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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Jean-Baptiste Duroselle: morte do grande historiador das relações internacionais (1994) - Paulo Roberto de Almeida

 Jean-Baptiste Duroselle:

Morte do grande historiador das relações internacionais

 


Paulo Roberto de Almeida

Paris, 20/09/1994

 

O historiador francês Jean-Baptiste Duroselle morreu em 12 de setembro de 1994 aos 76 anos, deixando uma imensa obra centrada sobre a história das relações internacionais contemporâneas e os problemas da política externa francesa neste século. Seu último livro, La Grande Guerre des français, 1914-1918, estava previsto para publicação em outubro (Perrin), no seguimento das comemorações da primeira guerra mundial, que o tinha visto nascer, em 1917. O livro é dedicado a Albert Duroselle, seu pai, ferido em combate em 1916, e a Pierre Renouvin, também ferido no mesmo conflito e amputado do braço esquerdo.

Discípulo e sucessor de Pierre Renouvin, ele não tinha entretanto começado sua carreira na área das relações internacionais, já que sua tese de doutoramento tinha sido dedicada aos Débuts du catholicisme social en France, 1822-1870. Antigo aluno da École Normale Supérieure, tornou-se professor de história aos 32 anos, foi recebido na Sorbonne como primeiro assistente em história contemporânea, passou pelas universidades de Sarreburck e de Lille, antes de voltar a Paris, para o Instituto de Estudos Políticos e como professor na Sorbonne, aos 47 anos. Ele também ensinava regularmente na Universidade de Bolonha e em diversas universidades norte-americanas, entre as quais Harvard e Notre Dame (Indiana).

No campo da história das relações internacionais, ele manifesta interesse não só pela política externa francesa, mas igualmente pela de outros países. Ele publicou, em 1961, De Wilson à Roosevelt, politique étrangère des États-Unis 1913-1945 (Armand Colin) e, em 1976, um estudo sobre La France et les États-Unis (Seuil). 

Sua obra de estudioso das relações internacionais, da história diplomática européia e de analista implacável da política externa da França é imensa, mas também é importante sua reflexão como teórico nesse setor. Data de 1964 sua obra metodológica em colaboração com Pierre Renouvin, Introduction à l’Histoire des relations internationales (Armand Colin), na qual eles chamam a atenção para as “forças profundas da história” (os interesses econômicos e financeiros, as mentalidades coletivas, as grandes correntes políticas). Sua Histoire Diplomatique de 1919 à nos jours permanece o trabalho de referência na área, intensamente utilizada por gerações de diplomatas e de universitários (Dalloz, 11a. edição, 1993). 

Em relação à Europa, seus trabalhos são diversos e variados: Le Conflit de Trieste (1965), L’Europe de 1815 à nos joursLe Drame de l’Europe, 1914-1915 e o imenso painel L’Europe, histoire de ses peuples (Perrin, 1991). No terreno das biografias, ele abordou a vida de Clemenceau (Fayard, 1988) e tinha um Foch em preparação. Duroselle também dirigiu a grande coleção (13 vols.) La politique étrangère de la France, 1871-1969, na qual escreveu dois volumes: La Décadence, 1932-1939 (Imprimerie Nationale, 1979) e L’Abîme, 1940-1944 (1982; ambos igualmente disponíveis na coleção Points-Seuil desde 1983). Ele tinha aliás dirigido, depois de Pierre Renouvin, a comissão de publicação dos documentos diplomáticos franceses que, no âmbito do Quai d’Orsay, publica regularmente uma seleção de documentos dos arquivos diplomáticos (o último tomo publicado, em três volumes, vai de julho de 1958 a junho de 1959).  

Multidisciplinar, grande apreciador de Raymond Aron, ele tinha consolidado suas reflexões teóricas sobre as relações internacionais no consagrado Tout Empire Périra (Publications de la Sorbonne, 1981; Armand Colin, 1992). Finalmente, um de seus últimos livros publicados em vida foi dedicado ao problema das transferências maciças de populações: L’Invasion: les migrations humaines, chance ou fatalité (Plon, 1992). 

A profundidade de sua pesquisa histórica foi resumida numa frase do historiador Pierre Chaunu ao falar de uma obra de Duroselle: “Não se resume um livro que bate o recorde de informações por linha” (Nota necrológica de Henri Amouroux, Le Figaro, 17.09.94). Maurice Vaïsse, outro grande especialista do terreno, prestou-lhe uma primeira homenagem nas páginas do Le Monde: “Esse poço de ciência, essa memória prodigiosa era também um homem simples de um humor inalterável e de uma extraordinária alegria, fazendo mentir a fórmula de Péguy: ‘Quando se tem a juventude, não se tem competência, e quando se tem competência, não se tem mais a juventude’” (15.09.94).

Sua última entrevista foi dada precisamente ao Le Monde, que publicou grandes extratos em sua edição de 20.09.94. Nela, Duroselle afirma que “existem dois elementos no esforço do historiador. O primeiro é decisivo: o historiador deve buscar os acontecimentos. Apenas depois que ele acumulou os fatos o mais precisamente possível é que entra o segundo elemento, a interpretação. Se o historiador não interpreta, se ele não tenta encontrar explicações, ele não exerce sua profissão. A interpretação é o que há de mais interessante para o historiador, mesmo se a História nunca é segura, já que ninguém poderá provar que a sua interpretação é ou não justa”.

 

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Entrevista com Jean-Baptiste Duroselle (excertos)

(Le Monde, 20/09/1994; tradução Paulo Roberto de Almeida)

 

Suas pesquisas como historiador são sempre solidamente apoiadas na cronologia. Deve-se ao fato de trabalhar com documentos diplomáticos sua forte vinculação a uma concepção clássica da História, longe da renovação empreendida pela escola dos Annales, criada em 1929 e que se afasta da história fatual?

– “A ideia de descartar a cronologia sempre me pareceu absurda e a história não cronológica está morta atualmente. Todos os terrenos proibidos pelos Annales são novamente largamente explorados: por exemplo, a biografia, a história política. É muito interessante falar do sabão usado nas fazendas pelos camponeses para se lavar, mas a primeira guerra mundial tem também uma certa importância! O que eu reprovo sobretudo nos Annales é o fato de ter excomungado historiadores e não de ter procurado analisar a transformação da História. É o que Pierre Renouvin, que foi meu mestre, chama de forças profundas. Os Annales inventaram esse conceito, mas outros também o inventaram ao mesmo tempo. Tratava-se de uma tendência provavelmente ligada ao sucesso considerável do marxismo imediatamente após a segunda guerra mundial.

“O que eu não gostava nos Annales é a distinção que se faz entre uma história fatual e uma história que não o é. Toda história é forçosamente composta de acontecimentos (événements), de uma coleção de acontecimentos. A palavra “acontecimento” é feia, é falsa. Ela é injuriosa contra essa História que você chama legitimamente de clássica, mais que realizou progressos como as outras disciplinas das ciências humanas.”

 

Quais são os principais componentes da profissão de historiador?

– “Considero que existem dois elementos no esforço do historiador. O primeiro é decisivo: o historiador deve buscar os acontecimentos. Apenas depois que ele acumulou os fatos o mais precisamente possível é que entra o segundo elemento, a interpretação. Se o historiador não interpreta, se ele não tenta encontrar explicações, ele não exerce sua profissão. A interpretação é o que há de mais interessante para o historiador, mesmo se a História nunca é segura, já que ninguém poderá provar que a sua interpretação é ou não justa.

“Nas ciências humanas, o homem se interrogará continuamente sobre as interpretações. Na História, isto é de uma clareza absoluta. (...)”

(...)

 

O Senhor vive no meio dos arquivos, a ponto que eles se tornam seus cúmplices. Como os definiria?

– “Os arquivos não são documentos empoeirados. Os arquivos, contrariamente ao que se imagina algumas vezes, não são feitos para os historiadores. Eles são produzidos pelos homens de ação que têm necessidade de vestígios escritos para se lembrar do que se passou. Em outras palavras, são antes de mais nada um instrumento de governo. Isto é verdade desde a mais alta antiguidade. As famosas plaquetas cuneiformes, que se acreditava no começo serem textos religiosos, são cadastros, balanços gerais, documentos administrativos por excelência.

“Uma vez que os governos não têm mais necessidade desses papéis, eles os depositam num escritório de classificação. Em seguida, os arquivistas fazem um trabalho formidável estabelecendo os catálogos. Eles tornam utilizável o que seria inutilizável se não estivesse classificado. É a partir do momento que os catálogos são estabelecidos que aparece uma terceira categoria: os historiadores, os jornalistas, os panfletários, algumas vezes também os policiais.” (...)

 

Como procedem os historiadores perfeitamente conscientes de que os homens do poder selecionam os seus arquivos antes de entregá-los aos especialistas?

– “Os homens políticos e notadamente os ministros são naturalmente desconfiados, sabendo que os historiadores consultam os arquivos. E nós somos conscientes de que eles podem expurgar os arquivos ou mesmo, raramente, introduzir alguns papéis falsos. Algumas vezes alguns documentos que lhes parecem verdadeiramente perigosos desaparecem, algumas vezes séries de documentos.” (...)

(...)

Como os diplomatas avaliam o seu trabalho?

– “Uma pequena história sobre esse assunto. No começo dos anos 60, quando a comissão sobre as origens da segunda guerra mundial foi criada, o grande historiador italiano Toscano perguntou se ela teria uma maioria de diplomatas ou uma maioria de universitários. Os diplomatas eram supostos exercer uma pressão que não exercem os universitários... Pierre Renouvin, presidente da comissão, tratou então de que houvesse mais historiadores do que diplomatas. Pessoalmente, no decorrer de uma experiência de 19 anos, nenhuma vez um diplomata chegou e me disse: você deve fazer isto ou aquilo”.

 

Depoimento recolhido por Laurent Greilsamer

Tradução: Paulo Roberto de Almeida

 

[Paris, 20.09.94]

[Relação de Trabalhos n. 455]

455. “Jean-Baptiste Duroselle: Morte do grande historiador das relações internacionais”, Paris, 20 setembro 1994, 2 pp. Nota necrológica sobre a obra do historiador francês falecido em 12/09/94, acompanhada de excertos de sua última entrevista ao Le Monde (20.09.94). Publicada na Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: vol. 37, n° 2, julho-dezembro 1994, pp. 120-121). Relação de Publicados n. 166.

 

 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Moniz Bandeira: um historiador de esquerda (1935-2017) - Paulo Roberto de Almeida

Minha nota necrológica sobre o historiador de esquerda, que passou os últimos anos de sua vida lutando por seus títulos de nobreza e defendendo o partido de esquerda que desprezava os nobres e se encarregou também de dilapidar os pobres em favor dos muito ricos, que extorquia ou que colaboravam com ele, na missão de enriquecer os esquerdistas convertidos em capitalistas promíscuos.
Minha visão de Moniz Bandeira não é leniente, e independentemente do valor (ambíguo) de sua obra, sua personalidade era execrável, mas reconheço que ele combinava com a universidade, gramsciana em espírito, anticapitalista de fato, antiamericana por princípio.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de dezembro de 2017
PS.: A nota só está sendo publicada agora por não ter sido considerada aceitável em outros suportes.


Moniz Bandeira: um historiador de esquerda (1935-2017)

Paulo Roberto de Almeida

Luiz Alberto Moniz Bandeira, provavelmente um dos maiores historiadores de esquerda do Brasil, nasceu na Bahia em 1935, pouco depois da Intentona Comunista, e morreu no dia 10 de novembro de 2017, aos 80 anos do golpe de Estado Novo, quando Getúlio Vargas inaugurou a ditadura fascista que durou oito anos, especialmente dura com os comunistas de todos os matizes. Acusado de trotskista, foi preso duas vezes sob outra ditadura, a do regime militar que dominou o Brasil durante mais de duas décadas, entre 1964 e 1985. Tornou-se marxista aos 13 anos de idade, ao ler os clássicos de Marx e Lênin, passando a militar nas correntes socialistas, ao mesmo tempo em que trabalhava como jornalista nos principais jornais do Rio de Janeiro, a partir de meados dos anos 1950. Ao lado de uma prolífica obra de historiador, militou durante toda a sua vida pelas causas socialistas, com uma ênfase especial no anti-imperialismo, que ele exercia especificamente na vertente do antiamericanismo. Ironicamente, passou os últimos anos de sua vida colecionando títulos de nobreza, sendo-lhe reconhecido em 1995, em Portugal, o título de Barão de São Marcos, com direito ao uso de um brasão de armas e outros privilégios de fidalguia: tornou-se um marxista aristocrático.
Seus primeiros livros, sintomaticamente, foram dedicados à revolução russa e seus efeitos no Brasil,  assim como ao líder da revolução bolchevique, Lênin. Poucos dias depois que a revolução bolchevique de novembro de 1917 completou seu primeiro centenário, mas já desaparecido o sistema soviético desde 1991, ele morreu, não sem antes ver publicada a 4a. edição de sua biografia de Lênin, o último livro a sair em vida. Formado em Direito, obteve, já maduro, o título de Doutor em Ciência Política pela USP, tendo sua tese sobre os conflitos políticos na Bacia do Prata sido publicada posteriormente sob o título de O Expansionismo Brasileiro e a formação dos Estados  na Bacia do Prata: da colonização à  Guerra da Tríplice Aliança. Na tese, dissertou sobre as relações políticas e o equilíbrio de poderes no Cone Sul desde a ocupação ibérica até quase o final do Império no Brasil, mais exatamente até o término da guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. Mas ele já tinha publicado, logo depois de sair de dois anos de prisão, sob o regime militar, em 1970, o livro que o tornou imediatamente famoso e até apreciado pelos militares que o prenderam: Presença dos Estados Unidos no Brasil, o primeiro de uma série na qual, com ampla base em pesquisa histórica, mas interpretações fortemente antiamericanas, ele fustiga o imperialismo americano durante praticamente toda a história independente da grande nação da América do Norte. A continuidade daquele livro foi lançada alguns anos depois: Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente (1950-1988), seguido, vários anos mais tarde, por um terceiro dessa série: As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos, de Collor a Lula, 1999-2014. Entre um e outro, seguiram-se várias obras de pesquisa histórica ou de cunho polemista, fortemente críticas ao papel dos Estados Unidos na geopolítica mundial, com um foco detalhado sobre os países da América Latina (em especial Cuba e o Cone Sul).
Em virtude de seu casamento com Margot, em meados dos anos 1990, deixou o Brasil pela Alemanha, tendo publicado alguns livros sobre esse país, tanto nas relações com o Brasil, quanto na derrocada do socialismo em sua metade oriental. Um de seus livros mais saudados tratou do governo João Goulart, no qual ele saudou a ascensão das lutas sociais no Brasil e as tentativas de reformas progressistas abortadas. Foi professor na Universidade de Brasília entre o final dos anos 1980 e o início da década seguinte, quando aprofundou suas pesquisas – basicamente nos arquivos do Itamaraty – sobre as relações diplomáticas entre os principais países do Cone Sul e o grande impacto do imperialismo americano no cenário político e econômico da região.
A despeito de ter pesquisado em arquivos históricos, sua interpretação dos processos políticos aos quais se dedicou ao longo de uma vida bastante prolífica no plano intelectual foi inevitavelmente contaminada por um marxismo acadêmico basicamente fiel aos conceitos centrais da doutrina do materialismo histórico, bem como por um conhecimento claramente insuficiente da história econômica mundial. Reproduziu, em várias de suas obras, a visão leninista e luxemburgueana da expansão capitalista e do imperialismo ocidental, com direito ao uso de todos os clichês que se podem encontrar nos estudos impregnados de marxismo clássico. Esse simplismo analítico o tornou bastante apreciado pelo público universitário e pelos gramscianos de academia, mas os pesquisadores mais sérios mantêm diversas restrições metodológicas a uma produção marcada por claras simpatias militantes. Sua obra subsistirá, dada a dominância esquerdista no ambiente universitário, mas convêm recomendar aos leitores que ajustem suas lentes para separar a informação de base histórica de sua interpretação enviesada pelo maniqueísmo anticapitalista e por um antiamericanismo renitente.

Brasília, 24 de novembro de 2017

sábado, 2 de julho de 2016

Elie Wiesel: um sobrevivente combativo, um combatente que persistiu - homenagens

Ele era grande, ele era ativo, ele nunca deixou de lutar pela justiça e pela dignidade da pessoa humana. Lembro-me que em janeiro de 1988, pouco depois de ganhar o Prêmio Nobel da Paz, pelo seu trabalho incansável em prol da justiça universal, ele usou parte do prêmio ganho para reunir, em Paris, um grande número de outros detentores do mesmo prêmio para discutir e aprovar uma série de propostas para uma agenda para o século XXI.
Eu elaborei um comentário a respeito, a partir dessa  “Conferência dos Nobel”, que transcrevo mais abaixo.
Paulo Roberto de Almeida 

Morte de Elie Wiesel


Declaração do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, sobre o falecimento de Elie Wiesel
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, divulgou a seguinte declaração esta noite (sábado, 2 de junho de 2016), sobre o falecimento de Elie Wiesel:

“O Estado de Israel e o Povo Judeu lamentam o falecimento de Elie Wiesel. Através de seus livros inesquecíveis, comoventes palavras e exemplo pessoal, Elie personificava o triunfo do espírito humano sobre o mais inimaginável dos males. Das trevas do Holocausto, Elie se tornou uma poderosa força para a luz, a verdade e a dignidade. Sua vida e trabalho foram uma grande bênção para o Povo Judeu, o Estado Judeu e toda a Humanidade.

“Sinto-me afortunado por tê-lo conhecido e ter aprendido de sua prodigiosa sabedoria. Em nome de todo o povo de Israel, Sara e eu enviamos condolências à toda a família Wiesel. Que a memória de Elie Wiesel, um elevado espírito que nos ensinou a lembrar, seja para sempre abençoado”.

Comunicado do presidente de Israel, Reuven Rivlin, sobre o falecimento do ganhador de Prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel
O presidente de Israel, Reuven Rivlin, comentou sobre sua tristez a quanto ao falecimento do ganhador do Prêmio Nobel da Paz e sobrevivente do Holocausto, Elie Wiesel, na noite deste sábado.

“Hoje à noite, nos despedimos de um herói para o Povo Judeu e de um gigante para toda a Humanidade. Elie Wiesel, que sua memória seja abençoada, personificou a determinação do espírito humano para superar o mais sombrio dos males e sobreviver a todas as adversidades.

“Sua vida foi dedicada à luta contra todo e qualquer  ódio e pelo bem do homem criado à imagem de Deus. Ele era um guia para todos nós. Um dos maiores filhos do Povo Judeu, que tocou os corações de tantos e ajudou-nos a acreditar no perdão, na vida e no vínculo eterno do Povo Judeu. Que sua memória seja uma bênção eternamente gravada no coração da nação”.

O 9° presidente de Israel, Shimon Peres, lamenta a perda de Elie Wiesel

“Hoje, o Povo Judeu e o mundo perderam um indivíduo maior do que a vida: o sobrevivente do Holocausto, escritore ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel.

“Wiesel deixou sua marca na Humanidade através da perseverança, da defesa do legado do Holocausto e do envio de uma mensagem de paz e respeito entre as pessoas por todo o mundo.

“Ele suportou as mais graves atrocidades da H umanidade. Sobreviveu e dedicou sua vida a transmitir a mensagem de “Nunca Mais”.

“Eu tive a honra e o privilégio de agradecê-lo pessoalmente por seus numerosos anos de trabalho e por salvar o mundo da apatia quando dei a ele a Medalha Presidencial em nome do Estado de Israel. Que sua memória seja uma bênção para todos nós”.

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A Conferência dos Prêmios Nobel:
Uma agenda para o Século XXI ?

Paulo Roberto de Almeida

Reunidos em Paris no período de 18 a 21 de Janeiro de 1988 para discutir sobre as “ameaças e promessas no alvorecer do Século XXI”, 75 Prêmios Nobel de 31 diferentes países divulgaram o resultado de seus trabalhos sob a forma de 16 conclusões e recomendações relativas aos mais importantes problemas da atualidade internacional deste final de século (vide Quadro).
A iniciativa do Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel, escritor judeu de naturalidade polonesa, foi sem dúvida alguma meritória, mesmo se cabe questionar a representatividade intrínseca de cientistas e homens de letras de origens as mais diversas (com maciça predominância norte-americana) e sua competência específica para debater problemas complexos que nos afetam a todos, mas de maneira variada. Uma vez que se reconhece, porém, a um biólogo o direito de apresentar propostas, enquanto cidadão, sobre problemas do desarmamento ou da educação, ou a um homem de letras o de argumentar sobre a melhor maneira de resolver o problema da dívida do Terceiro Mundo ou de acelerar a transferência de tecnologia em favor dos países em desenvolvimento, pode-se concordar em que o impacto mediático de uma conferência de laureados representa uma boa maneira de, mais uma vez, chamar a atenção da opinião pública ou dos homens de Estado para algumas das questões mais cruciais da agenda mundial.
O problema essencial, contudo, deve ser colocado da seguinte forma: as propostas dos Nobel são condizentes com a natureza das “ameaças” percebidas e suas recomendações caminham realmente em direção das “promessas” do século XXI? Se a principal qualidade de um bom cientista é a de ser um pouco “visionário”, isto é, de saber antecipar-se aos desafios futuros, as “conclusões” dos Prêmio Nobel devem ser julgadas à luz de sua adequação aos cenários desenhados para o próximo milênio, ou seja, segundo sua capacidade de realizar, nos termos do filósofo alemão Koselleck, uma “projeção utópica do futuro”.
Em outros termos, a agenda que os Nobel levantam hoje para os homens do presente corresponde efetivamente às necessidades de desenvolvimento das sociedades do futuro e as recomendações propostas representam algo mais do que simples manifestação de boa-vontade de homens desvinculados de tarefas executivas ou responsabilidades governamentais? Subsidiariamente, se poderia também indagar se os “remédios” propostos levam em consideração os meios atualmente disponíveis ou a organização social e política do sistema inter-estatal contemporâneo, bem como a relação de forças nele predominante.

Paulo Roberto de Almeida 
Paris, 22 de Janeiro de 1988; Genebra, 21 fevereiro 1988.

AS 16 PROPOSTAS DA CONFERÊNCIA DOS NOBEL

1. Todas as formas de vida devem ser consideradas como um patrimônio essencial da Humanidade. Causar dano ao equilíbrio ecológico constitui portanto um crime contra o futuro.
2. A espécie humana é única e cada indivíduo que a compõe tem os mesmos direitos à liberdade, à igualdade e à fraternidade.
3. A riqueza da Humanidade está também na sua diversidade. Ela deve ser protegida em todos os seus aspectos: cultural, biológico, filosófico e espiritual. Para isso, a tolerância, a atenção a outrém, a recusa das verdades definitivas devem ser incessantemente lembradas.
4. Os problemas mais importantes que a humanidade enfrenta atualmente são ao mesmo tempo universais e interdependentes.
5. A ciência é um poder. O acesso à ela deve ser igualmente repartido entre os indivíduos e os povos.
6. O fosso existente em muitos países entre a comunidade intelectual e os poderes públicos deve ser reduzido. Cada um deve reconhecer o papel do outro.
7. A educação deve tornar-se prioridade absoluta de todos os orçamentos e deve contribuir para valorizar todos os aspectos da criatividade humana.
8. As ciências e tecnologias devem estar à disposição de todos, especialmente dos países em desenvolvimento, de forma a permitir-lhes o controle de seu próprio destino e a definição dos conhecimentos que julguem necessários a seu futuro.
9. Se a televisão e os novos meios de comunicação constituem um instrumento essencial de educação para o futuro, a educação deve ajudar a desenvolver o espírito crítico em relação ao que é divulgado nesses meios.
10. A educação, a alimentação e a prevenção são os instrumentos essenciais de uma política demográfica e de redução da mortalidade infantil. A generalização do uso das vacinas existentes e o desenvolvimento de novas vacinas devem constituir a tarefa comum dos cientistas e dos homens políticos.
11. Todas as pesquisas relativas à prevenção e ao tratamento da AIDS devem ser partilhadas e estimuladas, sem bloqueios ou barreiras, especialmente através da cooperação da indústria farmacêutica. Uma vez disponível, a vacina contra a AIDS deve ser assegurada pelos poderes públicos.
12. A biologia molecular, que por seus recentes avanços permite prever progressos na medicina e no isolamento da dimensão genética de certas doenças, deve ser estimulada, o que permitirá prever e talvez curar essas doenças.
13. O desarmamento dará um estímulo significativo ao desenvolvimento econômico e social, tendo em vista os recursos limitados do mundo, atualmente drenados pela indústria armamentista.
14. Nós pedimos a organização de uma conferência internacional para tratar em seu conjunto do problema da dívida do Terceiro Mundo, obstáculo ao seu desenvolvimento econômico e poliítico.
15. Os governos devem comprometer-se sem ambiguidades e de maneira legalmente vinculatória com o respeito aos direitos do homem, assim como aos tratados por eles ratificados.
16. A conferência dos laureados do Nobel se reunirá novamente dentro de dois anos para estudar estes problemas. No intervalo, se uma urgência se manifestar, vários Nobel poderão reunir-se localmente, ou em todos os lugares onde os direitos do homem estiverem ameaçados.