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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Miséria da Política Externa - José Augusto Guilhon de Albiquerque

José Augusto Guilhon | Professor de Relações Internacionais

WASHINGTON É APENAS UM DETALHE, BEM QUE EU AVISEI

É A POLÍTICA EXTERNA, SEU TOLO
Em julho, “analistas” e “especialistas” de sempre, pegavam no pé do nosso presidente por causa do nepotismo moral de prometer nomear seu filho para a mais importante missão no exterior, a embaixada em Washington. Ora, o problema realmente grave é a condução de nossa política externa. Segue o blog que postei, comentando esse equívoco:

Bolsonaro está enrolando toda a imprensa e a grande maioria dos publicistas (como eram chamados os que escrevem e falam sobre a coisa pública). Dá vontade de zombar, desqualificar intelectualmente, contestar os fatos, condenar moralmente – concentrar-se nas inúmeras insuficiências intelectuais, morais e de personalidade do presidente. Em pura perda, porque, como já disse em blog anterior, nosso presidente atua por impulso, e não por escolha racional. 
Enquanto se discutem seus gestos e façanhas, os efeitos delas permanecem, e o alvo da controvérsia é totalmente infenso a ela, porque, como também já disse, ele jamais faria nada “disso daí”. Tanto isso vale para sua declaração de que jamais falaria de coisas estratégicas ao telefone, como quando explica que não pratica nepotismo nem favoritismo, nem toma decisões temerárias ao indicar uma pessoa inexperiente e sem qualificações para um posto diplomático que é vital para o interesse nacional.
Acho muito improvável – levando-se em conta a ligeireza com que trata de suas prerrogativas como chefe da Nação e do Estado – que saiba distinguir as questões estratégicas de seus compromissos com os interesses imediatos de seguidores. Tampouco acho provável que saiba distinguir suas relações pessoais de uma política de relações exteriores, a julgar pelo fato de empregar, como modelo de entendimento de tudo o que se passa na sociedade e no Estado, metáforas de relações conjugais, casamento, noivado, namoro e sexo.
Nossa embaixada em Washington é apenas um detalhe – sem dúvida importante, mas um detalhe – no que diz respeito à nossa política externa, que se encontra à deriva. Alguns exemplos concretos podem ajudar a esclarecer meu argumento.
Posso estar enganado, mas o momento de maior risco externo neste governo ocorreu em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, quando o Itamaraty e a Presidência da República cogitaram de coordenar com os EUA uma ação em território venezuelano, que não ocorreu graças à intervenção contrária das nossas Forças Armadas e à moderação de nossos vizinhos do Grupo de Lima. 
Isso se passou a milhares de léguas de Washington. A embaixada em Washington poderia ter aumentado o risco em mãos inexperientes e sem qualificações? Até poderia, tendo um chefe de missão alinhado com John Bolton, assessor de insegurança nacional de Trump. Diga-se de passagem: quem, da confiança de Macron ou de Merkel, ou mesmo de Johnson, tomaria a bênção de John Bolton ou de Steve Bannon?
Também a milhares de léguas de Washington, ocorreram as graves trapalhadas com navios de carga de bandeira iraniana. O embargo trumpiano ao Irã é um dos jogos de guerra prediletos do presidente americano, uma crise criada gratuitamente (mas com custos altíssimos), de acordo com a opinião geral dos especialistas em política externa mais destacados do mundo. Por causa de sua obstinação em alterar o acordo alcançado entre as principais potências mundiais e o Irã – sob a liderança de Obama –, Trump está cobrando um preço enorme aos principais aliados dos EUA em termos perdas de comércio, investimentos e segurança energética.
Todos os países sérios do mundo, especialmente as principais potências europeias, com dependência energética do fluxo de petróleo pelo Oriente Médio, definiram uma política para enfrentar ou contornar o embargo trumpiano, que prevê retaliações contra todas as empresas que não cumprirem seu diktat. E mantêm essa política em contínua evolução, uma vez que o que Trump diz não se escreve, e mesmo o que se escreve não se faz.
Embora as áreas governamentais da agricultura, do comércio exterior, de energia e do sistema bancário, possam e devam ser ouvidas, cabe ao Itamaraty, por orientação do Presidente da República, enfrentar a ameaça aos interesses nacionais provocada por Trump. O Presidente da República Federativa do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos da América, não compartilha com nenhum outro poder ou setor do governo (nem com o Itamaraty) a responsabilidade pela definição e a condução da política externa. 
O Itamaraty, portanto, – ou melhor, seu chefe – prevarica ao não possuir um protocolo bem definido sobre as políticas a serem seguidas pelo País em casos como o dos navios sob bandeira iraniana que a Petrobrás se recusou a abastecer. Na vigência desse protocolo, não se deixaria a questão do embargo ao sabor de um jogo de empurra entre decisões da Petrobras, de juízes de diferentes instâncias, ou do STF, despreparados que são, e sem autoridade constitucional para interferir na definição e condução da política externa brasileira.
É bem verdade que o Presidente da República abriu mão de ter uma política externa ao nomear um chanceler sem qualquer experiência de chefia de missão no exterior e ao entregar a definição de nossa política externa a outro país, como tornou público ao declarar, segundo a Folha (25/07/2019): “Sabe que estamos alinhados à política deles. Então, fazemos o que tem que fazer”. 
Em casos dessa natureza, é dever de Estado do chefe da diplomacia esclarecer ao Presidente a diferença entre alinhamento diplomático e subserviência a uma potência externa. É o que deveria distinguir o Brasil de Hong Kong e Macau, por exemplo, cuja política externa e de defesa estão a cargo de Pequim. 
O prejuízos aos interesses nacionais e a sua segurança internacional estão – e tudo indica que continuarão – em risco, independentemente de quem for efetivamente nomeado para Washington.

O NEO-ENTREGUISMO DA NEO-DIREITA

A noção de que o radicalismo é uma opção estratégica de atores sociais e políticos, e não o resultado espontâneo da convivência humana, não é intuitiva. Apenas a reflexão teórica a partir de fatos observados permite explica-la. Um exemplo singelo pode ajudar a entender este argumento. 
As opiniões políticas, sociais, morais, religiosas, etc., expressam-se geralmente ao longo de um amplo espectro, com tênues divergências entre as diferentes denominações. A hipótese teórica que cabe aqui, é que a polarização provém de uma opção deliberada das denominações extremas, de definir, como principal ameaça a ser combatida e neutralizada, a imensa maioria que as separa. Observe-se que o espectro de diferenças “ideacionais” entre as denominações é geralmente extenso e difuso, o que equivale a dizer que cada variante tende a ser pequena e as alas extremadas a serem minúsculas.
Tudo isso para falar da suposta radicalização entre “nacionalistas” e “entreguistas” ao longo da segunda metade do século passado neste País e, com isso, justificar por que classificar o governo neo-direitista de Bolsonaro como um governo neo-entreguista. Em todo o período mencionado, essas classificações eram mais categorias de ofensa e armas eleitorais do que critérios de diferenciação, tais como seriam hoje as acusações de neoliberalismo ou de globalismo. Ora, a maioria dos acusados de neoliberalismo, no passado ou no presente (não são os mesmos…), sequer poderiam ser considerados liberais, e a imensa maioria dos chamados globalistas sequer sabe do que se trata. 
Tradicionalmente, chamava-se de “entreguistas” os que não excluíam totalmente a presença de capitais estrangeiros no País e, mais importante, não consideravam os EUA uma potência agressora. “Nacionalistas”, por sua vez, eram tachados de “comunistas”, desde que não considerassem a União Soviética um perigo iminente de agressão. Ambos – “nacionalistas” e “entreguistas” – eram ao menos parcialmente estatistas, de moderadamente desenvolvimentistas para cima e favoráveis a proteger o comércio e as indústrias que competiam com importações – que muitos “nacionalistas” chamavam de “burguesia nacional”.
Governos como o brasileiro, o americano, o húngaro, o turco, são hoje chamados, pela literatura internacional de Ciência Política, de “neo-direita” por não se encaixarem no conceito tradicional de direita. Mas o governo Bolsonaro possui, ademais, uma característica única na neo-direita contemporânea, ao aceitar uma tutelagem explícita exercida por uma potência estrangeira, isto é, ao colocar-se numa posição de protetorado – ou seja, um país soberano, cuja política externa e cuja defesa de interesses vitais são, não obstante, exercidos por uma potência estrangeira.
Dois breves exemplos de que o Brasil de Bolsonaro é um protetorado dos EUA de Trump: o enviado especial de Bolsonaro a Washington – seu filho – em companhia de seu chanceler, disse a jornalistas brasileiros à saída de uma reunião com Trump que “Brasil e os Estados Unidos estão aliados e, em que pese alguns líderes tentarem fazer qualquer tipo de negociação com a Amazônia sem a presença do Brasil, vão encontrar muitos problemas de tentar fazê-la porque os Estados Unidos vão se opor a isso”.


O chanceler de Bolsonaro tinha uma agenda secreta – amplamente divulgada pela imprensa – em meados de julho: revisar o discurso do presidente brasileiro na abertura da Assembleia Geral da ONU, com um ex-estrategista chefe de uma potência estrangeira, Steve Bannon. 

sábado, 12 de outubro de 2019

A guinada ultraconservadora da diplomacia brasileira na ONU a pedido dos EUA - Jamil Chade

Jamil Chade refaz a trajetória da inversão conservadora da diplomacia brasileira, atendendo a demandas dos EUA nas questões da mulher, e confirmando a submissão servil - redundante, eu sei - a tudo o que vem do governo Trump. Diplomatas brasileiros evitarão falar a respeito dessa nova vergonha política, pois todos eles dependem do Gabinete do chanceler para promoção, remoção ou chefias na Casa. 
Trata-se do maior afundamento da dignidade da diplomacia brasileira em décadas.
Paulo Roberto de Almeida 

Exclusivo: os bastidores da nova política externa brasileira, "inspirada" na Casa Branca. https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/10/12/eua-acionam-brasil-para-implementar-agenda-ultraconservadora-na-onu/ 

EUA acionam Brasil para implementar agenda ultraconservadora na ONU Jamil Chade 12/10/2019 04h00 Trump e Bolsonaro se cumprimentam durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington (REUTERS)   Nos bastidores, a guinada ideológica sem precedentes no Itamaraty teve pressão direta de Washington, resistência de diplomatas brasileiros e novo alinhamento do governo nas entidades internacionais.     GENEBRA – Em fevereiro deste ano, muitos na ONU respiraram aliviados. Numa primeira visita da ministra de Direitos Humanos às Nações Unidas, Damares Alves não criou polêmicas e falou abertamente sobre a questão de gênero, direitos das mulheres e educação sexual. Vítima de abus... - Veja mais em https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/10/12/eua-acionam-brasil-para-implementar-agenda-ultraconservadora-na-onu/?cmpid=copiaecola

Retomo (PRA):


Uma tal subserviência da diplomacia brasileira a diretrizes determinadas em Washington, em total contradição com posturas exibidas tradicionalmente pela diplomacia tradicional do Brasil, tem poucos precedentes, provavelmente nenhum, na nossa longa história de política externa orientada em função de critérios que refletem determinados consensos da sociedade brasileira.
Agora não mais: no afã de atender e de seguir recomendações ou sugestões emanadas dos setores ultraconservadores da administração Trump, ou pressionadas por setores identificados com as mesmas posturas no próprio Brasil, as novas instruções dadas pelo Gabinete do chanceler brasileiro se conformam fielmente às ideias extremistas defendidas por esses setores do governo bolsonarista.
Em resumo, a diretriz básica dessa diplomacia abjetamente servil adotada a partir de agora pelo Brasil da extrema-direita parece ser apenas esta:
The world according to Washington.
Não tenho registro histórico de episódios semelhantes que possam ter humilhado a diplomacia profissional brasileira nessa perda total de autonomia política decisória. Talvez tenha ocorrido algo similar no início da Guerra Fria, quando o então delegado brasileiro na ONU, Oswaldo Aranha, foi admoestado pelo Governo Dutra, extremamente servil aos EUA, por não ter votado exatamente como a delegação americana numa resolução qualquer, quando tinham sido os próprios americanos que mudaram repentinamente de posição, sem comunicar a nova postura aos seus “satélites” da época, entre os quais se incluia o Brasil alinhado com Washington. 
Salvo esse precedente, não se tem memória de casos em que tenhamos descido tão baixo na sabujice explícita. 
A “nova” diplomacia brasileira, supostamente “sem ideologia”, envergonha o corpo profissional do Itamaraty, pela extrema ideologia de suas posturas radicalmente em ruptura com padrões seguidos até recentemente. 
Cabe repetir o título de meu livro de 2014: “Nunca antes na diplomacia...”
Vou ter de reescrever esse livro.
Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 12/10/2019

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

"Política externa para o povo": os resultados práticos - Paulo Roberto de Almeida

No último domingo, 6/10, eu havia feito a postagem seguinte:

domingo, 6 de outubro de 2019


Política externa: os desastres em série

E ainda não acabou:

Resultados práticos da “política externa para o povo” do olavo-bolsonarismo diplomático dos últimos 9 meses:
1) reforçaram o chavismo-madurismo na Venezuela;
2) trouxeram de volta o peronismo argentino;
3) converteram o Brasil em pária internacional, e não só no meio ambiente;
4) iniciaram uma luta insana contra a “ideologia de gênero” nos foros internacionais;
5) aliaram o Brasil aos mais execráveis líderes da extrema-direita mundial.

Tem muito mais a apresentar...
Até quando irá a destruição da política externa e da diplomacia brasileira sob a direção dos aloprados que subordinaram o Brasil aos desejos de Trump?
Paulo Roberto de Almeida
Pirenópolis, 6/09/2019
Nesta sexta-feira, podemos atualizar a lista dos desastres:

1) Bye-bye OCDE (pelo futuro previsível);
2) Bye-bye aprovação de Bolsokid para Washington;
3) Bye-bye aliança pessoal com Trump? (ainda não é certo, mas já está enfraquecido);
4) Bye-bye aliados argentinos (sem visita bilateral em vista?);
5) Bye-bye Conselho de Direitos Humanos? (em breve);
6) Bye-bye coordenação com EUA na questão da Venezuela;
7) Bye-bye acordo Mercosul-UE?;
8) Adeus credibilidade da diplomacia brasileira;
9) Adeus a velhos amigos na Itália (onde mais?);
10) Adeus às últimas ilusões de que os aloprados pudessem se corrigir...

A lista ainda terá muitos outros acréscimos. Aguardem.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11/10/2019


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A diplomacia brasileira é uma nau sem rumo - Paulo Guedes, Paulo Roberto de Almeida

Inacreditável o que leio hoje na imprensa brasileira. 
Estupefação minha com a matéria transcrita mais abaixo: 
Todas as pessoas minimamente informadas sobre temas de política externa sabem que a inconsciência diplomática do governo Bolsonaro é incomensurável. Agora, descobrir que o ministro da Economia se revela também um imenso ignorante nessas matérias é mais do que preocupante: é propriamente devastador para o futuro do Mercosul e para a própria credibilidade da diplomacia brasileira.
Será que estamos entregues a um bando de neófitos, inconscientes, ignorantes?
Paulo Roberto de Almeida

Guedes: Brasil pode sair do Mercosul se oposição vencer na Argentina
O governo brasileiro cogita deixar o Mercosul caso a chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner vença a eleição presidencial da Argentina, afirmou o ministro Paulo Guedes (Economia). Uma eventual saída dependeria, segundo Guedes, da intenção da chapa de “fechar a economia” do país vizinho.
Assim como presidente Jair Bolsonaro, o ministro disse que a reeleição de Maurício Macri facilitaria a relação, mas emendou: “Desde quando o Brasil precisou da Argentina?”. Importante parceiro comercial, os argentinos vivem turbulências na economia há 19 anos.

Matéria completa: 

Guedes diz que Brasil pode sair do Mercosul se Kirchner vencer eleição e fechar economia da Argentina

'Desde quando o Brasil precisou da Argentina?' pergunta ministro sobre o país que é o terceiro maior parceiro comercial brasileiro

Leo Branco
O Globo, 15/08/2019 - 16:23 / Atualizado em 15/08/2019 - 22:04
O ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Reuters
O ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Reuters
SÃO PAULO - O ministro Paulo Guedes disse nesta quinta-feira que o Brasil pode sair do Mercosul caso a candidatura do peronista Alberto Fernández, em que a ex-presidente Cristina Kirchner é candidata a vice, vença as eleições presidenciais da Argentina, marcadas para outubro.
— Não podemos ficar pendurados na crise da Argentina. O Mercosul, claro, é um veículo de inserção do Brasil no comércio internacional. Mas, se a (Cristina) Kirchner quiser entrar e fechar a economia deles? Se quiser fechar a gente sai do Mercosul. Se ela quiser ficar aberta? Beleza, continuamos. O Brasil é uma economia continental. Temos que recuperar a nossa economia — disse Guedes, em evento a empresários e investidores promovido pelo banco Santander, em São Paulo.
Para Guedes, uma continuidade do governo Macri facilitaria a abertura comercial do Brasil, inclusive com os Estados Unidos, por causa da proximidade entre Macri, Bolsonaro e o presidente americano Donald Trump.
— Evidentemente há química excelente do (Mauricio) Macri com o presidente Bolsonaro, e os dois com Trump. Isso tudo facilita as coisas (para uma abertura comercial). Agora, o destino é dos argentinos. Nós somos um país continental e precisamos resolver a nossa dinâmica de crescimento. Desde quando o Brasil precisou da Argentina? — disse Guedes, dizendo que o governo tem preocupação “zero” com um eventual aprofundamento da crise no país vizinho.
À tarde, em palestra durante seminário de gás natural no Rio, Guedes disse que não teme efeitos de uma eventual crise na Argentina ou no mundo, e que o Brasil poderá se aproveitar de eventuais oportunidades em tal cenário — promovendo, por exemplo, o crescimento da atividade de setores da indústria.
— Não vai ser nenhum ventinho do Sul, ou ventania do mundo inteiro que vai dessincronizar o Brasil — disse Guedes. — Não tenho nenhuma preocupação. É evidente que, quando se tem o vento favorável,  fica melhor para o país. Mas nós temos muita convicção de que a dinâmica de crescimento da economia brasileira é própria. O Brasil é uma economia continental. Durante os últimos 15 anos o mundo estava crescendo aceleradamente  e nós não estávamos participando disso. Agora pode ser o contrário, o mundo pode desacelerar e podemos acelerar.
De acordo com o ministro, o país sempre teve uma dinâmica própria de crescimento.
— O Brasil foi até um pouco desindustrializado durante o período em que o câmbio se valorizou  — disse  Guedes. — Agora pode ser o contrário, se o mundo desacelera e caem os preços das commodities, o dólar pode subir um pouco menos e em compensação, com  energia mais barata e o câmbio um pouco mais alto, você  vai reindustrializar vários setores, como autopeças, móveis, sapatos, indústria têxtil. Nós não devemos temer o efeito contágio, o Brasil tem uma dinâmica própria. É  uma ventania que incomoda um pouquinho.
A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, depois da China e dos Estados Unidos. Atualmente, a Argentina compra mais do Brasil do que países como Alemanha e Holanda, e é a principal compradora de produtos manufaturados brasileiros.
No domingo, a candidatura de Fernández ficou com 47% dos votos nas primárias obrigatórias, uma espécie de prévia da votação de 27 de outubro. A chapa do presidente Maurício Macri, de cunho liberal, ficou com 32% dos votos.
O fraco desempenho de Macri, muito abaixo das previsões de analistas, provocou pânico no mercado financeiro na Argentina e com repercussões no Brasil. O risco, para muitos analistas, é de que a volta de Cristina ao poder prejudique a abertura comercial e a liberalização econômica promovida por Macri e, também, o acordo comercial assinado entre Mercosul e a União Europeia, assinado em julho.
Guedes avaliou ainda que o Brasil está preparado para a turbulência global causada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China, e agravada entre os países do Mercosul pela incerteza causada pelo resultado pré-eleitoral da Argentina. Para o ministro, a economia brasileira tem uma “dinâmica de crescimento própria” por ser uma das mais fechadas do mundo.
— Vamos continuar abrindo a nossa economia. Não somos dependentes da crise. Fechamos a nossa economia e por isso somos uma ilha, temos uma dinâmica própria de crescimento — disse à plateia.
Mais cedo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, não quis fazer uma previsão sobre o futuro do Mercosul caso Alberto Fernández vença a eleição presidencial na Argentina. Fernández e Cristina são tratados por Jair Bolsonaro como “ bandidos de esquerda ”. Em resposta, o candidato da oposição argentina chamou o brasileiro de "racista, misógino e violento".
— Temos que ver qual a plataforma que eles trariam nesta hipótese — disse o ministro.
Após três dias de perdas, a moeda argentina se valorizou 4,88% nesta quinta-feira, fechando a 57,10 pesos, um dia depois que Macri e o candidato opositor Alberto Fernández pediram calma aos mercados. Os papeis das empresas argentinas em Wall Street também subiram, e risco país, que mede o risco de não pagamento da dívida, caiu 8,5%, para 1.780 pontos — uma queda de 166 pontos em relação ao fechamento anterior.


segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Mini-reflexão sobre a política externa brasileira atual - Paulo Roberto de Almeida


Mini-reflexão sobre a política externa brasileira atual

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentário; finalidade: salvaguardar a dignidade da diplomacia brasileira]


A mediocridade da atual diplomacia brasileira se reflete inteiramente nas falas destrambelhadas do titular presidencial, antagonizando gratuitamente países relevantes — França, Alemanha, por exemplo — para uma implementação bem-sucedida do acordo Mercosul-UE.
Eu até colocaria o sucesso preliminar da chapa liderada por Cristina Kirchner nas primárias argentinas como resultando parcialmente das desastradas intervenções de JB na política interna do país vizinho.
O que faz o chanceler que não consegue educar diplomaticamente um indivíduo que não tem a menor noção do que seja uma política externa compatível com padrões mínimos de relações internacionais?
A servidão voluntária a uma grande potência — os EUA de Trump —, que exibe igualmente uma postura diplomática absolutamente disfuncional em termos dos mesmos padrões, também diminui terrivelmente a dignidade de nossa diplomacia. O próximo envio de um aliado das mesmas causas como representante diplomático brasileiro junto à capital dessa grande potência nos confirmará como adesista voluntário, sem qualquer dignidade, de objetivos que não convergem com nossos interesses nacionais. Nunca antes nos tínhamos colocado numa posição de tamanha subordinação a uma outra potência, uma escolha pior que a de Portugal em 1807, isso porque é feita numa total inconsciência de quais sejam os interesses nacionais permanentes.

Lamento pelo Itamaraty e pelos diplomatas profissionais o fato de termos descido tão baixo na escala do reconhecimento internacional em relação à atual agenda de trabalho da diplomacia brasileira, relegando o Brasil a um quase “pária diplomático”, pelas falas e ações dos atuais responsáveis pela nossa política externa.
O Itamaraty sobreviverá a tempos tão sombrios, mas não sem a sua autoestima severamente diminuída por causas desses destemperos verbais de quem — no plural — não tem as condições mínimas para bem representar o país no plano externo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de agosto de 2019

domingo, 11 de agosto de 2019

O alinhamento voluntário com os EUA: Hussein Kalout (OESP)

'Relação com EUA Não requer alinhamento'

Paulo Beraldo
O Estado de São Paulo, 11/08/2019

As relações entre Brasil e Estados Unidos devem ser estratégicas e complementares, com benefícios para as áreas de comércio, tecnologia, segurança e defesa, sem alinhamentos ou subordinação, afirmou ao Estado o cientista político Hussein Kalout, pesquisador de Harvard e ex-secretário de assuntos estratégicos da Presidência da República . "O Brasil não deve se permitir ser uma mera peça na engrenagem da política exterior de outros países", disse. 
Nesta entrevista, Kalout também fala sobre a possibilidade de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, assumir o posto de embaixador em Washington e da política externa do governo brasileiro. A seguir os principais trechos:
INDICAÇÃO DE EDUARDO COMO EMBAIXADOR
Os questionamentos postos à baila nos meios político e diplomático consistem em dois aspectos: dúvidas quanto à capacidade do indicado de exercer uma complexa função de Estado e o aspecto legal e moral da indicação. Não há decisão judicial que limite a prerrogativa do presidente nesse sentido. Portanto, é legal. Pode, talvez, ser vista como amoral. A diplomacia tem uma gramática própria e não se aprende o seu ofício de um dia para outro. Mas, se o futuro embaixador tiver disciplina para aprender, temperança para operar o complexo mundo de Washington e disposição para ouvir os seus auxiliares, acredito que os riscos se minimizam.
AS RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE BRASIL E EUA
É fundamental alçar as relações bilaterais Brasil e Estados Unidos ao patamar de uma parceria estratégica e elevar a complementaridade entre os dois países em matéria comercial, tecnológica, securitária e de defesa. Uma relação produtiva com os Estados Unidos não requer alinhamentos de lado a lado e tampouco subordinação de interesses. O que um país da latitude do Brasil não deve se permitir é ser uma mera peça na engrenagem da política exterior de outros países. 
ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO COM OS EUA
Isso dependerá de algumas variáveis. Donald Trump precisa de um mandato negociador do Senado americano para iniciar quaisquer tratativas. Não sei se há tempo suficiente antes da eleição. Do lado do Brasil, não podemos negociar acordos comerciais à margem do Mercosul e de forma unilateral. Precisamos convencer os demais parceiros. Se um acordo impulsionar a nossa produtividade, competitividade e promover um salto tecnológico, então é importante. 
ELEIÇÃO PRESIDENCIAL NOS EUA EM NOVEMBRO
É importante não escolher lado na eleição dos Estados Unidos. Vai ser preciso dialogar com os dois espectros da política americana e construir pontes com os mais variados setores. No longo prazo, temos interesses a defender e eles são diversificados. 
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Sem o predomínio de um firme projeto nacional e de uma calibrada estratégia de Estado na modulação da política externa, o Brasil continuará sem avançar em variados tabuleiros e seguirá desperdiçando seu imenso potencial de se tornar mais próspero e desenvolvido.
PAPEL DO BRASIL NO MUNDO
Nossa estratégia precisa se organizar sobre o conjunto de elementos objetivos que delimitam a latitude e a influência de uma nação no mundo, como o seu poder econômico-comercial, político, militar, de inteligência e científico-tecnológico. Sem esses elementos bem alinhados entre si, será difícil elevar ao máximo os interesses do Estado brasileiro no mundo. No caso brasileiro, esses elementos de poder encontram-se assimétricos entre si. O nosso poder nas esferas militar, científico-tecnológico ou de inteligência não é correspondente ao de um país que está entre as dez maiores potências econômicas do mundo.
AMÉRICA DO SUL
Nossa política exterior deve se concentrar na consecução de um projeto estratégico para a América do Sul e focar na materialização dos interesses econômico-comerciais do País nos principais mercados e cadeias de valor. Além disso, deve desenvolver uma política específica para lidar com as grandes potências - nisso se incluem EUA e China - e impulsionar a capacidade de nosso desenvolvimento científico e tecnológico. É importante ter clareza que liderança tem custo e gera obrigações. Antes de se lançar em qualquer arena, se não projetarmos o nosso poder no nosso entorno regional, não iremos liderar nada em lugar algum. 
EQUILÍBRIO ENTRE MEIO AMBIENTE E AGRONEGÓCIO
O Brasil é uma potência ambiental e agrícola. Temos sido bem sucedidos em conjugar esses instrumentos, ganhando mercados e liderando discussões da agenda internacional sobre o desenvolvimento sustentável. O Brasil se tornou um ator incontornável em ambos os temas. A quebra desse equilíbrio só tende a prejudicar os nossos interesses. 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Política externa: "Falta de inteligência" - Merval Pereira (Globo)

Falta de inteligência é uma redundância em certas circunstâncias...
Merval Pereira já reflete alguns dos argumentos de meu mais recente livro...
Paulo Roberto de Almeida

Falta de inteligência

O alinhamento total de nossa política externa com os Estados Unidos do governo Trump já está rendendo consequências negativas para o Estado brasileiro. Depois de diversas polêmicas provocadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a Alemanha começou a retirada de seu apoio a ações de proteção da região amazônica. 
Salles começou querendo assumir a gestão do Fundo Amazônia, mudando as diretrizes que os doadores consideravam ajustadas ao objetivo do projeto. Durante a renegociação, com a negativa dos dois países europeus de aceitarem os novos critérios do governo brasileiro, Salles chegou a acusar a exploração do petróleo na região ártica pela Noruega de provocar danos ambientais. 
A Noruega reagiu, afirmando que sua atividade petrolífera no Ártico é a mais limpa possível, obedecendo às normas de preservação da natureza. A irritação do governo brasileiro com o que considera “intromissão” de países europeus nos negócios internos foi revelada em diversas ocasiões, de maneira pouco diplomática. 
O próprio presidente Bolsonaro recentemente fez ironia com os encontros que já teve com o presidente da França Emanuel Mácron e a primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel: “Vocês imaginam como eu gostei de conversar com os dois”, disse a jornalistas. 
O vice-presidente Hamilton Mourão pegou carona na zombaria e comentou os acessos de calafrio que a chanceler alemã andou tendo em público. Para ele, Merkel tremeu depois de uma “encarada” de Trump, a quem chamou de “nosso presidente”.
O descontentamento do presidente Bolsonaro com as atitudes da França em relação à nossa política ambiental foi de demonstrado de maneira grosseira no cancelamento de uma audiência que teria com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean Yves Lê Drian.
Bolsonaro soube pela imprensa que ele se reunira um dia antes com representantes de ONGs e ambientalistas, e considerou uma desfeita. Em entrevista ao jornal Tagesspiegel, a ministra do Meio Ambiente da Alemanha, Svenja Schulze, informou neste fim de semana que o país vai suspender o financiamento de projetos para a proteção da Amazônia, financiados pelo fundo internacional que já existe há três anos e já investiu cerca de R$ 3 bilhões em diversos projetos de preservação. 
A decisão do governo, segundo a ministra, foi tomada porque “a política do governo brasileiro na região amazônica deixa dúvidas se ainda se persegue uma redução consequente das taxas de desmatamento”. Num primeiro momento serão suspensos projetos no valor de 35 milhões de euros. 
Também o governo francês tem dúvidas sobre o compromisso do novo governo brasileiro de manter uma política de preservação ambiental, por isso já declarou que só assinará o acordo da União Europeia com o Mercosul se o Brasil se comprometer com uma política ambiental sustentável. 
O fato é que, para o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, a Europa representa a decadência do Ocidente, enquanto os Estados Unidos e o deus de Trump são a salvação. Assim como nos governo petistas, a política Sul-Sul desvalorizava os postos nos Estados Unidos, e apontava os países da América Latina e África como o futuro da nossa diplomacia, agora vai-se para o extremo oposto. 
Os EUA constituem agora um departamento exclusivo, mas a Europa encontra-se relegada à vala comum da África e do Oriente Médio, já que ela seria um “vazio cultural”. É o que aponta o diplomata Paulo Roberto Almeida, exonerado, no início do ano do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty. Punido por ter publicado em seu blog pessoal textos críticos à nova política externa brasileira, seus e de outros, como o diplomata Rubens Ricupero e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. 
No livro recém-lançado A destruição da inteligência no Itamaraty, Paulo Roberto Almeida pergunta: (...) onde está a política externa do Brasil? Nos ridículos destemperos olavistas contra o globalismo? Na luta contra o marxismo cultural? Numa aliança com todos os regimes direitistas e xenófobos da Europa e com Trump?
Na denúncia do Pacto Global das Migrações, quando o Brasil justamente possui dez ou vinte vezes mais emigrantes do que imigrantes e esse instrumento não afeta em nada nossa soberania?”