O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820 - Lisboa, 11-13/10/2021

Recebi esta comunicação dos organizadores deste 

Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820


Caro(a)s participantes no Congresso,


Voltamos ao contacto convosco para reiterar o nosso empenho na organização do Congresso comemorativo da revolução liberal de 1820.

Neste ano tão atípico, e com tantas perturbações ao normal funcionamento de encontros académicos nacionais e internacionais, o adiamento deste Congresso tornou-se inevitável.


Agradecemos a vossa compreensão e a vossa disponibilidade para estarem presentes no próximo ano, nos dias 11 a 13 de outubro de 2021.

Recordamos que a lista das comunicações aprovadas e respetivos resumos é a que consta da página do Congresso - https://cbr1820.com/programa/ .

Pedimos a todos os autores que enviem as suas comunicações até dia 31 de maio de 2021. As regras relativas à extensão e formato dos textos são apresentadas no ficheiro em anexo.


Estamos certos que o adiamento não perturbará o alcance que este Congresso vai ter, atendendo à qualidade das comunicações agendadas.

Oportunamente enviaremos informações adicionais sobre a organização do Congresso. E iremos também disponibilizar algumas notícias na página oficial. 


A todos desejamos um Bom Natal e um Novo Ano sem os constrangimentos dos últimos meses.


Cumprimentos calorosos


A Comissão Organizadora do CBR1820

Comissão Organizadora: Miriam Halpern Pereira (ISCTE-IUL), Presidente. Jorge Fernandes Alves (UPorto/FL), Ana Cristina Araújo (UCoimbra/FL) José Luís Cardoso (ULisboa/ICS), Zília Osório de Castro (UNL/FCSH), Maria Alexandre Lousada (ULisboa/FL), Luís Espinha da Silveira (UNL/FCSH).

Comissão Científica: José Viriato Capela (UMinho), Fátima Sá e Melo Ferreira (ISCTE-IUL), Sérgio Campos Matos (ULisboa/FL) Maria Fátima Nunes (UÉvora), José Miguel Sardica (UCP/FCH), Cristina Nogueira da Silva (UNL/FD), Maria Beatriz Nizza da Silva (USP), Susana Serpa Silva (UAçores), Luís Reis Torgal (UCoimbra/FL), Isabel Vargues (UCoimbra/FL), Telmo Verdelho (UAveiro).

Apoio de Secretariado: Ricardo de Brito (ULisboa/FL), Joana Paulino (UNL/FCSH) e Sofia Rocha (ISCTE-IUL/CIES)


PAINÉIS TEMÁTICOS: LISTA DAS COMUNICAÇÕES ACEITES


Informações e contactos: cbr1820@gmail.com


Estou inscrito logo no primeiro painel, com 16 outros participantes: 

As revoluções na América do Sul 

The revolutions in South America [17]

As revoluções na América do Sul

Coordenação:
Ana Frega

anafrega@fhuce.edu.uy

Universidad de la República de Uruguay, Instituto de Ciencias Históricas
Lúcia Maria Bastos P. Neves

lubastos52@gmail.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de História
Maria Beatriz Nizza da Silva

mclaudio5@gmail.com

Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Com este painel, pretende-se recuperar os ecos gerados nas antigas colónias ibero-americanas pela Revolução de 1820 em Portugal e pelos movimentos liberais em outras partes da Europa nesse período. Tem-se em vista uma mais precisa caracterização da cultura política que então surgia e das reações que provocava. Valoriza-se a utilização de novas fontes, como a literatura de circunstância, a imprensa e qualquer documentação privada.

Em primeiro lugar, buscam-se os múltiplos ecos do constitucionalismo nas desarticuladas províncias do Reino do Brasil, que integrava, desde 1815, o Reino Unido com Portugal e Algarves; na Cisplatina, então inserida neste espaço; e também nos demais países em formação da América meridional. Em segundo lugar, o aprofundamento das discussões, já em curso para essa região geográfica, em torno de conceitos como constituição, liberdade, política, soberania, nação e religião, assim como das linguagens políticas do liberalismo a que se recorriam na conjuntura, indicando a circulação de ideias entre os dois lados do Atlântico. Em terceiro lugar, a análise das associações, festas, símbolos e rituais associados ao constitucionalismo. E, por fim, o reexame da historiografia, que tendeu a atribuir um duplo carácter à Revolução de 1820: liberal na Europa e recolonizadora na América.

Meu paper: 

A revolução liberal de 1820 como precursora da independência do Brasil: o papel do Correio Braziliense de Hipólito da Costa

THE 1820 LIBERAL REVOLUTION AS A PRECURSOR TO BRAZILIAN INDEPENDENCE: THE ROLE OF HIPOLITO DA COSTA’S CORREIO BRAZILIENSE

Paulo Roberto de Almeida
Programas de mestrado e Doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub); Ministério das Relações Exteriores do Brasil

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823), natural de Sacramento, criado no Brasil, teve sua carreira de assessor de D. Rodrigo de Souza Linhares precocemente amputada pela Inquisição portuguesa. Ao refugiar-se na Inglaterra desde 1805, tornou-se o criador, redator e editor do Correio Braziliense: foi o primeiro jornal verdadeiramente independente do futuro Estado brasileiro, que ele passou a ver como a sede de um grande império luso-brasileiro geograficamente transcontinental, quadro de um governo monárquico-constitucional que ele augurou desde o deslanchar da revolução no Porto. Por meio do seu “armazém literário” seguiu os trabalhos das Cortes de Lisboa a partir dos quais, ao ver a redução do Brasil a status anterior de colônia, não hesitou em aderir, ainda que tardiamente, à tese da independência de sua pátria de origem. O Correio foi importante do ponto de vista das lutas políticas e jornalísticas, pela liberdade de expressão e no controle das autoridades. Quando dos episódios de 1807-1808, refletindo sobre os destinos do Brasil, ele não hesitou em apontar os caminhos que se abriam à nação que passava a acolher a corte metropolitana, que ele julgava que deveria aperfeiçoar-se na melhoria dos costumes e da moral pública, assim como empenhar-se em livrar-se da nódoa do tráfico e do opróbio da escravidão. Acompanhando a marcha dos acontecimentos no Brasil desde a partida de D. João VI e a assunção de D. Pedro como príncipe regente, Hipólito não deixa de recomendar importantes mudanças quanto à forma de melhor governar o Brasil, na suposição inicial de que Brasil e Portugal deveriam permanecer unidos. Ele não se opôs à constituição de um Estado brasileiro, apenas se pronunciava pela unidade do Império, vendo o Brasil como o centro de uma grande unidade de propósitos entre as diferentes partes dos imensos domínios marítimos de Portugal, a base provável de uma nação espalhada em vários continentes, podendo colocá-la quase em igualdade de condições com outros impérios existentes ou em formação. Na fase final de seu trabalho como editor do Correio Braziliense, em julho de 1822, Hipólito veio a assumir novo posicionamento, já que ele era favorável, até a ocorrência da revolução do Porto e a “constituinte” portuguesa, à continuidade da união política entre Portugal e o Brasil sob a forma de uma monarquia constitucional. Temia acima de tudo uma “independência intempestiva” ou o retorno do Brasil a uma situação de colônia. Sua mudança de atitude se deu no quadro dos debates nas Cortes portuguesas, quando são discutidas diversas medidas no sentido de “recolonizar” o Brasil. Quando esse Estado se constituiu de forma autônoma ao governo de Portugal, evolução, aliás, à qual ele não se opôs de maneira definitiva, ele estava pronto para servir à nova nação, mesmo na condição  meramente instrumental de cônsul na Grã-Bretanha, início provável de uma carreira de estadista que o teria levado de volta à terra natal. Ele foi designado cônsul do Brasil na Grã-Bretanha no início de 1823. Sua morte precoce impediu-o de desempenhar um papel de estadista e diplomata brasileiro.

Palavras-chave:

Hipólito da Costa, Correio Braziliense, Revolução do Porto, Independência do Brasil, Cortes de Lisboa, Império Luso-Brasileiro


Hipolito José da Costa Pereira (1774-1823), born in Sacramento, raised in Southern Brazil, was a young assistant to D. Rodrigo de Souza Linhares, whose career was precociously cut short by the Inquisition. Exiled in England from 1805 onwards, he created the first, truly independent, Brazilian newspaper, Correio Braziliense. He conceived, at the onset of Oporto Liberal revolution, a great role for his birth country, which he considered the siege of a great Luso-Brazilian Empire, under a united constitutional monarchy. Following attentively the debates at the Lisbon Cortes, pointing to the retrocession of Brazil back to a colonial status, he adhered, albeit at a later stage, to the independence of Brazil. From a point of view of political and media debates, Correio was really important, as it followed (and censored) the Crown and ministers’ activities. Printing and distribution in Portugal and Brazil – despite the censorship – started almost immediately after the transfer of the court to Brazil (1807-1808): Hipolito foresaw a new opportunity to upgrade the situation on Brazil, mainly in the political realm and by the elimination of the traffic and the slave system. After the departure of King John VI (1821), pressed by the Lisbon Cortes, and the designation of his son as Regent Prince, Hipolito suggested important changes for the administration of Brazil, while stating that the two parts of the United Kingdom should be kept together under a single monarchy. He was not opposed to the constitution of a Brazilian state, only preferring the unity of a big Empire, within which Brazil would be the center of a big commonwealth of purposes, among the different parts of the huge Portuguese maritime dominions: its spread over many continents would put it at the same level of other empires. During his final phase as publisher of Correio Braziliense, mid 1822, Hipolito started to change somewhat his position as regards the unity between Brazil and Portugal under a single constitutional monarchy. He was afraid of an “early independence” or the going back of Brazil to a new colonial status, as decided within the workings of the Lisbon constitutional assembly.At that point, Brazil was already marching quickly towards Independence, and Hipolito started to put his endeavors at the service of the new nation, deciding to close the Correio by a definitive issue at the end of that year. He would probably start by acting as a Brazilian consul in London, the beginning of new career which could bring him back to the country of his youth or to the inception of a diplomatic assignment. He was formerly chosen as consul in Great Britain at the beginning of 1823, but his early death prevented him to raise as a great statesman or a Brazilian diplomat.

Keywords:

Hipolito da Costa, Correio Braziliense, Oporto revolution, Independence of Brazil, Lisbon Constitutional Assembly, Luso-Brazilian Empire


O caso curioso dos assassinatos inconscientes - Paulo Roberto de Almeida

 O caso curioso dos assassinatos inconscientes

(Mas ainda não solucionados por Hercule Poirot)

Paulo Roberto de Almeida


Da postagem em Twitter de jornalista ou atuante em comunicação:

“Hoje conversei com um médico que atua em um famoso hospital de  SP. 

E ele: 

“Perdi a conta de quantos intubei, você que atua em comunicação, me diz, o que eu preciso fazer para que as pessoas não façam festas e reuniões no fim do ano? O que vc acha que funciona? Faço qualquer coisa!” 

Eu: ...”


PRA: Em algumas circunstâncias, em processos judiciais, o dono da arma também pode ser considerado culpado se não foi responsável o suficiente para evitar uma tragédia. Por exemplo, o adulto que deixou arma carregada em caso de suicídio ou morte indesejada de menor.

Seria igualmente o caso desses disseminadores do virus no caso da morte de inocentes alheios a qualquer evento onde se propagou o virus?

Estamos assistindo à normalização de todo um contingente de irresponsáveis inconscientes?

Deveriam eles ser responsabilizados criminalmente, caso comprovada a transmissão?

Paulo Roberto de Almeida

Sobre a correta caracterização do capitão - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre a correta caracterização do capitão

Paulo Roberto de Almeida


Todos os que me leem (com algumas exceções, sempre tem) são pessoas sensatas, bem informadas, que não se deixam impressionar por rótulos.

Devem saber que o capitão que desgoverna o país não é, nunca foi e nunca será um LIBERAL. Tampouco é um CONSERVADOR, pois para isso precisaria ter um mínimo de instrução política (o que ele NUNCA teve), para distinguir doutrinas (mas isso é coisa de teórico, o que ele nunca foi), ou para simplesmente saber o que deve ser conservado numa sociedade organizada.

Mas, tampouco é um REACIONÁRIO, como querem alguns. Para ser reacionário é preciso saber minimamente o que se quer afastar, em troca de outros elementos, o que tampouco é capaz de saber ou fazer.

Pior do que um reacionário, o capitão é um DESTRUIDOR, pois está ativamente empenhado na destruição de tudo o que existe, sem ter nada para propor no lugar. Reacionários racionais desejam repor algo do passado de volta, no caso teria de ser a ditadura militar. Mas não é, e ele nem sabe fazer: é um destruidor!

O Brasil está entregue a um DESMATELADOR GERAL DA REPÚBLICA, como o chamou o editorial do Estadão desta quinta-feira, 17/12/2020, reproduzido em meu blog Diplomatizzando.

Quem não se concientizar disso, e ainda apoiar ou ser complacente com o capitão degenerado, ou é muito ignorante e desinformado, ou é conivente com a destruição da nação. Em qualquer das hipóteses, está no lugar errado, se por acaso for leitor de minhas postagens.

Apenas para diminuir o volume de postagens subsequentes, agradeço a atenção, mas não creio que caibam mensagens de apoio.

Quanto aos que pretenderiam defender o capitão, ou tentar passar o pano sobre seus comprovados CRIMES, apenas um alerta: DESISTAM, ou serão imediatamente deletados deste espaço.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 17/12/2020

Brasil: uma nação que se suicida lentamente? - Paulo Roberto de Almeida

 Os editoriais do Estadão são cada vez mais contundentes, mas ainda não chegaram naquele ponto de não retorno, depois de 13 de março de 1964, quando vários grandes jornais do país publicaram manchetes e editoriais proclamando o “BASTA” contra Goulart, ou seja, sinalizando para o golpe militar com amplo apoio dos principais governadores, que “seguiram” as consignas do “Movimento das Mulheres pela Família e pela Liberdade” (ou seja, contra o “comunismo”).

Estamos longe disso, e não temos nem governadores, nem militares golpistas. A sociedade assiste inerme, com o Congresso desarticulado, aos golpes que o degenerado aplica todos os dias contra a ética na governança e contra vários princípios e valores civilizatórios.

O que temos, por enquanto é uma sociedade dividida — mas os reais apoiadores do capitão são em número reduzido, sendo a maioria dos que ainda o toleram apenas indiferentes ao bem público — e a continuidade do desmantelamento das instituições pelo “demolidor da República”. 

Aparentemente, a sociedade, o Congresso, as elites civis, militares e econômicas vão continuar assistindo a esse espetáculo grotesco de desgovernança, sem tomar nenhuma atitude ativa contra o capitão que DESTRÓI os fundamentos da República, esperando que em 2022 algum outro salvador providencial esteja em condições de enfrentar e derrotar o capitão para eventualmente tirar o país da atual rota de desastre. Alguns até se aproveitam da fraqueza do homem, e alegam não pretender violar a “normalidade democrática” (como se ela já não estivesse sendo conspurcada todos os dias).

Outras sociedades já passaram por esse tipo de situação: algumas juntaram forças para se salvar, outras se suicidaram lentamente...

Paulo Roberto de Almeida

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O demolidor da República e seus cúmplices 

Editorial | O Estado de S. Paulo (17/12/2020)

Na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com comerciantes da Ceagesp, policiais, militares e o Centrão

Desde sua posse, mas especialmente em meio à pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro não se comportou em nenhum momento como se soubesse o que fazer com o poder que os eleitores lamentavelmente lhe conferiram em 2018. Bolsonaro não preside a República; depreda-a – e nisso é coadjuvado não somente pelos fanáticos camisas pardas bolsonaristas, mas por muitos brasileiros comuns que, por ignorância do que vem a ser uma República, respaldam a vandalização da Presidência e, por extensão, da própria democracia.

Já não é mais possível saber qual dos atentados de Bolsonaro foi o mais grave nos dois anos de seu tenebroso governo, mas a terça-feira passada é forte candidata a entrar para a história como o dia em que o presidente declarou guerra a seus governados. Jamais houve nada parecido com isso em tempos democráticos.

Bolsonaro deu declarações em que explicitamente desencorajou seus compatriotas de tomar a vacina contra a covid-19, fazendo terrorismo acerca de eventuais efeitos colaterais. No dia anterior, Bolsonaro havia informado que, diante das ressalvas dos laboratórios, exigirá de quem queira tomar a vacina a assinatura de um “termo de responsabilidade”. Ele mesmo anunciou que não tomará a vacina, “e ponto final”.

Desde o início da pandemia, a única preocupação de Bolsonaro é livrar-se de qualquer responsabilidade, seja sobre as mortes, seja sobre os problemas econômicos. Mas atribuir aos próprios cidadãos uma responsabilidade que é inteiramente do Estado constitui desfaçatez inaudita até para este governo. Para ser aplicada, qualquer vacina precisa ser autorizada pelos órgãos sanitários competentes, que nesse ato reconhecem sua responsabilidade. Assim, não há nenhuma base jurídica para exigir dos cidadãos um termo de consentimento diante dos supostos riscos.

Mas Bolsonaro nunca esteve preocupado com bases jurídicas ou quaisquer outros pormenores republicanos. Perdeu-se a conta de quantas medidas provisórias, decretos e projetos de lei produzidos por ordem de Bolsonaro foram ignorados, suspensos ou rejeitados pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal por não atenderem aos requisitos mínimos de legalidade e interesse público.

O desdém de Bolsonaro pela República que lhe coube presidir é tamanho que, para ele, nem mesmo sua assinatura vale o papel em que foi escrita. Seu nome chancela o Decreto 10.045, de 4 de outubro de 2019, que determina a inclusão da Ceagesp no Programa Nacional de Desestatização. Contudo, esse mesmo signatário, em tom de comício, subiu num palanque na Ceagesp, na terça-feira passada, para garantir que “nenhum rato” privatizará a companhia. Referia-se, obviamente, ao governador paulista e principal desafeto, João Doria.

Tampouco o princípio republicano da impessoalidade resistiu à ofensiva bolsonarista para aparelhar o Estado com apaniguados a serviço do presidente e de seus filhos. A Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência são hoje comandadas por leais servidores de Bolsonaro, que parecem empenhados em tranquilizar o chefe e sua prole enrolada na Justiça.

Assim, na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com vários outros cúmplices – como os comerciantes que se aglomeraram sem máscara e urraram de excitação com o discurso virulento de Bolsonaro na Ceagesp, os policiais e os militares que o tratam como “mito” em eventos País afora e os políticos do Centrão que lhe dão guarida parlamentar em troca de acesso ao butim do Estado. 

Confortável, Bolsonaro abandonou de vez a fantasia reformista que inventou para se eleger e anunciou que retomará sua agenda deletéria, a começar pela nova tentativa de ampliar a excludente de ilicitude para policiais, um projeto já rejeitado pela Câmara por constituir evidente licença para matar. 

Defender que policiais fiquem fora do alcance da lei para que possam matar à vontade, bem como sabotar os esforços para vacinar a população contra a covid-19, são atitudes típicas de um presidente que, hostil aos princípios republicanos, trata todos os cidadãos da República – com exceção dos que levam seu sobrenome – como inimigos em potencial.


Revista Exame discute a segunda metade do mandato de Bolsonaro - Alessandra Azevedo, Carla Aranha

 

A segunda metade do mandato de Bolsonaro será melhor?

  • O país voltará a crescer na segunda metade do governo Bolsonaro?

Pelo menos uma vez por semana o presidente Jair Bolsonaro costuma viajar pelo país. No dia 11, ele participou da cerimônia do Dia do Marinheiro, em Itaguaí, no Rio de Janeiro. No final de novembro, partiu para Flores de Goiás, uma pequena cidade goiana, para entregar títulos de regularização de posse de propriedades rurais. A despeito da pandemia de covid-19 que já vitimou 181.000 brasileiros, invariavelmente a comitiva de Bolsonaro é aplaudida por onde passa — e o presidente não se furta a tomar um pingado na padaria local e a posar para fotos. Mas, além de elogios de aguerridos apoiadores, o presidente tem recebido pedidos para que o país volte a ter mais empregos e a crescer. A crise econômica gerada pela covid-19 impôs uma contração de 4,4% no produto interno bruto e criou uma massa de quase 14 milhões de desempregados, o que levou a uma taxa recorde de 13,6% de pessoas sem trabalho. Junto veio a perda da renda do trabalhador, que caiu 20%, e o custo de vida encareceu — só a inflação dos alimentos subiu 11% em 2020. Bolsonaro, portanto, inicia a segunda metade de seu mandato diante de um desafio único: arrumar a economia brasileira enquanto precisa vacinar grande parte dos 210 milhões de habitantes.

Como tantos outros países, o Brasil sofreu um revés sem precedentes em 2020 por causa da pandemia. Neste ano, os gastos para socorrer a população e as empresas devem somar 605 bilhões de reais, o que representa quase 9% do PIB. Junto com outras despesas, o déficit fiscal deverá somar 912 bilhões de reais, um recorde. A dívida pública alcançou cerca de 95% do PIB, o que pressiona ainda mais as contas. Do ponto de vista econômico, 2021 deverá ser um ano de passagem entre uma crise profunda e uma expectativa de uma economia mais azeitada apenas em 2022, quando Bolsonaro entrará na reta final de seu mandato, e suas ambições eleitorais estarão mais latentes do que nunca. A expectativa é que o país cresça 2,9% em 2021, segundo estimativas do banco Santander. Num mundo sem pandemia, seria um desempenho bom para a economia brasileira, mas esse número não dá conta de compensar as perdas da crise. “Para o país conti­nuar crescendo, será preciso levar adiante as reformas e trabalhar intensamente para que outras pautas econômicas que ficaram paradas comecem a andar”, diz o analista político Lucas de Aragão, sócio diretor da consultoria Arko Advice.

Os primeiros dois anos de mandato do presidente Bolsonaro tiveram momentos muito distintos. No primeiro ano de governo, em 2019, a maior vitória foi a aprovação da reforma da Previdência, que deverá entregar uma economia de 26,1 bilhões de reais aos cofres públicos já em 2021. Mas a conquista superlativa do presidente foi ofuscada por polêmicas acessórias, como a tentativa de emplacar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), como embaixador nos Estados Unidos. Já o segundo ano do mandato foi engolido pela pandemia e todos os reveses inerentes à crise sanitária. Da aposta na cloroquina ao menosprezo da gravidade da covid-19, o presidente se colocou ora como adversário, ora como coadjuvante no enfrentamento da pandemia. É verdade também que o governo Bolsonaro teve um êxito incontestável: a aprovação do auxílio emergencial que beneficiou 66 milhões de pessoas e se tornou um dos mais ambiciosos programas de alívio dos efeitos da crise no mundo. Ainda que o mérito da aprovação de um valor mais robusto da ajuda seja do Congresso, e não do Executivo, o presidente tem sido recompensado com uma alta aprovação de seu governo — segundo a pesquisa EXAME/IDEIA do início de dezembro, 35% dos brasileiros avaliavam o governo como ótimo ou bom.

interlocução entre o Congresso e o governo na primeira metade do mandato. 

Membros da equipe econômica, como o ministro Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não se furtaram a levar a público discussões sobre temas essenciais para o país, como a proposta de reforma tributária do governo e a PEC Emergencial, que define regras para o controle de despesas e o cumprimento do teto de gastos. No fim, quase nada andou. No dia 15 de dezembro, no fechamento desta edição, Maia ainda cogitava suspender o recesso de fim de ano do Congresso para tentar votar a PEC Emergencial, apresentada originalmente no final de 2019. Já as reformas tributária e administrativa (o objetivo desta última é diminuir o tamanho do Estado brasileiro reduzindo o custo do funcionalismo público) ficaram para 2021. Ambas são consideradas medidas essenciais para a retomada no pós-pandemia.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Desastre diplomatico em Washington: embaixador informa errado sobre eleições (OESP)

 Não esperava isso de Nestor Forster, um rapaz inteligente quando foi meu aluno no Instituto Rio Branco, e que parece ter ficado transtornado por “excesso de olavismo”, um barbitúrico poderoso que embota o pensamento. Dá para se recuperar, desde que se afaste da droga.

Paulo Roberto de Almeida


Embaixador  nos EUA orientou Brasil a não admitir triunfo de Biden

Apenas na terça-feira, 15, 38 dias após vitória democrata, Planalto reconheceu resultado

Estadão | 16/12/2020, 5h

BRASÍLIA - Com um atraso de 38 dias, Jair Bolsonaro reconheceu na terça-feira, 15, a vitória de Joe Biden na eleição dos EUA. Foi o último dos países que compõem o G-20 a fazer isso – instruído pelo embaixador Nestor Forster, conforme telegramas a que o Estadão teve acesso com exclusividade. Na contramão de observadores americanos e europeus, o diplomata enviou a Brasília, ao longo da contagem dos votos, descrições baseadas em análises e notícias falsas que questionavam a lisura da disputa vencida por Joe Biden.

Durante a apuração, o presidente brasileiro demonstrou sintonia ao discurso eleitoral de Trump, algo incomum na história da diplomacia nacional, a ponto de não comentar a derrota do aliado. Por sua vez, Forster Junior escreveu mensagens informativas que Bolsonaro queria ouvir. Uma série de cinco telegramas obtidos pelo Estadão, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), revela a atuação do embaixador na missão de orientar o governo. Nelas, o diplomata repassou, num primeiro momento, análises que enfatizavam a desconfiança no processo eleitoral e, depois, com a confirmação do resultado favorável ao democrata, relatos que apostavam numa virada de mesa nos tribunais.

As mensagens enviadas entre 5 e 12 de novembro pelo embaixador, num total de 22 páginas, destacaram comentários e expectativas de aliados do candidato republicano. A reportagem teve acesso ainda, via LAI, a outros dez telegramas, 54 páginas, enviados em julho e agosto, meses das convenções partidárias. Procurado, o embaixador disse que não comentaria o conteúdo dos seus textos.

Na noite de 6 de novembro, horas antes do anúncio da vitória de Biden, Forster Junior informou a Brasília que “estreitas margens tornam quase certos processos de recontagens e ações judiciais adicionais”. “A campanha do presidente Donald Trump já robustece sua assessoria legal para promover a recontagem nos Estados-chave e ações judiciais relativas a percebidas irregularidades e denúncias de fraude na apuração de votos”, comunicou Forster Junior. No dia seguinte, um sábado, o democrata era declarado vencedor e analistas políticos dos EUA consideravam improvável uma mudança do resultado.

Foster Junior ignorava até mesmo as posições dos corpos diplomáticos em Washington. Nos telegramas obtidos via LAI, o embaixador só relatou a 12 de novembro que o Reino Unido, a Alemanha e a França tinham reconhecido a vitória de Biden. Os governos desses países cumprimentaram o democrata ainda no dia 7. As mensagens não sinalizaram recomendações para Bolsonaro fazer o mesmo. Questionado em entrevistas sobre a postura de outros dirigentes de cumprimentar Biden, o presidente brasileiro rebatia com a pergunta se a disputa tinha acabado.

Só na tarde de terça-feira Bolsonaro cumprimentou Biden pelo Twitter. “Saudações ao presidente, com melhores votos e a esperança de que os EUA sigam sendo ‘a terra dos livres e o lar dos corajosos’”, escreveu na sua rede social. “Estarei pronto a trabalhar com o novo governo e dar continuidade à construção de uma aliança Brasil-EUA, na defesa da soberania, da democracia e da liberdade em todo o mundo, assim como na integração econômico-comercial em benefício dos nossos povos.”

Ainda no dia 6 de novembro, Forster Junior alertou em relação a “diversos relatos” de fraudes em Michigan, Pensilvânia, Arizona e Nevada. Comentaristas políticos dos Estados Unidos acusavam Trump de divulgar fake news e enfatizavam que as ações dele na Justiça seriam derrotadas. Naqueles dias, emissoras de TV chegaram a interromper entrevistas do presidente na Casa Branca para alertar sobre mentiras ditas ao vivo.

Nas mensagens a Brasília, Forster Junior atribuiu as acusações de fraudes sempre a “relatos” que disse ter ouvido. Sem citar fontes, ele registrou, no mesmo dia 6, “tráficos de cédulas eleitorais em pequena escala”, “intimidação e restrição de acesso de observadores eleitorais a locais de contagem de votos” e critérios de segurança “insuficientes” para verificação de assinaturas de eleitores em envelopes com cédulas enviados pelo correio. O diplomata relatou ainda ter ocorrido “correção de cédulas preenchidas incorretamente por eleitores, de modo indevido, por mesários”.

Informações

Em entrevista no dia 29 de novembro, no segundo turno das eleições municipais no Brasil, Bolsonaro colocou em dúvida o resultado das urnas nos Estados Unidos e disse ter “informações” seguras de que houve fraude no pleito. “A imprensa não divulga, mas eu tenho minhas informações, não adianta falar para vocês que vocês não vão divulgar, que realmente teve muita fraude lá. Teve, isso ninguém discute”, afirmou.

O embaixador brasileiro informou a Brasília, no dia 10, que Trump permanecia firme no propósito de rejeitar o resultado das urnas, ignorando mais uma vez que os analistas davam como certo um fracasso do republicano em levar o caso à Justiça. “Na tarde de hoje (10/11), o secretário de Estado Mike Pompeo afirmou, em resposta a pergunta de jornalista, que o Departamento de Estado estaria preparado para uma “suave transição para uma segunda administração Trump”. 

Ao citar o advogado pessoal de Trump, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, o embaixador brasileiro afirmou, em outro telegrama, que a primeira ação judicial de “escopo abrangente” havia sido protocolada junto à corte federal na Pensilvânia. “Na ação, os advogados do presidente argumentam que o sistema eleitoral do Estado criara um ‘sistema de dois trilhos de votação’, em que eleitores foram tratados de maneira distinta: os votos depositados pessoalmente teriam sido submetidos a critérios de transparência e verificação, ao passo que ‘a massa de votos’ enviada pelo correio estaria ‘envolta em obscuridade’”, destacou.

Segundo Forster, os “votos presenciais” teriam sido submetidos à rigorosa verificação de assinaturas e observação eleitoral, o que não teria ocorrido no caso de votos recebidos pelos correios. “Entre as irregularidades, é mencionado o acesso insuficiente de observadores eleitorais ao processo de verificação, legitimação e contagem dos votos pelo correio. Tais falhas teriam, segundo os autores, violado a ‘cláusula constitucional de proteção igualitária’”.

O telegrama reforça que o advogado de Trump solicitou ao juiz federal, “à luz das alegadas irregularidades”, liminar para impedir que Biden fosse considerado vencedor das eleições no Estado e a desconsideração de votos pelo correio enviados pelos condados da Filadélfia e de Allegheny. “Ambos os condados, de esmagadora maioria democrata, teriam processado mais de 600 mil votos recebidos pelo correio”.

Sobre a falta de provas sobre as supostas irregularidades, o embaixador disse que elas não foram apresentadas, pelos advogados de Trump, “nesse primeiro momento”. “Mas foram levadas ao conhecimento do juízo notícias veiculadas na imprensa e declarações de observadores eleitorais republicanos. Se o juiz do caso acatar o pedido de liminar republicano, será indício de abertura do juízo para análise mais detida de provas e do eventual êxito do processo”. 


Vingança do Senado contra chanceler acidental vitima embaixador aliado (FSP)

 Aliado de Ernesto é rejeitado para posto diplomático em Genebra após desavença com senadora

Folha.com | Mundo
15 de dezembro de 2020



Brasília  

Em derrota para o chanceler Ernesto Araújo, o Senado rejeitou a noite desta terça-feira (15) a indicação de um embaixador para um dos principais postos da diplomacia brasileira no mundo, a delegação junto à ONU (Organização das Nações Unidas), em Genebra.

Ministério das Relações Exteriores havia indicado para o posto diplomata Fabio Mendes Marzano, considerado próximo do chanceler.

A indicação foi rejeitada pelo plenário por 37 votos, contra 9 pela aprovação.


A rejeição se deu após uma desavença no dia anterior com a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), durante sabatina na Comissão de Relações Exteriores.

Ministro de primeira classe da carreira diplomática, Marzano foi questionado pela senadora a respeito do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e até que ponto a questão ambiental, por conta dos desmatamentos, iria afetar a negociação.

Marzano respondeu que o assunto não era da alçada dele, uma vez que estava sendo nomeado para um posto sem relação com o assunto.

"Na verdade, a delegação em Genebra não se ocupa de temas ambientais. Como eu comentei, o Conselho de Direitos Humanos é o principal organismo. As temáticas estão mais relacionadas com direitos humanos", disse.

"Se a senhora me permite, eu não estaria mandatado para opinar aqui sobre o acordo Mercosul-União Europeia. Tampouco é uma atribuição da minha secretaria atual no Itamaraty negociar esse acordo, disse o diplomata, com um leve sorriso, que indignou a senadora.

Kátia Abreu, no entanto, entendeu erroneamente que o embaixador havia dito que o assunto seria atribuição da sua atual secretaria e por isso continuou cobrando o diplomata.

"Ele hoje está ocupando um cargo no Itamaraty que diz respeito a esse assunto, então se nem dessa forma ele pode comentar alguma coisa, o Itamaratyestá virando uma casa de terrores onde os embaixadores não podem abrir a boca e dar suas opiniões. Eu sinto muito diante desse quadro, até o próximo vexame", disse a senadora, durante a sabatina.

Em seguida, Kátia Abreu pediu novamente um posicionamento do diplomata, que apenas respondeu com um aceno negativo com a cabeça.

Quando o assunto foi discutido nesta terça-feira, pelo plenário, o senador Major Olímpio (PSL-SP) fez um duro discurso contra Marzano, afirmando que ele havia desrespeitado o Senado.

"Ao ser sabatinado por uma das nossas senadoras, (...) esse senhor, de maneira grotesca, irresponsável, simplesmente disse que não era da sua alçada e não iria responder", afirmou. "Então, eu peço aos senadores, em nome da altivez do Senado, que não votem por essa indicação."

O senador sugeriu, então, que uma nova indicação ao posto em Genebra fosse feita no início do ano. "Vir aqui dizer o que foi dito, de forma grotesca, e isso sair barato! 'Ah, mas eu sou do time do chanceler'. Para o inferno o chanceler! Respeito ao Senado, respeito aos senadores! Vamos todos votar contra esse cidadão."

Marzano é secretário de Soberania do Ministério das Relações Exteriores, uma estrutura criada por Ernesto para tratar de temas como direitos humanos, ONU e Meio Ambiente e que concentra as pautas conservadoras encampadas pelo chanceler.

A rejeição de uma indicação de embaixadores é evento raro no processo legislativo. Uma das últimas ocasiões em que isso ocorreu se deu com Guilherme Patriota irmão do ex-chanceler Antonio Patriota.

Guilherme Patriota havia sido indicado na ocasião para a missão brasileira junto à OEA (Organização dos Estados Americanos).

Outro raro caso de indicação de embaixador que não prosperou ocorreu em 2013. O diplomata Marcel Fortuna Biato havia sido designado chefe da missão brasileira na Suécia, mas a então presidente Dilma Rousseff suspendeu a indicação.

A petista resolveu retirar o nome após a fuga para o Brasil do senador boliviano opositor Roger Pinto Molina, que havia ficado mais de um ano na embaixada brasileira em La Paz Fortuna chefiava o posto, mas estava de férias à época da fuga do senador.

Senado rejeita embaixador: chanceler acidental reprovado - Felipe Frazão (OESP)

Foi o repórter do Estadão quem me informou que o Senado havia rejeitado o excelente diplomata Fabio Marzano, ao que perguntei se era na Comissão ou no plenário. Minha expressão “Então está enterrado” se refere ao fato de que, sendo no plenário, não haveria mais volta atrás no assunto, não ao próprio diplomata, a quem reconheço como um dos melhores quadros do Itamaraty.

Lamento muito pelo meu amigo Fabio Marzano, a quem faltou tato em face da insistência da Senadora Katia Abreu, ao recusar-se a comentar um assunto que não era da sua competência, quando na verdade a senadora estava veiculando a insatisfação do agronegócio com as posições inaceitáveis dos ministros Araujo e Salles com respeito ao meio ambiente— na verdade submissos à postura DESTRUTIVA do presidente —, sendo que a senadora queria de fato extrair uma confissão indireta de que aquelas posições punham em risco o acordo Mercosul-UE (já é um fato). 

O embaixador Marzano quis proteger o seu chefe e pagou um alto preço por isso. Lamento por ele. Mas com esse gesto, o Senado demonstra que o agronegócio e os senadores em geral já rifaram o chanceler acidental.

Paulo Roberto de Almeida

politica.estadao.com.br

Ernesto Araújo experimenta 'inferno' no Senado

Política - Estadão

Felipe Frazão, 16/12/2020

BRASÍLIA - A derrubada do embaixador Fabio Mendes Marzano, indicado ao cargo de delegado permanente do Brasil nas Nações Unidas em Genebra, na Suíça, chega em má hora para o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O revés joga ainda mais pressão sobre a permanência de Araújo no cargo. Ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro, o líder do PSL, Major Olímpio (SP), conclamou os senadores a mandarem o chanceler "para o inferno". E foi atendido.

De 47 senadores na sessão desta terça-feira, 37 aderiram ao chamado contra o indicado do chanceler, vocalizado da tribuna, ao estilo estridente de Olímpio. Somente 9 votaram a favor de Marzano, homem de confiança de Araújo. Um se absteve. A votação é secreta, o que impede saber quem foi favorável ou contrário.

"Peço aos senadores, em nome da altivez do Senado, que não votem nessa indicação. Se o Senado votar com esse cara - é cara -, estamos negando nossa própria existência, o respeito a cada um de nós. Vamos votar contra, o Senado todo. Que se faça outra indicação no começo do ano. 'Ah, mas eu sou do time do chanceler'. Para o inferno o chanceler!" , bradou Olímpio.

Na véspera, Marzano se indispôs com a senadora Kátia Abreu (PP-TO). Ele se recusou a respondê-la, durante sabatina na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, passo prévio à votação no plenário. Kátia queria ouvir as impressões do embaixador sobre a tese corrente entre diplomatas e ruralistas brasileiros: a de que o desmatamento na Amazônia é usado como pretexto pelo agro estrangeiro para barrar o Acordo Mercosul-União Europeia.

Marzano alegou que o tema não era de sua alçada. Kátia protestou. Ela é ex-ministra da Agricultura e ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a quem o tema preocupa. A senadora disse que o Itamaraty virou uma "casa de terrores" e que os diplomatas não podem mais opinar. Os demais senadores tomaram a negativa como sinal de desprezo aos congressistas. "Colocamos nossa posição, não de arrogância, de poder pelo poder, mas de quem respeita o parlamento", disse a senadora Kátia Abreu (PP-TO), após a reprovação de Marzano, que considerou uma forma de "proteger" o País nas relações internacionais. "Nós sabemos o que estamos fazendo."

O discurso corporativista do Congresso pode servir como biombo. A rejeição de um indicado diplomático é fato raro e costuma indicar problemas na articulação política do governo - isso às vésperas das eleições internas na Câmara e no Senado. Na sessão de ontem, o senador Cid Gomes (PDT-CE) dizia que queria votar logo a indicação daquele embaixador de Genebra "para ir aquecendo". Há meses, senadores de trajetórias tão díspares quanto Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) falavam na necessidade de "enquadrar" a política externa e "reposicionar" o Itamaraty. 

Ernesto Araújo sofre cobranças internas no governo e externas. Dois grupos fazem lobby por sua demissão: o agronegócio e os militares. Ambos, por sinal, pilares eleitorais de Bolsonaro. A seu favor, o chanceler conta o apoio da ala ideológica do governo, da militância virtual e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho do presidente que mais interfere na política externa.

O revés no Senado ocorreu horas depois de o Itamaraty e o Planalto serem compelidos a reconhecer publicamente a derrota do aliado Donald Trump, nos Estados Unidos. O republicano tornou-se um dos poucos incumbentes não-reeleitos na Casa Branca. Bolsonaro relutava em parabenizar o democrata Joe Biden como presidente eleito. Mas o fez após o colégio eleitoral confirmar Biden por ampla margem - 306 a 232 votos. O democrata tem uma agenda contrária à de Bolsonaro e já anunciou que irá pressionar o Planalto na política ambiental.

Esse é outro fator a pesar contra Ernesto Araújo. O chanceler tem contatos nos Estados Unidos, onde serviu antes de chegar ao comando do ministério. Ele foi diretor do antigo Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty. Saberia como abrir caminhos para construir uma relação com os democratas, mas a principal referência dele em Washington é de ser um "trumpista".

Foi ele quem, em 2017, escreveu na revista de artigos do Itamaraty um texto enaltecendo Trump como espécie de "líder" e "salvador" do Ocidente. Foi ele quem, neste ano, durante a pandemia do novo coronavírus, emulou críticas da militância trumpista e bolsonarista à China, num texto com o título "Chegou o Comunavírus". Foi ele quem, em 22 de abril, numa reunião ministerial cujo vídeo viria a público, falou mal do país comunista que controlava boa parte da produção de medicamentos e equipamentos de saúde, além de ter sido o primeiro a registrar a covid-19 - o trecho foi suprimido por causa da sensibilidade a assuntos de Estado.

Incomodado com críticas, Araújo recomendou ao Brasil que assumisse de vez o título de "pária internacional". Sob seu comando, o governo abandonou a promessa de campanha de uma "diplomacia sem ideologia". Numa guinada conservadora, Araújo deu palanque a blogueiros bolsonaristas, afastou o Brasil de do histórico de intermediador moderado nos fóruns internacionais e perdeu prestígio na arena ambiental, agenda que ele despreza com o termo "climatismo". Nas discussões sobre direitos humanos, elevou "Deus" e o cristianismo ao topo das prioridades.

O chanceler nunca teve amplo apoio no Congresso, mas costumava ter certa consideração de parte dos congressistas governistas porque sempre comparecia para se explicar a cada crise diplomática. Agora, sofreu seu pior revés.

A queda de Trump e as rusgas com a China deterioraram as condições políticas para sua permanência. O agronegócio brasileiro depende das importações por parte da China, maior parceiro comercial do País e principal destino da soja, o que preocupa diplomatas e empresários. Ernesto, por duas vezes, repreendeu o embaixador da China, Yang Wanming, e na prática defendeu Eduardo Bolsonaro, em bate-bocas virtuais que constrangeram o meio diplomático em Brasília. A China já ameaçou retaliações.

Além disso, o governo dá sinais de que cargos ministeriais estão em jogo. O Planalto negocia apoios para eleger um presidente da Câmara amigável como sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ), costumeiro crítico de Araújo. 

Só Dilma e Geisel tiveram indicações diplomáticas rejeitadas

O governo Bolsonaro passa à história como um dos poucos a ter uma indicação diplomática rejeitada no Senado. Houve outros dois casos. Em 2015, num sinal de fragilidade  política da presidente Dilma Rousseff, o Senado derrubou o embaixador Guilherme Patriota, então indicado para a Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. O placar, porém, foi apertado: 38 contra e 37 a favor. Em 1984, o general Ernesto Geisel também sofreu revés: o ex-ministro de Minas e Energia e ex-presidente da Pretrobrás Shigeaki Ueki foi rejeitado para Bruxelas, onde representaria o País perante a então Comunidade Económica Europeia, precursora da União Europeia. Diplomatas lembram ainda que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) retirou outros nomes ainda durante a tramitação, ao perceber que seria derrotado.

O Senado tem por costume chancelar quase automaticamente as indicações diplomáticas feitas pelo governo. Poucos parlamentares dedicam-se a temas de política externa e conhecem de perto os diplomatas. A interpretação deles é que, se as normas forem seguidas, a escolha de embaixador deve ser pessoal do presidente da vez, a quem costuma ser garantida essa liberdade. As sabatinas, geralmente, são protocolares.

Uma exceção foi o anúncio de que pretendia nomear o próprio filho Eduardo embaixador em Washington. O Planalto passou semanas verificando o termômetro para a aprovação e decidiu recuar.

Agora, não percebeu a insatisfação com os rumos da política externa. O caso foi considerado uma reviravolta. Isso porque passou pela comissão com 13 votos favoráveis e nenhum contrário. Só Kátia Abreu discursou contra, mas como já havia votado a favor, não conseguiu voltar atrás.

A derrota surpreendeu o governo e o Itamaraty em geral. Diplomatas em cargos de chefia lamentaram que Marzano tenha sido sacrificado. 

Não foi uma rejeição qualquer. Marzano é um quadro respeitado no Itamaraty, tido como bom colega, cordial e com bagagem intelectual. Engenheiro graduado no Instituto Militar de Engenharia (IME), uma das escolas de maior prestígio do País, ingressou no Instituto Rio Branco em 1989, em segundo lugar no concurso. Teve quatro promoções "por merecimento" na carreira, a última delas na gestão de Ernesto Araújo, quando chegou ao cargo de embaixador. 

Ocupa desde o início do governo o cargo de secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania. No organograma, é uma espécie de terceiro escalão do Itamaraty. Acima dele, só o secretário-geral das Relações Exteriores, Otávio Brandelli, e o próprio ministro Ernesto Araújo.

No papel, o escopo de sua secretaria é amplo. Abaixo dele, estão os departamentos de Segurança e Justiça, Defesa, Meio Ambiente, Consular, Nações Unidas, entre outros. 

Foi também colocado pelo chanceler como chefe da Comissão de Ética do Ministério das Relações Exteriores. É, portanto, um nome da confiança do chanceler e tido entre os colegas como bastante católico. Em Genebra, atuaria principalmente nos debates sobre Direitos Humanos e já havia demonstrado facilidade em encampar o discurso pró-liberdade religiosa, como fez, num aperitivo, no ano passado ao visitar Budapeste, capital da Hungria. É um dos poucos países cujo líder Viktor Orbán, também de direita, remanesce como aliado de Bolsonaro.

Agora, o Itamaraty deverá fazer nova indicação. Questionado na noite de ontem, o ministério não comentou a derrota, nem quem será o substituto. 

Consultado pela reportagem minutos depois da derrubada de Marzano, o embaixador Paulo Roberto de Almeida, desafeto de Araújo, quis saber se ele perdera na comissão ou em definitivo no plenário. Informado de que a derrota fora imposta pelo plenário, reagiu assim: "Então está enterrado". Referia-se, claro, ao embaixador Marzano e não ao ministro, embora não seja segredo que anseie pelo fim da trajetória de Araújo como "chanceler acidental", como chama pejorativamente.