Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Pouco tempo atrás, tendo recebido um convite do Clube Farroupilha de Santa Maria (RS), para participar do Simpósio Interdisciplinar Farroupilha 2018, nos dias 9 e 10 de novembro deste ano, perguntado sobre qual seria o meu tema, e sabedor que estaria no mesmo evento a famosa economista historiadora Deirdre McCloskey, eu escolhi um título para o meu ensaio de caráter histórico que aparentemente se encaixa nas preocupações dela com o desenvolvimento, ou o não desenvolvimento, de alguns países, aqui explícito:
Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido?
Quando não se tem uma noção precisa do que seja o capitalismo e se acredita nesse tipo de bobagem, então os "economistas" que saem com esse tipo de formação estão condenados a repetir as mesmas magias econômicas do passado, e que justamente condenaram a América Latina, e o Brasil, ao atraso e ao subdesenvolvimento. O que eu posso recomendar a esses estudantes de economia? Permito-me fazer referência a três obras da economista Deirdre McCloskey que muito me ajudaram a revisar profundamente minha própria concepção sobre a natureza da grande revolução capitalista na trajetória histórica de algumas sociedades (primeiro ocidentais, agora se espalhando pela Ásia, e na AL, talvez só no Chile, por enquanto): 1)Bourgeois Equality: how ideas, not capital or institutions, enriched the world(2016) 2) Bourgeois Dignity: Why Economics Can't Explain the Modern World(2010) 3) The Bourgeois Virtues: ethics for an age of commerce (2006). Seu mais recente livro, ainda está sob impressão, devendo ser publicado no início de 2019: How to be a Humane Libertarian: Essays for a New Liberalism(New Haven: Yale University Press, 2019). Paulo Roberto de Almeida Brasília, 2 de dezembro de 2018
Na assemblagem de diferentes vertentes do pensamento liberal, conservador, teológico que parece caracterizar o ministério do governo que se inicia em janeiro próximo, cabe aguardar os planos para a educação do futuro ministro para uma avaliação sobre sua adequação aos problemas concretos – não os inventados, ou seja, ideológicos – do ensino no Brasil, e basicamente nos primeiros ciclos e no técnico profissional. Quanto ao terceiro ciclo, não tenho nenhuma dúvida: ele será majoritariamente contrário ao novo ministro, irá infernizar-lhe a vida, a ponto de eu não saber se devo cumprimentar, ou enviar pêsames, ao ministro, por ele ter de encarregar-se de educar – sim, educar – além de crianças e jovens, também os grandalhões do ciclo superior. Paulo Roberto de Almeida
Indicado por Olavo, futuro ministro da Educação quer valores tradicionais
O futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, tem uma vida acadêmica movimentada, mas pouco conhecida. Desde que chegou ao Brasil, no fim dos anos 1970, integrou um grupo minoritário de filósofos conservadores, orientou dezenas de teses, deu aulas em universidades públicas, privadas e na escola do Exército. E foi alçado ao cargo máximo da educação brasileira quando atuava em uma pequena faculdade de Londrina, cujo curso em que leciona tem nota mediana em avaliações nacionais.
Assim como boa parte da academia e de especialistas do setor, Jair Bolsonaro também não conhecia o colombiano Rodríguez. Seu nome foi indicado por um ex-aluno do futuro ministro, o escritor Olavo de Carvalho, que se tornou uma espécie de guru do presidente eleito.
“Ele foi escolhido por critérios técnicos”, diz o sogro Oscar Ivan Prux, advogado e ex-tenente do Exército.
Segundo ele, o genro foi “sabatinado” pela equipe de transição e teve de apresentar seu diagnóstico da educação e planos para área. “Somos muito patriotas e acreditamos no Brasil. O desafio dele será muito grande, Deus o abençoe.”
Rodríguez tem 75 anos e um filho de 6 com Paula Prux, de 33, a filha de Oscar Ivan, que conheceu numa palestra do jurista Miguel Reale.
Embora não seja um membro assíduo das redes sociais, tem perfil e fan page. A página foi criada em 5 de novembro e já tem 10 mil seguidores. É neste canal que o futuro ministro compartilha textos de seu blog, o Pensador de La Mancha.
Em 7 de novembro, 15 dias antes de ser anunciado para o cargo, ele publicou um texto avisando que havia sido indicado ao presidente eleito. O post deixava claro sua afinidade ideológica, tão cobrada pela bancada evangélica quando Bolsonaro escolhera o educador Mozart Neves para a pasta.
“Escola sem partido. Esta é uma providência fundamental”, diz o futuro ministro, que conquistou a vaga um dia depois da reação negativa dos deputados ao diretor do Instituto Ayrton Senna. “Se o problema para a militância esquerdista é a superpopulação do planeta, a melhor forma de equacionar a questão é a ‘ideologia de gênero’. Com ela paramos de nos reproduzir. A família e os valores tradicionais da nossa Civilização Ocidental irão, claro, para a lata de lixo da história”, afirma, em outro trecho.
“O problema da educação não é só um problema ideológico. Suponho que o ministro vá entender isso”, diz o sociólogo e especialista em educação Simon Schwartzman.
Ele e Rodríguez se conheceram há cerca de 40 anos, mas não mantêm contato. “Ele é de uma linha diferente da minha, muito conservadora, orientada por Miguel Reale.”
“Minha preocupação é que suas declarações ficam fora do consenso da educação, que foi tão difícil de construir, com valorização da alfabetização, formação de professores, e incluiu PSDB, PT, DEM”, diz o ex-ministro da Educação no governo do PT, Renato Janine Ribeiro.
Em sua primeira carta depois do anúncio, Rodríguez afirmou que fará uma gestão focada em valores tradicionais e preservação da família.
Críticas a petistas
Em comentários no Facebook, Rodríguez faz elogios ao papa João Paulo II, que “revalorizou a fé cristã e colocou em maus lençóis o comunismo soviético” e críticas aos petistas Jacques Wagner e Dilma Rousseff (“poste e demiurgo são inseparáveis”).
O novo ministro chamou Lula de “sapo barbudo” e classificou o Marco Civil da Internet de “um entrave do populismo dito bolivariano contra a liberdade de expressão”.
“Ele pode ser acusado de qualquer coisa, menos de falta de erudição e falta de produção intelectual”, diz José Pio Martins, reitor da Universidade Positivo, que comprou a desconhecida Faculdade Arthur Thomas, onde Rodríguez dá aulas de Relações Internacionais.
Ele revela que na juventude o futuro ministro era “esquerdista”. “Agora ele acredita numa educação clássica muito forte, conservadora, que ensina línguas, matemática.”
Segundo pessoas que conviveram com ele em Juiz de Fora, onde lecionou na universidade federal, o futuro ministro sempre foi um homem cordato no trato pessoal e posições políticas bem definidas.
Quando chegou à cidade, em 1985, a UFJF tinha poucos doutores em seu corpo docente. Com um diploma de doutorado em Filosofia pela Universidade Gama Filho, ele se destacou.
De acordo com ex-colegas, a carreira de professor por lá foi discreta. Seu maior esforço de ação na área institucional, a criação de um curso de mestrado em Filosofia, fracassou.
Recentemente, na Faculdade Arthur Thomas, ajudou a organizar um novo curso de Relações Internacionais, do qual seria o coordenador. Por ironia, a documentação espera aprovação do novo ministro da Educação.
Biografia avalia influência do Barão de Rio Branco na diplomacia atual
O Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece resistir a qualquer grupo que esteja no poder
Marcos Guterman, O Estado de S.Paulo
01 Dezembro 2018 | 16h00
Houve considerável burburinho em torno da nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro das Relações Exteriores do futuro governo de Jair Bolsonaro. As controvertidas opiniões externadas no passado recente por esse jovem diplomata a propósito de grandes questões globais — e do lugar do Brasil no mundo — ganharam enorme destaque, não somente porque serviram para revelar algo do pensamento do futuro chefe da diplomacia nacional, mas principalmente porque, na avaliação de vários especialistas, tal pensamento, se convertido em ação, ameaçaria romper a preciosa tradição diplomática brasileira.
Para começar, Ernesto Araújo manifestou admiração incondicional pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, para o chanceler de Bolsonaro, é nada menos que o salvador do Ocidente – espécie de instrumento de Deus para impedir a completa corrupção dos valores nacionais e cristãos pelo que ele chama de “globalismo”. Diferentemente da globalização, o “globalismo” seria a expressão de um império burocrático supranacional, de inspiração marxista, capaz de ditar normas em outros países, muitas vezes à revelia dos seus povos. Esse império se manifestaria na forma de organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas ou a Organização Mundial do Comércio, e de entidades políticas, como a União Europeia, mas também na forma de imposição de valores globais supostamente contrários aos costumes mais caros de cada nação. Portanto, não seriam apenas os Estados-nação que estariam sob ameaça; é a própria ideia de família, na acepção cristã e ocidental, que correria risco mortal.
Ilustração do Barão do Rio Branco na capa da revista 'O Malho' de agosto de 1908 Foto: O Malho
Não é preciso detalhar mais essa visão de mundo para supor que, se transformada em guia da política externa brasileira, faria do Itamaraty algo radicalmente diferente do que é hoje e do que foi quase sempre desde a instauração da República. Por esse motivo, mais do que nunca, é preciso saber que tradição diplomática brasileira é essa para se ter uma noção do que o País está prestes a perder, caso a ideologia antiglobalista seja convertida em orientação oficial para os embaixadores do Brasil ao redor do mundo.
Um excelente começo é a leitura do livro Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, biografia daquele que é considerado o fundador da diplomacia nacional tal como a conhecemos. O autor do trabalho é o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, que já produziu outras obras importantes baseadas na vida e na trajetória desse imenso personagem da história do Brasil. Seu novo livro, contudo, é bem mais ambicioso, pois está claro que o biografado não é apenas o Barão do Rio Branco, mas a própria doutrina que rege as relações do Brasil com o resto do mundo.
Assim, Villafañe não deixa de contar em detalhes as agruras financeiras do perdulário Juca Paranhos, suas aventuras boêmias no cabaré Alcazar, no Rio de Janeiro, e seu rumoroso relacionamento com uma dançarina belga, com quem teve cinco filhos e cujo matrimônio só oficializou depois de 17 anos de relacionamento. Essas saborosas informações conferem humanidade à imagem do calvo e bigodudo senhor que estampou a cédula de mil cruzeiros, que circulou de 1978 a 1989 e, apropriadamente, era conhecida como “barão”. Mas a biografia de Rio Branco vai muito além das questões pessoais ou de sua fama; lá está a gênese da essência do pensamento diplomático brasileiro.
Essa essência, conforme demonstra Villafañe, está na suposta indisposição atávica do Brasil para o confronto. A genialidade de Rio Branco, a julgar pelo que vai nas páginas dessa biografia, foi a de transformar em virtude a evidente fragilidade brasileira – sempre às voltas com magros orçamentos para o setor de Defesa e com o crônico despreparo de suas Forças Armadas para a eventualidade de uma guerra. Sem ter condições de se impor pela força, a despeito de seu gigantismo, o Brasil de Rio Branco, entre o final do século 19 e o início do século 20, apresentou-se ao mundo como uma nação inclinada à “bonomia”, isto é, com espírito naturalmente voltado para o diálogo.
Ao protagonizar algumas das mais importantes negociações de fronteiras com vizinhos e com as potências imperialistas da época, Rio Branco não somente ajudou a desenhar o Brasil – o que por si só já lhe garantiria um lugar de destaque no panteão nacional –, mas principalmente forjou no imaginário brasileiro a ideia de que o País repudia o uso da força, resolve litígios na base dos acordos, não tem alinhamento automático com nenhum outro país e advoga firmemente pela não intervenção. Foi assim que os países derrotados pela habilidade de Rio Branco nos contenciosos em que ele se envolveu não se tornaram inimigos; ao contrário, são até hoje firmes parceiros diplomáticos e comerciais, sendo a Argentina o caso mais notável.
Tudo isso foi possível porque Rio Branco de fato acreditava que o Brasil podia fazer valer seus direitos territoriais pela via da negociação, bastando para isso construir argumentos sólidos – algo que demandava trabalho árduo, ampla investigação em documentos históricos e profundos conhecimentos geográficos. Rio Branco, ainda antes de se tornar chanceler, havia se revelado infatigável estudioso das questões fronteiriças nas quais se envolveu. Era, no dizer do autor, o “exército de um homem só” da diplomacia brasileira nesses contenciosos. E o resultado de tamanho esforço foi recompensado pelo reconhecimento de seus contemporâneos por seu trabalho como “reintegrador do Brasil”, nas palavras de Rui Barbosa.
Rio Branco, contudo, hesitou em aceitar o cargo de chanceler quando lhe foi oferecido em 1902 pelo então presidente Rodrigues Alves. Ele temia envolver-se na chamada política dos governadores, que deu poder às oligarquias estaduais – algo que Rio Branco, como bom monarquista, abominava. Tornou-se então ministro das Relações Exteriores com o compromisso de servir não aos partidos políticos resultantes daquele arranjo de poder, e sim ao Brasil – ou, ao menos, às suas convicções pessoais sobre o chamado “interesse nacional”, algo que demandaria uma formulação acima das paixões partidárias. Villafañe demonstra que é justamente esse discurso, a que se pode dar o nome genérico de “evangelho do Barão”, que baliza a ideia consagrada hoje no Itamaraty segundo a qual a política externa não pode se dobrar à política partidária e que a diplomacia é atividade para diplomatas profissionais, e não para políticos.
A importância de Rio Branco na definição das fronteiras nacionais e principalmente no estabelecimento de uma doutrina para a diplomacia brasileira, ajudando o País a encontrar seu “lugar no mundo”, fez do Barão uma figura muito popular em sua época, e além dela.
Mas Rio Branco foi um herói improvável. Monarquista empedernido, saudoso dos tempos da ordem emanada da figura do imperador, aceitou trabalhar pelo fortalecimento da nascente República, e o fez no campo em que se revelaria um gigante, isto é, na busca pela paz duradoura com os vizinhos, o que facilitou o desenvolvimento econômico do regime que ele, a princípio, combatia. Também abdicou de seu europeísmo aristocrático em favor de uma aproximação com os Estados Unidos, que ele via como contraponto ao perigoso imperialismo europeu e como natural e necessária “polícia” para enquadrar os países instáveis da América Latina.
No fundo, Rio Branco nunca abandonou uma visão oligárquica do mundo, segundo a qual certos países, por serem civilizados, tinham a prerrogativa de “civilizar” os que teimavam em não compartilhar os valores ocidentais. Portanto, bastava ao Brasil andar na linha – isto é, respeitar e disseminar esses valores – para nada ter a temer em relação aos Estados Unidos. Mas esse pensamento de Rio Branco é fruto tão somente de seu tempo – em que o imperialismo era a norma. Seu legado extrapola em muito essas circunstâncias. Conforme demonstra Villafañe com brilhantismo, o Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece existir desde sempre e resistir a qualquer grupo que esteja no poder – mesmo aos governos do PT, que com tenacidade pretenderam reduzir a política externa aos fundamentos terceiro-mundistas do lulopetismo.
Com Jair Bolsonaro no poder, essa notável tradição será mais uma vez duramente testada.
O Brasil, que encontra-se numa fase de transição para um novo regime – esperemos que para melhor no terreno econômico, pelo menos –, enfrenta hoje um confronto de narrativas sobre diversos elementos daquilo que poderíamos grosseiramente chamar de "panorama cultural". Também acho que vivemos sob uma espécie de "pensamento único" sob o regime companheiro, entre 2003 e 2016 (e muitas de suas manifestações não cessaram ainda nos meios formadores de opinião). Mas, isso não quer dizer que temos de cair do outro lado, na rejeição de tudo o que havia e na adoção de uma visão conservadora do mundo. O que mais preocupa não é nem a consolidação de alguma "ideologia" que sustentaria o novo regime, pois ideologia significa, basicamente, sistematização de algumas ideias em torno de alguma proposta mais ou menos coerente. Ora, o que temos até aqui é uma grande confusão mental, e na maior parte das vezes a expressão da pura ignorância, se a ignorância consegue se expressar. Tenho um problema básico em relação a essa confusão: tenho alergia à burrice. Consigo debater ideias, mas não me sinto confortável em face da confusão mental atualmente reinante. Monica de Bolle reflete sobre uma dessas confusões mentais, a tal de "ideologia de gênero". Eu só gostaria de ver a inteligência prevalecer. Seria pedir muito? Paulo Roberto de Almeida Brasília, 1/12/2018
O rechaço à chamada ideologia de gênero vem se espalhando na América Latina com o fervor ultraconservador que se alastra como epidemia de fé e de rejeição à ciência
Monica de BolleDiretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University
Sai a figura oculta que é um cachorro atrás, entra o marxismo cultural. Sai a saudação à mandioca, entra a ideologia de gênero. Ricardo Veléz Rodríguez, filósofo, teólogo e futuro ministro da Educação do governo Bolsonaro, condena a tal da ideologia de gênero, que, segundo ele e todos os ultraconservadores de sua estirpe que hoje pipocam mundo afora, é uma afronta aos valores tradicionais cristãos. Trata-se, segundo ele, de ideologia “destinada a desmontar os valores tradicionais de nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da cidadania, em soma, do patriotismo”. Assim como o novo chanceler de Bolsonaro, o futuro ministro da Educação mantém, desde 2009, um blog em que expõe suas ideias. Apropriadamente, o blog chama-se “Rocinante”, cavalo virtual em que monta Vélez Rodríguez para lutar batalhas quixotescas contra moinhos de vento como a “doutrinação de esquerda nas escolas”. Vélez Rodríguez, quem poderia imaginar, quer estocar o vento da ideologia de gênero, trancando-o num armário bem fechadinho.
Mas o que é ideologia de gênero? De acordo com alguns estudos e análises — sérios — da área de gender studies, a ideologia de gênero condenada por setores ultraconservadores mundo afora seria a visão de que gênero não tem relação com diferenças biológicas e de que pode ser simplesmente fruto de uma escolha individual. Segundo os detratores da ideologia de gênero — expressão cunhada por eles —, ela seria linha de pensamento perigosa que poderia contaminar as crianças e destruir a democracia. O movimento antigênero e anti-ideologia de gênero marcou presença nos ataques à visita da filósofa Judith Butler ao Brasil há pouco mais de um ano, no repúdio ao referendo sobre o acordo de paz do ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos com as Farc em 2016, nas campanhas pela reforma da constituição distrital no México em 2017 e durante a votação final sobre a lei que acabaria com a proibição da interrupção da gravidez promulgada por Augusto Pinochet no Chile, também em 2017. Esses são apenas alguns exemplos de como o rechaço à chamada ideologia de gênero vem se espalhando na América Latina com o fervor ultraconservador que se alastra como epidemia de fé e de rejeição à ciência.
Sobre a ciência, não resisti e fui reler trechos do fabuloso livro da antropóloga Margaret Mead publicado em 1935, Sexo e temperamento. Para escrever sua obra, Mead viajou para a Papua-Nova Guiné, espécie de paraíso dos antropólogos devido à imensa diversidade étnica e cultural do arquipélago ao norte da Austrália. Meu interesse pelo país é antigo — o visitei em quatro ocasiões diferentes no ano de 2001 e lá permaneci durante um mês a cada visita. Portanto, passei quatro meses na Papua-Nova Guiné, país que muitos brasileiros provavelmente não saberão localizar no mapa. Fui parar lá pois na época trabalhava no Fundo Monetário Internacional e precisávamos monitorar o empréstimo que havíamos dado ao governo da Nova Guiné. Foi o país mais fascinante que visitei, mas divago.
Margaret Mead foi para lá no início dos anos 30 e ficou por dois anos para conduzir uma pesquisa pioneira sobre a consciência de gênero. Seu objetivo era descobrir em que medida diferenças de temperamento entre os sexos eram culturalmente, não biologicamente, determinadas.
A Papua-Nova Guiné é o país ideal para estudar culturas isoladas, pois o terreno montanhoso da ilha principal, a densa floresta e a falta de infraestrutura — até hoje, só há estradas num raio de cerca de 20 quilômetros da capital, Port Moresby — tornavam muito difícil o contato entre diferentes povos primitivos. Ao estudar três culturas diferentes, Mead encontrou divergências significativas nos padrões de temperamento observados em homens e mulheres. Em um dos povos, homens e mulheres mostravam-se dóceis, gentis e cooperativos. Em outro, a mulher era agressiva, dominadora, enquanto o homem era submisso e emocionalmente dependente. No terceiro, tanto homens quanto mulheres mostravam-se violentos e agressivos, em luta constante por poder e posição hierárquica. O trabalho pioneiro de Mead revelou as profundas diferenças entre o sexo biológico e a construção cultural do que entendemos por gênero. Desde então, a literatura científica corroborou sua pesquisa e a ampliou enormemente.
Concluo esse artigo com duas reflexões. A primeira: como seria bom se o novo ministro da Educação passasse dois anos na selva da Nova Guiné. A segunda: “Super vitamina dos reflexos, tão complexos de ambos os sexos”. Dá um Close nela.
Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics
Um dos jornalistas que revelou o relatório secreto de Krushev, no XX Congresso do PCUS, que denunciou os crimes de Stalin, relata aqui a atmosfera e o contexto no qual, numa União Soviética ainda basicamente stalinista, ele, e alguns outros jornalistas ocidentais, conseguiram trazer ao público ocidental o conteúdo quase completo do famoso relatório feito em sessão especial desse congresso, e que não deveria ser revelado para não causar comoções (como causou, na Polônia e sobretudo na Hungria) e retirar legitimidade ao movimento comunista internacional. Os maoístas nunca perdoaram aos soviéticos essa "traição", pois isso seria condenar igualmente os crimes de Mao Tsé-tung. O próprio PCB não ficou imune ao relatório, e vários comunistas brasileiros começaram a dissentir da liderança semi-stalinista de Luiz Carlos Prestes, alguns para a "direita" – ou para a liberdade, simplesmente –, outros para a esquerda, como os "maoístas" do PCdoB. O universo comunista nunca mais seria o mesmo... Paulo Roberto de Almeida Brasília, 1 de dezembro de 2018
Fifty years ago Nikita Khrushchev shocked the Soviet Union by denouncing Stalin in a special address to Communist party comrades. The text, detailing the dictator's crimes, was smuggled out of Moscow and later published in full in The Observer. John Rettie recalls his part in the mission and reflects on a pivotal episode of the 20th century.
The sublime strains of Sibelius echoed off the walls of my Moscow flat as Kostya Orlov unfolded Nikita Khrushchev's grim tale of the obscene crimes committed by his predecessor, Josef Stalin. It was an evening half a century ago, a week or so after Khrushchev had denounced the horrors of Stalin's rule to a secret session of the Soviet Communist Party's 20th Congress.
That was only three years after the death of Stalin, mourned by the great majority of Soviet citizens, who saw him as a divine father. So soon afterwards, here was their new leader telling them they had made a cataclysmic error: far from divine, Stalin was satanic. The leaders who inherited the party from the old dictator agreed that Khrushchev should make the speech only after months of furious argument - and subject to the compromise that it should never be published.
Its consequences, by no means fully foreseen by Khrushchev, shook the Soviet Union to the core, but even more so its communist allies, notably in central Europe. Forces were unleashed that eventually changed the course of history. But at the time, the impact on the delegates was more immediate. Soviet sources now say some were so convulsed as they listened that they suffered heart attacks; others committed suicide afterwards.
But when Kostya Orlov, a Russian contact I now suspect was working for the KGB, phoned me that evening in early March 1956, I knew little of all this. For the 10 days of the congress, the handful of Western correspondents in Moscow had read speeches that roundly condemned 'the cult of personality', a well-understood code meaning Stalin. The party's Central Committee building hummed with activity on the night of 24 February, its windows blazing with light well into the small hours. But why, we wondered, was this going on after the congress had formally closed? It was only years afterwards that it became clear that the party leadership was still arguing about the text of the speech to be made by Khrushchev the next morning to a secret session of party delegates.
In the next few days diplomats of central European communist states began to whisper that Khrushchev had denounced Stalin at a secret session. No details were forthcoming. I was working as the second Reuters correspondent in Moscow to Sidney Weiland, who - more for form's sake than anything - tried to cable a brief report of this bald fact to London. As expected, the censors suppressed it.
Then, the evening before I was due to go on holiday to Stockholm, Orlov telephoned to say: 'I've got to see you before you go.' Hearing the urgency in his voice, I told him to come round at once. As soon as he said why he had come, I deemed it wise to confuse the microphones we all thought we had in our walls by putting on the loudest record I had. So, through soaring trombones, Orlov gave me a detailed account of Khrushchev's indictment: that Stalin was a tyrant, a murderer and torturer of party members.
Orlov had no notes, far less a text of the speech. He told me that the party throughout the Soviet Union heard of it at special meetings of members in factories, farms, offices and universities, when it was read to them once, but only once. At such meetings in Georgia, where Stalin was born, members were outraged at the denigration by a Russian of their own national hero. Some people were killed in the ensuing riots and, according to Orlov, trains arrived in Moscow from Tbilisi with their windows smashed.
But could I believe him? His story fitted in with what little we knew, but the details he had given me were so breathtaking as to be scarcely credible. It is easy now to think that everyone knew Stalin was a tyrant, but at that time only an unlucky minority in the USSR believed it. And to accept that Khrushchev had spoken of this openly, if not exactly publicly, seemed to need some corroboration - and that was not available.
There was another problem, too. 'If you don't get this out, you're govno [shit],' he told me. That sounded like a clear challenge to break the censorship - something no journalist had done since the 1930s, when Western correspondents would often fly to Riga, capital of the still independent Latvia, to file their stories and return unscathed to Moscow. But Stalin had ruled with increasing severity for two more decades since then, and no one would have risked it in the 1950s.
Feeling unable to resolve this problem on my own, I called Weiland and arranged to meet him in the centre of town. It was intensely cold, but we stayed outside where there were no microphones. Thick snow lay on the ground but we tramped through it, pausing only now and then for me to consult my notes under the streetlamps. We noted that Orlov had often given me scraps of information that had always proved correct, though not of major importance. His story fitted with the limited reports circulating in the Western community. And we noted that a temporary New York Times correspondent was leaving the next day and would certainly write about these reports. So we could be beaten on our own, far better, story. We decided we had to believe Orlov.
Next morning, I flew to Stockholm from where I called Reuters' news editor in London. My name, I insisted, must not appear on either story, and they should both have datelines other than Moscow: I did not want to be accused of violating the censorship on my return to Moscow. Then, after several hours writing up my notes, I dictated the two stories over the telephone to the Reuters copytaker. Still nervously determined to conceal my identity, I assumed a ridiculous American accent. The ploy failed dismally. 'Thank you, John,' he signed off cheerfully.
Back in Moscow, everything continued as before. During that summer of 1956, Khrushchev's thaw blossomed and Muscovites relaxed a little more. But in central Europe the impact of the speech was growing. By autumn Poland was ready to explode and in Hungary an anti-communist revolution overthrew the Stalinist party and government, replacing them with the short-lived reformist Imre Nagy.
In Moscow, the Soviet leaders were thrown into turmoil. For six weeks not one appeared at any diplomatic function. When they reappeared they looked haggard and older. This was especially true of Anastas Mikoyan, Khrushchev's right-hand man, who had constantly urged him on to greater reforms. According to his son, Sergo, that was because Mikoyan had spent long days in Budapest desperately trying to save the Nagy regime, without success. In the end, the diehard conservatives won the argument, insisting that for security reasons the USSR could not let a neighbouring country leave the Warsaw Pact. Khrushchev and Mikoyan reluctantly agreed it should be crushed .
In the West, the impact of the speech received a colossal boost from the publication of the full, albeit sanitised, text in The Observer and the New York Times. This was the first time the full text had been available for public scrutiny anywhere in the world. Even local party secretaries who read it to members had to return their texts within 36 hours. (Those texts were also sanitised, omitting two incidents in the speech that Orlov related to me.)
According to William Taubman, in his masterly biography of Khrushchev, the full text leaked out through Poland where, like other central European communist allies, Moscow had sent an edited copy for distribution to the Polish party. In Warsaw, he said, printers took it upon themselves to print many thousand more copies than were authorised, and one fell into the hands of Israeli intelligence, who passed it to the CIA in April. Some weeks later the CIA gave it to the New York Times and, apparently, to The Observer's distinguished Kremlinologist, Edward Crankshaw.
Exactly how he obtained it is not recorded. But on Thursday, 7 June, at a small editorial lunch traditionally held every week in the Waldorf Hotel, Crankshaw 'modestly mentioned that he had obtained complete transcripts of Khrushchev's speech', according to Kenneth Obank, the managing editor. The meeting was galvanised. Such a scoop could not be passed over and, with strong support from David Astor, the editor, as well as Obank, it was agreed that the full 26,000 words must be published in the following Sunday's paper.
This was a heroic decision bordering, it seemed, on folly. In those days everything had to be set in hot metal to be made up into pages. By that Thursday, according to Obank, 'half the paper had been set, corrected and was being made up. Worse, we found that we would have to hold out almost all the regular features - book reviews, arts, fashion, bridge, chess, leader-page articles, the lot. The Khrushchev copy, page by page, began flowing. As we began making up pages, it became clear that still more space would be needed, so we gulped and turned to the sacred cows - the advertisements.' Seven precious columns of advertising had to be discarded. An endless number of headlines, sub-headings, cross-heads and captions had to be written as the copy wound its way through the paper.
But the gamble paid off. Reader response was enthusiastic. One said: 'Sir, I am just a chargehand in a factory, hardly a place where you might expect The Observer to have a large circulation. But my copy of the Khrushchev edition has been going from hand to hand and from shop to shop in the administration offices, transport etc. I was quite amazed at the serious interest shown as a result of the very minute examination of the speech.'
The paper sold out and had to be reprinted. That, surely, was justification for the extraordinary decision to print the full text at three days' notice. 'Minute examination' greatly contributed to the thinking that eventually gave birth to reformist 'Euro-communism'.
Khrushchev was clearly shaken by developments. His opponents gained strength, and in May 1957 came within an ace of ousting him. When a majority in the Presidium of the Central Committee (the Politburo) voted to depose him, only his swift action to convene a full Central Committee meeting gave him a majority. It was his opponents, notably the veteran Vyacheslav Molotov and Lazar Kaganovich, who were deposed.
But seven years later the conservatives did succeed in ousting him. Twenty years of Leonid Brezhnev followed, during which the clock was turned back, if not to full-scale Stalinism, at least part of the way. But there were Communists who never forgot Khrushchev, and in particular his 'secret speech'. One was Mikhail Gorbachev, who had been a student at Moscow University in 1956. When he came to power in 1985 he was determined to carry on Khrushchev's work in reforming the Soviet Union and opening it to the rest of the world. More than once he publicly praised his predecessor for his courage in making the speech and pursuing the process of de-Stalinisation.
Some may doubt that Stalin's Soviet Union could ever have been reformed, but Khrushchev was not among them - and neither, indeed, was Gorbachev. But after two decades of decay under Brezhnev, even he could not hold the country together. It can well be argued that the 'secret speech' was the century's most momentous, planting the seed that eventually caused the demise of the USSR.
What Muscovites think about Khrushchev now
Marina Okrugina, 95, former Gulag prisoner 'I was born in Siberia in 1910. My father had been exiled there in Tsarist times after killing a Cossack who attacked a workers' demonstration that he was taking part in. In 1941 I was working in Mongolia as a typist for a group of Soviet journalists. They were producing a newspaper to be distributed in Manchuria with the hope of making the Chinese sympathetic to us. But the censor decided it was a "provocation". We were all arrested and sent to the Gulag. When the war started the men were sent to the front and I was left behind. I spent eight years in the camps. In 1945 I got word that my two sons had died in the Leningrad blockade and my husband had perished fighting in Smolensk. I was released in 1949, but not allowed to live in the 39 biggest cities in the Soviet Union. I stayed in the Far East and had to report to the police every week. I had no life. My only friends were former inmates. When Stalin died in 1953 we closed the door tight and danced with joy. Finally, in 1956, a few months after Khrushchev's speech, I was fully rehabilitated. My life changed. I could travel. I got a decent job and pension. We former prisoners were very thankful for Khrushchev's bravery.'
Dima Bykov, young intellectual 'Stalin couldn't do anything without fear, a loathsome dictator. Khrushchev was more a dictator of stupidities. My attitude to him is rather sympathetic and warm. He returned life to millions of people. But in reality it was a very bad freedom under Khrushchev. Only people like the Soviets who had had the horrifying experience of dictatorship for 30 years could have been happy with the thaw. Khrushchev squandered his chance. No one knew where the country was going. There were placards everywhere with Lenin saying: "Take the right road, comrades!" But in which direction?'
Fyodor Velikanov, 21, student 'Stalin wasn't all bad. He possessed decisiveness. He was strict and efficient, and he could make quick decisions, even if they weren't always the right ones. It's very difficult for me to evaluate what life was like under Stalin. I only know it from books and what my relatives told me. What do I know about Khrushchev? Well, he was famous for doing impulsive things like wanting to plant maize everywhere. And the time he banged his shoe on the table [at the UN in 1960]. Some people say that President Vladimir Putin is a dictator, but I think it's incorrect. Although there were a few good characteristics which Stalin had that Putin also has.'
Nikita Khrushchev, 45, journalist, grandson of the Soviet leader 'Grandpa was a kind man, but very demanding. When he retired he asked me to help to repaint a greenhouse at his dacha in Petrovo Dalnee. Afterwards, he checked every detail to show me where I had painted badly. Of course, he participated in the repressions, but the fact that he dared expose Stalin was courageous. Half his speech was improvised - he was sharing his own recollections. He believed in the inevitable failure of capitalism. Someone described him as the "last romantic of communism" and I agree with that.'
Professor Oksana Gaman-Golutvina, expert on Russian elites 'By the time Khrushchev came to power, the country was tired of fear. He understood this. And he had a sincere aspiration to ease the pain of the people. Before his speech in 1956 there was already a consensus for change among the elite. The people themselves could not be the engine of change because they were struggling for survival. But despite his speech Khrushchev was a child of Stalin. He had a similar mindset: there are two opinions in the world, mine and the wrong one. His absurd agricultural projects and his foreign policy gaffes meant the country got no peace.'
Aos 80 anos, conquistas e desafios do GSI - artigo do General Etchegoyen no Estadão
O atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sergio Etchegoyen, comemora os 80 anos de criação formal da Casa Militar da Presidência da República, base do atual GSI, como uma história de êxito na defesa da presidência da República e da segurança do Estado. Cabe sempre analisar com frieza e isenção as diversas fases dessa instituição central no processo decisório em grau máximo do Estado brasileiro, e eu faria uma avaliação muito circunstanciada da atuação dessa agência, e de seu órgão subordinado, a ABIN, na fase desastrosa do lulopetismo em nosso país, quando essas instituições foram INCAPAZES de prevenir o Estado contra ataques ao seu patrimônio e funcionamento por parte de milícias organizadas, como o MST e acólitos do mesmo gênero, numa grande conivência, senão cumplicidade, por parte dos próprios chefes de Estado, durante o período em que uma organização criminosa ocupou o Estado e comandou aos destinos do país. Onde estava o GSI durante essa época, o que faziam os seus dirigentes, o que informavam os seus agentes de inteligência? Ainda espero respostas.
Neste 1.º de dezembro, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) completa 80 anos de bons serviços prestados ao Brasil. A história do órgão é o resultado da longa maturação, através das décadas, de uma ideia tão simples quanto intuitiva: a de que o chefe de Estado, num país da complexidade e das dimensões do Brasil, não pode prescindir de assessoria pessoal e direta em questões atinentes à segurança nacional.
Esse foi o raciocínio que inspirou o Decreto-Lei n.º 920, de 1.º de dezembro de 1938, que bipartiu a estrutura da Presidência da República num Gabinete Civil e um Gabinete Militar. Dentre as funções herdadas pelo segundo estava a de coordenar os trabalhos do Conselho de Segurança Nacional, órgão que havia sido criado em 1927 para o “estudo e coordenação de informações sobre todas as questões de ordem financeira, econômica, bélica e moral relativas à defesa da Pátria”.
Outra atribuição por excelência do Gabinete Militar, ainda hoje desempenhada pelo GSI, era a de garantir a segurança do primeiro mandatário. A rigor, esse trabalho já vinha sendo desempenhado por um Estado-Maior do presidente da República desde 1891. E nesse labor o coronel Luís Mendes de Morais se tornou herói ao salvar a vida do presidente Prudente de Morais, num atentado perpetrado no cais do Porto do Rio, em 1897.
Ao longo das décadas, esse Gabinete Militar foi chefiado por brasileiros notáveis, que ajudaram a construir a sua história e a sua cultura institucional. Entrementes, suas funções foram se expandindo ao sabor das necessidades. Em 1946, por exemplo, foi na órbita do Conselho de Segurança Nacional que se estabeleceu um Serviço Federal de Informações e Contrainformações (Sfici), o ancestral mais remoto de nossa Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Mais adiante, à medida que se reforçavam a estrutura do conselho e do próprio Gabinete Militar, este assumiu atividades tão variadas quanto dar o “assentimento prévio” a atividades econômicas em “áreas indispensáveis à segurança nacional” ou coordenar a governança de programas estratégicos para o desenvolvimento nacional, como o programa nuclear ou o aeroespacial.
Após assumir a chefia de Estado, o presidente Michel Temer rapidamente demonstrou subscrever o raciocínio que inspirou a criação do que hoje chamamos GSI. Como deputado constituinte, ele próprio, em 1988, ajudou a assentar o entendimento de que aquele antigo Conselho de Segurança Nacional, agora rebatizado Conselho de Defesa Nacional, tem por objetivo orientar o presidente da República “nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático”. Natural, portanto, que o Gabinete de Segurança Institucional, que continua a coordenar os trabalhos daquele organismo, tivesse de se preparar adequadamente para cumprir as suas funções.
De lá para cá, os progressos mais notáveis se deram no domínio da inteligência. Em pouco mais de dois anos pudemos iniciar a recomposição do quadro de pessoal da Abin e expandir a sua presença internacional, hoje escorada em 20 adidâncias pelo mundo (vocação natural de uma agência de inteligência de Estado).
Para além disso, nesse mesmo período a atividade de inteligência experimentou um enorme aperfeiçoamento legal. Com a adoção de uma Política Nacional de Inteligência, em junho de 2016, e dos documentos subsidiários que a complementam, a comunidade de inteligência passou a contar com um referencial normativo muito mais claro sobre que riscos e ameaças deve monitorar na defesa dos valores do próprio Estado democrático.
Essa foi apenas uma das manifestações da atenção que o atual presidente dispensou às atividades coordenadas pelo GSI. Muito desse zelo se deve ao reconhecimento do patriotismo com que os profissionais do Gabinete de Segurança Institucional o assessoraram na tomada de decisões de Estado. Mas outro tanto se deve à correta percepção de que um país como o Brasil, com a inserção internacional que as suas próprias dimensões lhe impõem, e com os enormes desafios postos à sua segurança e ao seu desenvolvimento, precisa aprimorar continuamente seu processo de reflexão e decisão acerca dos temas mais estratégicos.
Consideremos temas como o tráfico internacional de drogas e armas, que estão na gênese da insegurança que campeia em todas as regiões do nosso país; pensemos na grave crise política e social vivida por um país vizinho e amigo, caso da Venezuela, e nas repercussões dramáticas que essa situação impôs a uma das regiões mais remotas do nosso país, com o afluxo inaudito de migrantes; levemos em conta a necessária coordenação de ministérios e agências imprescindíveis para que avancemos em nossos programas nuclear ou aeroespacial, em pleno respeito aos nossos compromissos internacionais; tenhamos em mente, por fim, a conveniência de atualização de nosso marco normativo sobre a exploração de recursos estratégicos, tais como o urânio e o nióbio – e concluiremos que o Conselho de Defesa Nacional será cada vez mais um elemento imprescindível no processo decisório de mais alto nível em nosso país.
Investir-se plenamente dessa função, chamando a si a obrigação de trazer à mesa, regularmente, todos os ministérios e agências competentes, para daí extrair os elementos que ajudarão o chefe de Estado na tomada de decisão, esse é o maior desafio posto à atuação futura do GSI. À luz da experiência acumulada em 80 anos de atuação, e graças aos avanços obtidos nos últimos dois anos, parece claro que o Gabinete de Segurança Institucional está inteiramente capacitado para exercê-la a contento, mantendo em evidência o compromisso expresso no seu lema: “Trabalhar para a garantia da segurança do Estado Brasileiro”.
*GENERAL DE EXÉRCITO, É DESDE MAIO DE 2016 O MINISTRO-CHEFE DO GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Finalmente foi lançado, na manhã desta sexta feira 30/11, na companhia do meu querido amigo Sérgio Abreu e Lima Florêncio, embaixador brasileiro, o livro feito no âmbito do IPEA, com pesquisadores do Instituto e acadêmicos, depois reorganizado pelo Sérgio, com a colaboração de diplomatas: