiu a algumas dessas decisões, no âmbito das suas competências constitucionais. É assim que uma democracia funciona. O compromisso do governo do Presidente Lula com o desenvolvimento sustentável, já demonstrado plenamente nas duas gestões anteriores dele, voltou a ser demonstrado a partir do primeiro dia de gestão. Foram tomadas medidas duras de combate à criminalidade ambiental, como foi o caso do garimpo ilegal no território ianomâmi, por exemplo, entre tantas outras políticas em favor da sustentabilidade. Como consequência imediata, dados do INPE mostram que houve uma redução de 33,6% no desmatamento na Amazônia no primeiro semestre, na comparação com o mesmo período de 2022.

Nesse contexto, quais são as ambições do Brasil com a realização da COP 30, em 2025, em Belém?

Não se trata de ambição, e sim de reassumir um papel de liderança que o Brasil tradicionalmente ocupou no debate global sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, agora somado ao desafio da mudança climática, que ameaça a todos. E esse papel significa dar voz às preocupações dos países em desenvolvimento e às populações de regiões como a Amazônia. O Presidente Lula tem sido muito claro no sentido de cobrar dos países desenvolvidos o cumprimento de reiteradas promessas de apoio financeiro a projetos de desenvolvimento sustentável, promessas que não têm se materializado. E é preciso que elas se materializem, com urgência. O Brasil tem credenciais, tem credibilidade para fazer essas cobranças, e por isso é importante que reassuma seu papel no debate global sobre grandes desafios como o da mudança climática, e não só na COP. Já a partir da Presidência brasileira do G20, no ano que vem, esse assunto será uma das prioridades do período em que estaremos à frente do grupo. Muito tempo já foi perdido com promessas não cumpridas e, mais recentemente, com um negacionismo em relação à ameaça da mudança climática que é típico da era da desinformação em que vivemos.

Realisticamente, que tipo de suporte se pode esperar da atual composição do Congresso Nacional à política externa do governo Lula? O número alto de parlamentares mais à direita representa um obstáculo?

Pessoalmente, creio que boa parte da sociedade brasileira, e também do Congresso, já está convencida dos prejuízos do isolamento diplomático dos últimos anos, quando em muitos momentos se abdicou de fazer diplomacia por simples sectarismo ideológico. Diplomacia se faz por meio do diálogo com todos, e em especial com aqueles com os quais não concordamos, dessa forma se superam as dificuldades.

Essa tem sido a linha condutora da política externa brasileira ao longo de décadas, em governos de diferentes orientações ideológicas, e é essa a linha que estamos retomando, a da diplomacia, do diálogo, da busca do entendimento. E, desde o início da legislatura, temos contado com o apoio e com a compreensão de ambas as Casas do Congresso Nacional em relação ao nosso esforço de reconstruir pontes com o mundo e de retomar os princípios e linhas de ação tradicionais do País na política externa, com o pragmatismo e a responsabilidade que sempre nos caracterizaram no cenário mundial.

Eu mesmo já participei de audiências públicas tanto na Câmara como no Senado, e em ambas contei com uma ampla compreensão dos parlamentares a respeito da necessidade de retomada das linhas tradicionais de política externa brasileira.

Em relação aos Estados Unidos: é comum que se faça uma analogia entre o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, de inclinação pró-Trump, com os atos golpistas de caráter bolsonarista na Esplanada dos Ministérios em 8 de janeiro de 2023. O Itamaraty considera que a pré-candidatura de Donald Trump a presidente representa algum risco à democracia, seja nos Estados Unidos ou em uma escala maior?

Tanto as instituições democráticas norte-americanas quanto as brasileiras, que enfrentaram desafios muito semelhantes, demonstraram estar à altura desses desafios. Somos duas democracias sólidas, devemos estar atentos a eventuais ameaças, mas não vejo razão para temores quanto ao futuro.

Em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia, o presidente Lula tem postulado o papel de mediador no conflito. Ele sofreu algumas críticas por declarações a respeito da posição da Ucrânia no conflito. Que grau de protagonismo o presidente brasileiro pode ter nessa negociação? 

O que o Presidente Lula tem postulado é a necessidade urgente de se falar na paz, e não só na guerra. Não somos candidatos à mediação, o que temos dito é que estamos dispostos a apoiar qualquer esforço de paz, e que a guerra na Ucrânia requer um esforço coletivo, de vários países. Não é tarefa para um país só.

Nosso objetivo, que é esse, de que se fale também de paz, está sendo atingido, basta ver o recente engajamento dos países africanos, que enviaram delegação de alto nível a Kiev e Moscou para dialogar com as partes. E também outras lideranças globais têm atuado nesse mesmo sentido, recentemente no Vaticano o Papa Francisco e o Presidente Lula também falaram sobre os esforços de paz. Desde a posse, já mantive reuniões de trabalho com quase 60 chanceleres, e em todas as conversas nas quais a guerra na Ucrânia foi mencionada, o papel do Brasil e do Presidente Lula foi bem recebido, mesmo pelos países em conflito e pelos seus principais aliados. Eventuais críticas na mídia fazem parte do processo, mas o importante é que já contribuímos para que o debate sobre a paz ocupe também o primeiro plano.

A evolução desse processo depende fundamentalmente dos países envolvidos, e da sua disposição em negociar, mas o avanço recente fez com que o debate global não esteja mais exclusivamente focado no conflito. Ele já contempla posições como a do Brasil, e agora também dos países africanos, e isso é um avanço.

Encontrar-se com Volodymyr Zelensky é uma prioridade para o presidente Lula?

Como sabemos, não foi possível o encontro entre os dois líderes à margem da cúpula do G7, em Hiroshima, no Japão, mas não há qualquer ansiedade a respeito. O Presidente Lula já manteve contatos telefônicos tanto com o Presidente Zelensky como com o Presidente Putin, o Embaixador Celso Amorim esteve em Moscou e em Kiev, como enviado especial, e avistou-se também com ambos os líderes, e eu também já me encontrei com o chanceler ucraniano Kuleba e com o chanceler russo Lavrov. Os canais estão abertos e estão funcionando, e o encontro pessoal entre os Presidentes ocorrerá quando houver uma próxima oportunidade.

A indústria brasileira tem perdido terreno na América do Sul para a China. Que medidas comerciais concretas o governo Lula pretende adotar para recuperar esse espaço no subcontinente?

Um dos grandes avanços em matéria de política externa nesse início de gestão foi a reunião de Presidentes da América do Sul. Um encontro presidencial na América do Sul não ocorria havia nove anos, e ocorreu no final de maio, em Brasília, por iniciativa do Presidente Lula, com a presença de 11 Chefes de Estado e um Chefe de Governo, ou seja, todos os países sul-americanos estiveram representados no mais alto nível. Depois de nove anos de canais bloqueados para o diálogo. Esse é um dado significativo dos prejuízos do isolamento, que começamos a reverter. Os chanceleres da reunião reuniram-se em Bruxelas à margem da reunião CELAC-UE, desta semana, para dar seguimento à retomada do diálogo, e voltarão a reunir-se em setembro em Nova York, à margem da Assembleia Geral da ONU. A integração latino-americana é um mandamento constitucional, em democracia nossos países protagonizaram uma aproximação inédita, e construíram um patrimônio de laços econômicos que precisa ser aprofundado. A reunião presidencial é o primeiro passo nessa retomada, que tem impacto direto e positivo em matéria de integração e das oportunidades econômicas que ela é capaz de gerar. 

Presidentes de esquerda de países da América do Sul criticaram o presidente Lula pelas declarações dele, no encontro em Brasília, de que há uma narrativa contra o governo de Nicolás Maduro na Venezuela. O governo brasileiro reafirma que a miséria e as violações de direitos humanos, apesar de reconhecidas por organismos internacionais, são uma narrativa?

Meu papel é o de Ministro das Relações Exteriores do Brasil, e não de comentarista das notícias da atualidade, por isso procuro ser bastante claro em questões complexas do contexto regional. E insisto no fato de que o grande avanço do semestre na região foi a realização da reunião dos presidentes sul-americanos, após nove anos de silêncio e de falta de diálogo. Para mim, é natural que divergências surjam, e é saudável que seja assim, não se convocou o encontro para que houvesse uma troca de elogios. No que diz respeito à situação na Venezuela e à relação bilateral, para mim o mais importante foi a retomada das relações diplomáticas entre dois países vizinhos, após um afastamento que durou três anos, determinado pela decisão equivocada do governo anterior de fechar a embaixada e os consulados brasileiros naquele país. O primeiro resultado foi o de que cerca de 20 mil brasileiros que vivem na Venezuela não tiveram, durante três anos, qualquer assistência do governo brasileiro. Se algum deles precisasse de algum documento oficial, só o obteria viajando à Colômbia ou voltando ao Brasil. Um governo não pode deixar seus nacionais sem qualquer apoio do Estado durante três anos. Mas foi justamente isso o que ocorreu na Venezuela. Além disso, o fechamento dos canais de diálogo afetou duramente o comércio, com impacto negativo para a região Norte do Brasil, e privou a população de Roraima do acesso à energia mais barata da usina hidrelétrica venezuelana de Guri. 

Isso é a antidiplomacia, com prejuízos evidentes para o Brasil. O Itamaraty sempre soube fazer diplomacia, e voltou a praticá-la. É bom lembrar também que, mesmo com as relações virtualmente rompidas, durante a pandemia foi o oxigênio doado pela Venezuela que salvou centenas de vidas em Manaus, em um momento no qual a escassez de oxigênio gerou uma séria crise na capital amazonense.

O governo brasileiro, que já condenou publicamente o embargo econômico à Venezuela, pretende repudiar as violações à democracia atribuídas ao governo Maduro?

O Brasil tem como tradição, sempre que chamado, atuar na construção de consensos em momentos de dificuldades em países amigos. Também com a Venezuela tem sido assim, em especial desde 2013. O Brasil tem estado à disposição para apoiar e, quando convidado, mediar o diálogo entre os atores políticos venezuelanos. Naquele momento isso ocorreu com o engajamento também da UNASUL. Vários dos esforços diplomáticos desde então produziram resultados positivos, enquanto o rompimento do diálogo não trouxe qualquer benefício ao longo dos últimos anos. Em 2019, ao decidir reconhecer como presidente “autoproclamado” o deputado Juan Guaidó, eleito em 2015 com pouco menos de 100 mil votos, na prática o governo anterior inviabilizou qualquer possibilidade de atuação efetiva da diplomacia brasileira para a superação da crise política na Venezuela.

A história recente demonstra claramente que o Brasil cometeu um grande equívoco.

Não repetiremos esse equívoco, e faremos chegar ao governo venezuelano nossas preocupações e críticas por meio de um diálogo diplomático franco, mas que será mantido pelos canais diplomáticos adequados, e não pela mídia ou pelas redes sociais. Os interesses do Brasil e da integração regional exigem de nós profissionalismo em uma relação que é estratégica para nós e também para a colaboração fronteiriça na Amazônia.

As previsões para a economia mundial são de baixo crescimento para 2023, mas vêm melhorando em comparação ao início do ano. De um modo geral, que oportunidades isso representa para o Brasil?

Economia não é minha especialidade, mas nos contatos que venho mantendo desde janeiro, percebo que o cenário global oferece boas perspectivas para a economia brasileira, tanto para o nosso setor exportador quanto para aqueles que investem em novas fronteiras tecnológicas, como a da transição energética. Há uma profunda transformação em curso no mundo, e é preciso que estejamos prontos para aproveitar as oportunidades que ela já está oferecendo. Em matéria de transição energética, por exemplo, nossas possibilidades são muito promissoras, desde que consigamos gerar, na política e na sociedade, os consensos necessários quanto aos rumos a seguir. Tenho a confiança de que não deixaremos passar essa oportunidade.



terça-feira, 4 de julho de 2023

Brasil vai sugerir ao Mercosul resposta à UE, diz chanceler (O Globo)

 Brasil vai sugerir ao Mercosul resposta à UE, diz chanceler 


O ministro das Relações Exteriores confirmou nessa segunda-feira, 3, que o Brasil vai apresentar ao países-membros do Mercosul, “em alguns dias”, uma sugestão de contraproposta à carta da União Europeia (UE), como parte das discussões sobre o acordo entre os dois blocos. A previsão foi feita em meio à pressão da chancelaria do Uruguai, que criticou a demora nas negociações e cobrou uma resposta do bloco sobre o caso da China, com quem os uruguaios estão discutindo fechar um acordo bilateral separadamente, ou seja, à revelia do Mercosul.

“Pretendemos trabalhar intensamente com aqueles parceiros cujas negociações se encontram em etapa avançada, como com a União Europeia. Em alguns dias, pretendemos apresentar para exame de todos uma contraproposta de reação à carta adicional da União Europeia, com o intuito de destravar a negociação birregional”, explicou Vieira, na abertura 62ª cúpula de chefes dos Estados do bloco, que acontece na cidade de Puerto Iguazú, na Argentina, região da tríplice fronteira.

As discussões continuam nesta terça-feira, quando acontecerá uma reunião dos próprios chefes de Estado do Mercosul sobre o mesmo tema. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem presença confirmada no encontro porque irá receber, das mãos da Argentina, a presidência temporária do bloco. O governo brasileiro quer aproveitar essa liderança justamente para tentar viabilizar o acordo com os europeus.

Apesar dessa intenção, Mauro Vieira criticou indiretamente a UE por, na visão dele, ter usado a questão ambiental como “pretexto” para praticar adotar “medidas de caráter protecionista”. “As preocupações internacionais com o meio ambiente, que compartilhamos, não podem servir de pretexto para adoção de medidas comerciais de caráter protecionista”, disse.

A afirmação do chanceler brasileiro tem relação com a decisão dos países europeus de apresentar, no último mês de maio, um documento adicional à mesa de negociação que contém, por exemplo, exigências de maior rigor no combate à derrubada de florestas. Essas colocações não agradaram, porém, os países sul-americanos.

Alinhado com o Brasil, o ministro das Ministro de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto da Argentina, Santiago Cafiero, foi mais enfático e disse que a carta europeia é “parcial” e coloca um enfoque “excessivo” na questão ambiental.

A ‘Side Letter’ apresenta uma visão parcial do desenvolvimento sustentável”

“A ‘Side Letter’ [documento adicional] apresenta uma visão parcial do desenvolvimento sustentável, excessivamente focada na questão ambiental, com escassa consideração sobre o desenvolvimento econômico”, criticou. De acordo com o chanceler argentino, nesta área, a União Europeia teria, inclusive, feito exigências que estão acima do patamar estabelecido em organismos multilaterais.

“O texto sobre o meio ambiente nos coloca novas obrigações sobre mudança climática, desmatamento ou biodiversidade que vão, inclusive, além do acordado em fóruns multilaterais, mas se omite sobre os meios de implementação. Como vamos implementar isso? Isso é indispensável para saber como vamos cumprir com compromissos ambientais”, enfatizou.

Por conta desse impasse, Cafiero também criticou o “esforço desigual” que estaria sendo feito por Mercosul e União Europeia para a conclusão do acordo comercial entre os dois continentes. Neste sentido, ele salientou a importância de que se façam ajustes no texto negociado até 2019, que já este estaria desatualizado agora.

Como exemplo, o ministro argentino afirmou que, se o acordo estivesse em vigor hoje, os países sul-americanos teriam que reduzir o volume de exportações para a Europa, o que não seria necessário no sentido contrário.

“Enquanto o Mercosul libera tarifas para 95% das exportações europeias de bens agrícolas, a União Europeia libera somente para 82% das suas importações agrícolas. Para o restante, oferece cotas e preferências fixas. Algumas dessas cotas ficaram desatualizadas e hoje comercializamos acima do que foi acordado até 2019.”

Ainda assim, integrantes do Ministério de Relações Exteriores argentino deixaram claro que o país não deseja reabrir as negociações com a União Europeia de maneira oficial, pois isso poderia atrasar ainda mais o acordo, já que as diplomacias teriam que revisar cada ponto do acordo.

A voz dissonante do encontro foi o Uruguai. O ministro das Relações Exteriores do país, Francisco Bustillo, criticou duramente o “imobilismo” do Mercosul em relação a acordos com as principais potências econômicas. Neste sentido, o chanceler vizinho voltou a pressionar os outros países-membros do bloco e disse que o Uruguai está “esperando” uma resposta sobre um possível acordo com a China, país com o qual o presidente do Uruguai, Lacalle Pou, está negociando um tratado bilateral.

Além disso, Bustillo ironizou a chamada Tarifa Externa Comum (TEC), taxa comercial padronizada para os países da região e usada como união aduaneira. Segundo o ministro, as taxas nacionais continuam prevalecendo no comércio entre os países.

“O Uruguai avançou e finalizou um estudo de viabilidade conjunto com a República Popular da China. Informamos isso no âmbito da presidência temporária do Paraguai. Na ocasião, os demais membros manifestaram sua preocupação de que também gostariam de realizar um estudo no mesmo sentido. Bem, a China está esperando, o Uruguai está esperando”, enfatizou.

De acordo com ele, o Uruguai prefere estar acompanhado de outros países sul-americanos na negociação com a China, mas não irá aceitar uma posição de “imobilidade”. “É sempre melhor estar acompanhado de Argentina, Brasil e Paraguai em qualquer mesa de negociação. No entanto, a única coisa que não nos vamos permitir é a imobilidade”, defendeu.

https://valor.globo.com/google/amp/brasil/noticia/2023/07/04/brasil-vai-sugerir-ao-mercosul-resposta-a-ue-diz-chanceler.ghtml

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

“Saímos de cima do muro”, diz novo chanceler Mauro Vieira sobre guerra - Amanda Péchy (Veja)

 “Saímos de cima do muro”, diz novo chanceler Mauro Vieira sobre guerra


Chefe do Itamaraty afirma que hoje o país defende a Ucrânia no conflito com a Rússia e garante que o Brasil vai se aproximar da China e dos Estados Unidos

Por Amanda Péchy 
Revista Veja, 10 fev 2023

Em sua segunda passagem pela Esplanada dos Ministérios, o chanceler Mauro Vieira, 71 anos, está debruçado sobre uma agenda repleta de viagens que julga essenciais à tarefa de reinstalar o Brasil no tabuleiro geopolítico. O périplo começou ao lado de Lula em viagem cercada de polêmicas à Argentina e segue nos Estados Unidos, a partir desta sexta-feira, 10, onde a ideia é refazer “laços esgarçados” com o governo Joe Biden. Conhecido pelo temperamento apaziguador, ele chegou a ser criticado por alas do PT depois de, tendo ocupado a pasta na gestão Dilma Rousseff, comparecer à posse de seu sucessor, José Serra, no polarizado cenário pós-impeachment. Com um extenso currículo de embaixadas que comandou em variados momentos da história do país — Buenos Aires, Paris, Washington —, Vieira acabou, na era Bolsonaro, sendo alojado na representação da Croácia e ali ficou isolado, distante das discussões globais. Em entrevista concedida em seu gabinete no Itamaraty, ele diz: “O Brasil está de volta ao jogo.”

O que a visita de Lula aos Estados Unidos pode trazer de ganhos concretos para o Brasil?
Essa visita é essencialmente política. O objetivo é restabelecer laços que ficaram esgarçados na gestão anterior. Foi um período em que havia um alinhamento automático não exatamente com os Estados Unidos, mas com o então presidente Donald Trump. Quando ele perdeu as eleições, em 2020, o elo deixou de existir. Para se ter uma ideia, o governo Jair Bolsonaro demorou mais de um mês para reconhecer a vitória de Joe Biden.
 
Há alguma proposta de cooperação na mesa? 
Por enquanto, não. Só depois dessa reaproximação será possível começar a conversar de forma mais palpável sobre comércio, ciência e tecnologia. Uma das pautas relevantes da visita será a política ambiental. Os presidentes ainda devem falar de futuros investimentos americanos no Brasil e sobre caminhos para abrir espaço à iniciativa privada brasileira lá. Os Estados Unidos sempre estarão em nosso rol prioritário. Depois da China, são nossos maiores parceiros.

E sobre a visita à China, prevista para ser a próxima escala, há chances de sair daí o tão alardeado acordo com o Mercosul?
Ainda não, isso leva mais tempo. Mas é um primeiro passo. O governo chinês convidou Lula e ele já aceitou. Deve embarcar entre março e abril. Fazendo as contas e olhando a agenda, nos primeiros quatro meses de mandato o presidente terá mantido contato com todos os grandes parceiros brasileiros. É um trabalho de refazer pontes que hoje não estão tão sólidas.

Quais assuntos devem vir à tona na ida a Pequim?
Discutirei a agenda em detalhes com o chanceler chinês nesse mês, na reunião do G20, na Índia. Eles são os parceiros comerciais número 1 do Brasil desde 2010, então há muitos interesses em jogo. Como a China ocupa uma posição de destaque na ciência e na tecnologia, essa é uma área que atrai a atenção do Brasil, entre muitas outras. Bolsonaro disparou comentários grosseiros sobre Pequim, criando rusgas que, agora, nos cabe dissolver.

Como o Brasil vai atuar no complexo tabuleiro em que a China tenta tirar dos Estados Unidos o posto de país mais poderoso?
Negociaremos com um e outro, indiscriminadamente. Isso não significa, porém, ir e voltar nos acordos, ao sabor das circunstâncias. Política externa é um esforço de longo prazo. O programa espacial que temos com a China foi selado quatro décadas atrás. Os Estados Unidos, por sua vez, foram nosso maior parceiro por um século inteiro, até 2010. Faremos o que for bom para o Brasil, com diplomacia e não com ideologia.

A atual política externa de Lula vem sendo comparada à dos mandatos anteriores, sobretudo por dar ênfase às relações com a América Latina, que, com as voltas que o mundo deu, perdeu relevância. Faz sentido enveredar por essa direção?
Garanto que, se ajustes forem necessários, serão feitos. Mas se a política do passado seguir nos beneficiando, não hesitaremos em voltar a mecanismos que deram certo. O retorno à Celac (reunião de países latino-americanos e caribenhos), por exemplo, é acertado, já que funciona como um eficiente espaço para o debate de interesses comuns.

A ideia de uma moeda comum na região, lançada na recente viagem de Lula à Argentina, vai mesmo sair do plano do discurso?
Primeiro, só para não haver confusão, o presidente nunca se referiu a uma moeda única, nos moldes do euro, mas a uma unidade comum para trocas internacionais, a começar pela Argentina. Isso pode agilizar o comércio bilateral. Agora, para sair do papel depende de muitas variáveis, não se cria algo assim de uma hora para outra. Afinal, os quatro países do Mercosul apresentam ritmos muito diferentes na economia.

Lula também citou a intenção de canalizar verbas do BNDES para investimentos no exterior. Como evitar que caiam na teia de corrupção que já enredou outros projetos do gênero?
Combatendo, investigando, punindo. Acho inacreditável como criticam investimentos brasileiros no exterior. Esse tipo de linha de financiamento existe justamente para ajudar negócios nacionais, passando por uma aprovação criteriosa. Um eventual aporte de dinheiro para o gasoduto argentino de Vaca Muerta, para ir até o Rio Grande do Sul, tem potencial para beneficiar uma relevante cadeia produtiva, gerando emprego e renda no Brasil, só para dar um exemplo.

Não é um problema Lula apoiar ditaduras como as de Cuba e da Venezuela, dizendo que temos de demonstrar “carinho” e “respeito” com países que atropelam os direitos humanos?
Não podemos deixar de conversar com Caracas e Havana por seguirmos linhas político-ideológicas divergentes e nos limitar àqueles que compartilham nossas visões — exatamente o que o antigo governo fez. A Venezuela não só é um país vital por deter as maiores reservas de petróleo do mundo, como tem uma fronteira de 2 000 quilômetros com o Brasil, na delicada região da Amazônia. Precisamos considerar nossos interesses. Podemos fazer críticas, mas não vamos fechar embaixadas.

Por que o Mercosul não deslanchou até hoje?
Não vejo assim. De 1991, quando foi criado, a 2011, seu auge, o volume de comércio entre os quatro países (Uruguai, Paraguai, Brasil e Argentina) passou de 4,5 bilhões de dólares a 48,9 bilhões de dólares. Na última década, houve oscilações em razão de crises econômicas regionais e mundiais, mas assistimos a uma forte recuperação. As críticas ao Mercosul estão mais relacionadas ao desejo de alguns países de selar acordos-solo de livre-comércio.

E por que o acordo do Mercosul com a União Europeia está há anos empacado?
Não sei por que ninguém fez nada desde 2019, quando foi assinado, sem ter sido ratificado. Estamos neste momento examinando o texto, e o presidente já deixou claro que é uma prioridade. Quer pôr um ponto-final na história até o fim deste semestre.

Lula disse que pretende revisar pontos do acordo. Isso não atravancaria ainda mais o processo?
A preocupação do presidente é justa: garantir que pequenas e médias empresas consigam ter acesso ao mercado europeu de forma competitiva, daí a necessidade de ajustes. Se não fosse por isso, poderíamos assinar imediatamente.

Segue na pauta o ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU como membro permanente?
O tema está na ordem do dia. Vamos manter, com esse objetivo, um firme trabalho junto aos membros permanentes e não permanentes do Conselho.

E a entrada na OCDE (organização que reúne os países mais desenvolvidos) é uma possibilidade?
O convite para ser membro foi apresentado ao governo brasileiro e será estudado. Lula já demonstrou interesse.

No recente encontro com o chanceler alemão Olaf Scholz, Lula afirmou que “quando um não quer, dois não brigam”, mantendo um discurso ambíguo sobre o conflito entre Ucrânia e Rússia. Não está na hora de um pronunciamento mais enfático?
Na minha interpretação, o que ele quis dizer com essas palavras é que, quando dois estão em guerra, se um lado fizer um gesto e o outro seguir, isso pode abrir chance para a negociação. A propósito, o presidente já afirmou inúmeras vezes que condena a invasão russa e a guerra. Ao contrário do governo Bolsonaro, agora o Brasil saiu de cima do muro.

Por que então o Brasil negou o pedido da Alemanha para fornecer munição aos tanques na Ucrânia?
O governo não quer dar armas para que as pessoas se matem, mas conversar sobre a paz. Aliás, se formos chamados para ajudar a mediar as negociações, estamos dispostos a participar.

Como avalia a política externa na gestão Bolsonaro?
Prefiro não cutucar o passado, mas, tudo bem, falo um pouquinho aqui. Bolsonaro interferiu em assuntos internos de outros países, criou saias-justas e fez comentários grosseiros sobre seus líderes. Nunca tinha visto em todos os meus anos de carreira nada parecido.

Ataques à democracia, como o de 8 de janeiro, são um freio de mão à diplomacia brasileira?
No dia do atentado, recebemos dezenas de ligações de chefes de Estado prestando solidariedade e se dizendo horrorizados com aquelas cenas. No final, acho que o episódio serviu para mostrar que temos uma democracia sólida, com instituições capazes de reagir de forma rápida e punir os culpados.

Haverá troca-troca de embaixadores e representantes do Brasil em instituições estrangeiras?
Haverá trocas em postos-chave naqueles países onde o presidente tem relação pessoal com os chefes de Estado. Júlio Bitelli, próximo de Lula, foi escolhido como embaixador na Argentina, e nomes indicados por Bolsonaro na França, na Holanda e na Itália serão substituídos. Foi ainda anulada a indicação da representação do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio. Em quase todos os casos, os diplomatas estavam dentro do período de troca.

O senhor foi escalado na gestão Bolsonaro para assumir uma embaixada menos vistosa, na Croácia. Guarda ressentimento?
Nenhum. Fui para a Croácia porque quis. Tinha a opção de voltar ao Brasil, mas preferi me manter em exercício. Não falava com o governo nem o governo comigo. A solidão desse tempo felizmente ficou no passado.