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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Maquiavel: aos 500 anos do Principe, um livro de Paulo Roberto de Almeida

Revisei, atualizei e adaptei minha releitura do clássico de Maquiavel, O Príncipe, e optei por republicar esse livro em formato Kindle, como indicado abaixo.
Disponível: http://www.amazon.com/dp/B00F2AC146

O Príncipe, revisitado: Maquiavel para os contemporâneos 


(Portuguese Edition) [Kindle Edition]


Paulo Roberto Almeida 

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Book Description

 September 8, 2013
Se, por alguma fortuna histórica, Maquiavel retornasse, hoje, ao nosso convívio, com as suas virtudes de pensador prático, quase meio milênio depois de redigida sua obra mais famosa, como reescreveria ele o seu manual hiperrealista de governança política?
Seriam os Estados modernos muito diversos dos principados do final da Idade Média? Provavelmente não; certo já não se manda mais apunhalar os inimigos políticos na missa dominical, mas traições e golpes escusos ainda fazem parte do cardápio dos candidatos a condottieri.
Este Maquiavel revisitado, voltado para a política contemporânea, dialoga com o genial pensador florentino, segue seus passos naquelas recomendações que continuam aparentemente válidas para a política atual, mas não hesita em oferecer novas respostas para velhos problemas de administração dos homens.
Se na época do diplomata florentino, a tarefa básica do príncipe era a construção de um Estado moderno, a missão principal dos estadistas contemporâneos consiste em defender os direitos dos cidadãos, justamente contra a intrusão e a prepotência dos Estados.


Product Details

  • File Size: 388 KB
  • Print Length: 186 pages
  • Publisher: Autor; 1 edition (September 8, 2013)
  • Sold by: Amazon Digital Services, Inc.
  • Language: Portuguese
  • ASIN: B00F2AC146
  • Lending: Enabled
O Sumário, na versão impressao do livro, tem esta distribuição: 


Sumário



Prefácio
pág. 15

Dedicatória
pág. 21

1. Dos regimes políticos:
os democráticos e os outros
pág. 29

2. Das velhas oligarquias
e do Estado de direito
pág. 33

3. Da variedade de estados capitalistas
pág. 39

4. Do governo pelos homens e
do governo pelas leis
pág. 50

5. Da transição política nos
regimes democráticos
pág. 57

6. Da conquista do poder:
a liderança política
pág. 66

7. Da eficácia do comando e
da manutenção do poder
pág. 83

8. Da ilegitimidade política:
da demagogia e da força
pág. 91

9. Das repúblicas democráticas
e sua base econômica
pág. 100

10. Das forças armadas e das
alianças militares
pág. 109

11. Do estado laico e da
força das religiões
pág. 121




12. Da profissionalização
das forças militares
pág. 129

13. Dos gastos com defesa e
da soberania política
pág. 135

14. Da preparação estratégica
do líder político
pág. 139

15. Do exercício da autoridade
pág. 144

16. Da administração econômica
da prosperidade
pág. 147

17. Do uso da força em política
pág. 152

18. Da mentira e da sinceridade
em política
pág. 156

19. Da dissimulação como forma de arte
pág. 162

20. Da dissuasão e da defesa do estado
pág. 166

21. Da construção da imagem:
verdade e propaganda
pág. 172

22. Dos ministros e secretários
de estado
pág. 179

23. Dos aduladores e dos
verdadeiros conselheiros
pág. 187

24. Da arte pouco nobre de
arruinar um estado
pág. 190

25. Do acaso e da necessidade em política
pág. 195

26. Da defesa do Estado contra
os novos bárbaros
pág. 201

Carta a Niccolò Machiavelli
pág. 213

Apêndice
O que nos separa de Maquiavel?
pág. 219

Recomendações de leituras
pág. 221

Outros livros de Paulo Roberto de Almeida
pág. 224

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Brasil desperdiçou a renda das commodities - Entrevista Delfim Neto

Delfim defende regulação em commodities

Por Luiz Henrique Mendes | De São Paulo
Valor Economico, 9/09/2013

Para Delfim, incentivo do governo brasileiro à concentração na área de frigoríficos é um grave erro, porque cria oligopsônio na compra e oligopólio na venda

O processo de globalização da economia resultou em uma estrutura perversa no mercado de commodities, em que pouco mais de uma dezena de tradings agrícolas controlam bilhões de produtores rurais. Em escala global, as tradings atuam como um oligopsônio na aquisição de produtos agrícolas, limitando o poder de negociação dos agricultores, e como um oligopólio na venda desses produtos.
Para equilibrar esse processo, o Estado, que de algum modo aceitou e até promoveu a consolidação dessa estrutura, terá de agir e lançar mão de instrumentos de regulação, tais como agências específicas para isso. Essa é a avaliação do economista Antônio Delfim Netto, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura.
Em entrevista ao Valor, Delfim, aos 85 anos, diz que a política de concentração dos frigoríficos brasileiros, capitaneada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foi um "grave erro", e é parte desse processo global da oligopolização da produção global de alimentos. "Mesmo quando há grandes economias de escala, estruturas oligopsônicas e oligopolísticas são contra o aumento da produtividade", afirma.
Na entrevista, Delfim tratou de algumas das principais discussões da economia agrícola. Em meio ao debate sobre a desaceleração da China, ele não crê que haverá uma "debacle" nos preços agrícolas. O período de forte alta nas cotações, porém, já passou e o Brasil, segundo Delfim, não soube aproveitar o boom para investir em infraestrutura.
Sobre a política agrícola nacional, o ex-ministro elogia o último Plano Safra, válido para o ciclo 2013/14. De acordo com ele, o plano ataca aquele que talvez seja o principal gargalo da agricultura atualmente: a política de seguro rural. Para Delfim, a ausência de uma política de seguro agrícola consistente foi responsável pela pecha de caloteiros - externada até mesmo pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) - que os agricultores ganharam.
O ex-ministro ressalta, ainda, o papel que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem no desenvolvimento da agricultura nacional. Segundo ele, a estatal continua a ser um elemento "distintivo" do país. Na opinião de Delfim, a perda de participação da Embrapa em mercados cobiçados como os de sementes de soja e milho não é um problema. "A Embrapa não foi feita para substituir o setor privado", diz.
Na seara política, Delfim diz que a bancada ruralista no Congresso Nacional também cumpre sua função de maneira adequada. Em questões polêmicas, como a indígena e a ambiental, o papel de árbitro cabe ao Estado, afirma. Nos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão no campo, não há como tergiversar, diz Delfim. "Só pondo na cadeia", afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O Brasil foi beneficiado na última década pelo explosão da demanda chinesa. Esse ciclo acabou?
Antônio Delfim Netto : A demanda por produtos agrícolas depende, no fundo, do crescimento da população e da urbanização. Mas eu não vejo que você vai ter uma redução muito importante da taxa de crescimento da demanda de produtos agrícolas nos próximos anos. O que vai mudar, seguramente, é a estrutura da demanda. Você vai caminhar mais para produtos proteicos, porque o mundo está melhorando seu nível de renda. Mas não vejo nenhuma razão para imaginar uma debacle nos preços agrícolas. Teremos, no fundo, uma relativa estabilização. Os preços, provavelmente, vão voltar a declinar lentamente como sempre acontece, o que não significa que a demanda global vai diminuir.
Valor: Mas o maior salto já foi?
Delfim : O principal salto foi o avanço espetacular da China, que não vai se repetir. Mas imaginar que a China vai reduzir a sua demanda dramaticamente é um erro. Ela vai continuar crescendo 4,5%, 5% ao ano. E mais importante: vai aumentar muito a urbanização, o que reduz a oferta de produtos agrícolas de um lado e aumenta a demanda de outro, porque aumenta a renda.
Valor: O sr. acha que o Brasil aproveitou bem o boom da China?
Delfim : O Brasil não aproveitou bem o boom das commodities. Durante dez anos, tivemos um crescimento das relações de trocas importante, o que significa que a renda crescia mais do que o PIB. Teria sido o momento para fazer as mudanças estruturais que nós precisamos. Mas optamos por um caminho um pouco diferente. Usamos muito mais desses recursos na redistribuição de renda do que no aumento da eficiência produtiva, o que é compensado por um aumento do bem-estar visível. Mas um dos aspectos mais difíceis de entender é que você sacrificou uma parte das vantagens da melhoria das relações de troca para valorizar o câmbio e para combater inflação - ou seja, você jogou fora uma parte desses recursos.
Valor: De algum modo, o Brasil é refém da "maldição" dos recursos naturais, se é que ela existe?
Delfim : Não tem maldição nenhuma. O Brasil aproveitou esses recursos e desenvolveu um setor agrícola extremamente eficiente. A agroindústria, que talvez seja um quarto do PIB, é um setor altamente eficiente. É um setor sofisticadíssimo, mas muito prejudicado por falta de estrutura, de transportes, de portos, por falta de armazenagem e por falta de uma política importante, que é a política de seguro de safra.
Valor: O último Plano de Safra avançou na questão do seguro?
Delfim : Evoluiu muito. Esse último plano de safra é dos melhores que já foram produzidos no Brasil. Ele atentou para algumas coisas críticas. Está começando a haver uma consciência de que o país não tem conseguido fazer chegar a essa gente o progresso da tecnologia na pequena propriedade. No fundo, se abandonou um sistema de assistência técnica que já foi muito eficiente no Brasil e esse plano começou a reconstruí-lo. Se você conseguir mobilizar a pequena agricultura com os avanços da tecnologia que estão na gaveta, vai produzir uma revolução.
Se conseguirmos mobilizar a pequena agricultura com os avanços da tecnologia, haverá uma revolução
Valor: Num artigo de 2004, o sr. dizia que, depois do completo desastre que foi a política agrícola do governo Collor e da pecha de caloteiros no governo FHC, o relação do governo com o setor começava a melhorar. Isso se comprovou?
Delfim : Melhorou. O problema da agricultura é que ela é uma atividade de altíssimo risco. A agricultura depende da vontade de São Pedro. Como a agricultura precisa de crédito, o fato de a receita ser altamente influenciada pelas variações climáticas coloca uma dificuldade gigantesca. Por quê? Quando, por efeito do clima, há uma queda da oferta de produtos, os preços não sobem para suprir a renda. O agricultor vê seu patrimônio desaparecer. Como não há seguro de safra, ele fica devendo. Na próxima vez, você tem um acordo com o governo. Mas o governo é pior do que o pior dos banqueiros. Cada negociação de dívida é uma tragédia, ou foi uma tragédia no passado. Você embutia custos espantosos, taxas de juros gigantescas. Desse ponto de vista, houve uma avanço muito grande. Já começou no Fernando Henrique e veio avançando. Para a agricultura funcionar tranquilamente, ela tem que ter seguro de safra. Ou seja, se houver um acidente, a tua renda é complementada e você pode honrar os seus compromissos.
Valor: Nesse sentido, qual é o papel do Estado na política agrícola?
Delfim : Provavelmente, a pesquisa não se sustenta simplesmente com financiamento privado. O Estado produziu, ou pelo menos divulgou, todas a grandes invenções, da internet até a semente do milho transgênico.
Valor: Como o senhor vê a atuação da Embrapa. É natural que ela perca participação nos mercados mais cobiçados como soja e milho?
Delfim : A Embrapa não foi feita para substituir o setor privado. Ela é um instrumento de pesquisa. O mundo se aproveita das pesquisas da Embrapa. Quando você diz que a Embrapa reduziu participação, ela não reduziu o seu papel. Ela está se sofisticando e é claro que os ganhos são menores, na margem. A base é muito mais alta. Mas a Embrapa foi e é um instrumento distintivo, que distingue a economia brasileira do resto do mundo. O que você não pode é pensar que essas coisas acontecem por acaso. E não é só no Brasil, não. A soja nos EUA também dependeu do departamento de agricultura [USDA]. O Estado é um fator importante no processo de desenvolvimento.
Valor: O sr. acha que o Estado deve intervir nos preços agrícolas?
Delfim : O Estado precisa de um estoque regulador por causa da flutuação da agricultura, da oferta. A política de estoques é fundamental. Não para perturbar, mas para regular o mercado quando há um acidente climático.
Valor: O Estado brasileiro incentivou uma concentração entre frigoríficos? O sr. concorda com isso?
Delfim : Isso é um grave erro, porque cria organismos que são um oligopsônio na hora de comprar e oligopólios na hora de vender. Você não pode ter milhões de produtores e dois sujeitos comprando tudo o que eles produzem. Aliás, essa é uma tragédia que está acontecendo no mundo. O número de empresas que transacionam commodities se reduziu dramaticamente. O monopólio é muito ruim. Estruturas oligopsônicas e oligopolíticas são contra o aumento da produtividade, mesmo quando se diz que há grandes economias de escala. A estrutura em que você reduz a quantidade de oferta ou reduz a quantidade de compradores é uma estrutura perversa.
Valor: Mas uma das alegações, no caso dos frigoríficos, é que a concentração ajudaria a melhorar a sanidade da cadeia produtiva.
Delfim : A política sanitária é coisa do governo. Você não precisa de gente grande para comprar gado bom. Você pode ter gente pequena comprando gado da melhor qualidade do ponto de vista da sanidade.
Valor: E o que fazer para combater esse processo de concentração?
Delfim : O Estado não pode deixar que se formem monopólios. Quando existir um monopólio, ele tem que ter uma agência reguladora independente e que ele não possa se apropriar dela.
Valor: No caso do Brasil, o Estado escolheu os vencedores?
Delfim : Isso não importa. A política em si é que está equivocada. Não é que se escolheu A ou B. Pode até ter escolhido pessoas ou empresas que vão progredir. Mas o que está errado é a política.
Valor: Na área política, como o sr. vê o papel da bancada ruralista? Existem polêmicas na questão ambiental, na questão indígena...
Delfim : A bancada ruralista faz o seu papel. A questão indígena está definida na Constituição. Sempre há dois lados. Se você entrega tudo para antropólogos, vai para um lado. Se você entrega para empresários agrícolas, vai para o outro. É por isso que tem que ter o Estado para arbitrar.
Valor: E como conciliar produção agrícola e preservação ambiental?
Delfim : Não há contradição entre a preservação do meio ambiente a agricultura. Só um agricultor muito burro não preserva o meio ambiente. O que há é uma certa contradição entre algumas pessoas que gostariam muito de voltar para a Idade da Pedra e aqueles que acham que não têm que tomar conhecimento de nada, e querem colocar um trator onde puder. De novo: por isso é que existe o Estado, Deus meu!
Valor: E o que fazer com os frequentes casos de exploração de trabalho análogo à escravidão?
Delfim : Pondo na cadeia.
Valor: O que o senhor acha da proposta de expropriar a terra de quem fizer esse tipo de exploração?
Delfim : Não é uma solução, mas seguramente é uma forma de impedir que isso aconteça. Tem que ser uma punição draconiana.

Os insubmissos: Husserl, Bloch, Orwell - Mario Vargas Llosa

Os insubmissos

Mario Vargas Llosa 
O Estado de S.Paulo, 8/09/2013

Vim à Normandia com a intenção de reler Flaubert, visitar o pavilhão de Croisset e os lugares que ele descreveu em Madame Bovary. Contudo, numa livraria do pitoresco e confuso porto de Honfleur, deparei com um pequeno livro de Jorge Semprún, recém-publicado na França, que me manteve toda a semana pensando na explosão do nazismo no continente europeu, na 2ª Guerra, nas suas sequelas e na conduta de alguns intelectuais naqueles anos cruciais.
O livro chama-se Le Métier d'Homme ("O ofício do homem") e contém três conferências que o escritor proferiu na Biblioteca Nacional de Paris, nos dias 11, 13 e 15 de março de 2002. Provavelmente, o encontro foi gravado e o que foi publicado é uma transcrição das gravações, pois o texto está repleto de repetições e vacilações típicas de uma exposição falada, não lida.
No entanto, ainda assim essas páginas são abundantes em sugestões e ideias fascinantes que, longe de se contentarem com reminiscências históricas ou curiosidades, gravitam com força em torno da crise europeia dos anos 40 e de nossos dias.
O livro é também uma homenagem a um filósofo, Edmund Husserl, a um historiador, Marc Bloch, e ao escritor e jornalista George Orwell. Intelectuais que, em momentos de grande confusão e turbulência ideológicas e políticas, tiveram a coragem de assumir posições refratárias às dos governos e da opinião pública de seus países e conseguiram, usando de uma razão crítica e uma moral heroica, estabelecer alguns objetivos cívicos e defender valores que, ao longo do tempo, acabaram vencendo o obscurantismo, o fanatismo e o totalitarismo desencadeados pela segunda conflagração mundial.
Edmund Husserl, pai da fenomenologia e mestre de Heidegger, que dedicou a ele sua obra capital, Sein und Zeit ("Ser e Tempo"), tendo se retratado depois quando começou a colaborar com o regime nazista, proferiu uma conferência em Viena, em 7 de maio de 1935, na qual exortou seus colegas intelectuais a enfrentarem a "barbárie" e a manter viva a grande tradição europeia do espírito crítico e da racionalidade, se sobrepondo às paixões e à conduta instintiva.
Na sua conferência, Semprún destaca, sobretudo, o que chama de "patriotismo democrático" do filósofo, que afirmou categoricamente que o inimigo da Europa civilizada não era o povo alemão, mas Hitler, e, mais cedo do que se esperava, a Alemanha, graças ao federalismo, optaria pela via democrática e se reintegraria numa Europa que teria superado também o nacionalismo e se unificado num regime político e econômico de caráter federal. Afirmações e previsões de uma lucidez visionária que, meio século mais tarde, a história europeia confirmaria.
No entanto, quando proferiu sua conferência, Husserl tinha 76 anos. Como era judeu, de acordo com as ordens antissemitas do nazismo, já havia sido despojado de todos os seus direitos acadêmicos. Logo, foi obrigado a se refugiar no priorado beneditino de Sainte Lioba, onde morreria três anos depois daquela conferência. De lá, um sacerdote franciscano, o padre Herman Leo van Breda, resgataria as 40 mil páginas inéditas do filósofo e encarregou-se de faze-las chegar, sãs e salvas, à Universidade de Louvain, na Bélgica.
Semprún, em páginas de grande sutileza, destaca como naqueles anos houve intelectuais católicos, entre eles Jacques Maritain, que contrariamente à extrema prudência com que o Vaticano encarava a problemática nazista, atacaram o totalitarismo fascista e stalinista, denunciando suas semelhanças ocultas por baixo de suas diferenças aparentes, uma verdade escandalosa que se confirmaria logo depois com o pacto firmado entre Molotov e Von Ribbentrop e o trauma que o acordo causaria na intelectualidade progressista e comunista.
O segundo homenageado por Semprún é o historiador Marc Bloch, fundador, com Lucien Febvre, da Escola dos Annales, movimento que renovaria e daria um impulso criativo notável à investigação histórica na França. Marc Bloch, que lutou na 1ª Guerra, começou como soldado raso e terminou como capitão. Alistou-se também na 2ª Guerra e foi um resistente ativo, até ser capturado pela Gestapo e fuzilado em 1944.
Depois da derrota do Exército francês, Bloch escreveu em apenas dois meses L'Étrange Défaite ("A Estranha Derrota"), entre julho e setembro de 1940, um livro impublicável na época, que permaneceria oculto até depois da libertação. No livro, ele analisa com uma extraordinária serenidade e profundidade as razões pelas quais a França desmoronou tão facilmente diante da investida do Exército nazista. Ele foi implacável na sua denúncia da corrupção que corroía a classe dirigente, os partidos políticos, os sindicatos e cegava os intelectuais.
Contudo, apesar da crítica virulenta, o ensaio não sucumbiu ao pessimismo. Pelo contrário, ele destacou os sólidos recursos institucionais e culturais que sustentam a tradição democrática francesa, exortou a nação a não se render à barbárie totalitária e a lutar não só para derrotar o nazismo, mas também para reconstruir a sociedade francesa sobre bases mais decentes e mais justas do que as que provocaram a catástrofe. Jorge Semprún ressalta, como fez com Husserl, a posição de Bloch, seu rechaço ao nacionalismo, sua vocação europeísta e a defesa da racionalidade e do espírito crítico.
Orwell. George Orwell é o terceiro exemplo de intelectual comprometido com a justiça e a verdade, que não temeu enfrentar o descrédito e a impopularidade, homenageado por Semprún. Ele refere-se, claro, ao jornalista que lutou como voluntário em defesa da república na guerra civil espanhola, ingressando nas fileiras do POUM, que, em homenagem à Catalunha, foi um dos primeiros a denunciar o extermínio de trotskistas e de anarquistas ordenado por Stalin no seio das forças republicanas.
Semprún destaca, sobretudo, sua defesa do "patriotismo democrático" com que exortou seus compatriotas a enfrentarem Hitler e o nazismo, ao mesmo tempo em que criticou com dureza o colonialismo britânico, exigindo que Londres assegurasse a independência da Índia e das demais colônias do império uma vez terminada a guerra.
Semprún estuda em detalhes um ensaio pouco conhecido de Orwell, The Lion and the Unicorn ("O Leão e o Unicórnio"), onde se encontra sua célebre frase: "A Inglaterra é um país de gente boa com figuras equivocadas no controle". Ele lembra que, apesar da utilização que a direita sempre fez das suas críticas à União Soviética e ao comunismo, principalmente em obras como Animal Farm ("A Revolução dos Bichos") e 1984, Orwell sempre se considerou um homem de esquerda, um socialista convencido de que o verdadeiro socialismo tem uma essência democrática, defensor do espírito crítico e da liberdade intelectual, que considerava valores inseparáveis da luta pela justiça social.
É impossível não ler esse pequeno e estupendo livro sem pensar que Jorge Semprún pertenceu a essa mesma tradição de pensadores e de escritores que se opuseram ao conformismo e à complacência e aos quais dedicou essas três conferências. Ele também sempre achou que o trabalho intelectual - e neste ponto confessa que sua verdadeira vocação era ser um "filósofo profissional", embora a guerra e sua militância o tenham levado para outro caminho - era inseparável da ação cívica e teve a coragem de criticar e se afastar do Partido Comunista, no qual havia militado durante toda sua vida, quando se convenceu de que aquela militância era incompatível com o espírito crítico e com o patriotismo democrático personificados por intelectuais como Husserl, Bloch e Orwell.
A ruptura, porém, não o afastou dos ideais da sua juventude. Por ser leal a esses ideais, participou da Resistência, esteve preso no campo de concentração de Buchenwald, lutou como clandestino na Espanha franquista e foi o intelectual insubmisso com a mesma coerência e integridade moral que enaltece nos três mestres aos quais dedicou esse livro estimulante. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO   * É ESCRITOR PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA

Brasil: sempre o problema da produtividade - Editorial Estadao

Assunto já abordado aqui, várias vezes, e de forma sempre preocupante, pois se trata, de longe, do mais dramático problema, junto com a educação (ao qual ele está intimamente ligado) que enfrenta hoje a sociedade brasileira. Ouso dizer que já somos um país fracassado por isso mesmo.
Podem achar que sou pessimista, mas quando olho -- e constato - os problemas da educação brasileira, e verifico os dados da produtividade, minhas conclusões só podem ser extremamente negativas para o nosso futuro. Espero estar errado, mas um pessimista pode perder por grau, não por natureza...
Paulo Roberto de Almeida

O desafio da produtividade

09 de setembro de 2013 | 2h 05
Editorial O Estado de S.Paulo
Para continuar a crescer nos próximos anos, o Brasil terá de se tornar bem mais produtivo, pois se esgotaram os fatores demográficos e a farta disponibilidade de mão de obra que permitiram a contínua expansão da produção nos últimos anos, a despeito da baixa evolução da produtividade. A capacidade de produzir mais com a mesma quantidade de recursos será essencial, doravante, para fazer o País crescer e para assegurar melhores condições de vida para a população.
Esta é a principal conclusão de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre produtividade, que marca o início de uma série a respeito dessa questão. O objetivo desses trabalhos é avaliar a evolução da produtividade brasileira nos últimos anos, compará-la com o que ocorreu e está ocorrendo em outros países, identificar os fatores que afetam a eficiência produtiva nos diferentes setores e, consequentemente, oferecer elementos para a definição de políticas públicas nesse campo.
Os resultados apresentados no primeiro trabalho da série são preocupantes e já dão a dimensão das imensas tarefas que o País terá nos próximos anos para continuar a crescer num ritmo adequado para suprir gradualmente suas carências econômicas e sociais.
Na análise da evolução recente dos indicadores de produtividade no Brasil, os pesquisadores do Ipea constataram que, entre 1992 e 2001, o crescimento do PIB per capita foi assegurado quase inteiramente pelo aumento da produtividade do trabalho.
No início da década passada, porém, a evolução do PIB per capita se descolou da variação da produtividade. Enquanto o primeiro indicador continuou a crescer velozmente (aumento de cerca de 20% entre 2001 e 2009), a produtividade avançou menos de 10%. O crescimento do PIB per capita na última década deveu-se basicamente ao aumento da taxa de ocupação, isto é, ao aumento do número de empregados em relação à população total.
Mas esse fator, estreitamente vinculado ao novo padrão demográfico do País e à expansão do mercado de trabalho, sobretudo o formal, já não terá mais tanta influência na elevação da renda per capita. Por isso, daqui para a frente, a melhora dependerá essencialmente dos ganhos de produtividade.
No entanto, a evolução recente da produtividade tem sido muito fraca. Embora varie muito de um setor da economia para outro, a produtividade média nas duas últimas décadas apresentou uma trajetória estável de crescimento, mas a um ritmo lento, de cerca de 1% ao ano. Na indústria de transformação, o resultado ficou abaixo disso; em alguns segmentos, houve queda de produtividade.
O que os dados preliminares sugerem é que, depois da crise financeira mundial iniciada em 2008, a produtividade brasileira, que crescia pouco, pode ter se estagnado.
Se se confirmar essa estagnação, o Brasil ficará em situação ainda pior na comparação com outros países. Um dos estudos do Ipea compara a evolução da produtividade no Brasil com a observada na Coreia do Sul, na China e nos Estados Unidos a partir de 1960, quando a produtividade americana já era alta.
Depois de evoluir numa velocidade superior à dos demais países nos primeiros 20 anos, a produtividade brasileira perdeu vigor e passou a crescer menos. A da China, ao contrário, passou de uma evolução lenta nos primeiros 20 anos para um vigoroso crescimento a partir de meados da década de 1980 e mantém esse ritmo até agora. A da Coreia do Sul igualmente adquiriu vigor na década de 1980 e continuou a crescer desde então, embora a um ritmo inferior ao da China. É surpreendente o caso da produtividade americana. De longe a mais alta do mundo, ela continua a evoluir de maneira constante e, nos últimos 20 anos, mais do que a brasileira.
Em resumo, a produtividade brasileira - que cresce menos do que a de outros países - já não conta mais com os impulsos que asseguraram sua expansão nos últimos anos. Isso impõe um duplo desafio para o País: definir novas fontes de aumento da produtividade e conseguir fazê-la crescer mais depressa do que crescia
.

Venezuela: a imprensa e o governo apreciados pelos companheiros - Editorial Estadao

A mídia de Maduro

09 de setembro de 2013 | 2h 04
Editorial O Estado de S.Paulo
Quando a escassez de papel higiênico na Venezuela deixou de ser motivo de piada e tornou-se símbolo da falência do regime bolivariano, os sequazes do presidente Nicolás Maduro imediatamente acusaram a "mídia golpista" de inventar a crise. Nenhuma surpresa: o caudilho Chávez via a imprensa como inimiga de sua "revolução", por expor suas mentiras e contradições. Em razão disso, o regime, que já controla todas as instituições do Estado, empenha-se em dominar também a comunicação. Para isso, além de intimidar jornalistas e empresários do setor, vem investindo na ampliação da rede de meios oficiais para difundir a doutrina bolivariana, noite e dia.
Um estudo de dois especialistas venezuelanos em comunicação, Marcelino Bisbal e Andrés Cañizales, mostra que o governo dispõe atualmente de oito emissoras de TV, contra quatro em mãos privadas. Um desses canais privados, a Globovisión, sofreu pressões judiciais durante anos e acabou vendido a empresários alinhados ao chavismo. O resultado disso não tardou: diversos jornalistas deixaram a emissora depois que a programação foi alterada para não confrontar o regime.
Já o canal estatal VTV (Venezolana de Televisión) veicula mensagens institucionais que atacam explicitamente os opositores de Maduro, qualificando-os de "traidores". Além disso, existem mais 36 emissoras de TV comunitárias, naturalmente dependentes de dinheiro público, além de 250 emissoras de rádio com o mesmo perfil. Metade do espectro das rádios FM de Caracas transmite o interminável programa oficial "Alô, Presidente", que ficou famoso na voz de Chávez. A mensagem "Chávez vive, a pátria segue" é repetida ao menos cem vezes por dia.
Como se toda essa cobertura não bastasse, Maduro ainda anunciou a concessão de uma TV para a Força Armada Bolivariana e a criação da TV Comunas, dirigida pelas comunas socialistas, organização que é o esteio do chavismo.
O presidente venezuelano, ademais, imita seu falecido padrinho e convoca constantes cadeias de rádio e TV para seus pronunciamentos. Neste ano, já foram 86 horas de discursos, numa média de 32 minutos por dia. Ainda está longe das até seis horas diárias de exposição de que desfrutava Chávez, mas não porque o espaço dado a Maduro seja escasso, e sim porque lhe falta verborragia.
Na mídia impressa, Maduro controla 120 jornais comunitários regionais e 3 de alcance nacional, que são distribuídos de graça. Além disso, o governo vem procurando sufocar os jornais regionais independentes.
Uma das estratégias tem sido dificultar a importação de papel-jornal, o que atinge em cheio as publicações menores. Em um dos casos, o jornal Versión Final, de Maracaibo, teve de interromper sua circulação por várias semanas. Foi o bastante para fragilizar o periódico a tal ponto que a solução encontrada por seu dono foi vendê-lo a um empresário ligado aos chavistas. A publicação mudou de nome, para Correo del Lago, trocou a equipe de jornalistas e passou a apoiar francamente o governo.
A tudo isso se soma a já conhecida pressão do Estado contra todos os veículos que ainda ousam fazer jornalismo independente. Por meio de processos judiciais viciados, empresas e jornalistas são intimidados até que a única alternativa que reste à falência seja o alinhamento ao regime.
Na lógica chavista, é justo que Maduro disponha de amplo espaço midiático, muito maior do que o da imprensa independente. "Os donos dos meios burgueses não foram eleitos pelo povo", explicou Alberto Aranguibel, acadêmico chavista, ao jornal El Nacional. Para ele, Maduro, "por ter sido eleito pela maioria", é quem deve "escolher os temas para discussão".
O grande tema proposto por Maduro no momento é o do combate à corrupção, em nome do qual ele busca poderes "especiais". Nesse caso, o controle da mídia é essencial, porque somente a imprensa livre é capaz de mostrar que a maior fonte de corrupção na Venezuela é o próprio governo.

Diplomacia e ideologia - Denis Lerrer Rosenfield

Diplomacia e ideologia

09 de setembro de 2013 | 2h 12
Denis Lerrer Rosenfield * - O Estado de S.Paulo
A diplomacia é uma arte de defesa dos interesses nacionais, no que tradicionalmente se considera a soberania de cada país. Como toda arte, tem de demonstrar habilidades, no caso, nas negociações. E, certamente, noção precisa de limites que não podem ser ultrapassados, sob pena de tornar inviável uma negociação diplomática e, no mundo atual, uma negociação comercial.
Historicamente, a diplomacia sempre esteve associada a guerras, sendo um instrumento quer para evitá-las, quer para conduzir negociações que levassem ao seu fim. Nesse sentido é que foi criado o instituto da inviolabilidade de embaixadas, mesmo em situações extremas de conflito, para que canais de negociação permanecessem abertos. Hoje em dia, além de suas funções clássicas, temos a entrada em pauta de organismos internacionais na regulação de questões comerciais e financeiras, que se tornaram poderoso instrumento de exercício do poder das nações.
Negociações comerciais entraram também com mais força na pauta diplomática, fazendo diplomatas se tornarem "mercadores" dos interesses econômicos de seus países, algo muito claro na política americana e de vários países europeus e asiáticos, como China e Japão. Apesar de a diplomacia brasileira ainda resistir parcialmente a essa tendência, deverá a ela resignar-se, pois, como dizia Hegel, estamos diante do "espírito do tempo". Assim, não há lugar para devaneios ideológicos como alinhamentos em concepções que retomam pautas esquerdistas, antieconomia de mercado, há muito ultrapassadas.
O Brasil nos governos petistas, contudo, segue um alinhamento ideológico que contraria mesmo políticas pragmáticas, de corte social-democrático, adotadas por esses governos em várias questões internas e em reorientações de órgãos governamentais. É como se na política externa o País resistisse a um aggiornamento necessário. Doutrinariamente, a política externa brasileira permanece presa a dogmas do PT, abandonados em outras áreas. A troca de chanceleres poderia propiciar uma mudança de atitude. Não é isso, porém, que parece estar sendo sinalizado.
O episódio de espionagem da presidente Dilma Rousseff pelo governo dos EUA é um exemplo em que o antiamericanismo está sendo potencializado, usado como uma espécie de bode expiatório de fracassos da política externa brasileira, como os ocorridos recentemente na Argentina e na Bolívia. Não se trata, evidentemente, de justificar o injustificável: o fato de os EUA interferirem na soberania nacional, espionando o governo brasileiro, e até além dele, buscando obter informações comerciais que beneficiariam seus interesses. Nesse aspecto, a reação brasileira de considerar tal invasão inadmissível e inaceitável é plenamente condizente com uma resposta altiva e necessária.
Entretanto, o tom acima do apropriado pode levar a uma situação insustentável. O Brasil, é evidente, não poderia dar-se ao luxo de cancelar uma viagem de Estado da presidente aos EUA, em vista da maior relevância das relações entre os dois países. Muito menos poderia chamar seu embaixador para consultas, numa exacerbação da resposta. Inimaginável cortar as relações. Logo, o jogo de cena está atingindo o limite, obrigando as duas partes a um faz de conta que permita a retomada das relações normais. O país do norte é a maior potência do planeta - na verdade, a única -, tem uma insuperável força militar, inigualável desenvolvimento científico e tecnológico e a economia mais pujante do mundo. Não é com o Mercosul que o Brasil equilibraria suas relações comerciais!
Melhor faria o País em olhar para o lado. O Mercosul é um projeto hoje inviável, constituído por países que têm horror à economia de livre-mercado, se aferram a ideias socialistas, pregam maior intervenção estatal na economia e se comprazem com diatribes "anti-imperialistas". A Argentina está praticamente falida, sem acesso a financiamentos internacionais, gastando suas reservas internacionais, submetida a processos em Cortes norte-americanas pelo calote dado a credores e em pouco tempo terá problemas para honrar compromissos de suas importações. Ou seja, o mercado argentino importará cada vez menos do Brasil e não se vislumbra nenhuma saída. É a crônica de uma falência anunciada. Apesar disso, o Brasil continua se alinhando à Argentina em foros internacionais, tomando posição conjunta contra o livre-comércio, como acabamos de ver na reunião do G-20, em São Petersburgo.
Já no caso da Bolívia, a omissão brasileira, que se tornou completa indiferença, foi a tônica no episódio do salvo-conduto para o senador Roger Pinto Molina, abandonado à própria sorte num cubículo da embaixada. De acordo com tratados internacionais assinados pelos dois países, o salvo-conduto deveria ter sido expedido imediatamente. O governo Evo Morales participou de um faz de conta com o Itamaraty, levando um diplomata digno a insurgir-se contra tal desprezo à lei internacional e à mínima consideração pelos direitos humanos. O fiasco do Itamaraty foi total, levando a uma crise que culminou na demissão do ministro das Relações Exteriores.
A comunhão ideológica em torno do projeto bolivariano/socialista preponderou, como já se havia expressado na lamentável participação brasileira na suspensão do Paraguai do Mercosul, dando ensejo ao ingresso da Venezuela. Goste-se ou não da Constituição paraguaia, todos os trâmites foram seguidos na destituição do ex-presidente Lugo, o que não foi o caso dos trâmites venezuelanos que levaram Maduro a ascender ao poder, na agonia e morte de Chávez. Com tudo isso o País compactuou em nome de uma ideologia comum.
Já passa da hora de o Brasil revisar as suas prioridades e adotar a defesa pragmática de seus interesses nacionais e comerciais, dando adeus a ideologias de antanho.
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail:denisrosenfield@terra.com.b
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Problemas na politica externa (que nao sao da politica externa) - Guilherme Casaroes

Nota Liminar: fui censurado, provavelmente por um aluno, a pedido do professor, por ter "censurado" a réplica do Professor, aos meus comentários sumários, enfeixados nas primeiras duas linhas do comentário preliminar abaixo, quando não era, e nunca foi, esta a minha intenção. Apenas a falta de tempo, as tribulações de um trabalho intenso, me fizeram descuidar dessa questão importante. Retifico abaixo, com todos os registros de envio.
Portanto, o que os leitores vão ter aqui é: a transcrição do artigo original, encimado pelo meu comentário de fato sumário, quase críptico, pelo que me desculpo, em relação ao artigo do professor em questão, seguindo pela réplica do professor, com novamente um comentário meu, dando as razões de minha discordância em relação ao artigo.
Aceito novos comentários, e até poderei colocá-los em destaque em novo post.
Não tenho nenhum problema, repito NENHUM problema, em debater questões como essas, que são o centro mesmo das preocupações deste blog.
Paulo Roberto de Almeida

O autor tece considerações genéricas sobre a diplomacia brasileira, sem mencionar o fato de que os problemas apontados não se devem ao Itamaraty, e sim a fatores externos, que ele ignora por completo.

Uma política externa à altura do Brasil

09 de setembro de 2013 | 2h 10
Guilherme Casarões * - O Estado de S.Paulo
Entre as análises de primeira hora sobre a diplomacia do governo Dilma Rousseff, não foram raras as menções ao seu aparente desinteresse por questões globais - ressalvado, pela própria biografia da presidente, o tema dos direitos humanos. Esperava-se uma mudança de forma, sem o ativismo dos anos anteriores, mas mantendo as linhas substantivas essenciais. O perfil mais técnico do então chanceler Antonio Patriota, nomeado por Dilma, indicava a preferência por uma política exterior sem voos altos nem o risco de tropeços ou atritos, mantendo-se o lastro institucional do Itamaraty.
Abdicando do exercício da diplomacia presidencial, parcialmente responsável pela (re)construção da imagem do Brasil nos 15 anos anteriores, a presidente mostrou-se muito pouco engajada nos temas internacionais - para além do óbvio protocolar, como reuniões de cúpula e algumas visitas a países amigos. No entanto, ao contrário do que se esperava, deixou pouco espaço para o Itamaraty trabalhar.
Isso parecia relacionar-se com as prioridades governamentais em tempos de crise e desaceleração da economia. O envio de estudantes brasileiros ao exterior, no desejo de qualificá-los nas áreas de ciência e tecnologia, virou bandeira governamental e ativo diplomático. Projetos de infraestrutura, sobretudo no nosso entorno geográfico, ganharam prioridade sobre as grandes estratégias costuradas nas duas décadas anteriores. Aos poucos, foram mudando os parceiros preferenciais e os temas centrais.
A despeito de conquistas maiúsculas, como a eleição do embaixador Roberto Azevêdo na Organização Mundial do Comércio (OMC), ou tentativas de avanços conceituais, como a "responsabilidade ao proteger" diante dos levantes árabes, a generalizada ausência de protagonismo internacional e o desencontro de interesses entre o Ministérios das Relações Exteriores e outros setores do governo reforçaram a avaliação de um importante jornalista: "O mundo de Dilma é o Brasil".
Não haveria problema algum caso se tratasse somente de uma questão de prioridades. Historicamente, em tempos difíceis, a redução do ativismo global é natural e esperada. Mas o estilo de governar de Dilma Rousseff, além de enfraquecer o Itamaraty, revelou um profundo dissenso sobre visões de mundo. A introspecção forçada da diplomacia dilmista entra em choque com duas dimensões essenciais da política externa do Brasil.
A primeira delas é histórica e mais profunda. Somos um país cuja identidade foi parcialmente forjada pela obra diplomática, que também nos logrou respeitável reputação internacional. Se hoje o Brasil é um ator global, isso é graças ao esforço coletivo do serviço exterior na construção permanente de uma sedutora narrativa de "quem somos" e "o que queremos" para o mundo.
Como estamos falando de um país cuja trajetória é marcada pela escassez de recursos tradicionais de poder - como dinheiro ou armas -, a projeção brasileira deu-se, de maneira geral, pela empatia global. Esse fato trouxe efeitos tangíveis, que vão desde a profusão de acordos bilaterais de cooperação com numerosas nações até o vertiginoso aumento do comércio internacional brasileiro na última década; e também intangíveis, que se traduzem em aspectos da liderança do Brasil em certos temas multilaterais, ou, se quisermos, na superação de um antigo complexo de vira-latas que por muito tempo nos definiu.
A segunda dimensão diz respeito ao chamado "insulamento burocrático" do Itamaraty. Ao longo do século 20, a Casa de Rio Branco foi-se profissionalizando e ganhando autonomia, seja com relação ao presidente da República, ao Congresso Nacional ou às forças sociais. Isso permitiu que se consolidasse uma espécie de repertório permanente da política externa, corporificado no serviço diplomático e, em geral, identificado com a bem-sucedida inserção internacional do Brasil.
Se, por um lado, as decisões diplomáticas permaneceram relativamente fechadas mesmo num contexto democrático, a ênfase na "tradição" foi capaz de blindar a política exterior de críticas profundas nas últimas décadas - limitando-se, desconsiderados os excessos retóricos, a contestações pontuais. Não à toa, no último meio século a enorme maioria de nossos chanceleres veio da própria carreira diplomática - ou, quando não era o caso, eles estavam afinados com as tradições e o legado do barão do Rio Branco.
Os eventos dos últimos dias jogaram, numa só tacada, toda essa narrativa por terra. As inesperadas tensões com a Bolívia fugiam de um script diplomático que prezava pela amizade - e pela cautela - com os vizinhos. A inédita quebra de hierarquia enfraquece, por sua vez, a reconhecida condição de infalibilidade do Itamaraty, sobre a qual assenta boa parte da reputação brasileira.
A pronta demissão do ministro Antonio Patriota, um dos melhores quadros de sua geração, revela, por fim, as dificuldades que a nossa tradicional diplomacia vem sofrendo no contexto de um governo para o qual o imediatismo dos resultados tangíveis e quantitativos precede o planejamento de longo prazo e a razão de Estado. Como se a política externa pudesse ser traduzida em planilhas ou balancetes.
E enquanto Antonio Patriota se prepara para retornar a Nova York (para assumir a chefia da representação brasileira nas Nações Unidas), onde suas habilidades certamente serão valorizadas, devemos desejar bons augúrios ao seu sucessor, Luiz Alberto Figueiredo Machado - um grande negociador, que terá diante de si o maior dos desafios: superar as amarras governamentais para fazer uma política externa que esteja à altura do Brasil.
*Guilherme Casarões é professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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O professor me enviou o seguinte comentário, devidamente absorvido na seção de comentários (embora com um atraso involuntário), a que eu respondi, distraidamente, sem ver que não estava respondendo a ele. Mas deixo registro mais abaixo do que escrevi.

On Sep 10, 2013, at 11:23 AM, Guilherme Casarões <noreply-comment@blogger.com> wrote:

Caro Prof. Paulo Roberto de Almeida,

Fico honrado que tenha reproduzido meu texto em seu blog; ao mesmo tempo, preocupa-me seu comentário introdutório ao artigo, falando em "considerações genéricas" ou fazendo menção a "fatores externos", que "ignoro por completo".

Talvez tenha me expressado mal, mas a linha argumentativa do texto é exatamente a de que a política externa (ou a ausência de política externa do governo Dilma) está sendo corroída por questões exógenas - leia-se, uma profunda divergência entre as visões de mundo da presidente e a leitura que o Itamaraty faz (e sempre fez) do interesse nacional.

Repito essa ideia ao fim do segundo parágrafo, no quinto, e nos três últimos. Reforço que nossa diplomacia - com a qual não há nada de errado, note-se - "vem sofrendo no contexto de um governo para o qual o imediatismo dos resultados tangíveis e quantitativos precede o planejamento de longo prazo e a razão de Estado". Em momento algum imputo à nossa diplomacia as mazelas atuais da política externa, pelo contrário.

Quero crer que sua crítica ao texto tenha sido fruto de um equívoco de interpretação, já que não consigo enxergar, como autor, a lógica que você mesmo ergueu para derrubar meus argumentos.

Atenciosamente,

Guilherme Casarões 
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Meu comentário inicial (em suposta resposta minha ao professor, que não lhe chegou, apenas por total distração minha no reply) foi o seguinte:

Desculpo-me pela leitura rápida, que parece não ter detectado todas essas nuances que você menciona agora. Vou retificar.
Mas você sabe perfeitamente bem a origem de todos esses problemas.
Creio que é preciso apontá-los e talvez denunciá-los. 
Paulo Roberto de Almeida 

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Meu comentário subsequente, feito depois que dois bravos alunos se mobilizaram na demanda de explicações, e até na censura (devidamente registrada), foi feito na resposta abaixo, que não é final, pois o assunto continua em aberto. 
Mais uma vez, não pude escrever diretamente ao professor, por não dispor de seu e-mail, e creio que certos assuntos são melhor tratados em particular. Mas, como nunca tenho nada a esconder sobre o que penso, sobre determinados assuntos, aqui vai o meu comentário principal: 

O artigo consegue acusar o Itamaraty de vários pequenos pecados e em NENHUM momento toca em duas coisas fundamentais: partido e partidarização da política externa, e a existência de um conselheiro partidário no Planalto, usualmente chamado de “chanceler para a América do Sul” (mas vai muito além disso). Como explicar esse amor desmedido do Brasil por várias pequenas e grandes ditaduras, como explicar essas alianças estratégicas com regimes de duvidosa reputação na área da democracia e dos direitos humanos, como explicar a brutal diferença de tratamento entre o caso do “golpe” em Honduras e o abrigo de um palanqueiro ba Embaixada do Brasil naquela capital, e o tratamento da questão boliviana, como explicar a rispidez no caso do Paraguai e a leniência, a conivência e a tolerância demonstradas em casos bem mais graves de ataques à democracia e à liberdade de expressão? Como explicar tudo isso pela ação do Itamaraty?
Gostaria de ver o professor se explicando em todos esses casos.
Paulo Roberto de Almeida
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O tem continua em aberto, para o professor e para todos os seus alunos, voluntariamente de preferência...
Paulo Roberto de Almeida 

Que ideia estúpida é esta de Brics? - Vaclav Smil

"Os BRICS são uma invenção completamente artificial"
Entrevista com Vaclav Smil, escritor e professor da Uni. Manitoba
Por Carlos Eduardo VALIM
IstoÉ Dinheiro, Nº EDIÇÃO: 830 | 06.SET.13 

O tcheco naturalizado canadense Vaclav Smil é o que se costuma chamar de um homem renascentista,no sentido de que suas 400 publicações acadêmicas e mais de 30 livros escritos demonstram interesses amplos como eram os de gênios de conhecimento multifacetado


O tcheco naturalizado canadense Vaclav Smil é o que se costuma chamar de um homem renascentista, no sentido de que suas 400 publicações acadêmicas e mais de 30 livros escritos demonstram interesses amplos como eram os de gênios de conhecimento multifacetado como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Nicolau Copérnico. Smil, que não tem telefone celular e garante ler até 80 livros por ano, publicou obras sobre assuntos tão diversificados que vão da evolução do consumo de carne no Japão à exploração da biosfera, passando pela desindustrialização dos Estados Unidos. Sua vasta produção faz parte da lista de leituras obrigatórias do bilionário americano Bill Gates, fundador da Microsoft, que escreveu em seu blog que Smil é um dos seus autores favoritos e que aprende mais com ele do que com qualquer outro. Nesta entrevista à DINHEIRO, Smil, com o seu forte sotaque do Leste Europeu, coloca em questão o sentido do termo Brics e o excesso de importância dada aos economistas.

DINHEIRO – Seu último livro trata da reindustrialização dos Estados Unidos. Por que acredita que ela não esteja realmente acontecendo?
VACLAV SMIL – Em uma perspectiva histórica, não ocorre um renascimento da manufatura americana. Muitos economistas não acreditam que a indústria seja uma atividade especial. Eles esperam que seja possível sobreviver somente com empregos em serviços. Mas as sociedades mais bem-sucedidas, não só em termos de geração de riqueza, possuem uma boa porção de empregos industriais. Fazer microchips é, apesar do que muitos economistas americanos pensam, bem mais importante do que servir batatas chips. Os índices de desemprego do país estão em 7%, o que é ok. Mas os postos de trabalho criados nos últimos cinco anos são, em grande parte, temporários e pagam mal. Com isso, surgem problemas, como a queda no número de casamentos. As pessoas querem se casar só depois de terem empregos estáveis. Ou seja, há tremendas consequências sociais, não apenas econômicas, na desindustrialização.

DINHEIRO – A terceirização de produção para o Exterior causará, então, grandes problemas nos países desenvolvidos?
SMIL – Esse é um grande problema, não só por criar um desequilíbrio na balança comercial. Há um grande impacto na classe média. Foi com bons e confiáveis empregos em fábricas que as classes médias surgiram pelo mundo. Sem eles, acontecerão dois movimentos: uma minoria se moverá para cima, para uma classe mais alta, e a grande maioria se tornará pobre.

DINHEIRO – Isso não é privilégio dos países desenvolvidos. No Brasil, há muitas discussões sobre a perda de atividades de manufatura para a China. 
SMIL – Até mesmo a China está perdendo empregos. Bangladesh já é o produtor número 2 em têxteis. O Paquistão passou a China e é o número 1 em roupas de algodão. Tudo isso por causa de uma procura louca por locais com mão de obra mais barata. As empresas vão para Bangla­desh, para aproveitar as condições locais horríveis de trabalho.

DINHEIRO – Não há um limite para isso?
SMIL – Não, até que se acabem as pessoas. As empresas sempre procurarão locais mais baratos, exceto por lugares aonde elas nunca iriam por serem muito perigosos, como alguns países muçulmanos. Acredito que nos próximos 10 a 20 anos estaremos atingindo o limite, porque já teremos passado por toda a América Latina e a Ásia e chegado à África. Então, o ciclo precisa terminar.

DINHEIRO – As empresas vão passar, então, a considerar mais a produtividade como fator para escolher onde se instalarem?
SMIL – Isso já acontece agora. A industrialização moderna não tem relação com a força de trabalho. A maior parte do trabalho já é feita por máquinas. Os iPhones, iPads e que tais não são feitos na China. São apenas montados lá, a partir de componentes construídos por máquinas nos EUA, na Alemanha, Inglaterra, Holanda, Coreia do Sul ou Cingapura. A produtividade já é muito alta. Então, eles buscam fazer de forma um pouco mais barata. Mas, dessa forma, quem terá empregos do futuro? Nem todo mundo poderá ser um consultor de negócios. Então, quem terá poder de compra para consumir esses produtos? Essas pessoas que eles empregam não poderão.

DINHEIRO – E que papel o Brasil pode ter nesse mundo?
SMIL – O Brasil é um País estranho. Por exemplo, que ideia estúpida é esta de Brics? Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul é uma combinação nada natural. Eles são países completamente diferentes: religiões, expectativas, história, meio ambiente, não há nada parecido entre eles. É algo completamente artificial os colocarem juntos só porque, por um tempo, tiveram altos índices de crescimento econômico. E isso nem acontece mais com o Brasil. Mesmo na China o crescimento caiu rapidamente. E, na Rússia, só há petróleo e gás. Não existe crescimento econômico lá. A Rússia é um país de mentira, que não produz nada. O conceito de Brics é a invenção de um economista britânico (Jim O’Neill – leia reportagem AQUI) que um dia teve essa ideia. Agora estão dizendo que 20 outros países serão a onda do futuro, no lugar dos Brics. São nações como Indonésia e a Nigéria. Boa sorte com a Nigéria!

DINHEIRO – Quais são os limites para o crescimento da China?
SMIL – O problema da China é que ela quer ser mais os EUA que os próprios EUA. Mas ela não tem os mesmos recursos, as mesmas capacidades, e não pode repetir a mesma evolução. Então, para que tentar? Os japoneses foram muito mais sábios. O consumo japonês é muito mais modesto e moderno.

DINHEIRO – O aumento do consumo chinês pode ser um problema para o mundo?
SMIL – Com certeza. É só observarmos a indústria da pesca. Estamos pescando próximo ou além dos limites, em todas as partes do oceano. Mesmo na Antártica e no Ártico. É como as plantações de eucaliptos. A Amazônia está sendo preenchida por eucaliptos da Austrália, que não pertencem a essa região. Estamos exaurindo os recursos e causando grandes problemas.

DINHEIRO – O sr. acredita que está havendo uma desmaterialização dos itens industrializados, com o lançamento de produtos que exigem menos materiais para serem produzidos?
SMIL – Sim e não. Nós estamos desmaterializando, em termos. Meu próximo livro, que será lançado em dezembro, tratará disso. Nossas geladeiras, é certo, possuem menos aço do que as de 20 anos atrás. O iPhone é mais leve do que os telefones de dez anos atrás. No entanto, com os automóveis isso não aconteceu. O motor é mais leve, porque tem menos alumínio. Mas o peso geral dos carros aumentou. Mesmo o telefone mais leve agora é jogado fora a cada nove meses. Podemos ter desmaterializado em cada unidade, mas, em termos absolutos, a desmaterialização ainda não aconteceu. Lembra que as pessoas falavam sobre o escritório sem papel e que tudo seria eletrônico? O consumo de papel se multiplicou nos últimos 20 anos.

DINHEIRO – Os avanços tecnológicos na agricultura darão conta do crescimento da população?
SMIL – Com certeza. Mas o maior problema é que, nos EUA e na Europa, jogamos fora 40% da comida que produzimos. Mesmo em países pobres acontece isso. Na China, na Índia e o no Brasil, as pessoas ricas desperdiçam comida demais. Estressamos o meio ambiente, aumentamos a produção e desperdiçamos quase a metade no final. Não faz o menor sentido. As pessoas perguntam como fazer para alimentar a todos e haverá falta de alimentos, mas ninguém fala que dois bilhões de pessoas estão desperdiçando comida.

DINHEIRO – Recentemente, o sr. escreveu um livro sobre se os humanos devem comer carne. Devemos?
SMIL – Não há nada de errado em comer carne, mas sim na quantidade em que fazemos isso. Todo mundo quer comer 100 quilos per capita. E as pessoas não querem comer comida eficiente como galinha e porco, mas sim vacas, que exigem muito espaço e o corte de florestas tropicais. Os fast-foods deveriam ser baseados em frango. Antes de pensarmos em animais e sementes geneticamente modificadas, poderíamos nos preocupar em encontrar métodos racionais para desperdiçar menos. As pessoas poderiam comer de 20 a 40 quilos por ano, como no Japão. Assim como na Europa, lá há uma diminuição do consumo per capita de uma série de coisas, por conta do envelhecimento da população e da economia mais lenta.

DINHEIRO – Mas não há uma grande pressão para que esses países cresçam mais rapidamente?
SMIL – Sim, com certeza. Mas é porque a sociedade moderna é comandada por economistas. E eles só sabem pedir uma coisa: crescimento. Diga a um economista moderno que podemos ter uma sociedade sem expansão, e para eles será o fim do mundo. Eles não conseguem imaginar uma sociedade estável. Em tudo, há nascimento, maturação e crescimento rápido, depois a saturação e, em um momento, o declínio e a morte. Seja isso em um organismo, em um ecossistema, ou em um grande sistema chamado economia global.

DINHEIRO – O sr. é um crítico das energias renováveis?
SMIL – Não há nada de errado com elas, mas depende de como as exploramos. Qual é o ponto de se derrubar florestas tropicais para plantarmos cana-de-açúcar para produzir etanol? Nos EUA, as pessoas colocam o etanol em grandes SUVs. Você produz esse combustível, que é relativamente caro, e usa para abastecer veículos monstruosos. Por outro lado, os motores estão mais eficientes. Mas, como a massa do carro é maior, o consumo também cresce.

DINHEIRO – O sr. acredita que os combustíveis fósseis ainda terão participação importante no mundo?

SMIL – Sim, porque cerca de 85% do combustível utilizado no mundo para alimentar as máquinas vem de fontes fósseis. E a transição para a energia renovável será lenta. Nós não estamos nem diminuindo o uso dos combustíveis fósseis, em termos absolutos. Por causa da China e da Índia, estamos, na verdade, consumindo mais desses combustíveis hoje do que há dez anos.

Pausa para... grandes projetos para o bem da humanidade...

Lei torna amendoim cozido patrimônio imaterial de Sergipe

Plenário da Câmara dos Deputados registrou a aprovação de lei estadual de Sergipe que reconhece o amendoim cozido como patrimônio imaterial do estado.
“A nova Lei contempla tanto a preservação de um bem cultural típico e exclusivo do estado como reforça a importância do produto para o comércio local”.

Atualmente, Sergipe possui mais de 5 mil vendedores autônomos de amendoim verde cozido, que, diariamente, produzem e comercializam cerca de 84 toneladas do alimento. Isso faz com que Sergipe seja exportador do produto para outros estados, como Bahia e São Paulo.
 “Ao dar visibilidade a um alimento que é único da cultura sergipana, a Lei 7.682 ajuda a manter viva a memória e a cultura”.

O amendoim cozido é o alimento mais consumido nas festas sergipanas, nas praias e bares, e ocupa um relevante lugar na preferência popular, e traduz com singularidade a raiz cultural, tradições e costumes do povo sergipano.

“Quem é de Sergipe sabe que o amendoim cozido faz parte das tradições do estado,.. e... é importante valorizar as tradições culturais de um povo e, principalmente, exaltar a importância desse alimento que faz parte da sergipanidade”.