O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador política externa brasileira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador política externa brasileira. Mostrar todas as postagens

domingo, 11 de junho de 2023

Curso preparatório à carreira diplomática: Simulado de junho 2013: Política Externa Brasileira, de Dutra a Figueiredo - Paulo Roberto de Almeida


BANCA DO SIMULADO DE JUNHO DO DIPLOMACIA CACD

1. POLÍTICA INTERNACIONAL 

- Prof. Dr. Embaixador Paulo Roberto de Almeida: 

- Prof. Dr. Nidi Bueno (Georgetown University)

- Prof. MSc. Felipe Rodrigues (Universidade de Coimbra)

3. HISTÓRIA MUNDIAL

- Prof. Dr. Delmo Arguelhes

- Prof. Dr. Carlos Dominguez

- Prof. Dr. Nidi Bueno (Georgetown University)

4. GEOGRAFIA

- Prof. Fábio Sabbath

- Prof. Telmo Ribeiro

5. DIREITO E DIP

- Prof. MSc. Eduardo M. Frizzo

6. NOÇÕES DE ECONOMIA 

- Profa. MSc. Jaqueline Damaceno (Universidade de Coimbra)

Prof. MSc. Felipe Rodrigues (Universidade de Coimbra)

7. LÍNGUA INGLESA 

- Prof. Dr. Denilson Barbosa

8. LÍNGUA PORTUGUESA 

- Prof. Ricardo Pereira


Segue abaixo os dados para o pagamento via PIX.

diplomacia@diplomaciacacd.com.br 

WORLD ACADEMY OF PARADIPLOMACY AND INTERNATIONAL COOP


Ementa do meu curso: Paulo Roberto de Almeida 

Panorama do curso
Política Externa Brasileira, de Dutra a Figueiredo

SERVIÇOS INCLUÍDOS

- Bibliografia GRATUITA

- Orientação Bibliográfica- 

- 2 Simulados

- Boletim de Desempenho Individual (BDI)

- Aulas de Correção dos Simulados (Nidi Bueno, Georgetown University)

Início: 12/05/2023

Professores:

- Paulo Roberto de Almeida, PhD (Diplomata de carreira, Embaixador e Doutor em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles)

- Nidi Bueno, PhD (Doutor e Pós-Doutor em Relações Internacionais, Professor-Visitante da Georgetown University).

DISTRIBUIÇÃO DAS ATIVIDADES 

São 10 encontros, divididos em:

- 6 aulas teóricas (1h30min minutos cada),

- 2 aulas de Resolução de Exercícios (1h30min cada)

- 2 Simulados

- Emissão de 2 Boletins de Desempenho Individual (BDI)



segunda-feira, 5 de junho de 2023

Política externa brasileira sofre de excesso de diplomacia presidencial - Oliver Stuenkel (Estadão)

Tenho um capítulo sobre os péssimos efeitos da diplomacia presidencial em meu livro Apogeu e demolição da política externa (Appris, 2021). 



Política externa brasileira sofre de excesso de diplomacia presidencial

Por Oliver Stuenkel
04/06/2023 | 22h00

Ao longo dos primeiros cinco meses de governo, o presidente brasileiro obteve uma série de êxitos notáveis na política externa. Em meio a um alívio generalizado com a saída de Jair Bolsonaro em capitais mundo afora, a mensagem de Lula de que o Brasil “está de volta”, articulada durante a COP-27 no Egito em novembro do ano passado, surtiu efeito: o governo brasileiro conseguiu normalizar suas relações com seus os principais parceiros e ainda obteve promessas de importantes aportes financeiros para apoiar o país no combate ao desmatamento da Amazônia. Mesmo sendo conquistas relativamente fáceis – conhecidas no jargão diplomático como “low-hanging fruit” (algo de fácil alcance), é inegável que Lula, uma das lideranças políticas mais conhecidas do mundo, teve papel importante no processo de consolidar a narrativa da normalização para o público global.

Ao longo do mês passado, porém, o presidente gerou vários desgastes desnecessários que apontam os riscos da diplomacia presidencial. Afinal, com apenas uma frase, um chefe de Estado pode desfazer o trabalho de meses de sua equipe diplomática. O caso da Ucrânia é emblemático. A ideia de Lula de que o Brasil poderia participar de uma possível mediação no conflito em decorrência da invasão russa não é problemática em si. Porém, vem causando fricção a forma errática como o presidente brasileiro tem conduzido a política externa em relação ao conflito. Em vez de promover o diálogo a portas fechadas e testar diferentes ideias nos bastidores, Lula fez inúmeras declarações públicas que causaram consternação no Ocidente – e particularmente em Kiev. Por exemplo: ao sugerir publicamente que a Ucrânia ceda a Crimeia aos russos para negociar a paz – sem averiguar primeiro, a portas fechadas, como a proposta seria recebida –, prejudicou sua própria imagem, reduziu as chances de o Brasil ser aceito por Kiev como mediador e gerou tensões facilmente evitáveis com os EUA e vários países europeus. O presidente turco Recep Erdogan, por outro lado, atuou de forma muito mais discreta, porém com um papel-chave, na negociação entre Kiev e Moscou, de um acordo que permite a exportação de grãos ucranianos.

Outro desgaste desnecessário se deu na semana passada, quando uma série de comentários desastrados de Lula sobre a situação na Venezuela – inclusive exaltando a “legitimidade democrática” de Maduro – contaminou a cúpula dos líderes sul-americanos e obrigou os presidentes do Uruguai e do Chile a se distanciarem publicamente da visão do presidente brasileiro. O anfitrião, que havia organizado o encontro justamente para reconstruir pontes e fortalecer a convergência, fez com que a reunião fosse lembrada pela falta de consenso.

Agora que a lua de mel diplomática do governo brasileiro acabou, os próximos desafios externos serão bem mais complexos – e o custo de errar aumentará. No âmbito dos Brics, o Brasil sofrerá pressão imensa por parte da China e da Rússia, interessadas em ampliar o grupo para formar uma aliança anti-ocidental, algo que não é do interesse brasileiro. Declarações favoráveis à adesão da Venezuela aos Brics, feitas por Lula no calor do momento, terão um custo estratégico alto se ocorrerem no âmbito da cúpula do grupo, pois vão contra os esforços do Itamaraty de manter a exclusividade do grupo. Para o Brasil, fazer parte de um Brics diluído com integrantes menos relevantes – virando uma espécie de G77 – representaria imensa perda de prestígio.

Com as eleições argentinas se aproximando, assessores diplomáticos do presidente Lula terão que fazer de tudo para convencê-lo a não repetir os erros de Jair Bolsonaro e fazer comentários públicos a favor ou contra os candidatos no país vizinho, pois pode estragar a relação com quem quer que vença o pleito, mesmo antes da posse.

Tradicionalmente, desafios políticos internos atrapalham a condução da política externa, pois demandam muita dedicação e energia dos mandatários. No caso do governo Lula, porém, as recentes tensões entre o Planalto e o Congresso podem, paradoxalmente, ter um impacto positivo: com o presidente mais ocupado em Brasília, aumenta a chance de o chanceler Mauro Vieira ter mais controle sobre a condução da política externa e reduzir o risco de desgastes desnecessários. Um dos diplomatas mais experientes de sua geração, Vieira é conhecido por seu profissionalismo e sua discrição, atributos altamente relevantes para a política externa brasileira neste momento.


terça-feira, 2 de maio de 2023

Curso preparatório ao ingresso na carreira diplomática: Política Externa Brasileira, de Dutra a Geisel-Figueiredo

Curso preparatório ao ingresso na carreira diplomática: Política Externa Brasileira


Caros estudantes, candidatos à carreira diplomática, uma das mais belas carreiras do funcionalismo federal, à qual estive vinculado desde o final do regime militar até a recente fase de relativo declínio da presença do Brasil no cenário internacional. Depois de uma longa carreira paralela na academia, na qual dediquei-me bem mais a cursos de pós-graduação e à elaboração de livros, ensaios e artigos sobre as relações internacionais, a política externa e a diplomacia do Brasil, assim como temas de economia internacional e de integração regional, decidi engajar-me no curso Diplomacia CACD, com vistas à preparação de candidatos aos exames de ingresso na carreira.

 

Segue abaixo o link para inscrição no curso de Política Internacional, no qual examinarei as relações exteriores e a política externa do Brasil no pós-Segunda Guerra, desde a presidência Dutra, até o último governo do regime militar, começando no próximo dia 12 de maio até 30 de junho, uma vez por semana, sempre às sextas-feiras.

 

Revisão de pré-TPS: Política Internacional

Política Externa Brasileira, de Dutra a Geisel-Figueiredo

http://legatio.com.br/diplomaciacacd/home/course/revis%C3%A3o-pr%C3%A9-tps-pol%C3%8Dtica-internacional/29

 


terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Em contraste com Bolsonaro, Lula deve priorizar diplomacia presidencial - Ana Flávia Castro (Metrópoles)

 Em contraste com Bolsonaro, Lula deve priorizar diplomacia presidencial


Lula terá como prioridade retomar protagonismo na América Latina e "reconstruir pontes" com aliados. Pelo menos 17 líderes vêm para a posse

Ana Flávia Castro
Metrópoles, 20/12/2022

O próximo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), terá a missão de restaurar a imagem do país perante a comunidade internacional. Em oposição à necessidade de se firmar como liderança na América Latina, como em gestões anteriores, no próximo governo, Lula deve apostar na diplomacia como um instrumento de legitimação interna e governabilidade, após eleições extremamente polarizadas.

Com a proposta de restabelecer pontes fragilizadas, o petista tem ao menos três agendas ao exterior confirmadas para o início da gestão. Ele terá encontros com os presidentes da Argentina, Estados Unidos (EUA) e China —, na expectativa de retomar o protagonismo brasileiro em termos de diplomacia.

Nomeado o próximo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira sinalizou que o governo pretende “trazer o Brasil de volta à cena internacional” a partir de três eixos principais: fortalecer a relação com vizinhos sulamericanos, estreitar laços com nações africanas e restabelecer alianças com parceiros tradicionais como EUA, China e União Europeia.

Recordista entre os ex-presidentes em termos de viagens ao exterior, o terceiro mandato do petista foi bem recebido por lideranças mundiais. Ao menos 17 chefes de Estado confirmaram presença na posse, em 1º de janeiro. Número que, caso se concretize, também baterá o recorde nacional, marcado na primeira vez em que o petista assumiu a Presidência, em 2003, quando 12 estiveram presentes.

Contexto global
Ao longo da campanha de 2022, Lula afirmou que pretende recolocar o Brasil no “centro da geopolítica mundial”. No entanto, o cenário atual é bastante distante daquele de 20 anos atrás. Enquanto em 2003 Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul (que formam o bloco Brics) despontavam como promessas, hoje há uma polarização entre duas superpotências: EUA e China.

Descolada, a Rússia foi reposicionada como principal adversária das nações europeias em razão da guerra na Ucrânia, que já dura 10 meses. O conflito tem impacto negativo sobre a economia dos países europeus, o que traz instabilidade no mundo, respingando no Brasil.

Além dos desafios globais, também será necessária uma reogranização do Itamaraty, após um período de turbulência nos últimos 4 anos, em especial, durante a gestão de Ernesto Araújo. Mauro Vieira volta à chefia da pasta — que já assumiu durante o governo Dilma Rousseff (entre 2015 e 2016) — com a proposta de reestruturar a diplomacia brasileira interna e externamente.

Pontos de convergência
Apesar de posições em espectros opostos da polarização, a professora Vanessa Matijascic, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), explica que é possível vislumbrar semelhanças as gestões anteriores de Lula e os próximos quatro anos.

Entre elas, “boas relações com integrantes do Brics (sem os destemperos bolsonaristas com relação à China); canais de diálogo com os EUA (excluído o personalismo das relações entre presidentes) e a manutenção de acordo com a União Europeia para obter acordos comerciais entre os blocos Mercosul e União Europeia”, enumera.

Haverá ainda uma priorização das alianças na América Latina, com o retorno dos mecanismos multilaterais: Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União de Nações Sulamericanas (Unasul), em contraste com a rejeição ao multilateralismo de Bolsonaro.

As principais mudanças se darão no âmbito da retórica em prol de pautas sociais e de desenvolvimento econômico com o Sul Global (países em desenvolvimento); e na postura com Israel, não assumindo a defesa da transferência da embaixada para Jerusalém. Há ainda a expecativa de maior proximidade com países árabes, de acordo com a especialista.

O retorno das relações diplomáticas com a Venezuela é um dos principais pontos de divergência entre as duas gestões. Em 2019, o governo Bolsonaro reconheceu Juan Guaidó como o chefe de Estado do país. O mandatário cortou qualquer vínculo com o país de Nicolás Maduro e editou uma portaria proibindo a entrada de altos funcionários do regime em território brasileiro.

A situação, contudo, deve mudar com a posse de Lula. O presidente eleito sustenta que, apesar de reconhecer a necessidade de eleições democráticas na Venezuela, o melhor caminho para encontrar uma solução à crise do país é manter o canal de diálogo aberto entre as duas nações.

Polarização entre EUA e China
No início deste mês, Lula teve uma reunião com o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, e outros representantes do governo Biden, em Brasília. O motivo principal do encontro foi convidar o próximo mandatário brasileiro para uma visita a Washington, prevista para ocorrer antes de março.

Durante a reunião, que durou cerca de duas horas, foram colocados em pauta temas ligados ao meio ambiente, em especial, a importância de medidas contra as mudanças climáticas. Assim como o estabelecimento de uma nova governança mundial, como uma reformulação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

O presidente eleito também tem uma visita agendada com o presidente Xi Jinping, da China. Três dias após o encontro com os norte-americanos, Lula recebeu uma carta do chefe de Estado chinês reafirmando as congratulações pela vitória eleitoral do petista, além de reforçar o interesse na parceria entre as duas nações no âmbito global.

Ao contrário da gestão de Jair Bolsonaro (PL), em que foi adotada uma retórica mais distante do governo chinês, a expectativa para os próximos quatro anos, em termos de política externa, é que Lula mantenha uma “equidistância pragmática” nas relações polarizadas entre EUA e China, mantendo boas relações com ambos os países.

“Não é oportuno inclinar-se a nenhum dos lados categoricamente”, frisa Matijascic. Para além das relações diplomáticas e dos posicionamentos no jogo geopolítico, a China é um dos principais parceiros comerciais do Brasil.

Posse movimentada
Em 1º de janeiro, ao menos 17 chefes de Estado confirmaram que desembarcarão em Brasília para a posse do presidente eleito. O número de liderenças bate o recorde atual, marcado na primeira vez em que o petista assumiu a Presidência, em 2003, quando 12 estiveram presentes.

Conforme o protocolo, após o ritual no Planalto, o presidente eleito seguirá para o Palácio do Itamaraty, onde recepcionará autoridades internacionais que estarão presentes na posse.

Os primeiros convites foram enviados em 5 de dezembro — via representação diplomática — aos líderes de todos os países com os quais o Brasil mantém relações. A Venezuela, por exemplo, não figurou na primeira lista.

No entanto, a equipe que organiza a posse, coordenada pela futura primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, ainda busca uma forma de convidar Nicolás Maduro. O presidente venezuelano foi impedido de entrar no Brasil por determinação de Bolsonaro, medida que permanece em vigor até 31 de dezembro, ou seja, dificultaria a visita dele para a posse.

Maduro já havia sinalizado que pretendia retomar o relacionamento com o Brasil ao parabenizar Lula pela vitória logo após o resultado do pleito, em 30 de novembro.

Veja a lista de chefes de Estado confirmados:

Presidente da Alemanha, Frank Walter Steinmeier;
Presidente da Angola, João Lourenço;
Presidente da Argentina, Alberto Fernández;
Presidente da Bolívia, Luis Arce;
Presidente de Cabo Verde, João Maria Neves;
Presidente do Chile, Gabriel Boric;
Presidente da Costa Rica, Rodrigo Chaves;
Rei da Espanha, Felipe VI;
Presidente do Equador, Guillermo Lasso
Presidente da Guiana, Irfaan Ali
Presidente de Guiné Bissau, Umaro Sissoco Embaló;
Presidente da Colômbia, Gustavo Petro;
Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza
Presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez
Presidente do Suriname, Chan Santokhi
Presidente do Timor Leste, José Ramos-Horta;
Presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou;
Presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa.

Também foram confirmadas as presenças do vice-presidente do Panamá, José Gabriel Carrizo; do secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portugesa (CPLP), Zacarias da Costa; e dos ministros das Relações Exteriores da Costa Rica, Rodolfo Solano; do México, Marcelo Ebrard; da Palestina, Ann Linde; e da Turquia, Mevlut Cavusoglu.

Em janeiro de 2019, dez chefes de Estado e de governo participaram da posse do presidente Jair Bolsonaro (PL). Além deles, também estiveram presentes três vice-presidentes, 12 chanceleres, 18 enviados especiais e três diretores de organismos internacionais. A maioria, representantes da América do Sul.

https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/em-contraste-com-bolsonaro-lula-deve-priorizar-diplomacia-presidencial

domingo, 4 de dezembro de 2022

Possível viagem de Lula aos EUA antes da posse deve criar saia-justa na embaixada - Thiago Amâncio (FSP)

Folha de S. Paulo, 4/12/2022 

Possível viagem de Lula aos EUA antes da posse deve criar saia-justa na embaixada

Petista pode se encontrar com Biden sem apoio da representação brasileira; discussões devem contemplar Haiti e Venezuela.

Thiago Amâncio

Washington

possível viagem do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos Estados Unidos para se encontrar com o líder americano, o democrata Joe Biden, ainda neste mês de dezembro, antes de assumir o cargo, deve criar uma saia-justa na representação diplomática brasileira no país.

A equipe do petista não acionou o Itamaraty sobre a viagem, e Lula pode visitar a capital dos Estados Unidos sem uma recepção oficial organizada pela embaixada do Brasil em Washington, comandada por Nestor Forster, muito identificado com o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL).

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista coletiva em Brasília
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista coletiva em Brasília - Adriano Machado - 2.dez.22/Reuters

Mesmo que a viagem tenha sido anunciada pelo ex-ministro Fernando Haddad na quarta (30) e que Lula tenha retomado o tema na sexta (2), a Casa Branca ainda não confirmou o convite. Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional dos EUA, desembarcará nesta segunda (5) em Brasília, e o presidente eleito diz que a visita também servirá para discutir os detalhes da ida a Washington ainda neste ano.

O presidente eleito já disse que a ideia é que a viagem, que serviria como mais uma prova de legitimidade internacional da vitória contestada por Bolsonaro e pelo PL, ocorra após a diplomação, no próximo dia 12.

Há dúvidas, no entanto, sobre a estrutura que receberá o petista fora do país, porque o Itamaraty não é obrigado a organizar a viagem do petista antes de ele assumir de fato o cargo, e o mais provável é que aconteça a mesma configuração da recente passagem de Lula por Portugal: ele não se hospedou na embaixada em Lisboa e não recebeu apoio diplomático. Chegou a se encontrar com o presidente, o premiê e o embaixador do país ibérico no Brasil, sem que o embaixador brasileiro estivesse presente.

Folha procurou a embaixada do Brasil nos EUA, que orientou o envio das perguntas à assessoria do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Por telefone, um assessor da pasta respondeu apenas que o órgão não foi acionado pela equipe de Lula em busca de apoio para uma viagem aos EUA —não houve resposta se o Itamaraty assistirá o petista antes da cerimônia de posse caso o auxílio seja solicitado.

Acontece que o grupo do futuro presidente tem resistência ao atual embaixador na capital americana, que deve deixar o cargo na primeira leva de nomeações quando o novo governo assumir.

Forster tem bom trânsito em Washington e experiência nessa representação diplomática brasileira desde os anos 1990, atuando inclusive sob governos petistas, mas sua defesa aberta de Bolsonaro durante todo o período no cargo, além da proximidade com figuras do bolsonarismo, incomoda o futuro governo.

Durante a campanha, ele escreveu duas cartas à imprensa americana, ao New York Times e à Bloomberg News, rebatendo artigos sobre a escalada autoritária no país e que faziam críticas à política ambiental. O mesmo expediente foi usado em respostas a congressistas democratas contrários ao atual presidente.

Além disso, o embaixador era amigo próximo de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Homenageou-o em diferentes oportunidades e, após a morte do escritor, publicou em um perfil em rede social da embaixada que Olavo "deixa um legado duradouro por meio de seu vasto trabalho".

Com ou sem apoio da embaixada, a possibilidade de um encontro de Biden com Lula antes de o petista tomar posse chamou a atenção de quem trabalha com diplomacia em Washington. Uma das justificativas para a reunião, porém, é um ponto de consenso: Biden não tem aliados de peso na América Latina hoje.

Na Colômbia, principal parceiro estratégico na região, ainda há dúvidas sobre Gustavo Petro, que assumiu há pouco a Presidência. No México, Andrés Manuel López Obrador tinha mais afinidade com Donald Trump. E, na Argentina, também houve atritos com a gestão de Alberto Fernández, que já defendeu menor dependência dos americanos e fez acenos vistos como complicados em Washington a Rússia e China.

No Brasil, até agora um posto avançado do trumpismo na América do Sul, o presidente brasileiro duvidou da vitória de Biden e foi um dos últimos líderes globais a parabenizá-lo pelo triunfo sobre o republicano.

É por isso que um aceno a Lula é considerado importante no governo americano. A Casa Branca sabe que o petista não será um aliado automático e que haverá diferenças programáticas, mas o presidente eleito é considerado um político pragmático e experiente, com quem é possível sentar para negociar.

Além disso, pode ser um parceiro importante na pauta climática e em demandas específicas na região, como a Venezuela, onde a boa interlocução com Maduro pode fazer de Lula uma ponte entre Washington e Caracas. A crise energética gerada pela Guerra da Ucrânia tem provocado o que alguns descrevem como o início de um apaziguamento com os chavistas. Recentemente, Biden tirou sanções contra o regime venezuelano, descongelou ativos e autorizou que a americana Chevron volte a extrair petróleo no país.

Outra questão é um possível retorno dos militares brasileiros ao Haiti, que participaram da missão da ONU ali de 2004 a 2017. Quanto a esse ponto, porém, há, segundo um membro da equipe de transição à Folha, resistência na equipe do petista, sobretudo pelo pouco apoio recebido nas ações sociais e econômicas necessárias no país, sobretudo após o terremoto de 2010, que deixou mais de 100 mil mortos.

Lula poderia ainda ser útil em uma negociação multilateral na Guerra da Ucrânia, disse Ricardo Zúniga, secretário-adjunto de Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado dos EUA e ex-cônsul em São Paulo. "O Brasil é um grande ator multilateral e tem longo legado de envolvimento em processos de paz, na busca de soluções multilaterais para alguns dos mais complexos problemas de segurança", afirmou nesta semana em evento na Universidade Harvard, organizado pelo Future of Diplomacy Project.

Todos esses temas podem ser levados a Brasília agora por Sullivan, mas há dúvidas se serão mesmo postos à mesa num primeiro encontro oficial entre as duas equipes. O mais provável é que pedidos concretos do governo americano sejam feitos em reuniões de alto nível na capital americana.

Segundo a programação oficial, Sullivan falará sobre crise climática, segurança alimentar, promoção da democracia e migração regional. Está previsto um encontro com o senador Jaques Wagner (PT), mas uma reunião com Lula não está descartada. O americano também se encontrará com autoridades do atual governo —será recebido pelo almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos.

Por fim, ainda que uma viagem antes da posse chame a atenção, ela não seria a primeira recepção em Washington nesse contexto. O próprio Lula foi à capital americana em 2002 logo após ser eleito para se reunir com o hoje ex-presidente George W. Bush —na ocasião, o então embaixador brasileiro promoveu um jantar para o petistas, que também se encontrou com parlamentares e investidores americanos.


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

De volta à questão crucial do BRICS para a diplomacia brasileira- Paulo Roberto de Almeida

 Um artigo que escrevi em junho último e que me parece ainda mais relevante depois da vitória de Lula em 30 de outubro. Tenho um livro sobre a Grande Miragem do BRICS no Kindle da Amazon:


O Brics e o Brasil: quem comanda? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor (pralmeida@me.com)

Artigo para a revista Crusoé.  

 

A longa marcha do grande hegemon mundial

Em 1947, logo ao início da Guerra Fria, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos tomou uma decisão, que guiou a conduta do país nos assuntos internacionais pelo meio século seguinte, e provavelmente até a atualidade: manter uma inquestionável supremacia estratégica em termos militares e geopolíticos, não apenas no confronto com possível adversários (a União Soviética era o único, na ocasião), mas também em relação aos seus próprios aliados. Essa postura foi mantida sob todas as circunstâncias nas décadas seguintes, atravessando desde a fundação da Otan (1949), a adoção da doutrina da destruição mutuamente assegurada (MAD) nos anos 1950, a negociações de acordos de limitação de armas e limitadores da proliferação atômica (TNP, a partir de 1968), e até na implosão do antigo inimigo de 45 anos, a União Soviética. Os Estados Unidos se encontravam então, nos anos 1990, no seu momento unipolar, o hegemonismo levado ao seu extremo, depois da queda do muro de Berlim, da dissolução da URSS em mais de uma dúzia de repúblicas independentes (algumas apenas formalmente) e em consequência da extraordinária demonstração de força foi a primeira guerra do Golfo, em 1991, a expulsão das tropas de Saddam Hussein do Kuwait.

Os americanos tinham obtido um feito extraordinário, no meio daquele longo percurso de supremacista geopolítico: separar a China da União Soviética em termos de um possível cenário estratégico de eventual confrontação global. A visita de Nixon a Mao e a subsequente ascensão da China comunista à cadeira da República da China no Conselho de Segurança consolidaram um panorama de ruptura entre os dois grandes inimigos do capitalismo e das democracias de mercado: a China se tornou uma aliada estratégica, ainda que disfarçada, dos Estados Unidos, contra a União Soviética, contra a qual ela tinha várias diferenças antigas e recentes nos milhares de quilômetros de fronteiras e de terras roubadas em séculos passados. Essa aquisição extremamente significativa no quadro do seu planejamento geoestratégico foi completamente perdida no curso dos mesmos anos 1990, quando os EUA, depois de terem patrocinado a incorporação da China à economia global, passaram a tratá-la como adversária estratégica. Essa inversão de postura motivou uma pequena revolução na política externa e na postura global da China, que passaram a encarar os Estados Unidos, não como uma aliado, num eventual confronto com a confusa Rússia desse período, mas como uma potência hegemônica fixada num objetivo que pode ser classificado como demencial e impossível: conter a irresistível ascensão econômica e política da China, o grande Império do Meio, temporiamente diminuído e humilhado pelas grandes potências ocidentais e pelo Japão, durante o século dos tratados desiguais (desde as guerras do ópio até a conquista do poder pelo PCC, em 1949). 

 

Uma nova longa marcha para o Império do Meio

Esse novo cenário pode ter atuado como motivação principal para que os novos imperadores da China decidissem pela sua incorporação ao exercício começado pouco antes pela Rússia e pelo Brasil no sentido de transformar um mero projeto de “carteira de negócios” de um banco de investimentos, um simples exercício intelectual articulado em torno do acrônimo BRIC, em um grupo diplomático. Deve ter sido, provavelmente, o primeiro grupo, ou bloco de países, que não nasceu em torno de um projeto deliberada e racionalmente articulado pela vontade de seus membros constitutivos, com vistas a objetivos comumente determinados, em função dos interesses nacionais de cada um deles, mas que foi induzido externamente, com baseunicamente em projeções de retornos ampliados a partir de quatro economias então relativamente dinâmicas (Rússia e Brasil degringolaram depois das simulações de crescimento rapidamente desenhadas pelo economista do Goldman Sachs). 

A China já representava, desde o início, mais da metade do peso total do BRIC, em termos de PIB, comércio, finanças, capacidade de investimento, infraestrutura e demais indicadores econômicos. De certo modo ela já podia determinar para que direção caminharia o novo grupo, muito artificial sob todos os demais aspectos políticos, diplomáticos, culturais e, sobretudo, geopolíticos. Ela o fez, quase imediatamente após a conformação oficial do BRIC, na primeira reunião de cúpula dos quatro dirigentes, em Ecaterimburgo, em 2009. Já animando uma reunião anual com países africanos desde alguns anos antes – pois que tinha enormes projetos de investimentos no continente africano –, ela fez com que a África do Sul fosse admitida no bloco desde 2011, e foi assim que ele se converteu em Brics, preservando um acrônimo ainda significativo, mas integrando um país que pouco tinha a ver com o espírito inicial do seu “projetista” de investimentos. De certo modo, esse ingresso era aceitável para o Brasil, pois que a África do Sul já fazia parte do primeiro exercício brasileiro de “diplomacia de grupos” sob o lulopetismo: o IBAS, que desde 2003 já integrava a Índia.

A criação do New Development Bank e do mecanismo de empréstimos contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014, parecia sinalizar uma maior adequação do Brics aos seus objetivos originais, ou seja, a promoção do crescimento econômico, o reforço de mecanismos de cooperação recíproca voltados para a promoção dos intercâmbios comerciais e financeiros com vistas ao desenvolvimento dos cinco países e sua incorporação de maneira mais ou menos coordenada aos grandes circuitos da economia mundial. Tudo isso começou a ser alterado no próprio ano de 2014, quando da violenta irrupção da Rússia de Putin na Ucrânia oriental e no sequestro e anexação da península da Crimeia à sua soberania. A Rússia passou a sofrer sanções dos países ocidentais, mas os demais membros do grupo permaneceram estranhamente silenciosos em face dessa violação flagrante da Carta da ONU e do próprio direito internacional. 

A China, totalmente empenhada na realização da sua nova Rota da Seda, trilhando caminhos nas antigas satrapias da URSS, começou a reforçar sua cooperação com a Rússia, ao mesmo tempo em que desenvolvia novos caminhos para superar os obstáculos que o ainda insuperável hegemon mundial estava criando para conter sua ascensão agora inevitável. Este é o novo grande jogo estratégico na Ásia, de contornos ainda indefinidos, depois da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia e de uma possível redefinição dos cenários estratégicos que serão traçados entre as potências ocidentais. 

 

A pequena marcha do Brasil no Brics

Não se sabe ainda como a futura diplomacia brasileira – a atual já quase não conta mais – vai reagir ante os recentes “projetos” de incorporação de novos membros ao Brics: Argentina, Irã e vários outros candidatos a um grupo que pode ir além do G7 (mas apenas em números). As propostas vêm sendo articuladas pela China, que convidou uma série de outros países, grandes e pequenos, à reunião virtual de cúpula de 2022. Nenhuma decisão será tomada de imediato, mas tal perspectiva permite retornar ao tema que mais importa para a China neste momento: como articular uma coalizão suficiente de países para se contrapor às manobras dos Estados Unidos de contê-la em sua irresistível ascensão?

Este é o ponto fulcral dos objetivos chineses na atual conformação do Brics, que por acaso também podem contemplar os interesses russos no cenário pós-invasão da Ucrânia a mando de Putin: lograr escapar do isolamento conduzido pelas principais potências ocidentais contra os países que contestam o hegemonismo americano e sua arrogância unilateral. Depois da anunciada “aliança sem limites” entre as duas potências autocráticas da Eurásia, o Brics passa a ser usado para fins diversos daqueles concebidos inicialmente. Depois de demonstrar sua total indiferença à anexação russa da Crimeia, a diplomacia brasileira continuará a demonstrar a mesma indiferença em relação a uma guerra cruel que, claramente, afronta todos os valores e princípios pelos quais sempre se bateu sua política externa e que também afrontam diversas cláusulas constitucionais de relações internacionais? Esse é o quadro que se apresenta ao Brasil, depois de ter patrocinado, como um aprendiz de feiticeiro, uma aventura diplomática que as modestas capacidades de projeção externa do país não estão em condições de controlar para objetivos puramente nacionais de crescimento econômico e desenvolvimento social (que deveriam supostamente ser as molas básicas de suas iniciativas no campo da política externa).

O Brasil de Lula-Amorim e a Rússia de Putin-Lavrov deram a partida a um projeto, aceito imediatamente pela China e pela Índia, por razões próprias a cada um deles. A África do Sul entrou de arrastro, e não conta para outros objetivos que não os da China em relação ao continente africano. O que pretendia o Brasil no BRIC-Brics, na origem, e o que pode ele pretender agora, quando o grupo está sendo claramente manipulado pela China e pela Rússia, em função de interesses exclusivamente nacionais, tanto no plano estratégico, quanto nos seus objetivos táticos? Essa é uma pergunta que não terá resposta imediata, nem pode ter, em virtude da conjuntura eleitoral brasileira, mas que permanece como uma das definições de grande diplomacia a serem equacionadas no futuro de médio prazo.

O fato é que o Brics se tornou um animal muito grande para ser encabrestado por um país de recursos limitados como o Brasil, talvez até pela própria Índia, num cenário que não tem muito a ver com a velha Guerra Fria, nem mesmo com alguma nova, qualquer que seja ela. questão de saber quem manda no Brics está posta: o Brasil saberá responder?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 418828 junho 20224 p. (9.800 caracteres)

 

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Política externa universalista? - Sergio Couri (FSP)

 TENDÊNCIAS / DEBATES

Sergio Couri

Política externa universalista?

A partir de agora, fecham-se os espaços para casuísmos e improvisações

FSP, 8.nov.2022 às 21h00

A política externa brasileira dita "universalista" teve seu berço em 1960, quando Jânio Quadros rompeu relações com os "bálticos" —como eram conhecidos os governos dos países do Leste Europeu no exílio— e enviou à região a missão Dantas.

Assentou-se em um olhar igual para o Ocidente, para aquele conjunto de países da Europa Oriental e para o terceiro mundo. Após 1990, com o fim do conflito leste-oeste, saem de cena os segundos como bloco político e entram em cena os emergentes asiáticos.

De uma ótica de longo prazo, o universalismo tem sido o parâmetro maior da política externa brasileira. Seus movimentos básicos são a política externa independente, quando a política interna se desloca da direita para a esquerda, e o pragmatismo responsável, se no sentido inverso.

Está sujeito, não obstante, a oscilações, como a participação do Brasil, em 1965, na Força Interamericana de Paz da OEA que interveio na República Dominicana —um recuo aos anos 1946-60, quando a Guerra Fria impunha ao Brasil estratégia de alta coesão com os Estados Unidos. "Não culpe o Itamaraty pelo que faz o Laranjeiras", diria o chanceler Vasco Leitão da Cunha ao receber do embaixador do país caribenho uma nota de protesto pela ocupação.

A partir de 2003, a política universalista seria alvo de interpelação por parte de segmentos conservadores da sociedade brasileira ante a disposição do Brasil de intensificar relações com países do terceiro mundo de modelo socializante. O clima se anuviaria com a visita, em 2007, do presidente George W. Bush.

Mais recentemente, o biênio 2019-20 também projetaria sombras sobre esse universalismo em face de uma política externa de declaradas preferências e preterições, o que começaria a mudar a partir de 2021.

O universalismo brasileiro é, contudo, de sustentabilidade real, porquanto suas raízes mais profundas são a estruturação do Brasil no cenário internacional, marcada por sua condição de país ocidental, pan-americano, sul-americano, sul-atlântico, multirracial e sem revisionismos ativos ou passivos, além de aberto para a cooperação internacional polidirecionada por sua própria amplidão geográfica e mercadológica.

Regida, assim, por uma mecânica que, qual na física newtoniana, a traz de volta ao universalismo como seu próprio ponto de equilíbrio, a política externa brasileira não tem como desafio maior mantê-lo, mas definir, a cada etapa das relações internacionais, o que pretende fazer com ele, que é seu ponto de partida, não de chegada.

Nestes tempos, o processo internacional estaria a indicar ao Brasil elaborar e executar estratégias sofisticadas de inserção global, com novas concepções, fórmulas, métodos, técnicas e instrumentos, que passam pela reorganização administrativa interna e delineamento de novas identidades e posturas profissionais dos atores brasileiros nas relações internacionais.

Trata-se não só de buscar "mais do mesmo", mas de lançar vetores novos de ação externa, com integração do conhecimento, da experiência, da imaginação e de uma lógica futurista, o que significa renovação ampla do fazer externo, ainda que sem abandono de hígidas tradições.

Num mundo cada vez mais interdependente na economia e tecnologia, que arrastam consigo a política, a ação externa não deve prescindir de metas de desempenho em medições como fluxo de comércio, de investimentos, cadeias de valor globais, termos de intercâmbio, "risco Brasil" e emissão de gás carbono, entre tantas outras relevantes.

Fecham-se os espaços para casuísmos e improvisações. Relações exteriores como que passaram a compor uma equação única de múltiplas variáveis, pedindo soluções compatíveis entre si e modelos sistêmicos e executivos, tão técnicos quanto políticos.

Esse é o desafio que o próximo quadriênio trará no campo das relações internacionais, ante a necessidade inadiável de o Brasil aprimorá-las como caudal de retomada do crescimento.


https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/11/politica-externa-universalista.shtm

domingo, 2 de outubro de 2022

Portal da revista Interesse Nacional: artigos sobre a Política Externa do Brasil - Rubens Barbosa

Portal da revista Interesse Nacional
A eleição presidencial deste domingo vai ser fundamental para a defesa dos interesses do Brasil e a projeção internacional do país. Ao longo da semana, o portal Interesse Nacional publicou uma série de artigos e entrevistas que analisam a importância da decisão política deste ano, seu impacto para o lugar do Brasil do mundo e para a própria democracia.

Em entrevista exclusiva, o historiador americano Bryan McCann analisou as semelhanças a situação do Brasil e a dos Estados Unidos após a saída de Donald Trump do poder. Ele alega que o risco ao estado de direito continuará existindo mesmo que haja uma mudança no governo brasileiro após as eleições. Outros artigos falam sobre a importância da eleição para o Mercosul, o contexto da política brasileira e sobre a violência política no país. 

Em editorial, o embaixador Rubens Barbosa, coordenador editorial da Interesse Nacional, argumenta que, após um ano de campanha eleitoral intensa e marcada pela ausência de discussões sobre os desafios e interesses nacionais, país necessita de estabilidade política e econômica para poder crescer, gerar renda e emprego. Leia o texto completo.

Repasse este e-mail para quem você quiser e avise que é possível assinar a newsletter do Interesse Nacional clicando aqui. 

Boa leitura!

Daniel Buarque
Editor-executivo - Interesse Nacional

As eleições e o lugar do Brasil no mundo

A decisão dos brasileiros nas urnas neste domingo foi o principal assunto da semana na Interesse Nacional, com uma série de entrevistas, análises, artigos e estudos que avaliam como o voto pode determinar o lugar do Brasil no mundo.
 

Democracia ameaçada

O aparente enfraquecimento político do presidente Jair Bolsonaro e a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de intenção de voto às vésperas da eleição deste ano não devem ser interpretados como sinais de que a democracia brasileira está à salvo, segundo o historiador americano Bryan McCann, professor da Universidade Georgetown. Para ele, mesmo se Bolsonaro perder e aceitar a derrota, ele vai continuar sendo uma ameaça ao estado de direito no país.

“Caso Bolsonaro perca, ele continuará sendo uma força política no Brasil. Mesmo se aceitar a derrota, ele pode continuar sendo uma força política que ameaça a democracia, assim como Trump nos EUA”, explicou McCann.

Leia a entrevista completa 

--------------------------------------------
 

A eleição, o Brasil e o Mercosul


Ameaças de Bolsonaro à democracia representam um sério risco para uma economia regional já frágil e para a estabilidade no continente, escreve em artigo exclusivo a psicóloga especializada em negócios Patricia de Oliveira Dias. Segundo ela, a crise institucional no Brasil e pode enfraquecer o Mercosul e abrir caminho para o retorno de governos autoritários à América do Sul.

Leia o artigo completo

--------------------------------------------
 

Violência política


A preocupação global com ação de grupos criminosos organizados na eleição brasileira deste ano ignora a longa história de violência política, troca de favores e clientelismo no país, com presença frequente de coronéis e ação de milícias, esquadrões da morte e grupos de extermínio. Em artigo exclusivo, o pesquisador do King's College London Nicholas Pope argumenta que as eleições são apenas a ponta de um iceberg político muito maior. Segundo ele, é importante também prestar atenção em como o poder e o controle são exercidos de forma sustentada e cotidiana entre os eventos eleitorais.

‘Desde a fundação da República em 1889, as instituições políticas do Brasil contam com a violência para que a política cotidiana funcione’, diz.

Leia o artigo completo

--------------------------------------------

O contexto e o futuro


Imitando o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, Bolsonaro disse muitas vezes que pode não respeitar os resultados das eleições e que o sistema de justiça eleitoral não é confiável. Para o pesquisador Felipe Tirado, se Lula vencer, enfrentará uma série de obstáculos para restaurar o respeito às instituições nacionais do Brasil e ao Estado Democrático de Direito.

Leia o artigo completo

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Rupturas e continuidades na política externa brasileira, 1985-2023 - Paulo Roberto de Almeida (Revista do CEBRI)

Meu mais recente artigo publicado, na revista do CEBRI:

4215. “Rupturas e continuidades na política externa brasileira, 1985-2023”, Brasília, 7 agosto 2022, 9 p. Nota sobre as grandes linhas da política externa na Nova República e suas “rupturas”. Encaminhada a Feliciano Guimarães, editor da Revista CEBRI. Publicado no site da revista do CEBRI (29/09/2022, link: https://cebri.org/revista/br/artigo/54/rupturas-e-continuidades-na-politica-externa-brasileira-1985-2023) e disponível  na plataforma Academia.edu (link:  https://www.academia.edu/87577999/4215_Rupturas_e_continuidades_na_pol%C3%ADtica_externa_brasileira_1985_2023_Vicissitudes_da_diplomacia_no_Brasil_2022_). Relação de Publicados n. 1470.


Sumário: 

A longa e lenta construção de uma política externa autônoma sob o regime militar

Poucas descontinuidades na política externa e na diplomacia da Nova República

A pequena ruptura da era Lula: o engajamento no combate à fome e à pobreza

A caminho da grande ruptura: a desafeição ao PT e a ascensão de uma direita extrema

Uma nova “ruptura diplomática” em 2023? 

Referência Bibliográfica


Rupturas e continuidades na política externa brasileira, 1985-2023

 

 

Paulo Roberto de Almeida *

Publicado no site da revista do CEBRI (29/09/2022, link: https://cebri.org/revista/br/artigo/54/rupturas-e-continuidades-na-politica-externa-brasileira-1985-2023). Relação de Originais n. 4215.

 

A longa e lenta construção de uma política externa autônoma sob o regime militar

De todas as políticas públicas definidas e implementadas durante o regime militar de 1964 a 1985, a política externa foi, possivelmente, a que menos rupturas sofreu na transição da ditadura para a democracia naquele último ano. Tal se deveu por uma série de razões, não todas de ordem política, ou ideológica, uma vez que já havia uma longa tradição de trabalho conjunto entre o ministério das Relações Exteriores e as Forças Armadas desde o período da guerra do Paraguai, cooperação bastante reforçada durante a era do Barão e em períodos especiais, como nos dois conflitos globais da primeira metade do século XX e durante a bipolaridade do pós-Segunda Guerra. A diplomacia profissional incorporou naturalmente a visão tecnocrática e nacionalista do estamento militar, e até reforçou os fundamentos de uma diplomacia do desenvolvimento que foi quase a “ideologia oficial” do Itamaraty a partir do Estado Novo até praticamente a atualidade.

Não obstante a paranoia anticomunista e as obsessões típicas da Guerra Fria, nos anos 1950 e início dos 1960, os diplomatas se tornaram bem mais progressistas e alternativos do que os militares, ao flertar com o não-alinhamento e ao receberem entusiasticamente os conceitos introduzidos pela Política Externa Independente (PEI), ainda antes que ela fosse conhecida sob essa designação, já na proposta da Operação Pan-Americana feita na segunda metade do governo Juscelino Kubitschek. A descolonização, as promessas da détente e até a defesa de uma posição juridicamente sólida por ocasião da conferência de Punta del Este (1962; quando os americanos pressionaram pela expulsão de Cuba da OEA - Organização dos Estados Americanos) foram muito bem acolhidas pelos jovens diplomatas, que logo se viram frustrados com o golpe e o início de um regime que declarou pertencer à “civilização ocidental e cristã”, como mote para alinhar o Brasil às posições americanas durante uma primeira (e curta) fase. 

A primeira grande ruptura com os padrões normalmente pouco ideológicos, e basicamente desenvolvimentistas, da política externa dos anos 1951-1964 foi justamente a “diplomacia dos círculos concêntricos” anunciada pelo general Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura, aos formandos do Instituto Rio Branco em 1964. Pouco a pouco, porém, esse “desvio” de posturas mais independentes foi sendo corrigido e restaurado já no segundo general-presidente, quando voltam, praticamente, os fundamentos básicos da PEI, ainda que obviamente sem o nome: não aceitação do Tratado de Não Proliferação Nuclear, postura reivindicatória nas conferências da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e em outras reuniões negociadoras da ONU, quanto começou o alegado (pelos americanos) “terceiro-mundismo” do Itamaraty na defesa de teses que não coincidiam em quase nada com a visão do mundo de Washington. 

Já no quarto presidente do ciclo ditatorial – não obstante uma espécie de “diplomacia blindada” em direção de regimes esquerdistas na América do Sul, a exemplo do apoio dado em 1973 ao golpe do general Pinochet no Chile e os entendimentos com militares linha dura na Argentina, Uruguai e Bolívia –, a “continuidade” com a linha de autonomia na política externa se completa, com o estabelecimento de relações diplomáticas com a China comunista e o reconhecimento do novos regimes saídos das independências das ex-colônias lusófonas africanas. A convergência de militares e diplomatas se fundava na confiança mútua, tanto que três diplomatas se sucederam à frente do Itamaraty, a partir do terceiro presidente militar, sem mencionar algumas “missões” menos prestigiosas, como a vigilância dos militantes exilados de esquerda no exterior. Para o resto, a política externa era praticamente aquela determinada pelo Itamaraty, com as poucas exceções dos temas-tabu da era militar (Cuba, ameaças de cooperação externa com as guerrilhas no país, enfim, o comunismo mundial).

Assim que, ao ter início a “Nova República” não se pode falar propriamente em ruptura de padrões diplomáticos, ou sequer de política externa, que continuou a seguir os cânones daquele momento: multilateralismo, desenvolvimentismo, unctadianismo, defesa do acesso às tecnologias e aos mercados dos países do Norte, adesão à Nova Ordem Econômica Internacional, enfim, todos os temas reivindicatórios do G77 e do Grupo Latino-Americano (como as teses do Consenso de Cartagena sobre a renegociação da dívida externa da região).

 

Poucas descontinuidades na política externa e na diplomacia da Nova República

Os princípios básicos e as grandes diretrizes de política externa estabelecidos no governo Sarney, com grande continuidade com o que já vinha sendo feito na última década do regime anterior, permaneceram praticamente intactos nas décadas seguintes, a não ser pelo aprofundamento de tendências já presentes anteriormente – como a integração regional e a prioridade nas relações com os países vizinhos –, a “ideologia desenvolvimentista”, a ativa participação nos foros econômicos negociadores – sobretudo em comércio e finanças internacionais –, a insistência no desarmamento, mas com novas posturas em relação a temas que possuíam “peculiaridades” sob os governos militares: direitos humanos e meio ambiente, sobretudo. O segundo governo da era democrática, o de Fernando Collor, inova em diversos terrenos de importância substantiva, como o grande impulso dado à integração no Cone Sul – com uma visão bem mais aberta do que o tradicional dirigismo econômico seguido até então – e, sobretudo, a atualização da “diplomacia ambiental” brasileira, com o acolhimento da segunda Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992. A questão nuclear também avança, tanto na frente interna – inclusive por dispositivos inscritos na Constituição de 1988 –, quanto na externa, na construção de confiança com os argentinos, na plena entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco (de não introdução de armas nucleares na América Latina), na constituição da Abacc (a agência binacional argentino-brasileira de contabilidade e controle de material nuclear) e no tratado quadripartite entre essa agência, os dois países e a Agência Internacional de Energia Atômica

Em direitos humanos e em temas sociais, livres dos constrangimentos existentes no período ditatorial, os diplomatas puderam expressar plenamente, nos foros multilaterais e nas grandes conferências diplomáticas internacionais, a nova postura de uma política externa totalmente engajada no avanço de problemas e propostas compatíveis com essa visão progressista: racismo e discriminação, direitos das mulheres e das minorias, tortura, direito humanitário, habitação, saúde, etc. Pode-se dizer que há uma continuidade ascendente na participação engajada do Brasil em todas as áreas pertinentes aos objetivos de crescimento econômico e desenvolvimento social em debate nos foros internacionais, o que torna o Brasil um grande protagonista em todas essas discussões, sobretudo comércio internacional, saúde e desarmamento; nas rodadas do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e nas reuniões da Organização Mundial do Comércio, o Brasil se tornou incontornável.

O processo de estabilização macroeconômica obtido, após sucessivos planos frustrados, sob o ministro da Fazenda, depois presidente por dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso, projetou uma nova imagem do Brasil, não só na interlocução com os países desenvolvidos, mas também com grandes países emergentes do Sul, sobretudo em direção da América do Sul, que passa a ser o conceito básico da nova diplomacia regional, em substituição ao anterior termo relativamente vago de América Latina. Uma de suas iniciativas, a adesão ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, consagrará a adesão do Brasil a um dos cânones centrais do sistema de segurança internacional, mas em ruptura com a postura anterior da diplomacia – e das Forças Armadas – de não aceitação de tratados discriminatórios, em contradição com uma das bases doutrinais da diplomacia brasileira, a igualdade soberana dos Estados. Na prática, o tema já estava coberto por dispositivo constitucional, e representou uma concessão em troca de maior acesso desimpedido a tecnologias de ponta e cooperação em áreas sensíveis. 

 

A pequena ruptura da era Lula: o engajamento no combate à fome e à pobreza

Os três governos e meio do Partido dos Trabalhadores, em especial os dois mandatos do presidente Lula, representaram uma “ruptura” mais conceitual do que efetiva, pelo menos em relação à quase totalidade dos temas e métodos de trabalho mobilizados pela diplomacia profissional na defesa dos temas quase permanentes da agenda brasileira em política externa: políticas nacionais de desenvolvimento, combate às desigualdades entre os países, forte apoio ao multilateralismo e à integração regional, diálogo construtivo entre países avançados e em desenvolvimento, políticas sociais progressistas e novo ativismo em direitos humanos e em meio ambiente. Novidades se manifestaram na criação de foros regionais e plurilaterais de interesse desse ativismo diplomático, na busca de parcerias estratégicas para a consecução de um objetivo mais enfatizado nesse período – a “democratização das relações internacionais”, por meio da reforma da Carta da ONU e a ampliação do seu Conselho de Segurança, inclusive na aliança do G4, com Índia, Japão e Alemanha –, na reafirmação prioritária do combate à pobreza e a fome no mundo, o que valeu a conquista da direção da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

As parcerias estratégicas se desenvolveram tanto em direção dos países do Norte – em especial com os europeus –, como no estabelecimento de vínculos e novos grupos de consulta e coordenação na direção do chamado Sul Global: Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (IBAS)União de Nações Sul-Americanas (Unasul), BRIC-BRICS, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), foros organizados pelo Brasil reunindo presidentes da América do Sul e seus contrapartes africanos (Afras) e árabes (Aspa), assim como maior engajamento na cooperação internacional para o desenvolvimento e em missões de paz da ONU (entre elas, enfaticamente, a Minustah, para a estabilização do Haiti). A participação do Brasil aumentou qualitativamente e em volume em todos os foros abertos ao engenho e arte de uma diplomacia de grande sofisticação técnica e de excelente preparação intelectual, mesmo se alguns temas passaram mais pela “diplomacia partidária” do PT – como reconhecido pelo próprio presidente – do que pelos canais oficiais da diplomacia profissional (em especial as relações com Cuba e os países “bolivarianos”).

Uma frente que cresceu enormemente nas duas décadas deste século foi a assistência aos brasileiros no exterior, o que representou um grande esforço da diplomacia profissional no trabalho consular, geralmente menos prestigiado em épocas anteriores, mas que passou a absorver atenção especial do Itamaraty, pois que o Brasil deixou de ser um país de imigração para se tornar um “exportador” de sua própria mão-de-obra, primeiro pouco qualificada, no período recente até envolvendo quadros especializados e pessoal de excelente formação. No conjunto, a chamada diplomacia lulopetista preservou as linhas básicas da política externa tradicional – sobretudo quanto aos métodos centrais do multilateralismo –, mas inovou bastante no estilo da diplomacia, como manifestado no slogan triunfalista da “diplomacia Sul-Sul”. Nessa vertente, as relações com países sul-americanos, africanos, do Oriente Médio e os grandes emergentes integrantes do IBAS e logo em seguida do BRIC-BRICS foram as que receberam as maiores atenções dos governos do PT, o que não pode ser visto exatamente como uma ruptura de padrões anteriores, mas como ênfases reforçadas do antigo “terceiro-mundismo” tantas vezes criticado pelos parceiros americanos. Aliás, os dirigentes à frente da diplomacia lulopetista faziam questão de vincular a política externa do PT à Política Externa Independente do início dos anos 1960.

 

A caminho da grande ruptura: a desafeição ao PT e a ascensão de uma direita extrema

O terceiro governo do lulopetismo foi um desastre, sobretudo no campo econômico, mas também um retrocesso operacional em relação ao grande protagonismo internacional exercido pela diplomacia presidencial de Lula. Dilma Rousseff não escondia sua desafeição ao Itamaraty, como tampouco seu enfado no diálogo com parceiros estrangeiros, ainda que a diplomacia profissional e a paralela – “partidária” – tenham continuado a defender os grandes temas da política externa do PT: protagonismo sul-americano – uma liderança contestada e, em parte, desafiada por outras lideranças regionais, entre eles Chávez e Néstor Kirchner –, a projeção plurilateral por meio do BRICS – que se dotou de um “banco de desenvolvimento” e de um mecanismo de reservas contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014 – e uma grande liderança em temas sociais e ambientais. Mas, a grande corrupção revelada pela Operação Lava Jato, a partir de 2014, assim como a maior crise econômica e recessão da história do Brasil em 2015-2016, precipitaram a desafeição popular e o desentendimento entre a presidente e sua base congressual, redundando no impeachment em meados desteano. 

O novo governo liderado pelo até então vice-presidente Michel Temer representou uma pequena ruptura com a política externa imediatamente anterior, mas simplesmente por um retorno a padrões mais tradicionais seguidos pela diplomacia profissional dos anos anteriores ao lulopetismo, sem os apelos ribombantes a um pouco definido “Sul Global”, e em especial no terreno da política externa regional, na qual desapareceu a diplomacia paralela de alianças com os países “bolivarianos” e com Cuba. A Venezuela chavista, que tinha sido incorporada de maneira oportunista ao Mercosul (e até de forma ilegal, uma vez que ela não cumpria nenhum dos requisitos formais do bloco, entre elas a adesão à Tarifa Externa Comum) acabou sendo suspensa do esquema de integração, assim como o Brasil de Temer e a Argentina de Macri decidiram se afastar da Unasul, que tinha sido praticamente controlada pelos “bolivarianos”.

A “grande ruptura” ocorreu mesmo na campanha presidencial de 2018, quando, pela primeira vez na história republicana, um governo declaradamente alinhado com uma extrema direita que já fazia progressos no plano internacional conseguiu capturar apoios suficientes no eleitorado para dar início a um governo e uma política externa jamais vistos nos anais do Estado independente. Pela primeira vez em quase duzentos anos de história, um governo rompia com padrões normalmente aceitos por todas as administrações anteriores, no sentido de atuar pragmaticamente com vizinhos e com a comunidade internacional, a despeito de qualquer orientação política que pudessem ter países com os quais se mantinham relações diplomáticas formais. O programa de governo do candidato Bolsonaro já anunciava, de maneira oficial, em agosto de 2018, que ele faria uma pequena revolução na política externa e na diplomacia, ainda que o seu enunciado fosse o mais esquizofrênico possível. A anunciada ruptura com todos os padrões e diretrizes das políticas externas e das diplomacias anteriores foi tão explícita que suas linhas básicas contidas no documento entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (2018, 79) – feitas provavelmente por completos amadores em temas internacionais – merecem ser transcritas na íntegra (e isso foi tudo):      

 

1.   Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália. Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais. 

2.   Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias. 

3.   Países, que buscaram se aproximar, mas foram preteridos por razões ideológicas, têm muito a oferecer ao Brasil, em termos de comércio, ciência, tecnologia, inovação, educação e cultura. 

4.   Ênfase nas relações e acordos bilaterais.      

 

O “programa” de política externa para o “novo Itamaraty” pode parecer bizarro, e até mesmo ridículo, mas por incrível que pareça ele foi seguido na íntegra, senão na letra, pelo menos no espírito de suas recomendações estapafúrdias, pelo primeiro chanceler designado pelo governo que tomou posse em 1º de janeiro de 2019, já tendo anunciado nas semanas seguintes à vitória de outubro de 2018 que afastaria o Brasil do Acordo de Paris de 2015, sobre mudanças climáticas, que desassociaria o país do Pacto Global sobre as Migrações, que mudaria a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv a Jerusalém, que promoveria uma revisão nas relações bilaterais com a China – denunciada por querer “comprar o Brasil”, pelo próprio candidato, depois de visitar Taiwan – e, sobretudo e especialmente, que comporia uma estreita aliança com o governo americano (na verdade uma política de quase submissão a tudo que desejasse o presidente Trump, com ênfase na derrubada do governo chavista da Venezuela). De fato, a política externa ordenada pelo presidente – assistido por um bando de amadores e por um chanceler visivelmente submisso a essa “franja lunática” – foi muito pior do que a que figurava no “programa” registrado no Tribunal Superior Eleitoral, feita de hostilidade com governos progressistas da América Latina e até de desavenças pessoais com líderes europeus cuja única postura tinha sido a de manifestar uma legítima preocupação com a antipolítica ambiental verdadeiramente desastrosa que passou a ser a marca internacional negativa do Brasil desde os primeiros dias do novo governo. 

A sucessão de enfrentamentos, na região e no mundo todo, protagonizados pelo próprio presidente, assim como pelos integrantes da “franja lunática”, foi construindo um isolamento internacional do Brasil nunca antes visto nos anais da nossa diplomacia, sequer durante a ditadura militar, quando notícias sobre a repressão política, a censura, a eliminação ou “desaparecimento” de opositores políticos frequentavam as páginas dos principais jornais internacionais. Alguns episódios realmente constrangedores, até surrealistas, do ponto de vista da diplomacia profissional, se tornaram frequentes no noticiário brasileiro e do exterior, como as diatribes do presidente e do chanceler acidental contra a ditadura chavista, contra o novo presidente peronista da Argentina, contra líderes europeus e contra a “ditadura comunista” da China, como feito em diversas ocasiões pelo próprio filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, chefe virtual (e real) do chanceler apenas formal. Ao lado e em oposição a esses enfrentamentos, as únicas relações desejadas e buscadas pelo governo assumidamente de direita no Brasil eram aquelas com dirigentes dos países do pequeno arco iliberal e antimultilateralista, nomeadamente o presidente Trump (objeto de uma declaração virtualmente servil: “I love you Trump), o líder de extrema direita da Itália Mateo Salvini (depois retirado de um novo governo de coalização), o primeiro ministro da Hungria Viktor Orban e poucos outros representantes dessa direita orgulhosa de sê-lo. 

O isolamento internacional do Brasil foi sendo construído pelo próprio presidente e por seu governo, inclusive pelo chanceler, que chegou a reconhecer que o país tinha virado um “pária” na comunidade mundial, num dos episódios mais constrangedores para os diplomatas do corpo profissional, pois que feito num “Dia do Diplomata”, em 2020. Os crescentes desentendimentos do chanceler com líderes congressuais acabaram causando sua demissão, em março de 2021, o que se trouxe algum alívio do ponto de vista dos diplomatas não mudou grande coisa na postura e nas declarações do presidente, que continuou a provocar desavenças no plano interno e no cenário externo por uma postura completamente anti diplomática e por uma política externa que seguiu na mesma linha ideológica anterior, ainda que mitigada por um virtual afastamento do chefe de Estado de reuniões internacionais, a não ser para discursos formais preparados pelo Itamaraty e sua assessoria mais responsável. 

Nas primeiras semanas de 2022 – já em meio ao acirramento de desavenças com ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, a propósito do sistema de votação eletrônico, provavelmente motivado pela intenção de conflagrar o processo eleitoral –, instalou-se uma outra desavença entre o Itamaraty, secundado por assessores presidenciais, e o próprio presidente, com respeito a uma planejada visita ao presidente russo Vladimir Putin, comprovadamente preparando uma invasão militar à Ucrânia vizinha, que Bolsonaro insistiu em fazer, mesmo depois de diversos alertas emitidos por dirigentes americanos. A viagem consagrou mais uma das desastradas iniciativas do presidente, pois suscitou uma declaração de “solidariedade” com os russos que causou outros constrangimentos à diplomacia profissional, pouco tempo antes da guerra de agressão deslanchada pelo dirigente russo contra a Ucrânia. Tratou-se de outra ruptura com a prudente e pragmática diplomacia do Itamaraty, feita tradicionalmente de estrito respeito pelo Direito Internacional e à Carta da ONU, flagrantemente violada pela Rússia, ainda que essa mesma postura indiferente a princípios e valores consagrados da lei internacional já tinha sido registrado na invasão, pela mesma Rússia, da península ucraniana da Crimeia, ato de agressão ignorado na ocasião, em 2014, pela presidente Dilma Rousseff.

 

Uma nova “ruptura diplomática” em 2023? 

No início de agosto de 2022, pesquisas eleitorais apontam uma provável vitória, no primeiro ou no segundo turno do pleito presidencial de outubro, do ex-presidente Lula, com declarações “diplomáticas” já registradas pelo próprio e pelo seu ex-chanceler, e possível futuro conselheiro presidencial, Celso Amorim. A ruptura, obviamente, é em primeiro lugar com a diplomacia bolsonarista, um acidente exótico e desastroso em duzentos anos de política externa caracterizada por certos traços básicos que nem as ditaduras ou episódios de exceção ousaram contestar, mas que foram terrivelmente deformados durante quatro anos de amadorismo ignaro e de instintos primitivos próximos a uma extrema direita muito rústica. Mas também poderá representar uma nova ruptura com padrões consagrados de política externa e de diplomacia que foram seguidos invariavelmente durante quase toda a trajetória do Estado independente: o pragmatismo, o equilíbrio nas relações bilaterais, o respeito pelo Direito Internacional, o afastamento de considerações ideológicas ou partidárias na condução da atuação externa do Estado, a ênfase no multilateralismo e o universalismo das relações diplomáticas. Não que um futuro governo petista venha a romper com tais padrões e métodos de trabalho, mas, com base no registro da experiência anterior, é possível um retorno a certo determinismo geográfico – representado por essa miopia do Sul Global – e uma preferência pelo aprofundamento do relacionamento plurilateral no âmbito do BRICS, atualmente um grupo crescentemente manipulado pela China, e agora pela Rússia, para atender seus objetivos e interesses estritamente nacionais, e antiocidentais. 

Tanto o ex-presidente Lula quanto seu principal conselheiro em assuntos internacionais já declararam que os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, senão o próprio presidente ucraniano, possuem alguma responsabilidade na crise que resultou no que se chama de “conflito” entre a Rússia e a Ucrânia, mas que na verdade é pura e simplesmente uma guerra de agressão do vizinho militarmente poderoso contra um país mais fraco, como tal sancionada pela Carta da ONU e pelos princípios mais elementares do Direito Internacional. Este, aliás, é um ponto de aproximação – prática, não doutrinal – com a diplomacia de Bolsonaro, que também tem manifestado claramente a postura de não censurar a Rússia, de não seguir de nenhuma maneira as sanções introduzidas contra ela por países do “Ocidente”, assim como de opor-se resolutamente ao fornecimento de armas e equipamentos militares para a defesa da Ucrânia contra seu agressor. 

Na ausência de perspectivas definidas para a diplomacia regional de um provável governo petista – uma vez que a fragmentação política e ideológica é uma realidade na América do Sul –, assim como para o fantasmagórico “Sul Global”, dilacerado pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, a postura da futura diplomacia do Brasil em relação ao mais grave conflito inopinadamente surgido na agenda internacional deve ser o principal desafio desse governo, ademais da própria política em relação a um BRICS bastante diferente do formato e dos objetivos iniciais. A ruptura, neste caso, não seria nem em relação ao governo Bolsonaro ou aos padrões tradicionais do Itamaraty, mas com respeito aos próprios princípios do Direito Internacional, gravemente comprometidos pela atual guerra de agressão de um “sócio” do Brasil num dos grupos privilegiados pelo lulopetismo diplomático, em contradição com posturas que sequer o Estado Novo ousou transgredir (ao recusar reconhecer a legitimidade da invasão violenta da Polônia pelas forças nazistas e da invasão e incorporação dos três países bálticos pela União Soviética). Uma ruptura a mais na longa história da diplomacia brasileira...

 

Referência Bibliográfica

     

Tribunal Superior Eleitoral. 2018. O CAMINHO DA PROSPERIDADE - Proposta de Plano de Governo. TSE - Tribunal Superior Eleitoral. https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_1534284632231.pdf

 

 

[Minibio do autor:]

 

* Diplomata de carreira de 1977 a 2021. Foi professor no Instituto Rio Branco, na UnB e diretor do IPRI-MRE (2016-2018). Entre os muitos livros publicados estão: Apogeu e Demolição da Política Externa (2021) e Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior (2022).

 

[Info pessoal: Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4215: 7 agosto 2022, 9 p.; Revisão: 28/09/2022]