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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Primeira Guerra Mundial: os 100 anos da guerra que não acabou - Alberto Dines (Observatório da Imprensa)

Um programa de que participei, minimamente é verdade, mas para o qual eu já tinha escrito um texto aqui postado. Este aqui:  "A guerra de 1914-1918 e o Brasil: impactos imediatos, efeitos permanentes"; publicado em Mundorama (28/07/2014; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/a-primeira-guerra-mundial-e-o-brasil.html); postado duas vezes neste Diplomatizzando (links: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/o-brasil-e-primeira-guerra-mundial-no.html e http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/a-primeira-guerra-mundial-e-o-brasil.html).
Vejam o programa, dirigido pelo sempre competente Alberto Dines, aliás autor de uma biografia maravilhosa de Stefan Zweig (Morte no Paraíso), escritor austríaco, que se suicidou em Petrópolis, tendo antes escrito suas magníficas memórias sobre o período anterior à guerra (O Mundo de Ontem) e o panegírico Brasil: o país do futuro (que ficou mais pelo título do que pelo conteúdo).
Emissão do Observatório da Imprensa: “Os 100 anos da guerra que não acabou”, com Alberto Dines (Programa n. 736, 5/08/2014; link: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/view/os_100_anos_da_guerra_que_nao_acabou). 
Paulo Roberto de Almeida 
OI NA TV

PRIMEIRA GRANDE GUERRA

Os 100 anos da guerra que não acabou

Alberto Dines | Programa nº 736 | 05/08/2014 | 0 comentários
 

Ela foi chamada de belle époque, também de dourada era da segurança; os mais céticos preferem classificar o período como o alegre apocalipse. A exposição mundial de Paris, em 1900, exibiu as maravilhas da eletricidade com a iluminação da Torre Eiffel. As novas tecnologias despertaram novas energias e fortíssimas ambições. O avião, os transatlânticos, automóveis, o metrô, o cinema, o rádio e os avanços da medicina simbolizavam um progresso, uma paz que, imaginava-se, jamais seria revertida. Nos subterrâneos deste mundo excitante e refinado um vulcão roncava, emitia avisos que poucos queriam escutar.
Alfred Nobel, o inventor da dinamite, primeira arma de destruição em massa, captou esses sinais, assumiu-se como pacifista e no testamento deixou recursos para a concessão de cinco prêmios anuais, um deles o Nobel da Paz, concedido pela primeira vez em 1901.
Se os esforços pela paz precisavam ser estimulados e premiados, significa que a guerra era uma ameaça concreta, assustadora. Conflitos bélicos não acontecem por acaso. Os contenciosos acendem diversos pavios, até que um deles chega ao barril de pólvora mais próximo.
O que aconteceu no verão europeu de 1914 vinha sendo articulado há décadas. A inauguração do Canal de Suez, em 1869, abalou em definitivo o império otomano. O conflito franco-prussiano, de 1870, tirou da França uma rica fatia de território. O paroxismo ideológico deslanchado pelo caso Dreyfus, em 1894, forneceu a munição.
Mas foi a crença de que novas tecnologias são suficientes para garantir a paz e o progresso o principal equívoco cometido nesse xadrez.
A serviço do rancor, os milagres da ciência convertem-se em pesadelo.
 

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Imigracao nos EUA: uma obsessao historica - livro de Alvaro Vargas Llosa

Breaking Through the Partisanship of Broken Borders
Dispelling the Myths on Immigration


The flood of children crossing the U.S.-Mexico border has rekindled an already heated immigration debate, but will it prompt politicians to make major changes to the nation's immigration laws? Or will they play it safe as midterm elections approach, and hope that immigration issues somehow resolve themselves? And what exactly should immigration policy look like in a free society?

In a defining approach to the hotly debated issue of immigration reform, the award-winning book Global Crossings, by Independent Institute Senior Fellow Alvaro Vargas Llosa, examines the immigrant experience and explores who migrants are, why they move, and who benefits. And as this powerful story unfolds, Vargas Llosa offers reforms that stand as a powerful and humane solution to the flawed plans being offered by politicians.

Global Crossings:Immigration, Civilization, and America
By Alvaro Vargas Llosa

A native of Peru who has lived and worked on three continents, renowned author Vargas Llosa has written an insightful analysis of the cultural, economic, and political ramifications of immigration—one the most enduring phenomena of the human story.

Part historical treatise and part politico-economic analysis—and sprinkled with fascinating anecdotes from his personal experience around the world—Global Crossings is a far-reaching book that will captivate anyone curious about the drama inherent in the age-old quest to make a better life by moving abroad and about the government policies that often thwart that effort.
PROSE Honorable Mention Award for Best Book (Association of American Publishers)
2014 Bronze Medal IPPY Award Winner
2014 Benjamin Franklin Silver Award (Independent Book Publishers Association)

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eBook Available on Kindle, iTunes, Nook
384 Pages • 6 x 9 Inches
16 Tables • 23 Figures • Index

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Praise for Global Crossings:

"Alvaro Vargas Llosa's timing is as superb as his book, which lands smack in the middle of a feverish Washington debate over America's most recent arrivals . . . What recommends Global Crossings is that it offers a thoughtful critique of the restrictionists from the standpoint of a fellow conservative."
—The Wall Street Journal

"This compelling book is a must read for anyone on the vital yet contentious issue of immigration. Global Crossings puts a personal face on the issue, superbly arguing that restrictions on the basis of accident of birthplace have no economic or social justification, and in the hands of government are a dangerous infringement on individual liberty and human well-being."
—Daniel L. McFadden, Nobel Laureate in Economic Sciences; E. Morris Cox Professor of Economics, University of California, Berkeley

"Using facts, history, logic and his own personal experiences, Alvaro Vargas Llosa vividly demonstrates why immigration is almost always economically, culturally and morally beneficial. Global Crossings is an essential and highly readable, even riveting, tour de force."
—Richard K. Vedder, Distinguished Professor of Economics, Ohio University

Alvaro Vargas Llosa is Senior Fellow at the Independent Institute. He has been a nationally syndicated columnist for the Washington Post Writers Group and among his Independent Institute books, Liberty for Latin America received the Sir Anthony Fisher International Memorial Award and Lessons from the Poor: Triumph of the Entrepreneurial Spirit was awarded the Templeton Freedom Award. Former op-ed page editor at the Miami Herald, he has written for the Wall Street Journal, New York Times, Los Angeles Times, BBC World Service, Time, and other media, and he has been named Young Global Leader by the World Economic Forum in Davos, Switzerland.

Delfim: conselheiro da presidente nao esta' aconselhando bem (valor de mercado diminuiu?)

Qualquer que seja a empresa que paga pelos conselhos de ex-todo poderoso czar da economia brasileira, deveria começar a pensar quanto valem os seus conselhos.
Aparentemente pouco, pois se ele aconselha os companheiros petistas desde o início, ou os companheiros não aceitam os seus conselhos, ou os aplicam estupidamente, ou os conselhos não são muito bons assim.
Em todo caso, eu diminuiria o valor de mercado desse economista, que fica sempre enrolando os outros e não diz coisa com coisa... ou só diz o óbvio...
Paulo Roberto de Almeida

Delfim estima que País vai crescer apenas 1%
Ricardo Leopoldo, Tássia Kastner
O Estado de S. Paulo, 7/08/2014

Ex-ministro da Fazenda estima ainda que quadro ficará mais grave por causa da inflação que, segundo ele, 'deve ter subido 30% em quatro anos'

Delfim Netto destacou que o Brasil só tem acordos bilaterais com três parceiros internacionais: Egito, Israel e Autoridade Palestina
O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto afirmou ontem que o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano deve registrar uma fraca expansão, ao redor de 1%. "O País está crescendo muito pouco, e isso é um grande problema."
Na avaliação de Delfim, esse quadro fica mais grave porque o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) "deve ter subido 30% em quatro anos" e a inflação é "muito alta". Segundo ele, a inflação está perto do teto do sistema de metas de inflação, mas isso não significa que ela sairá do controle. "O governo controla a gasolina para combater a inflação, mas destrói o setor do etanol", disse Delfim, durante evento do Fórum Lideranças da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
De acordo com Delfim Netto, também é um destaque negativo da economia o fato de que a indústria de transformação apresenta um nível de atividade semelhante ao registrado em 2009, o que representa estagnação. Um efeito negativo dessa realidade é o registro de um déficit de contas correntes de US$ 270 bilhões. "Não é bom financiar a economia com capital externo dessa forma", disse. "O credor é um canalha que vai querer seus recursos de volta."
Política cambial. Delfim afirmou que a política de utilizar o câmbio para combater a inflação é um "equívoco grave", pois só é viável controlar sua variação, mas não o nível. "A intervenção do Banco Central está mantendo o câmbio abaixo do seu equilíbrio", comentou. "Mas a inflação volta, pois (o BC) está só escondendo a inflação. Temos entre 1,5% e 2% de inflação escondida. E para combatê-la, precisa em primeiro lugar fazer com que as pessoas acreditem que ela vai cair."
Embora tenha destacado o quadro de crescimento baixo, inflação alta e déficit de transações correntes elevado, o ex-ministro ponderou que esses fatores não vão levar o País a uma crise econômica como a do passado. Mas ponderou que houve "certo descuido" do Poder Executivo na gestão das contas.
"A prioridade do governo tem sido a ampliação do custeio e não dos investimentos", disse. Segundo ele, houve, talvez, excesso no emprego de recursos do Tesouro para repasses ao BNDES, o que acabou ajudando a elevar a dívida bruta. "Ocorreu uma confusão de achar que dívida pública é recurso."
Delfim criticou "o abandono da política comercial" pelo Brasil. "Nos amarramos à estrutura do Mercosul, que não funciona. Temos de ser uma zona de livre-comércio", destacou. "Transformamos o Atlântico Sul num cemitério. Abandonamos o comércio exterior como um vetor do crescimento."
Delfim Netto destacou que o Brasil só tem acordos bilaterais com três parceiros internacionais: Egito, Israel e Autoridade Palestina.
Sensibilidade. O ex-ministro afirmou que o governo "está muito sensível, reage a qualquer crítica com certa violência", ao lembrar o documento do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgado na semana passada, que colocou o Brasil na lista de países economicamente vulneráveis. "Estava certo o FMI quando disse que o Brasil é relativamente vulnerável. Não significa que vamos ter crise e que ela está nos esperando no curto prazo."
O ex-ministro ressaltou ainda que a dívida de curto prazo sobre as reservas no Brasil é de 8,7%, bem menor que Índia (31,1%) e Turquia (84,6%), por exemplo, também listados como vulneráveis.

Maquiagem das contas publicas pelo Tesouro custa caro ao Brasil (bando de idiotas)

Pois é, os companheiros acreditavam que podiam fazer maquiagem à vontade que ninguém iria perceber, parace que perceberam, e como...
Os trogloditas que cuidam das contas públicas atualmente -- devem ser poucos, mas com poder de decisão, pois a maior parte do pessoal, concursado, deve saber fazer contas -- são os únicos responsáveis pela lambança, mas a autorização deve vir do alto, pois ninguém atua assim de forma claramente irregular, e irresponsável para o país, sem autorização, e talvez ordens superiores.
Paulo Roberto de Almeida 

Brasil paga taxas de risco maiores que as de vizinhos
Por Aline Oyamada | De São Paulo
Valor Econômico, 7/08/2014

Reticentes com o cenário econômico, investidores têm cobrado mais caro do Brasil do que de vizinhos na América Latina para aplicar no país. Até 2012, o Brasil pagava prêmios de risco similares aos de alguns mercados da região. Desde então, as taxas descolaram.
Analistas argumentam que, enquanto alguns países latino-americanos reforçaram os fundamentos econômicos por meio de reformas estruturais nos últimos anos, o Brasil percorreu caminho oposto, apresentando, por exemplo, piora nas contas públicas e externas e no comprometimento com a meta de inflação. Ainda que o custo de algumas captações externas tenha diminuído recentemente, o país continua tendo que oferecer taxas mais atrativas aos investidores.
A diferença de percepção do mercado pode ser vista nos spreads dos contratos de seguro contra calotes - "credit default swap" (CDS), na expressão em inglês. No caso do Brasil, eles estão sendo negociados em patamares bem mais elevados que os da média das principais economias da América Latina. Esse tipo de contrato é uma medida de risco. Cada 100 pontos-base significa que o credor vai pagar o equivalente a 1% da sua carteira de investimento pela proteção oferecida pelo vendedor do CDS.
O CDS do Brasil com vencimento em cinco anos era negociado ontem com spread de 166 pontos-base, bem acima dos prêmios pagos pelo Chile (77), Colômbia (93), México (86) e Peru (94), de acordo com dados da consultoria Markit. Além disso, a diferença entre o prêmio do Brasil e a média desses quatro países saltou de sete pontos-base em 2010 para 72 pontos agora. No fim do ano passado, chegou a 99 pontos.
"Essa diferença aumentou quando começaram a ficar evidentes as manobras contábeis do governo para ocultar o descumprimento das metas fiscais", explica Rodolfo Oliveira, da consultoria Tendências. Os títulos da dívida externa brasileira também estão pagando spreads mais altos. Na última emissão, o país contratou taxa mais alta que as do México, Colômbia e Peru.

Diplomacia Sul-Sul: existe alguma vantagem nessa coisa? - Paulo Roberto de Almeida

Transcrevendo o que foi publicado no blog Amálgama, neste link: http://www.amalgama.blog.br/08/2014/opcao-preferencial-pelo-sul-um-novo-determinismo-geografico/
Meridionais: apreciai..., com moderação...
Paulo Roberto de Almeida

A opção preferencial pelo Sul: um novo determinismo geográfico?

A diplomacia Sul-Sul é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a diplomacia tradicional?
mapamundi2

Introdução

A temática da política externa voltada para as relações Sul-Sul tem sido enfatizada de maneira recorrente nos últimos anos; para ser mais exato, desde o início do governo Lula, numa espécie de retomada de alguns dos padrões da diplomacia praticada nos tempos da política externa independente (1961-1964) e, novamente, na era Geisel (1974-1979). Grande parte da produção universitária brasileira sobre a política externa nos governos petistas tende a considerar a diplomacia brasileira a partir de 2003, e mais especificamente a concepção Sul-Sul que a sustenta, como orientações eminentemente positivas para a postura internacional do Brasil. De fato, a recepção dessas políticas no ambiente acadêmico tem sido a melhor possível, aliás, talvez até mais do que isso, na medida em que tal diplomacia aparece, em muitos escritos, como uma determinação absolutamente necessária para a política externa brasileira, quaisquer que sejam os resultados efetivos desse tipo de política no contexto em que ela é operada. A postura adotada neste ensaio se coloca em desacordo conceitual, quando não em contraposição política, com esse tipo de orientação predominantemente Sul-Sul da diplomacia brasileira desde 2003, por razões que serão expostas ao longo do texto.
É de se esperar que os processos e programas de cooperação científica, cultural ou tecnológica entre os países, sem descurar dos fluxos dos mais diversos tipos, nas áreas financeira, educacional, militar, ou simplesmente turística, sejam desenvolvidos em todas as direções possíveis ou existentes, em especial em estreito contato com os países que melhores condições oferecem para transferências de tecnologia, fluxos de investimentos diretos, cooperação científica e educacional, enfim, em todas as benesses possíveis da civilização moderna. Em resumo, e preventivamente, a interação que uma diplomacia inteligente deveria buscar para a nação que representa deveria ser dirigida a todos os quadrantes do globo, com ênfase naquelas direções com maiores possibilidades de ser estabelecido um relacionamento mutuamente benéfico (e mais ainda, no caso de países menos desenvolvidos, unilateralmente proveitoso).
Tendo estes elementos presentes, como supostos de senso comum, o que poderia levar dirigentes políticos, ou diplomáticos, a preferir a parte em lugar do todo, a eximir-se de explorar o conjunto de possibilidades de cooperação, substituindo uma ampla interface por um número mais reduzido de opções? Dito de outra forma: o que poderia levá-los a colocar uma viseira unidirecional no horizonte de relacionamentos externos do país? Por que, finalmente, amputar o país da exploração irrestrita do estoque universal de conhecimento humano acumulado até os nossos dias?

Um novo determinismo geográfico na política externa brasileira?

Quando se fala de uma “política externa voltada às relações Sul-Sul”, se as palavras possuem algum significado preciso, se entende que as relações internacionais desse país chamado Brasil devem estar prioritariamente voltadas para essa tal dimensão regional, não exatamente planetária, mas voltada para o hemisfério Sul, isto é, para os territórios, regiões e países normalmente identificados como periféricos, dependentes, em desenvolvimento, emergentes, ou outras variantes dessa mesma família. O conceito não é tão estreitamente geográfico, quanto ele é flexivelmente político, uma vez que alguns desses países podem não se conformar, exatamente, a essa geografia ou a esse padrão típico das nações em desenvolvimento, ou seja, ex-colônias ou dependências europeias a partir dos quatro ou cinco séculos após os “descobrimentos” europeus.
Por exemplo, a despeito do fato de que a China se situe no hemisfério Norte, e de que ela conduza, efetivamente, uma política estratégica, comercial, financeira, política, ou qualquer outra objetivamente orientada a todos os quadrantes possíveis, mas mais enfaticamente em direção ao próprio Norte – e para constatar isso basta computar seus fluxos comerciais e financeiros, ademais de sua atuação no âmbito dos organismos multilaterais –, o gigante asiático é comumente identificado como sendo um país do Sul, em parte porque se trata de uma economia supostamente em desenvolvimento, ou porque ela costuma se opor às velhas potências hegemônicas. Mas, com base naquilo que conta, de fato, ou seja, sua postura estratégica, seu poder nuclear, seus intercâmbios econômicos, seria a China, verdadeiramente, um país do Sul? Existem dúvidas, mas admitamos que sim. Ela não define, em todo caso, sua diplomacia como Sul-Sul.
Para todos os efeitos práticos, a política Sul-Sul costuma se referir justamente aos países não hegemônicos, ou seja, todos aqueles que não foram potências imperiais ou poderes coloniais no passado remoto, ou mais recentemente. Portugal, a esse título, seria uma potência hegemônica? Também existem dúvidas a esse respeito. E a Espanha, se enquadra na categoria? Certamente até a era das independências latino-americanas, mas com menos certeza depois disso. E a pequena Holanda? Também se encaixa na noção de potência hegemônica? Talvez. Ao longo da história, países que se projetaram hegemonicamente sobre outros, durante certo período – como o Império Otomano, por exemplo, ou a própria China imperial – terminaram por se encontrar identificados ao conjunto de nações dependentes ou periféricas. No conjunto, o conceito do Sul se aplica ao que se convencionou habitualmente chamar de “Terceiro Mundo”, ou Grupo de países em desenvolvimento, G77, embora sua diversidade seja hoje tão importante quanto sua composição ao longo das quatro ou cinco décadas pós-Segunda Guerra Mundial.
Abordando concretamente o caso em espécie, parece evidente que países que são de fato grandes potências – como China ou Rússia, por exemplo – podem ser eventualmente assimilados ao conceito geopolítico do Sul, que parece compreender todos os países que não exerceram um papel dominador na era da preeminência europeia e dos países desenvolvidos que emergiram a partir do colonialismo inglês. A Rússia, por exemplo, se encaixa mal no perfil “Terceiro Mundo” – já que se trata de uma potência imperial, bem mais importante no passado do que atualmente –, mas ainda assim ela é considerada uma aliada para grande parte das causas do Sul; a China, por sua vez, sempre se considerou, e foi considerada, um país em desenvolvimento, mas ela nunca cingiu suas relações internacionais e suas estratégias de política externa ao grupo identificado com a sigla G77.
Em todo caso, nenhum dos dois, Rússia ou China, se enquadra na categoria “ocidental”, ou seja, das modernas democracias de mercado, tal como definida nos trabalhos do historiador britânico Niall Ferguson, um convencido adepto das bondades do imperialismo para o avanço da civilização. O Brasil, que no passado da Guerra Fria também se identificava com a civilização cristã e ocidental, passou a se considerar, em algum momento dos anos 1970, como um país do Terceiro Mundo, e orgulhoso de sê-lo (ainda que nem todos, no Itamaraty, concordassem com o rótulo). Aparentemente, nos últimos dez anos, voltamos a aderir aos conceitos e posturas dos anos 1960 e 1970, até com o mesmo orgulho e empenho em continuar a pertencer à mesma família.
Assim, para a atual diplomacia brasileira, esses dois grandes países, tidos como não hegemônicos, parecem se encaixar numa definição ampla do Sul, de molde a poder justificar alguma coordenação de políticas e o estabelecimento de alianças e de plataformas conjuntas de ação, em itens da agenda internacional que, teoricamente, corresponderiam a objetivos compartilhados. Rússia e China, pelo menos, foram considerados como suficientemente “alinhados” com as teses principais da diplomacia brasileira, a partir de 2003, para legitimar o lançamento de iniciativas comuns, nos mais diversos foros do debate multilateral e bilateral, a exemplo do Brics (aliás, o único grupo diplomático no mundo a ter sido formado por uma sugestão externa aos próprios países envolvidos). Outros dois países, Índia e África do Sul, foram imediatamente reconhecidos como parceiros estratégicos para suscitar a criação de um outro grupo, o IBAS, que responde perfeitamente à definição das “relações Sul-Sul” para essa nova diplomacia brasileira.
Independentemente, porém, do leque concreto de países mobilizados para fins de formação de grupos e para coordenação de posições, temos primeiro de considerar a questão “filosófica”, que consiste a examinar se esse direcionamento geográfico se justifica no plano das intenções e dos resultados práticos, não só para a diplomacia brasileira, mas para o país, tão simplesmente, para sua economia e sua sociedade.
Assim sendo, o que é uma diplomacia Sul-Sul do ponto de vista do Brasil? Ela é, obviamente, uma mudança de eixo no relacionamento externo do país, apontando preferencialmente para países do Sul, tanto em sua acepção geográfica quanto no plano geopolítico. Por que isso e como isso se coaduna (ou não) com as posturas tradicionais da diplomacia brasileira, e como isso se encaixa no leque de possibilidades abertas, no supermercado da História, à economia ou à sociedade brasileira? Nosso país deve praticar uma diplomacia Sul-Sul? Ela é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a velha diplomacia sem marcas geográficas ou geopolíticas definidas?
Obviamente que seus formuladores, promotores, patrocinadores e operadores dirão que sim, que ela é boa, e que de fato não discrimina os outros, os que sobraram nas outras direções, geralmente Norte, mas possivelmente também Leste e Oeste, ainda que não se saiba bem o que esses dois últimos termos significam atualmente, depois do fim da Guerra Fria. Visivelmente, a política externa brasileira voltou a ver o mundo segundo antigas linhas de divisão Norte-Sul, o que, por sinal, corresponde a velhos preconceitos de extração classista, ao gosto sindical: nós, de um lado, eles, do outro.
O significado do Sul tem a ver com uma assimetria básica que existiria no terreno das definições e das escolhas políticas, para alguns de caráter fundamental: de um lado, o Norte desenvolvido, capitalista, hegemônico e aparentemente arrogante, por vezes até unilateral e dominador; de outro, o Sul, periférico, dependente, explorado, enfim, em desenvolvimento e, portanto, naturalmente, interessado em posturas comuns para romper a dominação e tornar o mundo mais democrático e multilateral. Esse tipo de atitude já foi registrado na política externa brasileira em pelo menos duas épocas anteriores, nomeadamente a chamada “política externa independente”, dos anos 1961-1964, e depois o “pragmatismo responsável”, do governo Geisel (1974-1979).
A política externa do governo Lula, clara e oficialmente autodesignada como sendo Sul-Sul, reivindica plenamente essa herança das experiências anteriores, e proclama que retomou tradições anteriores de “independência” nas relações exteriores do Brasil, pretendendo com isso dizer que todas as demais administrações praticaram diplomacias alinhadas, dependentes, ou até submissas ao império ou aos organismos multilaterais de Washington. Deixemos esse maniqueísmo ridículo de lado, para passar a examinar, concretamente, as virtudes e méritos desse tipo de seletividade geográfica, ou suas limitações e insuficiências.

Alguns exemplos do novo determinismo geográfico e seus resultados práticos

Alguém acha, por exemplo, que os problemas sociais e políticos brasileiros têm algo a ver com os problemas sociais e políticos da Índia, ou da África do Sul? Alguém acha, em sã consciência, que grupos de trabalho, juntando burocratas dos três países, produzirão algo mais do que intensas viagens de burocratas governamentais e algumas belas declarações e programas de trabalho que prometem continuar juntando os mesmos burocratas, ou outros, em reuniões infinitas, tentando encontrar respostas comuns a problemas que são naturalmente, intrinsecamente, necessariamente diferentes, quando não incompatíveis entre si, no seu contexto, na sua forma e substância?
Alguém acha, de verdade, que um programa prometedor, em princípio, como o Ciência Sem Fronteiras, vai apresentar brilhantes resultados, se os candidatos brasileiros escolherem estudar nos mesmos países, ou na América Latina, ou então exclusivamente nos países ibéricos? Se os estudantes o fazem, em direção destes últimos, talvez seja porque não estejam suficientemente habilitados em inglês, francês ou alemão, para aproveitar o que de melhor a ciência produziu nos últimos duzentos anos. Mas alguém acha, sinceramente, que esse programa estará bem servido, e servirá ao país, numa direção essencialmente Sul-Sul, em lugar de se dirigir aos centros reconhecidos de excelência na ciência e na tecnologia mundiais? A tese Sul-Sul não parece sustentável nestes casos de qualificação científica e tecnológica.
No terreno das políticas comerciais, por exemplo, o grande sucesso apregoado logo no início do governo Lula, a formação do G20 comercial, durante a conferência ministerial da OMC, em Cancun, em setembro de 2003, visava, segundo o próprio, “dar um truco” nos países ricos e impedi-los de, mais uma vez, acertar acordos entre eles às custas dos países em desenvolvimento. Os objetivos formais do bloco seriam os de eliminar ou diminuir o protecionismo agrícola dos países avanços, seus subsídios internos à produção e as subvenções às exportações, que tanto prejudicam exportadores competitivos e não subvencionistas como o Brasil.
Visto o grupo mais de mais de perto, porém, a seletividade geográfica de suas demandas, justamente no sentido Sul-Sul, revela-se, na verdade, de uma esquizofrenia exemplar, já que aquilo que é solicitado aos ricos é mantido como legítimo pelos e para os seus integrantes. Ora, se admitirmos que a demanda crescente de bens alimentares nos próximos anos e décadas virá, basicamente, de grandes países em desenvolvimento, como China e Índia, precisamente – já que a expansão desses mercados nos países ricos será quase vegetativa, ademais da demanda não ser beneficiada por alta elasticidade-renda, nesses casos – então a derrogação feita em favor dos países do Sul não é exatamente conforme aos interesses do agronegócio brasileiro ou das exportações do Brasil, em geral, para esses mercados dinâmicos.
Tomemos um outro caso, o das políticas de promoção comercial, que deveriam colocar em evidência o fato elementar de que, o acesso a mercados, do ponto de vista microeconômico, não apresenta nenhuma distinção geográfica, de natureza política, étnica ou ideológica; ou seja, para o capitalista exportador, qualquer mercado é mercado, seja ele interno, externo, rico, pobre, preto ou branco, bastando que ele seja solvente, acessível e de preferência estável e crescente. Não se duvide, nesse particular, que os mercados consolidados dos países ricos do capitalismo desenvolvido apresentam as melhores perspectivas nesses quesitos, e assim entendem os países dinâmicos da Ásia, que já criaram a sua “nova geografia do comércio internacional”, como pretendia o presidente Lula, com base justamente nessas constatações elementares de senso comum: exportemos, para onde for e para quem puder comprar.
Mercados de países em desenvolvimento, no continente africano ou em outras regiões, podem ser interessantes para explorar e abastecer, mas não em detrimento de mercados consolidados e solventes (como os dos países desenvolvidos, por exemplo). Todos exportam para os EUA, um dos mercados mais abertos do mundo, e quase todos possuem saldos nas balanças bilaterais; seria uma maldição o Brasil ser um dos poucos países a exibir déficits nessa relação?
E por que o Brasil tolera, por exemplo, discriminação contra os seus produtos no intercâmbio com a Argentina, salvaguardas e medidas de defesa comercial abusivas e ilegais, tanto do ponto de vista do Mercosul, quanto no que se refere às regras do sistema multilateral de comércio? Por que o Brasil é, talvez, o único país no mundo que instituiu um programa de “substituição de importações”, que visa, segundo o presidente Lula, praticar uma “diplomacia da generosidade” com os seus vizinhos, importando seus produtos mesmo que eles sejam mais caros ou de menor qualidade do que os de outros ofertantes competitivos? Esta seria uma política Sul-Sul conforme aos nossos interesses nacionais, aos da comunidade brasileira de negócios?
Por que será que o Brasil parou de impulsionar a cooperação com os países do Norte? Seria porque eles foram ou são imperialistas, e não existe mais nada a aprender deles ou com eles? Por que o Itamaraty, e o próprio Instituto Rio Branco, cessou de fazer intercâmbios com outras regiões além da América do Sul, África e alguns poucos países asiáticos? Será que temos mais a aprender com países que, em vários quesitos se situam abaixo dos níveis já alcançados pelo Brasil em pesquisa científica e inovação tecnológica? A política Sul-Sul nos traria tantos benefícios quanto aqueles que manifestamente obtivemos, ao longo das últimas décadas, nas relação com países do Norte? Existe alguma rationale, além de simples postura política, que poderia explicar tudo isso?
Pode-se, eventualmente, invocar o princípio inventado da “não indiferença”, ou o dever de solidariedade, para justificar, por exemplo, a cooperação ou assistência ao desenvolvimento que o Brasil passou a prestar a países menos avançados, alguns, aliás, manifestamente miseráveis. Não se pode argumentar contra esse tipo de iniciativa, mas caberia lembrar, a propósito, que o Brasil segue o mesmo caminho dos países ricos que, nas últimas cinco ou seis décadas, despejaram dezenas, ou centenas de bilhões de dólares nesses países, sem que resultados palpáveis tenham resultado dessas ações.
Em outros termos, são pouquíssimos os exemplos, se algum, de algum país pobre que se tenha alçado de sua condição miserável com base na ajuda ao desenvolvimento, embora existam vários que ascenderam na escala do desenvolvimento com base na inserção produtiva global, no comércio e nos investimentos estrangeiros. Mas isso não é novo: nos anos 1950, ainda antes das independências africanas, um espírito lúcido como o economista britânico de origem húngara, Peter Bauer, alertava contra a propensão a pretender “ajudar” os países africanos, em lugar de inseri-los na economia mundial pela via do comércio e da interdependência econômica. Suas advertências permanecem cruelmente atuais. E, se quisermos, análises mais recentes, eu recomendaria a leitura dos trabalhos do ex-economista do Banco Mundial, William Easterly, que demonstrou como a ajuda externa estava prejudicando, em lugar de ajudar, os países assim assistidos. O Brasil pode fazer o mesmo, mas não deveria deixar de considerar essas advertências.
Mas, mesmo nos casos de alianças políticas, será que a bússola do Sul é a que melhor serve aos interesses do país? Os que argumentam positivamente podem invocar a surrada tese dos interesses comuns dos países dependentes, em face dos interesses dos países do Norte em preservar a ordem atual, para eles injusta e desigual, de distribuição de poder e influência no plano mundial. Não é preciso, novamente, afastar como paranoicas e conspiratórias tais visões das relações internacionais, talvez aceitáveis para mentes simplistas, e simplificadoras, dos que dividem o mundo em linhas classistas, mas que não apresentam a mínima consistência para mentes mais abertas e inteligências mais aguçadas. Infelizmente, grande parte da academia brasileira ainda se compraz com as teses intelectualmente indigentes da “dependência”, com as teorias mistificadoras do “chutando a escada”, enfim, com o eterno complô das elites e das classes dominantes, que supostamente impedem países do Sul na sua justa ascensão a patamares mais altos de desenvolvimento e de prosperidade.
A pobreza conceitual e a total inadequação histórica desses tipos de concepção em torno das relações internacionais poderiam nos fazer sorrir, pelo que têm de patético, se não fosse pelo trágico de estarem sendo disseminados, continuamente, em nossas academias, por vezes até por vozes autorizadas, ou supostamente tais. Um pouco mais de seriedade na pesquisa, e de honestidade intelectual, já deveriam ter afastado de vez as visões ingênuas do mundo, as concepções maniqueístas, os conceitos ultrapassados que, muitas vezes, passam por construções teóricas dignas de acolhimento no ambiente acadêmico que conhecemos no Brasil e em grande parte da América Latina.
Aliás, seminários, conclaves, colóquios ou encontros exclusivamente latino-americanos, tendem a suscitar sentimentos de cansaço intelectual, em face das mesmas ladainhas e slogans que certamente serão ouvidos: a integração regional vai trazer desenvolvimento, autonomia, independência e dignidade, pois apenas entre latino-americanos é possível construir um futuro comum, já que somos todos iguais, inteligentes e sobretudo preparados para as grandes tarefas da construção da soberania.
Esse ritual de mesmices simplórias, essa repetição infindável das mesmas receitas ultrapassadas, que certas mentes anacrônicas insistem em nos impingir, só podem provocar cansaço intelectual. Se a América Latina fosse tão boa em aplicar suas receitas de desenvolvimento quanto ela o foi em conceber suas pretensas virtudes autonomistas e desenvolvimentistas, aliás desde o final dos anos 1940, ela já seria, meio século depois, infinitamente mais desenvolvida, mais igualitária, mais justa e menos corrupta, do que ela é, de fato, atualmente.
Não é preciso percorrer a enciclopédia de soluções geniais aos seus problemas de subdesenvolvimento, pois equivaleria a repassar um cemitério inteiro de ideias fracassadas, mas que insistem em nos importunar, como zumbis conceituais que não querem desaparecer. Basta com citar duas obras de analistas conhecidos, ambos trabalhando em academias americanas e, portanto, altamente suspeitos aos olhos de muitos; não importa: como Machado de Assis, pode-se julgar quaisquer produções intelectuais pela consistência intrínseca de seus argumentos respectivos, não pela identidade de quem os expressa. Pode-se citar, em primeiro lugar, a análise de história econômica de Sebastian Edwards, um chileno que leciona na Califórnia, e que publicou, em 2010, Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism (University of Chicago Press), um retrato realista, talvez cruel, do nosso longo declínio e dos muitos erros de políticas econômicas. Em segundo lugar, se coloca o conhecido sociólogo Francis Fukuyama, que em 2008 coordenou um seminário cujo resultado, organizado e publicado por ele recebeu um título quase similar: Falling Behind: Explaining the Development Gap Between Latin America and the United States (Oxford University Press, com edição no Brasil: Ficando para Trás; Rocco Editora), com a participação de conhecidos especialistas das duas regiões.

O novo determinismo geográfico: um novo fracasso à espreita?

Existiriam, ainda, muitos outros argumentos históricos, econômicos, políticos, ou até mesmo culturais, contra uma visão seletivamente restritiva, no âmbito geográfico, para uma definição estratégica de nossas principais políticas macro ou setoriais. Bastaria, aliás, alinhar outras razões, e elas seriam muitas, para não cair nesse tipo de reducionismo absurdo que consiste em privilegiar determinados parceiros, ou certas direções cardeais, na seleção dos relacionamentos, dos contextos de cooperação, na busca de soluções ou receitas de desenvolvimento.
Pode-se julgar todos os tipos de autonomismos superficiais, de soberanismos vazios, e de nacionalismos exacerbados como sendo especialmente nefastos na grande tarefa do desenvolvimento e do crescimento econômico sustentado. A abertura ao comércio e aos investimentos internacionais constitui uma boa política, a conjugar-se com a estabilidade macroeconômica, com a competitividade microeconômica, com a boa governança e alta qualidade dos recursos humanos, para alcançar fins benéficos, de inserção no mundo e de promoção da prosperidade social.
Um outro grande equívoco, obviamente, é achar que, trabalhando com apenas uma das partes se consegue chegar ao todo. Esse todo, não é preciso repetir, é a busca da pesquisa de ponta, da excelência intelectual, do avanço tecnológico; e o equívoco consiste em se privar do contato com o que existe de mais refinado no mundo em nome de não se sabe bem qual solidariedade política ou qual afinidade ideológica. É esse equívoco que está na origem dessa nefasta seletividade geográfica, para a qual não se pode encontrar nenhum mérito, nem mesmo o de continuar nas mesmas latitudes, climas e temperaturas.
A autonomia mental, a liberdade de escolha, a amplitude de visões, a mais completa seleção de opções, enfim, a total soberania geográfica nos relacionamentos externos parecem, de longe e em todas as hipóteses, as posturas mais adequadas na determinação das políticas, as que melhor respondem a nossas necessidades teóricas e práticas. Essa postura geral corresponde, aliás, ao livre arbítrio individual e à total liberdade de escolha, que devem sempre prevalecer nos assuntos humanos e sociais.
Esta é uma simples constatação de bom senso. Nunca devemos deixar de exercer nosso direito à total liberdade de espírito e à mais completa autonomia da razão. É bem melhor ser um completo anarquista do pensamento e um libertário incorrigível, do que ser um dependente de crenças alheias.
——
Este ensaio é uma versão abreviada de um dos capítulos do recém-lançado Nunca Antes na Diplomacia…: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editoria Appris).

Historia economica dos Estados Unidos: a primeira economia mundial desde 1870 (Delanceyplace)

Today's encore selection -- from Land of Promise by Michael Lind. By 1868, the United States had already become the world's largest economy, and by 1914 -- the dawn of World War I -- the US economy was larger than the economies of Britain, France, and Germany combined. With such extraordinary growth, the US required enormous new resources -- especially labor. To fill that need, immigrants came pouring into the US from around the world, turning America into a nation of immigrants. Greeting many of these immigrants was the Statue of Liberty and Emma Lazarus's immortal phrase, "give us your tired, your poor, your huddled masses yearning to breathe free":

"In 1867-1868, the United States surpassed Britain in gross domestic product (GDP), becoming the world's largest economy. The growth of the size of the American economy was driven by a combination of productivity growth with a rapid increase in population, driven by mass immigration from Europe between the 1840s and World War I.

"The US population increased from forty million in 1870 to seventy-six million in 1900. Two-thirds of the growth was the result of natural increase, one-third the result of immigration.

"Of the seventy-six million Americans in 1900, a third were either foreign born or the children of foreign-born parents. In 1910, the foreign-born and their first-generation children accounted for more than 70 percent of the population in New York, Chicago, Boston, Milwaukee, and Detroit.

"The Statue of Liberty was unveiled at a ceremony attended by President Grover Cleveland on October 28, 1886. The New York Herald described the scene: 'Amid the uproar and excitement that succeeded the consecration of the statue, there glided through the Narrows a huge steamship crowded with European immigrants. From her decks the eyes of the strangers were fixed upon the wonderful drama in progress before them. The cannon smoke and vapor rolled up, and ringed in a huge, fire-fringed semicircle, they saw before them the mighty figure of Liberty. Imagination can only conceive of what to their tired eyes, weary with the hardships, the hopelessness and the cruelties of the Old World, this apparition must have conveyed.'

"Although the purpose of the Statue of Liberty was to commemorate the French-American alliance during the American Revolution, it became an inspiring symbol to the millions of immigrants who passed it before arriving to be processed for entry to the United States at Ellis Island. The link between the statue and immigration was reinforced by 'The New Colossus,' the 1883 poem by Emma Lazarus engraved into the base:

Not like the brazen giant of Greek fame,
With conquering limbs astride from land to land;
Here at our sea-washed, sunset gates shall stand
A mighty woman with a torch, whose flame
Is the imprisoned lightning, and her name
Mother of Exiles. From her beacon-hand
Glows world-wide welcome; her mild eyes command
The air-bridged harbor that twin cities frame.
'Keep, ancient lands, your storied pomp!' cries she
With silent lips. 'Give me your tired, your poor,
Your huddled masses yearning to breathe free,
The wretched refuse of your teeming shore.
Send these, the homeless, tempest-tost to me,
I lift my lamp beside the golden door!' "

Land of Promise: An Economic History of the United States
Author: Michael Lind
Publisher: Harper Paperbacks
Copyright 2012 by Michael Lind
Pages: 168-169

Ucrania-Russia: sancoes contra o Ocidente; Brasil escapou (e vai lucrar com isso...)

Certamente um motivo de regojizo para alguns. Que bom que o nosso governo foi preclaro, previdente, astucioso. Ele sabia o que iria acontecer, tanto quanto sabia a trajetoria do avião do aliado preferencial anti-hegemônico...
Alguns sempre preferem ficar do lado de certas causas...
Paulo Roberto de Almeida 
Russia Responds to Western Sanctions With Its Own
Moscow announced a ban on all beef, pork, fruit, vegetables and dairy products from the European Union, the United States, Canada, Australia and Norway.

MOSCOW — Russia announced on Thursday that it was banning the import of a wide range of food and agricultural products from Europe and the United States, among others, responding to Western-imposed sanctions and raising the level of confrontation between the West and Moscow over the future of Ukraine.
Dmitri A. Medvedev, the prime minister, announced that Russia would ban all beef, pork, fruit, vegetables and dairy products from the European Union, the United States, Canada, Australia and Norway for one year.
“We hoped until the very last that our foreign colleagues would realize that sanctions are a dead end and that nobody needs them,” Mr. Medvedev said. “Things have turned out in such a way that we have to implement retaliatory measures.”
Russia was still considering various measures involving aviation, including a ban on flights over Siberia, which would affect routes used by European and American airlines that fly to Asia, he told a cabinet meeting broadcast live on state-run satellite news channels.
Narrowing the air corridors open to Western carriers was another possibility, he said. Mr. Medvedev announced that all Ukrainian air carriers were barred from transiting Russian air space — effectively ending many flights to former Soviet republics from Kiev. In the Soviet era, all Western airlines were barred from flying across Russia, and barring them now would increase both costs and flying times again.
Finally, he said Russia was studying the possibility of introducing restrictions on the import of planes, navy vessels and cars, although the government would first make a realistic assessment of its own production capabilities.
The European Union’s policy-making body said it regretted Russia’s move, saying it reserved the right to impose additional retaliatory measures.
“This announcement is clearly politically motivated,” the European Commission said in a statement Thursday. "We underline that the European Union's restrictive measures are directly linked with the illegal annexation of Crimea and destabilization of Ukraine. The European Union remains committed to de-escalating the situation in Ukraine. All should join in this effort."
Analysts suggested that President Vladimir V. Putin, who enjoys huge popularity at home, felt the need to respond in some way as Western nations and even Japan added more and more sanctions after three rounds.
The United States and the European Union have said that Russia, after taking the Crimean peninsula from Ukraine last March, is destabilizing the rest of the country by supplying arms and fighters to a rebellion in the east. Russia denies it is fueling the insurgency.
Western sanctions started with freezes on the assets of senior officials and of companies linked to Mr. Putin or Crimea, but last week they were increased to include some financing for state banks, many arms deals and important technology for the energy sector.
Economic analysts suggested that the measures would have an immediate but moderate impact on the Russian economy, mostly as the country seeks other suppliers in Latin America and Africa for most of the food imports from Europe.
“Even if Russia says it will try to find additional sources of supply, it will be difficult in the short term,” said Ivan Tchakarov, the chief economist at Citibank for Russia. “Consumers will feel some pinch but I don’t think it will be a massive impact.”
The crisis next door in Ukraine is likely to have much more of an impact than the new food sanctions, but it could affect prices.
“The key question is what the effect on inflation will be,” he said. The bank is estimating that price increases could add one or two points to the inflation rate for 2014, currently running around 6.5 percent.
According to figures compiled by the bank and other agencies, Russia imports about 25 percent of its food, worth some $43 billion annually. Of that, about 75 percent, or $30 billion, comes mainly from Europe and the United States. The other 25 percent is mainly from former Soviet republics.
Wealthy consumers in Moscow and St. Petersburg consume goods like cheese and fruit from the West in far greater amounts than consumers in other parts of Russia. However, the cheaper dairy products and other goods that ordinary Russians buy often came from Ukraine and are now banned as well.
“Over all, I think it will have a moderate impact on consumption and a moderate impact on inflation,” Mr. Tchakarov said.
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Addendum: dito e feito...

Rússia anuncia aumento de importação de carne do Brasil

Decisão foi tomada após restrição de importação de alimentos dos EUA e da União Europeia, que impuseram sanções à Rússia

Rússia anunciou que vai proibir importação de alimentos dos EUA, UE, Austrália, Canadá e Noruega
Rússia anunciou que vai proibir importação de alimentos dos EUA, UE, Austrália, Canadá e Noruega (Mikhail Klimentyev/RIA Novosti/Kremlin/Reuters/VEJA)
O ministro da Agricultura da Rússia, Nikolai Fyodorov, afirmou nesta quinta-feira que o país compensará a proibição de importação de alimentos e produtos agrícolas da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos com maior fornecimento de carne do Brasil. Segundo o ministro, o país também discute a proibição de importação com Cazaquistão e Belarus.
A Rússia anunciou nesta quinta-feira que vai proibir a importação de frutas, vegetais, carnes, peixes e laticínios dos EUA, UE, Austrália, Canadá e Noruega. A decisão acontece após um decreto assinado pelo presidente Vladimir Putin proibir ou limitar importações de alimentos de países que impuseram sanções à Rússia pelo apoio aos rebeldes no leste da Ucrânia e pela anexação da Crimeia. "Não há nada bom em sanções e não foi uma decisão fácil de tomar, mas tivemos de fazer isso", disse o primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev. A proibição será válida a partir de 7 de agosto e terá duração de um ano.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Eleicoes 2014: samba do, ops, de uma nota so...

Bem, a recepção fria não foi tão embaraçosa quanto os dolorosos momentos finais, ao ser abordado, por iniciativa própria, o assunto das intermináveis negociações comerciais entre o Mercosul e a UE. Eu não entendi absolutamente nada do que foi dito, e duvido que alguém tenha entendido, nem no Português, nem na substância, nem na (falta de) lógica, nem no que exatamente estava em jogo, numa coisa que parecia vagamento com negociações.
Acho que ninguém entendeu nada, salvo que existe um português que se chama Durão Barroso e que passou por ali e que recebeu um recado que duvido ele tenha entendido. Por essa via, pelo menos. Sorte dele que sai agora em Setembro. Sorte dele...
Paulo Roberto de Almeida 

Eleições 2014

Com recepção fria, Dilma recicla propostas para o setor agrícola

Presidente sequer usou todo o tempo destinado a sua apresentação. Sabatina evidenciou desgaste da petista com empresários do agronegócio

Gabriel Castro e Laryssa Borges, de Brasília
Veja.com, 6/08/2014
Dilma Rousseff participa do encontro na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em Brasília
Dilma Rousseff participa do encontro na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em Brasília(CNA/DIvulgação/VEJA)
A participação da presidente Dilma Rousseff na sabatina organizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), nesta quarta-feira, em Brasília, expôs o desgaste dela com o setor. Dilma teve uma recepção fria da plateia de empresários do ramo agrícola e nem mesmo usou todo o tempo destinado a sua apresentação.
A petista foi a terceira e última candidata a falar. Eduardo Campos (PSB), o primeiro, foi aplaudido por quinze vezes. Aécio Neves (PSDB), ainda mais - e de pé, no fim de sua fala. Dilma ouviu apenas cinco aplausos. Ela nem mesmo preencheu os 30 minutos destinados a sua exposição inicial: acabou seu discurso, lido, quando faltavam mais de sete minutos para o fim do tempo. E, mesmo informada de que poderia continuar sua apresentação optou pelo início da fase de perguntas.
Nessa etapa, novamente, Dilma parecia não ter muito o que dizer. Em um dos casos, a apresentadora que conduzia a sabatina avisou: "A senhora ainda tem três minutos e 41 segundos". Dilma respondeu: "Mais do que isso eu não tenho o que falar não, viu?". Depois, acabou improvisando um complemento à resposta. Dilma apresentou um apanhado das realizações e promessas de seu governo para o setor. Mencionou o aumento do crédito agrícola e as obras de logística, como a construção de 2.000 quilômetros de ferrovias. Disse que herdou um passivo tão grande que é impossível extinguir em quatro anos. A presidente também afirmou que a BR-163, o principal eixo de escoamento da soja no país, "está sendo duplicada em toda sua extensão", o que não é verdade. As obras incluem um pequeno trecho da estrada, que tem uma parte considerável onde nem mesmo o asfalto chegou.
Na categoria das promessas reeditadas, está a de licitar a construção de 900 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), de Lucas do Rio Verde (MT) a Campinorte (GO). O início das obras era um compromisso do primeiro mandato, mas não aconteceu. A presidente falou pouco de ideias para um segundo mandato. Uma delas é a aproximação com a CNA: "Proponho a criação sistemática de um diálogo permanente, um grupo ou uma mesa de diálogo com a CNA para aprofundar o debate em torno das propostas que nos foram apresentadas", disse ela. Dilma também admitiu fragilidades: "Eu assumo aqui o compromisso de melhorar nossa defesa agropecuária. Ela está aquém da necessidade do país", afirmou.
A candidata à reeleição levou o vice, Michel Temer, e seis ministros à sabatina. Quando esteve na CNI, na semana passada, ela estava acompanhada de sete ministros. Isso motivou o PSDB a apresentar uma representação à Justiça Eleitoral. A presidente também concedeu uma entrevista coletiva depois da sabatina. Confrontada com as críticas feitas pelos adversários sobre a tímida reforma agrária de seu governo, ela recorreu ao expediente de somar os números de seu governo com os de Luiz Inácio Lula da Silva: "Nós fizemos a maior reforma agrária do Brasil", afirmou.



Joao Ubaldo Ribeiro: Aula de Portugues o verbo FOR (saudades das cronicas domingueiras)

Insuperável na ironia final, na cenarização da brasileirice, esse escritor universal e profundamente brasileiro, grande mestre João Ubaldo. Sempre lia, com extremo prazer suas crônicas saborosas no Estadão.
Paulo Roberto de Almeida

O Verbo For

João Ubaldo Ribeiro

Vestibular de verdade era no meu tempo. Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas. O vestibular, é claro, jamais voltará ao que era outrora e talvez até desapareça, mas julgo necessário falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo às minhas coevas (ao dicionário outra vez; domingo, dia de exercício).

O vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: português, latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito tão ruybarbosianamente quanto possível, com citações decoradas, preferivelmente. Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida, dos quais até hoje sei o comecinho.

Havia provas escritas e orais. A escrita já dava nervosismo, da oral muitos nunca se recuperaram inteiramente, pela vida afora. Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e partia-se para o martírio, insuperável por qualquer esporte radical desta juventude de hoje. A oral de latim era particularmente espetacular, porque se juntava uma multidão, para assistir à performance do saudoso mestre de Direito Romano Evandro Baltazar de Silveira. Franzino, sempre de colete e olhar vulpino (dicionário, dicionário), o mestre não perdoava.

— Traduza aí quousque tandem, Catilina, patientia nostra — dizia ele ao entanguido vestibulando.

— "Catilina, quanta paciência tens?" — retrucava o infeliz.

Era o bastante para o mestre se levantar, pôr as mãos sobre o estômago, olhar para a platéia como quem pede solidariedade e dar uma carreirinha em direção à porta da sala.

— Ai, minha barriga! — exclamava ele. — Deus, oh Deus, que fiz eu para ouvir tamanha asnice? Que pecados cometi, que ofensas Vos dirigi? Salvai essa alma de alimária. Senhor meu Pai!

Pode-se imaginar o resto do exame. Um amigo meu, que por sinal passou, chegou a enfiar, sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando o mestre sentiu duas dores de barriga seguidas, na sua prova oral. Comigo, a coisa foi um pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele me deu seis, nota do mais alto coturno em seu elenco.

O maior público das provas orais era o que já tinha ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo "dar um show". Eu dei show de português e inglês. O de português até que foi moleza, em certo sentido. O professor José Lima, de pé e tomando um cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras aladas:

— Dou-lhe dez, se o senhor me disser qual é o sujeito da primeira oração do Hino Nacional!

— As margens plácidas — respondi instantaneamente e o mestre quase deixa cair a xícara.

— Por que não é indeterminado, "ouviram, etc."?

— Porque o "as" de "as margens plácidas" não é craseado. Quem ouviu foram as margens plácidas. É uma anástrofe, entre as muitas que existem no hino. "Nem teme quem te adora a própria morte": sujeito: "quem te adora." Se pusermos na ordem direta...

— Chega! — berrou ele. — Dez! Vá para a glória! A Bahia será sempre a Bahia!

Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser" quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.

— Esse "for" aí, que verbo é esse?

Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.

— Verbo for.

— Verbo o quê?

— Verbo for.

— Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.

— Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido. — Nós fomos, vós fondes, eles fõem.

Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe!