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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Rubens Barbosa: Trump ameaça a segurança jurídica mundial (OESP)

‘Estratégia americana põe em risco segurança jurídica mundial’

Para diplomata, cautela europeia na crise se deve a temor de precedentes que possam favorecer movimentos separatistas

O Estado de S. Paulo, 5 de fevereiro de 2019

A União Europeia teme que a estratégia do governo americano de reconhecer o líder opositor venezuelano Juan Guaidó como presidente, mesmo sem controlar de fato o território e as instituições do país, abra um precedente perigoso no direito internacional. A opinião é de Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos EUA.  

O que representa a decisão de países europeus de reconhecer Juan Guaidó como presidente interino?
Não foi unânime e tem uma série de implicações. Alguns países não quiseram reconhecê-lo porque seria uma interferência interna. Os europeus criaram um grupo de contato internacional e farão uma reunião no dia 7, no Uruguai, com países que não estão de acordo com o reconhecimento de um Estado paralelo. Reconheceram Guaidó como presidente autoproclamado, mas não endossaram nenhuma sanção. O que está por trás dessa decisão é que eles não querem estabelecer precedentes. Itália e Espanha têm movimentos independentistas e eles não querem que outros países reconheçam qualquer governo paralelo. Além disso, a crise da Venezuela se internacionalizou. EUA, Rússia, UE e China, pela primeira vez, estão envolvidos numa questão latino-americana, marginalizando países importantes, até mesmo o Brasil. Países da região poderiam ter tido papel importante para solucionar essa crise. 
A UE pediu a Maduro que conduza a Venezuela a novas eleições. Os EUA querem derrubar Maduro. É um detalhe, mas é uma diferença relevante. E o Grupo de Lima endossou a posição americana. 

Essa diferença política entre EUA e UE se reflete também no campo econômico?
Os EUA impuseram sanções, mas os europeus ainda não se pronunciaram sobre isso. Há precedentes de direito internacional muito complicados. O fato de você reconhecer um governo – o que a Europa não fez, mas os Estados Unidos, sim – quebra um princípio de direito internacional que diz que um governo só pode ser reconhecido com controle do território. Os EUA querem pagar o petróleo a Guaidó. É um precedente que a Europa está vendo com preocupação. Se isso prevalece, daqui a pouco pagam o governo dos bascos, por exemplo. É uma coisa delicada que os EUA estão fazendo, porque coloca em risco a segurança jurídica internacional.  

A pressão internacional sozinha pode surtir efeito? 
Até agora, essa pressão não cindiu nem as Forças Armadas nem as milícias. Só um general rompeu com o governo. E tem mais de 20 mil agentes cubanos aconselhando Maduro sobre segurança interna. Isso é muito grave. Sem uma reação interna muito forte, vai ser muito difícil a elite política chavista se virar contra Maduro.  

Existe um paralelo entre essa crise e outros casos nos quais a entrada de ajuda humanitária foi combinada com algum tipo de intervenção, como na Líbia ou nos Bálcãs? 
Não, mas fico me perguntando como essa entrega vai ser feita. Os remédios serão colocados na fronteira? Se Maduro não permitir, como ela vai entrar? Mas é importante ressaltar que, tirando os EUA, nenhum país da região cogita uma intervenção militar. O vice-presidente (do Brasil) Mourão, descartou isso publicamente.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Rubens Barbosa: o Mundo e o Brasil em 2019

O MUNDO E O BRASIL EM 2019
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 8/01/2019

            Os recentes acontecimentos, conflitos, alianças e eleições ao redor do mundo apontam para uma conclusão dramática: 2019 poderá ser considerado, dentro de uma perspectiva histórica, o fim de uma era. O corrente ano pode ser descrito como um período de transição entre a era pos-guerra fria e uma nova, apenas no aguardo de uma definição. Será um ano em que veremos um grande número de eventos nos levando a situações, em muitos casos, sem retorno. Será um ano de ansiedades e expectativas, suspeitas e medo do que o futuro pode trazer, na medida em que os paises procurarão adiar o começo de crises que não poderão evitar.
            Na economia global, no cenário politico internacional e na geopolitica podem ser identificados movimentos que deverão caracterizar a nova etapa que apenas se inicia.
            A economia global dá claros sinais de esgotamento. O crescimento das economias desenvolvidas e emergentes reduz-se pelos efeitos da guerra comercial de Trump, dos problemas fiscais nos EUA e países europeu e de  tensões geopolíticas. A ameaça de uma nova recessão aparece sombria no horizonte e sua superação será dificultada pela politica interna populista e nacionalista partidária dos principais países desenvolvidos que procurará se aproveitar da situação. Os EUA, ainda por algum tempo a potência dominante no mundo, veem reduzida a distância em relação a seus rivais, enquanto surgem múltiplos polos de poder politico e econômico. 
            No cenário politico internacional, o populismo de direita na Europa e nas Américas, as diferentes formas de nacionalismos e xenofobismos criam problemas novos, enquanto os dramas internos, em muitos países, acentuam os deslocamentos populacionais e novas ondas de refugiados surgem em varias partes do mundo, inclusive na América do Sul. A crise do multilateralismo se acentua. Nas Nações Unidas, o Conselho de Segurança, seu órgão máximo, está cada vez mais marginalizado e com representatividade cadente. A crítica das organizações multilaterais, ganha adeptos, inclusive no Brasil. Até o diretor geral da OMC defende o bilateralismo.   
As questões representadas pelos programas nucleares e balísticos da Coréia do Norte, do Irã, os conflitos no grande Oriente Médio, a perda relativa de poder e influência da Europa, com a saída do Reino Unido da União Europeia, o deslocamento do eixo político e econômico para a Ásia, o renascimento da Doutrina Monroe, com a volta da influência dos EUA na América Latina e a crescente desigualdade entre os países e dentro deles, complementam um panorama global onde sobressaem, em especial, três fatos marcantes: a instável e imprevisível política externa de Trump, a disputa comercial entre os EUA e a China e a crescente aproximação desta com a Rússia. 
            A rivalidade geopolítica pela hegemonia no século XXI entre as duas maiores economias do mundo é uma ameaça para a economia global e seus efeitos vão ser sentidos por muito tempo. O documento Estratégia de Segurança Nacional de Trump afirma que a China e a Rússia desafiam o poder, a influência e os interesses dos EUA e tentam erodir a segurança e a prosperidade norte-americana. Por outro lado, Beijing e Moscou estão se aproximando para enfrentar o que eles percebem como uma ameaça de Washington. O vice presidente Mike Pence acenou com o inicio de uma nova Guerra Fria com a China. Sanções e isolamento contra a Rússia e escalada protecionista comercial contra a China fizeram com que Putin se voltasse para a Ásia e com que a China ampliasse sua cooperação com Moscou. Apesar das diferenças quanto aos respectivos interesses nacionais, valores e culturas, com uma visão de médio e longo prazo, os dois países colocam de lado rivalidades, divisões e lutas e estabelecem um alinhamento que abrange coordenação em diversas áreas. Entre elas, defesa (fornecimento de equipamentos militares), diplomacia (coordenação de posições em questões internacionais no Conselho de Segurança da ONU, no BRICS, na Organização de Xangai), economia (a China tornou-se o maior parceiro comercial de Moscou), energia (a Rússia, com financiamento da China, viabilizou a exploração no círculo polar Ártico de uma das maiores reservas de gás do mundo). Beijing se tornou o maior importador de petróleo russo e, em 2019, o segundo mercado para o gás, como resultado de acordo histórico de US$ 400 bilhões, assinado há poucos anos. A Rússia ainda está promovendo a integração econômica com partes da Ásia e isso se casa com a iniciativa chinesa de reconstrução da rota da seda (Belt and Road Initiative), formando a Eurásia Maior, o que colocará Moscou como peça chave na geoeconomia e geopolítica da região, ligando o norte da Eurásia com a Ásia Central e Sudeste. Rússia e China estão se tornando aliados em função de objetivos políticos compartilhados, como os de reagir às pressões ocidentais, reestruturar as cadeias globais de valor e desenvolver um mundo multipolar em beneficio próprio.
            Essas as perspectivas globais para 2019. Nesse contexto de grandes transformações e complexidades, “lembremos da Pátria”. Como se situará o Brasil? As poucas e genéricas sinalizações teóricas e de ação diplomática feitas até agora não permitem identificar como nós, uma das dez maiores economias do mundo, poderemos “ser mais Brasil e menos ordem global”. Essa discussão ainda não ocorreu de forma clara. O governo Bolsonaro tem de “falar ao povo brasileiro”, como gosta de lembrar o ministro Ernesto Araújo, sobre as diretrizes, as prioridades e as competências do Itamaraty (em particular, no tocante à negociação comercial), que nortearão a política externa, em resposta aos desafios externos e na defesa do interesse nacional, livre de ideologias, partidos ou grupos. 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Relacionamento Brasil-EUA, com realismo - Rubens Barbosa

ALINHAMENTO AUTOMÁTICO OU INTERESSE NACIONAL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/12/2018

A nova geopolítica nas relações hemisféricas abre oportunidades para a expansão das relações Brasil-EUA que não existiram em nenhum outro momento nas últimas décadas. As duas maiores democracias no hemisfério, como é normal, têm interesses e valores convergentes, mas também outros divergentes, que impediam uma maior aproximação entre os dois governos. Razões ideológicas, nos últimos anos, impediram que matérias de nosso interesse fossem tratadas, com prejuízo direto ao cidadão comum e a projetos de grande alcance. 
As relações políticas e diplomáticas do Brasil com os EUA a partir de 2019 devem passar por radical transformação. Declarações do presidente eleito de que "as relações com os EUA ganharão prioridade", de Eduardo Bolsonaro de que "o Brasil está pronto a trabalhar com os EUA em todas as frentes, por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações" abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O chanceler designado, Ernesto Araújo, já disse que "o céu é o limite na relação bilateral e que temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis". Em uma perspectiva de médio e longo prazo, parece ser de nosso interesse a ampliação da relação, dentro de ambiente de respeito mutuo e de confiança restaurada, desde que sempre fique claro que nem tudo o que bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Brasil e EUA devem superar os estereótipos e preconceitos recíprocos e têm de definir o que desejam da relação com o outro. As assimetrias em todos os setores entre Brasil e EUA tornam difícil aceitar que os objetivos globais e a visão de mundo das duas nações sejam comuns, especialmente com as politicas norte-americanas em relação à China, a Síria e ao conflito Israel-Palestina, por exemplo. Um alinhamento automático - não esperado, nem desejado pelos EUA - poderia materializar-se em algumas decisões como a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém, ou em politicas globais (mudança de clima, direitos humanos, migração, comércio) - seria um deserviço à politica externa e aos interesses mais amplos do paEis.
            Como desdobramento dessa nova realidade, não será surpresa se os EUA responderem positivamente aos acenos de Brasilia a Washington. As recentes visitas ao Brasil do vice-presidente Mike Pence, do ex-Ministro da Defesa Jim Mattis, e do Subsecretário do Tesouro Sullivan, começaram a modificar a percepção de Washington sobre o Brasil. Alto funcionário da vice-presidência dos EUA declarou que “há um esforço consciente do governo americano, vindo do topo da hierarquia, para uma aproximação com o Brasil.” A percepção é de que a eleição de Bolsonaro traz alguém disposto a ser parceiro”. Washington pode perguntar como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos?
O foco da relação Brasil-EUA é basicamente econômico-comercial. Clara mensagem está sendo dada pelo novo governo com a abertura da economia, com meta para o crescimento das relações comerciais, hoje ainda abaixo do potencial das duas economias, e o estímulo do investimento de companhias norte-americanas a partir de novos marcos regulatórios.  
Tendo sido embaixador nos EUA por quase cinco anos, seguindo orientação dos governos FHC e parte do primeiro mandato de Lula, procurei desenvolver ações que resultassem em maior aproximação entre os dois países. Em termos de comércio, de investimentos e mesmo no cenário internacional, o Brasil só teria a ganhar com uma relação mais próxima da única superpotência global. A condição para tanto será definir muito claramente nossos objetivos e nossa agenda nos entendimentos bilaterais. O levantamento do bloqueio de Washington ao pedido de adesão à OCDE, a finalização do acordo de salvaguardas tecnológicas que viabilizará o Centro de Lançamentos de Satélites e restrições protecionistas a produtos nacionais são hoje as principais prioridades. 
Na área política e diplomática, a possibilidade de encontros regulares em alto nível presidencial, poderia facilitar o entendimento entre o Brasil e os EUA no encaminhamento de questões pendentes na América do Sul, como a crise política, econômica e social na Venezuela. O desconvite ao governo de Caracas para a posse presidencial não contribuirá para que o Brasil colabore construtivamente para uma solução pacifica e democrática. Nos organismos internacionais, políticos, financeiros e comerciais, em que o Brasil mantém uma posição de influência, apesar de ter abaixado a voz em algumas áreas, o entendimento poderá ser proveitoso para os dois lados. 
Com visão de futuro, seria de interesse do setor privado dos dois países se o Brasil passasse a receber dos EUA o mesmo tratamento da Coréia, da Índia e da Turquia. Nestes casos, prevaleceram evidentes considerações de natureza estratégica e militar. A motivação no caso do Brasil seria o interesse dos EUA em incrementar uma efetiva parceria com o Brasil nas áreas de comércio e investimento, sobretudo em setores como defesa, espaço e nuclear para permitir o acesso as empresas brasileiras a tecnologias sensíveis na cooperação bilateral. 
Segundo estudos otimistas do National Intelligence Council, de WDC, em 2025, o Brasil será uma potência econômica global entre as cinco maiores economias em termos de PIB.  Nesse cenário, a posição do Brasil na região tenderá a tornar-se cada vez mais ativa e importante. A emergência do Brasil como uma potência econômica colocará novos desafios para a política externa e para a política comercial externa do Brasil, o que poderá contribuir para a construção de uma madura e profícua parceria com os EUA.  
Chegou o momento de um “novo” normal nas relações do Brasil com os EUA.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A nova geopolitica nas Americas - Rubens Barbosa (OESP)

A nova geopolítica nas Américas

Uma das dez maiores economias, o Brasil deve fazer política de sua 

circunstância geográfica


RUBENS BARBOSA*, O Estado de S.Paulo 
11 Dezembro 2018 | 03h00 

O pensamento mais moderno da geopolítica mostra a crescente importância do regionalismo, como evidenciado pelos acordos de integração na Europa, na América do Norte, na Ásia e agora na África. 
O continente americano passa por significativas transformações políticas e econômicas, que terão consequências na geopolítica regional. O governo de esquerda do México e as incertezas nas relações com o vizinho EUA, o governo de direita no Brasil e seus efeitos sobre o entorno geográfico, o novo governo de Cuba, a deterioração das instáveis Venezuela e Nicarágua, as dificuldades econômicas na Argentina, a persistente baixa prioridade da região para a política externa dos EUA são alguns dos principais elementos de uma gradual transformação das relações políticas, econômicas e comerciais entre os países das Américas e com o resto do mundo. Na América do Sul, a partir da década de 1990 oito dos dez países elegeram governos de centro-esquerda e de esquerda. Em 2019 oito dos dez países serão governados por presidentes de direita ou centro-direita. Ao mesmo tempo, em função do vazio criado pela baixa influência política e reduzida presença comercial dos EUA, além da falta de uma visão estratégica e de ações proativas da parte do Brasil, cresceu a presença da China e da Rússia. Agora até a Turquia amplia também sua atuação, a partir da Venezuela. 
No que toca ao Brasil, declarações do presidente eleito de que as relações com os EUA ganharão prioridade e de Eduardo Bolsonaro de que o Brasil está pronto para trabalhar com os EUA em todas as frentes, não por alinhamento automático, mas por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações, abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O ministro das Relações Exteriores designado, Ernesto Araújo, diz que o céu é olimite na relação bilateral e que temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis, que se espera sejam mutuamente benéficas. 
Como desdobramento dessa nova realidade, não será surpresa se os EUA responderem positivamente aos acenas de aproximação de Brasília com Washington. Alto funcionário da administração Trump declarou que “há um esforço consciente do governo americano, vindo do topo da hierarquia, para uma aproximação com o Brasil”. A percepção é de que a eleição de Jair Bolsonaro traz alguém disposto a ser parceiro. A região não representa nenhuma ameaça à segurança nacional dos EUA. As questões de imigração, do tráfico de drogas e a trinca da tirania trumpiana (Venezuela, Nicarágua e Cuba) não chegam a tirar o sono dos formuladores da política externa e de defesa em Washington. Segurança, prosperidade e democracia são objetivos norte-americanos na região. Nos últimos dez anos os EUA foram excluídos das novas instituições que têm por atribuição acompanhar as relações entre os países da região, como a Unasul e a Celac, com todas as implicações políticas e diplomáticas que isso está acarretando. Washington pode perguntar como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos para tentar resolver algumas questões de interesse geral no relacionamento entre os paíes da região. 

Tendo sido embaixador nos EUA por quase cinco anos, seguindo orientação dos governos FHC e no primeiro mandato de Lula, procurei desenvolver ações que resultassem em maior aproximação entre os dois países. Em termos de comércio, de investimentos e mesmo no cenário internacional, o Brasil só teria a ganhar com uma relação mais próxima da única superpotência global. A condição para tanto será definir muito claramente nossos objetivos e nossa agenda nos entendimentos bilaterais. As assimetrias em todos os setores entre o Brasil e os EUA tornam difícil aceitar que os objetivos globais e a visão de mundo das duas nações sejam comuns, especialmente com as políticas norte-americanas em relação à China, à Síria e ao conflito Israel-palestinos, por exemplo. As prioridades regionais, sim, são coincidentes. 

A nova geopolítica na região oferece uma oportunidade única – que não existiu para os governos anteriores – de o Brasil, a partir da definição de seus interesses, acima de países, grupos, partidos e ideologias, desenvolver uma relação sem alinhamentos automáticos com os EUA. Interessa ao Brasil o encaminhamento de uma solução negociada para o restabelecimento da democracia e da estabilidade econômica que traga de volta o crescimento e a pacificação política na Venezuela. Interessa ao Brasil a ampliação do mercado regional, que em 2019 deve constituir-se num área de livre-comércio. A ação do Brasil para a consolidação da democracia, de defesa e de segurança poderia ser complementada com o melhor aproveitamento dos recursos financeiros do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics para projetos de integração física na América do Sul, o que propiciaria o aumento do intercâmbio comercial de todos os países da região. 

Uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil deve fazer política de sua circunstância geográfica. Com uma estratégia externa, anunciada como mais assertiva e com objetivos claramente definidos, a cooperação franca e direta entre Washington e Brasília poderá ampliar as oportunidades bilaterais de comércio e de investimentos e projetar o Brasil como o verdadeiro motor da região. Com isso, a voz do País no cenário internacional ficará reforçada e poderá abrir a possibilidade de maior presença brasileira nos foros multilaterais, inclusive na reforma do ONU, quando o assunto voltar a ser tratado seriamente. 

Se as reformas estruturais, como a da Previdência Social, a tributária e a do Estado, forem aprovadas, a rápida recuperação da economia brasileira poderá respaldar iniciativas mais ousadas na política externa do País que levarão ao fortalecimento do regionalismo. 
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Nacionalismo, patriotismo e interesse nacional - Rubens Barbosa (OESP)

NACIONALISMO, PATRIOTISMO E INTERESSE NACIONAL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 27/11/2018
As comemorações pelo centenário do fim da guerra 1914-18, em Paris, reforçaram minha convicção de que estamos vivendo tempos estranhos e um momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional com consequências para todos os países.
Foi curioso ver pequenos detalhes protocolares desencadearem reações políticas, como no caso da Servia, que se sentiu insultada pela baixa posição que seu presidente ocupou em relação ao Kosovo, colocado mais próximo ao presidente francês pelo cerimonial. Afinal, foi em Sarajevo que tudo começou. Notei a ausência do Brasil, convidado pela primeira vez em um encontro dessa magnitude e que seria uma oportunidade para mostrar que nosso pais existe, tem presidente, e foi parte das duas guerras (Quando estava como embaixador em Londres, participei com o presidente FHC das celebrações do dia da Vitoria da Segunda Grande Guerra (1945) com o Brasil sendo convidado pela primeira vez). 
Todos puderam assistir a deliciosa coreografia do poder entre Putin e Trump, que chegaram em limusines cercadas de seguranças, enquanto os outros 82 chefes de estado e de governo saíram juntos do Palácio Elysée em ônibus especiais. Os lideres norte-americano e russo esperaram, escondidos, que todos tomassem seus assentos para assumirem seus lugares ao lado do presidente Macron. Putin, mais experto, esperou para chegar por último...
O presidente Macron, em discurso na solenidade, ao invés de saudar a presença dos lideres mundiais, de ressaltar a paz e a superação da guerra fria entre EUA e Rússia, resolveu chamar a atenção para as ameaças atuais que colocam a estabilidade internacional de novo em perigo, põem em risco a democracia e dividem os países ocidentais. Observou que os pilares que sustentam os regimes democráticos são mais importantes que a unidade transatlântica e nesse contexto mencionou que o patriotismo é mais importante que o nacionalismo. Essa afirmação tinha endereço direto, não só aos grupos de direita radical na França como, de maneira pouco sutil, era uma critica direta aos que dizem colocar os interesses de seus países em primeiro lugar e que a consequência disso para os outros pouco importa. Ao qualificar o nacionalismo como traição ao patriotismo, exagerou, porque o termo na França é associado à extrema direita, enquanto em outros países a expressão se renova e tem conotação valorizada, como, por exemplo, na Irlanda e no Canada. 
 A tensão estava criada. Não era a primeira vez que Macron, depois de ter sido um amigo muito próximo, divergia publicamente do presidente dos EUA. As boas relações pessoais se deterioraram devido às decisões de Washington de abandonar o Acordo de Paris sobre clima e pelo término do programa nuclear com o Irã. E também por estimular o protecionismo (ameaça de guerra comercial com a China), criticar o multilateralismo e de tornar difícil a solução de dois Estados para o conflito Israel-Palestina.
Não foi surpresa a reação de Trump ao anfitrião, mas sim sua rapidez e virulência. Na tarde do dia 11, Macron organizou o Forum da Paz com o objetivo de defender o multilateralismo, um dos pilares da nova ordem internacional depois de 1945 com o surgimento da ONU e do GATT/OMC, que os EUA ajudaram poderosamente a criar e agora procuram solapar. Todos os Chefes de Estado compareceram com exceção de Trump, que preferiu visitar sozinho cemitério militar americano na França. Além disso, desde a véspera, havia iniciado uma troca de tweets virulentos com Macron, trazendo a público a crescente rivalidade entre os dois lideres em um momento de aumento das tensões Transatlânticas. Apoio de Trump aos movimentos populistas-nacionalistas na Europa, despesas militares na OTAN, criação de exército europeu, proposto por Macron-Merkel, e até ameaça velada à exportação de vinhos franceses para os EUA entraram na inusitada altercação presidencial. Ficou evidenciado o divórcio entre Trump e a Europa, em especial com as instituições supranacionais e multilaterais.
Cabem alguns comentários sobre o que se falou durante a cerimônia de Paris. A critica de Macron ao nacionalismo está associada à direita populista de Marie le Pen, que, sob o pretexto de defender a Nação, defende posições radicais contra o movimento de unidade europeia. Por outro lado, Trump não está preocupado com a unidade da Europa (agora ameaçada com a saída da Grã-Bretanha), mas sim com a China, e não quer continuar com os altos gastos militares na OTAN. Por outro lado, talvez Macron não soubesse, mas a palavra patriotismo é pouco usada nos EUA, talvez por razões históricas, além de ter alí um sentido algo pejorativo. Ao elogiar o patriotismo - com significado positivo nos países de língua latina - Macron fez Trump se lembrar de frase atribuída a Samuel Johnson, “o patriotismo é o ultimo refúgio do canalha”. A oposição às instituições supranacionais e multilaterais representam um viés característico da superpotência norte-americana, agora exacerbado por Trump.
Qualquer semelhança disso tudo com alguns aspectos da discussão hoje no Brasil, em especial depois da eleição e da escolha do futuro ministro do exterior não é mera coincidência.
A cerimônia parisiense mostra igualmente como é perigoso para qualquer pais, nos tempos incertos em que vivemos, declarar alinhamentos e afinidades definitivas baseados em laços pessoais. Como aprendi nos meus primeiros anos no Itamaraty, os países (e os líderes) não tem amigos, tem interesses. O realismo e o pragmatismo na ação diplomática e comercial deverão prevalecer sobre vagos anseios conceituais, como o anti- globalismo e a defesa do Ocidente, de inspiração trumpista, bem assim sobre atitudes ideológicas em relação a China. 
O interesse nacional, acima de países, grupos ou partidos, é a prioridade da politica externa.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Palestra: emb. Rubens Barbosa: 20/11, 16hs, Itamaraty

Palestra-debate com o embaixador Rubens Barbosa: 20/11, 16hs, Auditório PNB


A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) têm o prazer de convidar para a palestra-debate “A política externa e o novo governo”, a ser proferida pelo embaixador Rubens Barbosa, autor do livro “Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional”, que será lançado na mesma noite no Restaurante Carpe Diem (104 Sul). A palestra será feita no Auditório Paulo Nogueira Batista, no Anexo II do Itamaraty, no dia 20 de novembro, às 16h00.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

A política externa do governo Bolsonaro - Rubens Barbosa

A POLÍTICA EXTERNA E O NOVO GOVERNO

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 13/11/2018

            O presidente Jair Bolsonaro enfrentará o mais imprevisível e complexo cenário internacional desde 1945. O multilateralismo (ONU e OMC) e a globalização estão sob ataque com o risco concreto de uma guerra protecionista, colocando em perigo a ordem liberal e ameaçando trazer de volta a recessão.
            Políticas equivocadas nos 15 anos do PT colocaram o Brasil em uma situação de isolamento nas negociações comerciais, de atraso na inovação e tecnologia, de perda de poder, influência e de espaço no comércio internacional e de manufaturas, além de ter crescido abaixo da média mundial e dos países em desenvolvimento.
Sendo o Brasil uma das dez maiores economias do mundo, espera-se que o novo governo responda - como foi feito nos últimos dois anos - a esses desafios e busque restaurar e ampliar a voz do país no cenário internacional, e nos reinserir nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior.
            Sem apriorismos ideológicos, e com visão de futuro, o Itamaraty deveria definir as prioridades, segundo o atual interesse nacional e as transformações do cenário internacional no século XXI. Parece evidente que os principais interesses estratégicos do Brasil se encontram nos EUA, na Europa e na Ásia, em particular com a China, pela importância da agenda bilateral. A integração regional deveria merecer uma atenção especial, já que interessa ao Brasil ampliar a liberalização comercial, aprofundar os acordos vigentes e a integração física da região. Em relação ao Mercosul, depois de 25 anos de sua criação, para reexaminar seu funcionamento e sua prioridade para o Brasil, poderia ser convocada a Conferência Diplomática, prevista no Tratado de Ouro Preto, que estabeleceu a união aduaneira. O relacionamento com a Venezuela deveria merecer cuidado especial pelo impacto sobre nossos interesses (tráfico de armas e drogas, refugiados, divida), assim como deveriam ser ampliadas as medidas de coordenação com nossos vizinhos para proteção das fronteiras a fim de combater o crime transnacional.
            Nas organizações internacionais, o Brasil terá de ampliar e dinamizar sua ação diplomática nos temas globais, tais como sustentabilidade, energia, tráfico de armas e de drogas. O combate à corrupção, assim como ao terrorismo, à guerra cibernética, controle da internet, e as questões de paz e segurança, têm de receber especial atenção, assim como a ampliação do Conselho de Segurança, as operações de paz e a questão da não proliferação. O Brasil tem de continuar a defender valores que prezamos internamente, como a democracia e os direitos humanos, em especial na América do Sul. O tema ambiental e do desenvolvimento sustentável deveriam merecer um lugar de destaque como um dos principais ativos externos do Brasil.
            No comércio exterior, não se pode adiar uma nova estratégia de negociações comerciais bilaterais (acordos na região e fora dela), regionais (Mercosul) e globais (Organização Mundial de Comércio) para por fim ao isolamento do Brasil, com ênfase na abertura de novos mercados e na integração do Brasil às cadeias produtivas globais com vistas ao crescimento econômico, ao aumento dos fluxos do comércio exterior e do investimento externo visando a geração de emprego. Deverá ser finalizada a negociação do Mercosul com a União Europeia e estimulados os entendimentos com Japão, Canadá, Singapura, Coreia e EFTA e eventualmente com o TPP, o acordo com a Ásia. A criação do superministério da economia com a incorporação do ministério da Indústria e Comércio Exterior poderá gerar um conflito de competências com o Itamaraty nas negociações externas.
O novo presidente terá de tomar decisões de imediato, com ajustes e ênfases segundo sua visão de mundo. A mais urgente será reagir à decisão do órgão de apelação da OMC sobre o pedido da UE e do Japão para mudanças da politica de incentivos do setor automotriz e de informática. Outras são a crise na Venezuela, o problema com os refugiados, as medidas para fortalecer o controle de nossas fronteiras, a avaliação do funcionamento do Mercosul, a adesão à OCDE, o acordo de salvaguarda tecnológica com os EUA para viabilizar a Base de Alcântara, e as negociações dos acordos comerciais, em especial com a UE e com o Canadá, além da definição do que queremos do BRICS que se reunirá em nível presidencial no Brasil. A resposta à campanha de descrédito do Brasil no exterior deveria merecer atenção especial do novo governo.
            Caso se mantenham algumas medidas já anunciadas, não serão tranquilas as perspectivas da ação externa do futuro governo. Os objetivos maiores da continuidade da política externa aconselhariam que temas sensíveis como a mudança da Embaixada para Jerusalém, a relação com Taiwan, a saída unilateral do Mercosul e dos BRICS, a suspensão da relação com Cuba e a associação à OTAN sejam discutidos, levando em conta sobretudo os interesses nacionais e as implicações políticas e mesmo econômicas e comerciais. A dar crédito a informações vindas da equipe de transição, seria preocupante o esvaziamento do Ministério das Relações Exteriores pela retirada de competências relacionadas às negociações comerciais, ao acompanhamento dos contenciosos na OMC e às atividades de promoção comercial, inclusive quanto à manutenção da APEX na Chancelaria.
            Espera-se que, a partir de 2019, a ação do Itamaraty não repita as estripulias do PT com sinal trocado: em vez de ênfases nos países bolivarianos e de esquerda, aproximação, sem qualificações, com países conservadores, afins ideologicamente ao novo governo.
            O futuro ministro terá a responsabilidade histórica de continuar a fortalecer a Casa de Rio Branco e manter as linhas permanentes da atuação externa como política de Estado e não de governo de turno.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE).


domingo, 21 de outubro de 2018

Depoimento sobre o embaixador Rubens Barbosa - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente trabalho publicado, ainda que o tenha sido em uma versão bem mais reduzida, como informado abaixo. Os links para a versão completa deste trabalho são fornecidos na informação abaixo: 

3172. “Você é um ‘accident prone diplomat’: minhas interações com o embaixador Rubens Antônio Barbosa”, Brasília, 2 outubro 2017, 45 p. Ensaio recapitulativo para servir de depoimento sobre minha relação de trabalho e amizade com o diplomata que foi meu chefe em diversas ocasiões. Publicado em versão resumida no livro de Rubens Antônio Barbosa: Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional (depoimentos ao Cpdoc)(Rio de Janeiro: FGV, 2018,  300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7),pp. 273-289. Divulgado em versão completa na plataforma Academia.edu (21/10/2018; link: https://www.academia.edu/37622963/Um_accident-prone_diplomat_depoimento_sobre_emb._Rubens_Barbosa) e em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/328416691_Voce_e_um_'accident-prone_diplomat' ).

“Você é um ‘accident-prone diplomat’”:
minhas interações com o embaixador Rubens Antônio Barbosa
  
Depoimento elaborado por Paulo Roberto de Almeida
para subsidiar construção de testemunho oral.
Brasília, janeiro 2010-outubro de 2017.
Publicado, em versão resumida, no livro de Rubens Antônio Barbosa: Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional (depoimentos ao Cpdoc)(Rio de Janeiro: FGV, 2018,  300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7),pp. 273-289).


A frase destacada no título foi, obviamente, pronunciada em Washington, pelo embaixador Rubens Antônio Barbosa, em algum momento do ano de 2001; concordo inteiramente com ela e, de certa forma, dela me orgulho, pois ela expressa, com rara felicidade, minha atitude na diplomacia e, talvez, na própria vida. Não, não me considero um diplomata desastrado, daqueles tipos caricaturais de cinema que provocam acidentes pela sua simples aparição no cenário. Sou, sim, um diplomata contestador, ou contrarianista, e nunca pretendi ser diferente. Estou sempre querendo questionar os fundamentos empíricos de algum argumento, descobrir suas possíveis deficiências para chegar a uma resposta mais adequada ao problema colocado; em resumo, sou um desconfiado, um dubitativo, praticando um ceticismo sadio.
Creio que o Embaixador Rubens Antônio Barbosa captou, com total percuciência, um traço de meu caráter, responsável tanto pela minha trajetória profissional e acadêmica, quanto por alguns “acidentes de trabalho” ao longo de uma carreira a que ele não esteve alheio, muito pelo contrário. Mas a frase em questão foi dita em meio a uma interação profissional que durou várias décadas, ou seja, quase toda minha carreira ativa no serviço diplomático, e ela talvez esteja na origem da trajetória ulterior, de encerramento parcial da cooperação ativa, quando Rubens Barbosa decidiu se aposentar. Vejamos, assim, como essa interação se deu, e como ela se desenvolveu ao longo do último terço do século XX e início do século XXI.

Gênese
Conheci o então jovem conselheiro Rubens Antônio Barbosa ainda antes de ingressar na carreira, em outubro de 1977, mas por puro acaso e sem que eu sequer tivesse me movimentado para tanto, já que não tinha certeza, então de conseguir entrar na diplomacia. Explico.
(...)

Versão completa deste depoimento nos links abaixo: 

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Mortadelas do PT no exterior - Rubens Barbosa (FSP)

O PT, provido de seus milhões de dólares roubados dos brasileiros, pode contratar seus mortadelas estrangeiros para fazer o mesmo trabalho sujo de mentiras, falcatruas e deformações que já perpetra no Brasil, com dinheiro que também roubou de todos nós.
O ex-chanceler do lulopetismo é instrumental nesse trabalho vergonhoso de mentir em benefício de um criminoso condenado duas vezes pela Justiça brasileira.
Paulo Roberto de Almeida

DESCRÉDITO DO BRASIL NO EXTERIOR
Rubens Barbosa
Folha de S Paulo, 27/08/2018
O ex-ministro Celso Amorim, em artigo publicado nesse espaço, dá curso à versão de que a eleição sem Lula é uma fraude. Com crescente protagonismo na divulgação das políticas e ações desenvolvidas pelo PT, Celso Amorim tornou-se o agente e o arauto das ações lulopetistas no exterior, com crescente visibilidade interna e externa.
No artigo, a realidade é obscurecida por inverdades como forma de iludir os (e)leitores. O Papa Francisco, a pedido do ex-ministro, ao invés de manifestar apoio ao ex-presidente, mineiramente pediu que Lula rezasse por ele... A teoria conspiratória da trama urdida com ramificações fora do país está longe de poder ser comprovada. A medida liminar dos peritos do Comitê de Direitos Humanos, sem qualquer aviso ou pedido prévio de informações, não tem validade porque, ao contrário do que se afirmou, o Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos Civis e Políticos não foi promulgado no Brasil por inépcia do governo petista; pela primeira vez, o comitê opinou sobre eleições, confundindo Direitos Humanos (universais) e Direitos Políticos (que dependem da legislação de cada país). Cumprido todo o devido processo legal no julgamento do ex-presidente, a eleição será legitima e não uma fraude. Amorim continuou a prática de substituir a realidade por uma falsa retórica, iniciada durante sua passagem pelo Itamaraty.
Desde 2016, a campanha no exterior ganhou várias vertentes: golpe do impedimento da presidente Rousseff mobilizando até candidato a presidência dos EUA e lideres de partidos ideologicamente afins ao PT na Europa; versão da vitimização com o desrespeito aos direitos e a privação de liberdade do ex-presidente, apresentado como prisioneiro político; publicação de carta do ex-presidente com essa ficção no New York Times; politização das decisões da justiça brasileira com recurso ao Comitê facultativo do Conselho de Direitos Humanos. 
Dando seguimento à divulgação da versão petista da realidade, segundo se informa, o PT vai aumentar a ofensiva internacional para garantir a presença de Lula nas eleições. Trata-se realmente de uma campanha liderada pelo partido na mobilização de jornais, cientistas políticos, ONGs, governos e Parlamentos desinformados, ou que não querem se informar, sobre as leis, a Justiça e a democracia brasileira. A estratégia é colocar em questionamento o regime democrático caso Lula seja, de fato, barrado pela Lei da Ficha Limpa. Não conheço ação semelhante em outro pais. Nenhum partido político age de forma tão desassombrada contra a reputação de seu pais, não para defender princípios ou direitos inquestionáveis, mas para auferir ganhos políticos de curto prazo. Porque o PT não se associa aos que lutam pela democracia e a liberdade de verdadeiros prisioneiros políticos, como fazem os partidos de oposição na Venezuela, ao invés de defender o regime autoritário de Maduro?
É inaceitável que, a partir de retórica distorcida e repleta de inverdades, essa campanha seja utilizada para reforçar o descrédito das instituições e das leis brasileiras. Não se pode admitir que a reputação do país seja colocada em questão, no momento em que todos estão empenhados em superar a atual situação crítica em que nos encontramos, resultado de políticas equivocadas adotadas durante o governo do partido que agora apresenta no exterior uma democracia em frangalhos. Celso Amorim,em entrevista, ousou declarar que o Brasil tem a alternativa de cumprir a determinação do comitê ou se tornar um pária global, equiparando-se a Mianmar e a África do Sul na época do apartheid. 
Depois de passar oito anos defendendo uma politica alegadamente ativa e altiva, o ex-chanceler está alienando a soberania brasileira com o único objetivo de defender as mentiras de seu partido.
Com a credibilidade externa do Brasil abalada pela crise econômica e pelos desmandos e corrupção dos últimos anos, a campanha de descrédito não pode passar sem uma indignada condenação daqueles que defendem interesses partidários e pessoais, nem sempre claros e muitas vezes questionáveis, por parte dos que colocam o Brasil acima de intrigas ideológicas.
Rubens Barbosa, diplomata, ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Brics, ou a China e mais quatro - Rubens Barbosa

Reunião presidencial do Brics

A partir de 2019 surge uma possibilidade de convergência para uma nova etapa do grupo

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 14/08/2018

O Brics, grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, realizou sua 10.ª reunião de cúpula em Johannesburgo, África do Sul, no final de julho. Criado em 2006, o grupo representa 44% da população mundial, quase um quarto do território terrestre e 23% de seu PIB. São cinco países de renda média que buscam ampliar a cooperação e buscar soluções para os desafios de um mundo em profunda e rápida transformação, sem, no entanto, questionar os atuais fundamentos da ordem política e econômica global. 
Na reunião, a cooperação com a África foi discutida e a escalada protecionista, que ameaça o livre-comércio e amplia os questionamentos sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC), foi condenada. Ambos os temas são de direto interesse do Brasil. A ameaça de guerra comercial ficou concentrada na disputa entre EUA e China. O entendimento entre os EUA e a Europa culminou com a suspensão de todas as medidas restritivas no intercâmbio bilateral, inclusive no tocante ao aço, ao alumínio e a automóveis. Ninguém se beneficiará dessa confrontação, nem mesmo o Brasil, sobretudo nas exportações de produtos agrícolas. 
Ao final do encontro do Brics, os países-membros aprofundaram a cooperação em áreas como meio ambiente, esportes e economia digital. Foi instituído um Centro de Pesquisa em Vacinas para ampliar a capacidade conjunta da produção farmacêutica; e foi lançada parceria para explorar oportunidades no setor de aviação regional. Foi também assinado acordo para a instalação, no Brasil, de escritório do Novo Banco de Desenvolvimento. Com esta nova sede regional, em São Paulo, o banco do Brics vai financiar mais investimentos no Brasil e em toda a América Latina, em especial na área de infraestrutura. 
No momento, o Brasil corretamente tem focado sua atuação no Brics de maneira pragmática e cautelosa. Tendo em conta as atuais limitações para a convergência de uma agenda mais ampla no campo da política internacional entre países tão distintos e com pesos econômicos relativos tão díspares, o governo brasileiro aproveita o agrupamento para promover atividades concretas de cooperação, como ficou evidenciado na África do Sul. Trata-se, portanto, de auferir ganhos concretos no campo econômico-financeiro (financiamento de infraestrutura, atração de investimentos) e de promoção comercial. Do ponto de vista financeiro, a criação do Novo Banco de Desenvolvimento e de arranjos financeiros representou um avanço significativo para reforçar a identidade do grupo e ampliar os instrumentos de apoio entre os países-membros. 
O grupo tende a firmar-se como instância de cooperação para enfrentar problemas típicos de países de renda média (com destaque para saúde, educação, ciência, energia, tecnologia e inovação). Em 2018, deverão ser realizados mais de cem encontros ministeriais, de altos funcionários e setoriais entre os países-membros. 
A partir de 2019, no início de sua segunda década de existência, surge uma possibilidade de convergência para uma nova etapa dos Brics. 
Dependendo do resultado das eleições presidenciais e, espera-se, com a volta do crescimento sustentável, a disparidade relativa entre o Brasil, a China e a Índia poderá ser reduzida, e assim desenhada uma política mais ambiciosa em relação ao Brics com o objetivo de aumentar a projeção diplomática do Brasil. Considerações de natureza geopolítica deveriam também ser levadas em conta. Ser parte de um exclusivo grupo de países com grande peso econômico e político é fator de influência e prestígio diplomáticos. Hoje já existe coordenação em muitas áreas, tais como em foros multilaterais como G-20, ONU, Banco Mundial e FMI. Nos próximos anos, com a recuperação econômica do Brasil e da Rússia e o continuado avanço da China e da Índia, o Brics tenderá a ter uma crescente presença no cenário global, ampliando sua participação não só em termos econômicos, mas também político, com maior peso no encaminhamento de soluções para crises pontuais. 
Para ser ouvido nos foros internacionais ou no concerto das nações, o Brics terá de atuar de maneira coordenada e uníssona. Não interessa ao Brasil endossar posições nacionais de um ou mais membros que marquem antagonismos em geral contra os EUA e países europeus. Com maior presença global, o Brasil, nos próximos anos, terá de posicionar-se em questões geopoliticamente distantes, como no caso da Síria ou do Oriente Médio. Terá de buscar consenso para o grupo também atuar com voz única nos chamados “novos temas emergentes” (terrorismo, narcotráfico, migrações e segurança cibernética), nos quais hoje há significativa discrepância entre a posição brasileira, de um lado, e a russa e a chinesa, de outro. Também não interessa ao Brasil o aumento do número de países-membros. México, Argentina, Arábia Saudita, Indonésia, Egito e Venezuela, que já manifestaram interesse em juntar-se ao grupo, poderiam, uma vez aceitos, dificultar a obtenção de consensos, sobretudo em temas relacionados à paz e à segurança internacionais – aí incluída a reforma do Conselho de Segurança. 
O Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) promoverá em São Paulo, em setembro, encontro para discutir um novo papel para o Brasil no âmbito do Brics, levando em conta que em 2019 caberá ao Brasil sediar o próximo encontro presidencial do Brics. Com o novo presidente, a cúpula poderá ser a oportunidade ideal para ensaiarmos os primeiros passos na busca de uma posição comum dos cinco países em temas internacionais sensíveis, aprofundando a atitude de cautela adotada até aqui. O fortalecimento da política e da economia internas reforçará a política externa brasileira nos próximos anos e o Brics poderá ser uma plataforma relevante para uma ação mais proativa do Brasil no cenário internacional.

terça-feira, 24 de julho de 2018

Cartorialismo brasileiro: a maior jaboticaba nacional - Rubens Barbosa

CARTÓRIOS: UMA DAS JABOTICABAS NACIONAIS
 Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo. 24/07/2018

Em Portugal, nos idos de 1512-21, nas Ordenações Manuelinas, privilégios, foro privilegiado, direitos adquiridos, entre outras estripolias burocráticas, os cartórios foram minuciosamente regulados. Herdeiros do período colonial, ainda estamos, em 2018, discutindo como dar cabo do foro privilegiado e reduzir privilégios. O corporativismo que conquistou tantas vantagens e exceções está longe de ter o seu poder afetado. O valor probante dos escritos dos atos notariais e registrais é a cada dia ampliado com a inclusão de novas áreas e o correspondente aumento da receita dos cartórios.
A simplificação e a redução da burocracia que tanto emperra a vida das pessoas e das empresas devem ser ampliadas dentro de uma visão mais abrangente de reforma do Estado. A revista Interesse Nacional, em uma última edição, publica excelente artigo de Daniel Bogéa em que defende a construção de uma política permanente de desburocratização que tenha o cidadão como alvo número um e assuma como princípio-guia a confiança nas relações Estado-sociedade. Nesse sentido resgata o Projeto Cidadão executado nos idos dos anos 80, por Hélio Beltrão, mas que gradualmente foi sendo esquecido para prejuízo de todos. O então Ministério da Desburocratização fez um levantamento das questões de natureza burocrática que afetavam e ainda hoje afetam o dia a dia do cidadão comum, desde o seu nascimento até a sua morte. Não se levou em conta se esses problemas são do governo federal, estadual ou municipal, do executivo ou do judiciário. Essas disfunções muitas vezes acabam tendo de ser resolvidas em uma das instituições corporativas que cada dia ganham mais força. Os atos notariais existem de uma forma ou de outra em todos os países, porém cartórios, com atribuições que só fazem crescer, são mais uma das jabuticabas brasileiras. Em nenhum país do mundo, tanto poder de interferir na vida das pessoas e das empresas é exercido por um órgão privado.
Até o ano passado existiam 11.946 cartórios extrajudiciais, crescimento de 11,7% em relação a 2016, com o faturamento de R$ 15,76 bilhões. Se fosse uma empresa seria a 29a. maior empresa do país. 73% dos cartórios de protestos de títulos faturaram mais de R$ 110 milhões em 2017. E o maior deles, localizado na Paraíba, faturou R$ 256 milhões no segundo semestre do ano passado.
Muitas atribuições do judiciário, passaram a ser executadas pelos cartórios, como na área de registro civil: fazer correção de nome, correção de erros de grafia, reconhecimento de paternidade, registros de nascimento por técnicas de reprodução assistida, barriga de aluguel, maternidade e paternidade sócio-afetiva.
Reconhecimento de assinaturas, autenticação de cópias, reconhecimento de filhos, testamento e divórcio e registro de imóveis implicam em perda de tempo e custo para os cidadãos. A situação é tão absurda que, em certos casos, se requer a certificação de um cartório por outro.
Nos últimos anos, nossos cartórios ganharam competências. A partir de 2007, Inventários, partilha, separação consensual e divórcio consensual foram entrando no menu. A cobrança extrajudicial e protesto de certidões de dívida ativa da União, dos Estados e do Distrito Federal, dos municípios, de autarquias e fundações públicas começaram a ser feitas a partir de 2012. A regularização de imóveis por usucapião, entrou em 2015. E desde 2016, o apostilamento que legaliza documentos e o reconhecimento de documentos brasileiros no exterior passaram a engrossar a renda de seus donos. E, para somar, em janeiro de 2018 os cartórios de registro civil foram autorizados a fazer solicitação e entrega de documentos como passaporte, RG, documento nacional de identificação, CNHs, carteira de trabalho e título de eleitor.
Por pressão dos cartórios, que recebem R$ 4 bilhões por esses serviços, a iniciativa do governo de criar um registro nacional de duplicatas não avançou. O registro eletrônico previsto na lei mudaria a maneira de cobrar dívidas e poderia reduzir o custo para os tomadores de empréstimos. Segundo dados do Banco Central, em março, o desconto de duplicatas movimentava R$ 60 bilhões em operações de crédito no país. O projeto de lei criaria a obrigatoriedade desses títulos serem registrados em certificadoras autorizadas pelo Banco Central.
O projeto de lei que cria o cadastro positivo, por meio do qual o Brasil passará a ter uma legislação de compartilhamento de informações que contribuirá para o aumento da concorrência na concessão de crédito para pessoas físicas e pequenas empresas também enfrenta restrições dos cartórios.
O Senador Ricardo Ferraço apresentou projeto de emenda constitucional transferindo as prerrogativas dos cartórios para o poder público local. A força e a influência dos cartórios, demonstrados no eficiente lobby junto ao governo e junto ao Congresso, não deveriam ser obstáculo para o exame do Projeto Cidadão e sua aplicação pelo próximo governo. A pessoa física e as empresas não podem continuar à mercê de uma máquina burocrática que representa custo e perda de produtividade.
É urgente uma política efetiva de desburocratização no Brasil, levando-se em conta suas dificuldades culturais, suas dimensões continentais e sua história político-social. Deveria ser definida como meta principal o interesse do cidadão, do contribuinte e usuário de serviços públicos, e não apenas o interesse da própria administração. É necessário que seja reconhecido o caráter político do empreendimento, o que demanda vontade e ação da cúpula dos três Poderes. 
Chegou a hora de ser executada, de maneira vigorosa, uma política para reduzir a crescente burocracia que afeta a vida de todos.

Rubens Barbosa, presidente o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE).

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Rubens Barbosa: livro e entrevista sobre agenda modernizadora do Brasil

'O que Trump está fazendo já repercute no Brasil', 

diz diplomata

Rubens Barbosa publica artigos no livro 

'O Lugar do Brasil no Mundo: Agenda Modernizadora'


Renata Tranches, O Estado de S.Paulo
14 Julho 2018 | 16h00

Em um cenário internacional de transformações e incertezas, o Brasil precisa encontrar seu lugar. O caminho a seguir deveria estar na pauta e nos debates entre os candidatos na próxima eleição, como afirma o diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos EUA. Questões como a política econômica do governo Trump e a crise na Venezuela não deveriam ficar alheias ao debate político interno. Em seu livro O Lugar do Brasil no Mundo: Agenda Modernizadora, ele sugere ideias e propostas para esse debate em uma coletânea de artigos publicados no Estado entre 2014 e 2017. A seguir, a entrevista que Barbosa concedeu ao Aliás
Rubens Barbosa
Rubens Barbosa, autor de 'O Papel do Brasil no Mundo: Agenda Modernizadora' Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Falta debate sobre a política externa brasileira entre os candidatos à Presidência?
Deveríamos colocar isso na agenda. Não se pode discutir apenas a macroeconomia, a estabilidade do País. O mundo está se transformando numa rapidez muito grande. Veja o que acontece com Trump. O que ele discute lá, o que mexe lá tem repercussão no mundo inteiro. Qual é o lugar do Brasil do mundo? Precisamos começar a discutir esse tema. Ele não está na pauta dos candidatos. Único tema que eu vi discutido nos últimos meses em termos de política externa foi o dos refugiados da Venezuela. É importante, mas é pouco.  
O que deveria estar na pauta? 
O Brasil é percebido como um país importante. Nós somos uma das dez maiores economias do mundo, apesar dessa crise toda pela qual estamos passando. Como estamos muito voltados para dentro, por causa da crise, não nos damos conta de que o Brasil é um país relevante no cenário global. E o problema é que ignoramos isso. Deveria haver no Brasil um debate de uma agenda política, diplomática, econômica e comercial e de inovação e tecnologia, que vai influir na própria formulação da política econômica. Mas aqui não há essa percepção que os fatores externos têm uma influência muito grande na definição da política econômica. O Brasil é um país muito grande, tem grandes problemas e há essa percepção de que o Brasil tem uma fronteira que delimita a autonomia do País de definir política econômica e agenda externa. Isso não existe.  
O próximo governo lidará pelo menos por dois anos com a política econômica do governo Trump. Como o Brasil pode se preparar para esse cenário? 
O que o Trump está fazendo já tem repercussão no Brasil, na economia brasileira. Quando ele baixa os tributos isso tem um impacto para a competitividade brasileira. Quando o novo governo fizer, espero que se faça, uma reforma tributária, vamos ter de levar isso em consideração. Não adianta nada congelar os tributos e ter de baixá-los para as empresas brasileiras serem competitivas no exterior. Sobre essa questão das barreiras que ele está colocando, do protecionismo americano, num primeiro momento pode ser que haja um produto brasileiro que se beneficie do desvio de comércio para a China ou da China ou de algum outro país para os EUA. Mas a médio e longo prazo, em termos comerciais, o Brasil vai perder como todos os outros países.  
De que outras formas essa política pode prejudicar o Brasil?
Um outro aspecto é que essas medidas americanas geram uma grande incerteza no cenário internacional. E essa incerteza vai fazer com que haja menos investimento e uma queda do crescimento global e do comércio exterior. Já estamos sentindo aqui no Brasil o aumento da taxa de juros lá nos EUA. O real se desvalorizou muito com relação ao dólar por causa da política monetária seguida pelos EUA.  
O sr. vê propostas nesta área nessas eleições? 
O que ocorre lá fora imediatamente tem impacto aqui no Brasil e uma das necessidade de todos os candidatos aqui é aumentar o comércio exterior, porque isso gera mais emprego no Brasil. Agora, o ambiente externo está se transformando em um algo diferente dos últimos anos, em que o Brasil poderia ter se beneficiado. Hoje, o ambiente externo de incerteza, de insegurança e de queda no crescimento e do comércio exterior não é tão favorável ao Brasil. Trump também está ameaçando taxar automóveis da Europa. Isso vai ter um efeito brutal. Automóveis são uma das áreas do comércio exterior que mais têm comércio. Terá efeito em todos os países, incluindo Brasil, que exporta para o México, para a Argentina. O futuro governo vai ter de se preocupar com essas coisas e vai ter de agir rapidamente para ajustar a economia brasileira a essa nova situação internacional. 
O que mais preocupa nessa nova situação? 
Um outro fator importante para o Brasil é o que o vai acontecer com a Organização Mundial do Comércio (OMC), que os EUA querem destruir, acabar com ela. A OMC é importante para o Brasil por causa do mecanismo de solução de controvérsias. Países de médio porte, como o Brasil, e pequenos têm de confiar nesses mecanismos de julgamento de diferenças comerciais entre as nações. Para nós, é importante que a OMC seja mantida com força nessa área de arbitragem, de solução de controvérsias.  
Como o senhor definiria hoje a política externa brasileira? 
Em resumo, o Brasil tem de terminar seu isolamento e o atraso do País em termos de inovação e tecnologia. O Brasil tem de definir onde está seu interesse a médio e a longo prazo, coisa que não estamos fazendo. O Brasil e o Mercosul nos últimos 18 anos assinaram três acordos comerciais. O mundo negociou mais de 400. Estamos isolados, o Brasil está isolado, atrasado e crescendo menos. Essa que é a realidade. Não adianta melhorar a situação aqui sem se colocar no mundo. Temos de aumentar a voz do Brasil no mundo, nos organismos internacionais e inserir o Brasil de novo nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior.  
Quais foram as consequências? 
Nós perdemos competitividade. Esse que é o grande problema hoje da economia, da produção nacional, da exportação nacional. É a perda da competitividade por políticas equivocadas, pelo aumento dos impostos, pela burocracia, pela ineficiência. Isso é resultado dos últimos 15, 16 anos. Com o nosso isolamento e a política de se privilegiar o sul, a política Sul-Sul, ficamos longe dos países desenvolvidos, onde estão tecnologia, financiamento e inovação.  
O senhor cita em seus artigos o exemplo da França, onde um movimento de centro venceu o debate polarizado entre esquerda e direita. Teremos algo parecido?
Bom, não vimos isso até aqui. Vamos ver quando começar o debate na TV, no qual todos os candidatos vão falar. Tem de haver um debate público em que essas ideias todas sejam discutidas. Temos de eleger um candidato que saiba qual é o desafio interno e o externo, e quais propostas ele vai apresentar para tirar o Brasil desse buraco que a gente está.  
Por que, como o senhor diz, as próximas eleições serão um divisor de águas? 
No segundo turno, vamos ter um debate entre dois modelos. Um modelo estatista, olhando para trás, e um modelo de reformas, de alguns candidatos que queiram fazer reformas. É entre isso que a população vai decidir e terá impacto nos próximos 10, 15 anos. Se a população brasileira escolher um candidato que olhe para trás e queira desfazer as reformas que foram feitas ultimamente, então a crise que estamos vivendo vai continuar muito forte e vai nos levar a uma situação próxima à da Grécia. Já estamos vendo isso no Rio de Janeiro. Se escolhermos um candidato que se proponha a fazer reformas, olhar para frente, abrir a economia, vamos ter a possibilidade de juntar aos fluxos dinâmicos da economia e do comércio internacional. A opção que a sociedade vai fazer terá muita importância para os jovens, que enfrentarão o problema do desemprego, da melhoria das condições de vida aqui no Brasil.  
A Venezuela é um tema importante. Houve uma mudança recente na abordagem ao tema? 
O Brasil tem de ter uma participação mais ativa para encaminhar alguma solução . Não sei como é que vai ser. A Venezuela, que está na fronteira, tem esse problema dos refugiados, dos direitos humanos que o Brasil tem de enfrentar. Há além disso a ameaça à nossa fronteira, por onde entram drogas, armas. Foi feita uma correção de rumo importante. Antes estávamos com a (ex-presidente) Dilma defendendo a Venezuela quando já se sabia que o país estava num caminho autoritário, pouco democrático. Com a mudança do governo aqui, o impeachment, o Brasil passou a criticar o regime na Venezuela e a cobrar do país mudanças políticas, liberdade dos presos políticos, autorização para levar ajuda humanitária. Com o novo governo, o Brasil terá de ter uma posição com outros países, com os EUA, com o México, a Colômbia, para resolver o problema e tornar a Venezuela democrática.