O que se vê, e o que não se
vê, em política...
Paulo Roberto de Almeida
Em trabalho escrito no
último dia de maio deste ano de 2012, divulgado no mesmo dia em meu blog, sob o
título “Existem países perfeitamente fascistas, sem que se saiba...”, eu tecia
algumas considerações sobre certas derivas “culturais”, mas de perigosas
consequências práticas, que se manifestavam aqui e ali – segundo minha leitura
do noticiário corrente – e que poderiam indicar uma infeliz inclinação
involuntária de certos países para o fascismo ordinário, levado por uma série
de comportamentos perfeitamente autoritários dos que detinham o poder, mas
aceitos inconscientemente pelos que suportam esse poder de mando. Nem o título,
nem o trabalho, em si, traziam qualquer referência ao economista Frédéric
Bastiat, um liberal do século XIX, bastante conhecido pelos seus “Ensaios de
Economia Política” (disponíveis na internet em diversas versões, em francês e
em inglês, segundo escolha dos interessados).
No cabeçalho do post,
contudo (ver este link do Diplomatizzando:
http://diplomatizzando.blogspot.de/2012/05/o-fascismo-que-se-via-e-o-fascismo-que.html),
eu fazia referência ao que tornou Bastiat famoso em suas preleções econômicas,
em grande medida válidas ainda hoje: o recorrente recurso, em sua argumentação,
ao que se vê em economia – preços,
créditos, alugueis, juros, enfim, todos os grandes fluxos econômicos,
apresentados segundo dados objetivos – mas também ao que não se vê, no mesmo terreno, que são, justamente, as
consequências, muitas delas involuntárias, de certas ações humanas, geralmente
governamentais, que visam interferir nos fluxos e relações econômicas,
supostamente para “provocar” uma melhor situação de bem-estar, mas que
invariavelmente acabando trazendo maiores prejuízos à sociedade e aos agentes
sociais e econômicos do que se essas ações – por exemplo, fixação política dos
juros, protecionismo comercial, subsídios estatais a indivíduos ou a um grupo, limites
oficiais à variação dos preços de determinados bens ou dos alugueis, etc. – não
tivessem sido tomadas. Ainda pensei em Bastiat, hoje mesmo, lendo a imprensa
internacional, ao constatar que, depois de tantos bilhões – em alguns casos
trilhões – em recursos públicos despejados no setor financeiro (e portanto
acúmulo de dívida pública), na “retomada do crescimento e do emprego”, no
“estímulo econômico keynesiano”, enfim, num sem número de medidas adotadas nos
principais países em crise (e até em alguns que se vangloriam de não estarem em
crise), depois de todo esse ativismo governamental, a economia continua depressiva
e teima em não fugir do ciclo de recessão e de baixo crescimento. Até parece
que a agitação não resultou em grande coisa, ou talvez em nada, para ser mais
exato.
Trata-se do típico exemplo
do que Bastiat chamaria do lado que se
vê – ou seja, os tais de estímulos keynesianos, ou injeção de recursos para
manter uma tal de “demanda agregada” – mas que se esquece do lado que não se vê, e ele vem aqui: de
onde pensam os keynesianos que sai o dinheiro para tais estímulos?; quando se
diz que o governo vai “estimular o crédito”, para manter o crescimento, de onde
acham, esses mesmos tecnocratas governamentais, que sai o tal “crédito”? O
crédito, por acaso, nasce nas árvores, vem do ar, fica num grande cofre à
disposição dos governantes? Em outros termos: quando alguém lhe disser que o
governo vai fazer isso e mais aquilo para não cairmos em recessão, pergunte,
com Bastiat, pelo outro lado da história: de onde sairão os recursos para tais
e tais medidas? Você já pensou na conta que o governo está deixando para você
pagar mais adiante? Na próxima vez, pense nisso: saque seu Bastiat do bolso e
diga: “alto lá: quero ver o outro lado, o que não se vê, justamente”. Essa é a
melhor maneira de defender o seu bem-estar, e o seu futuro...
Mas hoje não pretenderia
falar de economia, e sim de política, na continuidade do meu texto anterior,
sobre a existência de países perfeitamente fascistas sem que disso a maior
parte das pessoas tome consciência. Quero aplicar a regra de Bastiat aos
dizeres, aos comportamentos e às práticas políticas. Assim, quando um político
lhe disser “vamos fazer isso, porque é mais democrático, porque beneficia a
maioria da população”, saque o seu Bastiat e pergunte pelo outro lado. Vamos
fazer o exercício?
Em política, o que mais se
vê, sobretudo em épocas eleitorais, são promessas, de todos os tipos e
tamanhos, de todas as cores para todos os gostos, para todos e cada um,
qualquer que seja o custo financeiro das promessas feitas: saneamento,
hospitais, escolas, segurança, empregos, aumento de renda, enfim, não há limite
para o festival de bondades. A primeira pergunta do nosso exercício de política
aplicada, à la Bastiat, seria, portanto, atinente aos meios e instrumentos para
a realização dessas promessas, ou seja, começar imediatamente pelo mais
simples: “olha aqui candidato: está muito bem o que você nos promete, mas de
onde virão os recursos para tudo isso?”. Sim, porque as promessas são baratas,
mas sua realização é muito cara. Por isso mesmo, eu tenho em alta conta um blog
francês, alojado no site do Institut Montaigne, de Paris, que se chama
“Chiffrages et Déchiffrages” (http://www.chiffrages-dechiffrages2012.fr/);
ele fornece uma estimação a mais precisa possível sobre o custo envolvido em
qualquer promessa de políticos. Já seria um grande progresso se o Brasil viesse
a ter algo do gênero em permanência. Seria uma maneira de ver o outro lado, em
política e em economia.
Existem outras propostas,
também, que são feitas independentemente do período eleitoral, mas uma
supostamente se aplica perfeitamente aos gastos de campanha: por exemplo, o tal
de financiamento público de campanha política, feito por meio dos partidos
políticos. Você seria ingênuo o suficiente para acreditar que o financiamento
público impediria, limitaria ou evitaria o financiamento privado (geralmente
por parte de empresas interessadas em contratos públicos)? Se olharmos para o
outro lado, se poderia facilmente constatar que uma empresa interessada nesse
tipo de negócio não pode parar de fazer o que faz, pois do contrário como ela
iria garantir novos contratos a partir da posse dos seus “ajudados”? Trata-se
de um dado estrutural da maneira de fazer política no Brasil que não parece
perto de terminar, com lei ou sem lei de financiamento público.
Ainda nessa esfera das
propostas eleitorais, o que dizer das obras públicas, justamente, ou da
promessa de criar mais empregos públicos para resolver tal ou qual problema na
esfera dos serviços coletivos? O outro lado, que não se vê, já teria de se
apresentar logo de partida: o Estado é capaz de fazer qualquer coisa,
distribuir uma aspirina que seja, sem que antes ele recolha os recursos ou os
bens que pretende “distribuir” em alguma parte? E quando ocorre esse
recolhimento preventivo, uma parte, geralmente de 10 ou 15% (mas que pode ser
maior), fica no próprio Estado, a título de administração, organização dos
serviços, gastos com os “meios”, etc.; o que normalmente ocorre é que os meios
se tornam mais importantes do que os fins, pelo menos do ponto de vista da
burocracia do Estado, um praga renitente, que tem sua própria razão
burocrática.
Tenho um exemplo
particularmente idiota, completamente imbecil, de uma ação desse tipo, mas que
foi proposta por burocratas – talvez mal intencionados, desde o início, visando
provavelmente garantir empregos para os militantes da causa – com o objetivo de
estimular a leitura no Brasil (reconhecidamente um país que lê pouco; menos eu,
que devo ler por pelo menos cem brasileiros, talvez mais). Pois bem, como esses
idiotas conceberam o plano para estimular a leitura, por meio de “agentes de
leitura”, a serem espalhados por escolas e bibliotecas públicas? Ora, muito
fácil, para os burocratas idiotas como os que tomaram de assalto a máquina
pública: bastava instituir um “pequeno imposto” sobre a cadeia do livro para
financiar a fabulosa figura do “estimulador de leituras” (geralmente
companheiros desempregados, claro, que podem estar precisando de um emprego
público qualquer, geralmente estável e com muito pouco trabalho). Não é
perfeitamente idiota? O que se apregoa é a necessidade da leitura, e é isso que
se vê e se proclama; o que não se vê é que o livro, já bastante caro no Brasil,
ficaria um pouco mais caro para fazer com que os brasileiros lessem mais. Não é
genial?
Quando algum outro
político, ou partido, dizer que pretende “democratizar os meios de
comunicação”, comece a pensar no que não se vê: o controle partidário,
perfeitamente totalitário, daqueles meios de comunicação que não estão de acordo
com as propostas de certos políticos e que até têm a petulância de
investigá-los em seus hábitos privados satisfeitos com recursos públicos. Esta
é, sem dúvida alguma uma variante do fascismo econômico que já detectamos em
certos países no trabalho anterior desta série.
E a mania, consagrada por
supremos aplicadores da lei, de instituir cotas para minorias raciais, na
suposição de que, primeiro se trata de minorias, segundo que só por essa via as
minorias que não são minorias poderão enfrentar a concorrência com as
verdadeiras minorias de selecionados pelo mérito? Existe algo mais contrário ao
teste de Bastiat do que isso? O que se vê é a “justiça” feita aos que não
tiveram oportunidades na vida, por alguma deficiência herdada do meio social,
da formação educacional, enfim, das diferenças que caracterizam nossa
sociedade; o que não se vê, é a injustiça feita com quem não fez nada além de
estudar e se preparar para um concurso qualquer, e que de repente se vê
preterido por um cota racial de algum tipo. Existe injustiça maior do que a
denegação dos direitos individuais de alguém, em nome de obscuros “direitos
coletivos”, que não são exatamente coletivos, já que acabam beneficiando um
outro indivíduo, tão individual quanto o primeiro?
Os exemplos poderiam ser
multiplicados infinitamente, mas eu termino por uma perfeita manifestação do
inconsciente coletivo que pretende beneficiar concretamente determinados grupos
de pessoas, mas que não vê, como prejudica a todos, igualmente. Eles existem e
se multiplicam no Brasil, infelizmente. Se trata da “bondade” feita por
políticos com o dinheiro privado, e que consiste em assegurar meia entrada ou
entrada livre para estudantes ou idosos em várias categorias de espetáculos ou
serviços, a começar por cinemas e teatros, espetáculos musicais ou esportivos,
transportes coletivos e muitas outras áreas que não cabe detectar aqui. Os
políticos acreditam, realmente, que estão beneficiando essas categorias? Eles
são ingênuos de acreditar no que se vê? Nunca pararam para considerar o que não
se vê? Que o preço das meias entradas ou das prestações gratuitas de um serviço
qualquer contribui para que o preço médio pago por todos seja bem mais caro na
ausência dessas políticas, ou que se acaba induzindo à sobre-utilização de
determinados serviços – pode ser até no setor de saúde – que de outra forma
poderiam funcionar de modo muito mais racional, e econômico, para o conjunto da
população, na ausência desses “estímulos” e subsídios perfeitamente idiotas.
Existe bem mais, do lado
que não se vê, do que esse custo acrescido nas prestações que todos pagam, custo
incorrido até pelos que não se utilizam desses ou de outros serviços. Se trata
da demanda dos empresários afetados pela redução ou gratuidade no sentido de obter determinadas “compensações”
estatais (uma suspensão fiscal, por exemplo), ou então subsídios diretos à
manutenção do serviço. Existe aí, ademais do custo direto da medida em si, uma
imensa porta aberta para a corrupção, as combinações obscuras, a formação de
pequenos e grandes carteis, enfim, todo tipo de patifaria a partir da seleção
dos fornecedores de determinados serviços. O que não se vê é geralmente maior,
e muito mais prejudicial, do que o que se vê como benefício.
Quando é que os
brasileiros vão começar a prestar atenção no lado que não se vê da política
corrente?
Seria preciso,
provavelmente, organizar um curso elementar de Bastiat aplicado a todos os
candidatos a cargos públicos, e também aperfeiçoar a educação política dos
brasileiros. Mas esta, evidentemente, é tributária da educação em geral, aquela
que supostamente se aprende na escola e que deveria servir para a vida toda. A
julgar pelo constato quando ao estado atual – e próximo futuro – da educação no
Brasil, ousaria dizer que não existe a menor chance desse quadro ser modificado
para melhor no futuro previsível. Tenho razões para ser otimista, ao observar o
quadro lamentável de nossa educação pública – e privada, também, pois os
professores não são muito diferentes, com exceção das grandes escolas para
ricos – e concluir que não há nenhum risco de melhorias positivas qualquer que
seja o horizonte de nossas expectativas?
Quem tiver razões de
esperança, pode escrever algum ensaio para me contradizer.
Dresden, 2399: 2
Junho 2012.